Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00481/06.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, CUSTOS ELEGÍVEIS, DESPESAS COM INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO DE CONTRATO DE AGÊNCIA
Sumário:I – A nulidade da sentença, nos termos do artigo 25º nº 1 do CPPT, por falta, ainda que parcial, de especificação dos fundamentos de facto da decisão só opera, designadamente mediante a anulação da sentença nos termos da alª c) do nº 2 do artigo 662º do CPC, se a falta não for suprível com recurso aos poderes conferidos ao tribunal de 2ª instância pelos nºs 1 e 2 desse mesmo artigo.

II - A norma geral sobre a relevância e dedutibilidade dos custos ou perdas na determinação da matéria colectável do IRC extrai-se da conjugação do artigo 23º nº 1 com a alínea g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC. Assim, tudo o que é necessário é que os custos tenham ocorrido, estejam devidamente documentados e tenham sido “comprovadamente” indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.

III – Provados, pela AT, factos de que resulta fundada dúvida sobre a verdadeira ordenação de determinada despesa ao fim da manutenção da fonte produtora, passa a ser do Contribuinte o ónus de alegar e provar os factos de que decorre essa ordenação e, portanto, a susceptibilidade de a mesma ser julgada indispensável nos termos e parta os efeitos do artigo 23º nº 1 do CIRC.

IV – São susceptíveis de gerarem fundadas dúvidas sobre a sua ordenação à manutenção da fonte produtiva, as despesas com o pagamento de uma indemnização pela perda de clientela na cessação imediata, por mútuo acordo, de um contrato de agência com um agente sediado em território fiscal mais favorável, fixada em montantes aparentemente desproporcionado face à duração que o contrato teve
Recorrente:C., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

C., LDA., NIPC (…), com sede em Rua (…), interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 27 de Dezembro de 2010 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial por si movida contra a liquidação oficiosa do IRC de 2001 e respectivos juros compensatórios, consequente a correcções técnicas da matéria tributável, no valor, a pagar, de 275 005,06 € .

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES
1. O Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto colocada à sua apreciação, devendo o Tribunal ad quem decidir no sentido de que o custo suportado (685.874,11€) consubstancia um custo para efeitos do artigo 23.º do CIRC, na versão de 2001.
2. Impõe-se que seja reapreciada a prova testemunhal e a prova documental.
3. Além disso, a sentença é nula, nos termos do artigo 668.º/1/b) do CPC, porquanto não se encontram especificados os fundamentos de facto que justificam a decisão tomada, o que se argúi.
4. O tribunal recorrido devia ter considerado como assente o seguinte facto: que a Recorrente mantinha contratos de agência com o agente C. desde 1997, o que se requer que seja aditado.
5. A Recorrente suportou um custo de €685.847,11 com o pagamento de uma indemnização ao agente C., que desenvolvia a actividade de angariação de clientela, no âmbito do objecto social da Recorrente, que é o que basta para que fique demonstrado que o custo esteve directamente relacionado com a actividade do sujeito passivo.
6. Porque a Recorrente poderia passar a actuar directamente nos mercados em que o agente tinha angariado clientes e em mercados em que, até então, aquele agente beneficiava do exclusivo, a Recorrente chegou à conclusão que seria economicamente mais vantajoso pôr fim aos contratos, pagando-lhe uma indemnização pelo trabalho desenvolvido, e tendo em conta que as vendas seriam ainda influenciadas pelo trabalho do agente até 2002.
7. Por isso, e dentro do regime legal que regula os contratos de agência, Recorrente e comissionista acordaram no pagamento de uma indemnização pela clientela angariada e pela qual este deixaria de receber comissões das vendas.
8. Estando demonstrado que o custo ocorreu e que o mesmo foi vantajoso para a estrutura de custos e estratégia empresarial, tem de se aceitar que se encontra demonstrado que o mesmo se subsume ao conceito de «indispensabilidade de custos no interesse da empresa», pois que o mesmo foi contraído no interesse da empresa, integrando, em abstracto e em concreto, o conjunto de actos que visam o lucro da empresa.
9. O pagamento da indemnização de clientela, ainda que fraccionada, preenche a cláusula geral do n.º1 do artigo 23.º do CIRC, por dever ser tida como necessária, útil, conveniente e prudente para a manutenção da fonte produtora e realização dos proveitos da Recorrente.
10. A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 668.º/1/b) do CPC e 32º/1 do CIRC.

Notificada, a AT não respondeu à alegação

A Digna Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, de se transcreve o essencial:
«Parece-nos que o recurso não merece provimento.
I. Falta de fundamentação do julgado.
Nesta sede a recorrente sustenta que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto justificativos da decisão tomada. Mas sem razão.
A matéria de facto assente no probatório demonstra que o julgador, de entre a factualidade alegada pelas partes, registou como provada aquela que considerou como relevante para a decisão das questões jurídicas colocadas pelas partes.
Se da instrução do processo resultam provados outros factos relevantes para a concludência ou inconcludência do pedido, equaciona-se insuficiência da matéria de facto, mas não o vício de falta de fundamentação da sentença.
A propósito do julgamento da matéria de facto apenas se registou (face às alegações da recorrente) o reparo de haver um facto provado e não levado ao probatório, e que é o que vem referido na conclusão 4, do seguinte teor: A recorrente mantinha contratos de agência com o agente C. desde 1997.
Sobre esta questão - se se justifica ou não que o tribunal “ad quem“ amplie a matéria de facto - nos pronunciaremos na epígrafe seguinte.
II. Insuficiência da matéria de facto assente para a decisão da causa. 
Nesta parte a recorrente defende dever aditar-se ao probatório o facto constante da conclusão 4.
Aqui pensamos ter inteira razão.
Este facto tem interesse para dirimir a causa, sendo certo que o próprio relatório de fiscalização o refere como verdadeiro, quando diz “ter a impugnante pago comissões ao mesmo comissionista em 1997. Pelo exposto não nos parece que haja reservas a que o tribunal “ad quem” proceda à ampliação da matéria de facto no mencionado sentido.
III. Erro de julgamento de direito sobre a questão da indispensabilidade dos custos contabilizados e não aceites pela AT.
Respeitante a este erro de julgamento a recorrente sustenta ter havido erro na valoração jurídica da matéria de facto, impondo-se que o tribunal “ad quem“ decida constituir o custo suportado ( e desconsiderado nas correcções aritméticas ), como integrante nos custos dedutíveis previstos no art. 23.° do CIRC.
Mas agora, salvo melhor opinião, sem razão.
Não se pode esquecer que em sede de avaliação de indispensabilidade de custos para a obtenção de proveitos, cabe ao contribuinte, fundamentadamente, considerá-los como necessários para os proveitos, até porque é a ele contribuinte que cabe definir as estratégias empresarias próprias.
O que equivale a dizer que a indispensabilidade dos custos tem de ser fundamentada pelo contribuinte, de forma a poder concluir-se serem necessários para a prossecução da estratégia empresarial que definiu.
In casu, não há a mínima fundamentação para que o montante indemnizatório contabilizado se perspectivasse como necessário à angariação de clientela por parte do agente comissionista, já que, como resultará do probatório após a ampliação da matéria de facto, desde 1997 prosseguia a actividade de angariação de clientela a favor da impugnante, sem que alguma vez tivesse sido exigida a fixação de indemnização por causa de eventual rescisão contratual do contrato de agência. E se contratualização houve para agora introduzir a cláusula de rescisão que ora nos ocupa, não se mostra que o agente comissionista alguma vez a tivesse exigido, acrescendo que o regime jurídico do contrato de agência, além de não a exigir, quantifica-a, caso as partes decidam fixá-la, em montante muito inferior ao que no caso concreto foi contabilizada pela impugnante. Tudo leva a concluir, então, estarmos na presença de uma despesa sem a mínima justificação empresarial, e mais do que isso, absurda, porque contraída em desconformidade com as mais elementares regras da gestão empresarial, já que o escopo desta é a obtenção do maior lucro possível.
Ou seja, estamos na presença de custos incorridos, não para a prossecução da actividade empresarial da impugnante, mas sim para outros interesses alheios àquela.
Faltando, em face do exposto, o requisito da indispensabilidade do mencionado custo, não tem o mesmo qualquer relevância para constituir custo dedutível com enquadramento no art. 23.° do CIRC.
Bem andou, por conseguinte, a AT ao desconsiderá-lo para efectuar as correcções aritméticas, não sendo passível de qualquer censura a sentença que dessa forma concluiu.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II- Âmbito do recurso e questões a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.

Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal de recurso as seguintes:

1ª: Questão
Padece, a sentença recorrida, de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 668º nº 1 alª b), actual 615º, do CPC, porque não especifica os fundamentos de facto da decisão?

2ª questão
Errou, a Mª Juiz a qua no julgamento em matéria de facto e de direito, ao decidir que os custos incorridos com a indemnização por perda de clientela, consequente da cessação do contrato de agência, acordada e paga, em 2001, ao agente C., não revestiam características de indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e, por isso, não eram dedutíveis aos proveitos obtidos nesse exercício, para determinação da matéria colectável, nos termos do artigo 23º nº 1 do CIRC?

III – Apreciação do Recurso

Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados e a respectiva fundamentação:

«MATÉRIA DE FACTO
Pelos documentos juntos aos autos, e os constantes do processo administrativo apenso por linha, não impugnados e com relevância para o caso, e do depoimento da testemunha inquirida, considero provados os seguintes factos:
1. A Administração Fiscal, no âmbito de acção de inspecção, procedeu a correcções aritméticas, as quais deram origem à liquidação adicional de IRC n.° 2005 8310004755, e juros compensatórios, relativo aos anos de 2001, no valor de total de 275 005.06 €;
2. A Impugnante tem por objecto social empresa têxtil vocacionada para o sector têxtil lar (roupa de cama), qual engloba actividades de indústria e comércio de produtos têxteis, desde a fiação tecelagem, acabamentos e confecção;
3. A Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva que teve início em 06.01.2005 e terminou em 15.02.2005;
4. Do Relatório da Inspecção Tributária, datado de 15.03.2005, e com relevância para o caso consta de fs. 37 a 54 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por reproduzido. (sic)
5. A impugnante, no exercício de 2001, pagou ao agente C., com sede no Liecchtebstein. A quantia de 685 847,11 € respeitante a uma indemnização relacionada com um contrato de agência.
6. A Inspecção apurou que as comissões pagas o agente, no ano de 2001, totalizam o valor global de 1 127 136,36 €, com referência a um contrato anual, automaticamente renovável.
7. A Impugnante e a C. celebraram dois contratos de agência em 24.06.1998 e 06.07.1998, ficando estipulado que no caso de se verificar a cessação do contrato, o agente tinha direito a uma indemnização e que tal contrato podia cessar por iniciativa da Impugnante através de carta registada com antecedência mínima de seis meses (fls. l 75 a 177 dos autos);
8. Em 14 de Dezembro de 1998, a Impugnante celebrou com a C. um acordo com entrada em vigor a 02.12.1998, mediante, os termos da cláusula 3.° do referido acordo a Impugnante comprometeu-se a pagar a quantia total de 2 244 590,54 € em 6 prestações bianuais, no total de 748.196,85 € por ano, com o intuito de compensar o agente pela perda de clientela (fls. 178 a 180 dos autos).
9. Através do acordo de cessação, elaborado em 14 de Dezembro de 1998, cessaram os acordos de agência celebrados em 24 de Junho e 6 de Julho de 1998.
10. Apesar dos contratos de agência terem sido elaborados em 24 de Junho e 6 de Julho de 1998 por força da cláusula do artigo 2.°, tem efeitos a partir de 2 de Junho de 1997;
11. A cláusula do artigo 2°, do contrato celebrado em 24 de Junho de 1998, prevê a rescisão da Impugnante através de carta registada com a antecedência mínima de seis meses;
12. A Impugnante apresentou reclamação graciosa, tendo a mesma sido indeferida por despacho do Director de Finanças de 27 de Janeiro de 2006, constante de fls.26 a 29 que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
13. Em 12.04.2006 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial.
FACTOS NÃO PROVADOS
Que a quantia paga a C. é um custo indispensável para a realização dos proveitos.»

Posto isto, quid júris sobre as questões acima enunciadas e quais as consequências da sua solução para a pretensão recursiva?

1ª Questão:
Padece, a sentença recorrida, de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 668º nº 1 alª b), actual 615º, do CPC, porque não especifica os fundamentos de facto da decisão?

Se bem se entende a alegação e as conclusões, a falta de especificação dos fundamentos de fato da decisão seria parcial e, designadamente, objecto da invalidante omissão seria a generalidade dos factos alegados pela impugnante, entre os quais um facto, provado pelo depoimento da testemunha, a saber, o de que a Recorrente mantinha contratos de agência com o agente C. desde 1997.

As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão taxativamente previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Esta norma é auto-suficiente no seu dispositivo, pelo que a norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil não é aqui subsidiariamente aplicável.

Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença recorrida por, alegadamente, não especificar os fundamentos de facto que fundamentam a decisão, reside exclusivamente no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 669º nº 1 b) do CPC (antigo).

O mesmo já não sucede com a norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença (123º):
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

Com efeito este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e uma delimitação exaustiva do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o artigo 608º nº 2 do CPC (in casu, atenta a data da sentença, para o artigo 660º do anterior CPC), ex vi artigo 2º do CPPT.

No presente caso o intérprete não é reenviado para o CPC, pois o elemento da estrutura da sentença cuja falta é alegada está directamente previsto no nº 2 do artigo 123º acima transcrito.

É de notar, a propósito da interpretação desta norma, que em processo tributário não existe a cisão entre decisão de facto e decisão de direito que existia no código de processo civil que vigorou até 2013, nem, consequentemente, a prévia fixação dos factos assentes, de modo que não pode haver reclamação das partes na selecção da matéria de facto pertinente para discussão e a decisão da causa. Esta peculiaridade do processo tributário face ao civil, que entretanto, com a aprovação do novo CPC, deixou de acontecer, requer do julgador o maior cuidado em trazer para a discriminação de factos provados e não provados todos os factos alegados e relevantes para a decisão da causa.

Como vimos, dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT, que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.

Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.

Não se diga que basta a menção dos provados se estes são suficientes para a solução preconizada pelo tribunal e, quando muito, os não provados cuja não prova releva para a mesma solução.

Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que as partes possam exercer o contraditório também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.

Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.

Se assim é, isto é, se está em causa a garantia do contraditório e do processo equitativo, então, em princípio, padece de nulidade a sentença que deixe de discriminar como provados ou não provados, quaisquer factos que integravam a causa de pedir e que eram relevantes para a tese sustentada por uma parte, designadamente a demandante.

Nesta matéria, que é de facto, a nulidade existirá mesmo que a falta de indicação dos factos provados e não provados seja meramente parcial.
Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 125º do CPPT, no seu CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pág. 360:
8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”

Bem se compreende que assim seja, pois sem uma decisão sobre determinado ou determinados factos que alegou e que são relevantes para a solução de direito, plausível, que sustentou as suas petição ou oposição, não pode a parte pugnar por elas, designadamente mediante recurso, ou até conformar-se racionalmente com veredicto do tribunal.

Sem embargo de tudo o que vai dito – last but not least – atentos os poderes conferidos ao tribunal de recurso de apelação pelo, hoje, artigo 662º do CPC, essas omissões ou deficiências quanto à matéria de facto provada e não provada não serão causa de anulação da sentença sempre que forem supríveis nos termos ali dispostos.

Posto isto, vejamos o caso concreto:
In casu está em causa indispensabilidade, para a geração de rendimento. e consequente relevância, como custo dedutível, do pagamento da indemnização ao agente pela perda de clientela, na cessação do contrato de agência.

A falta de discriminação da matéria de facto e não provada é apenas parcial, pois foram discriminados vários factos provados e um não provado, (a indispensabilidade dos custos com a indemnização em causa, para a manutenção da fonte produtora).

A Recorrente, ao arguir a nulidade da sentença, refere-se genericamente à falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, mas apenas indica um facto por si supostamente alegado e desconsiderado pela Mª Juiz a qua.

A nulidade invocada não é de conhecimento oficioso, tal como decorre do artigo 196º do CPC. Assim sendo, o Tribunal não irá verificar se e que outros factos alegados pela Recorrente e relevantes para a discussão da causa constam da PI e foram ignorados na sentença recorrida, apenas irá verificar se aquele único facto concreto indicado pelo recorrente foi por ele alegado e se era relevante para a decisão da causa segundo a solução por si preconizada.

Sendo assim, cumpre, sem embargo, observar a Petição Inicial, no sentido de se verificar se no seu articulado figura a alegação do facto em causa, ainda que não na exacta formulação usada no recurso.

Num segundo momento, e no caso afirmativo, haverá que ver se esse facto era relevante para a sustentação da alegação de direito da Impante, de ilegalidade do acto impugnado (contando com os factos já considerados e dados como provados).

No caso afirmativo, haverá, ainda, que, sopesando a prova já realizada, apreciar se a omissão é suprível mediante a modificação, por aditamento, da decisão em matéria de facto por este tribunal (artigo 662º do CPC).

Só no caso de a omissão não ser suprível nos termos do artigo nº 1 ou das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 662º do CPC é que haverá que anular a sentença recorrida, nos termos da alª c) do mesmo nº 2.

Revisitada a PI, vemos que o facto alegadamente ignorado vem alegado (embora não literalmente) no artigo 50º e interessava, de algum modo, à tese da AT, ma medida em que prejudicava ou mitigava a alegação, na fundamentação do acto impugnado, de que o acordo de cessação era praticamente contemporâneo do início da relação de agência, o que prejudicava a suposta destinação da indemnização à manutenção da fonte produtora.

Porém, na sentença recorrida já vem dado como provado um facto que, na economia da tese da Impugnante é equivalente. Referimo-nos ao facto nº 10:
Apesar dos contratos de agência terem sido elaborados em 24 de Junho e 6 de Julho de 1998 por força da cláusula do artigo 2.°, tem efeitos a partir de 2 de Junho de 1997”.

Na verdade, se os contratos tinham efeito a 2 de Junho de 1997, então em Junho de 1997 já havia uma relação contratual de agência, não reduzida a contrato escrito, tal como se alega no artigo 50º.

Como assim, não se verifica a alegada falta parcial de discriminação de factos provados ou não provados relevantes, o que prejudica as demais hipóteses acima aventadas e permite, sem mais, julgar improcedente a alegação de nulidade da sentença.

2ª questão
Errou, a Mª Juiz a qua no julgamento em matéria de facto e de direito, ao decidir que os custos incorridos com a indemnização por perda de clientela consequente da cessação do contrato de agência, acordada e paga, em 2001, ao agente C. não revestiam características de indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e por isso não eram dedutíveis aos proveitos obtidos nesse exercício, para determinação da matéria colectável, nos termos do artigo 23º nº 1 do CIRC?

Ates de mais, face à conclusão 9 do recurso, importa deixar um esclarecimento do objecto desta questão.

Não interessa discutir se em abstracto a indemnização de clientela, cuja possibilidade está, até, legalmente prevista, é susceptível, em abstracto, de ser deduzida nos termos e para os efeitos do artigo 23º nº 1 do CIRC, na determinação da matéria tributável.

O que aqui se vai discutir, porque só isso releva para a validade do acto impugnado, é se a indemnização acordada em Dezembro de 1998 com o agente, no valor e nas circunstâncias em que o foi, é susceptível dessa dedução.

O Julgamento da Mª Juiz a qua, nesta matéria, é redutível ao seguinte:
«A questão a decidir é a de saber se (o) valor da indemnização, paga a C., pode ser considerado como um custo fiscalmente relevante, nos termos e para os efeitos do art.° 23.° do CIRC.
A Impugnante sustenta a tese de que a indemnização paga aquela entidade no Liechtenstein, resultante da cessação do contrato de agenda, tem a natureza fiscalmente relevante, que contribuiu para a formação dos proveitos, razão pela qual devera influenciar a determinação da matéria tributável.
A Inspecção tributária entendeu não estarem reunidas as condições para considerar estes pagamentos como custo do exercício, concluindo que os contratos foram elaborados apenas com o intuito de justificar movimentos financeiros para entidades residentes em territórios em regime de tributação e mais favorável, para desse modo aumentar ficticiamente os custos e diminuir a matéria colectável, conforme se explica no relatório.
Determina o n° 1, do art.° 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC), que para o apuramento do imposto devido, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora.
Resulta da matéria assente que a Impugnante, no exercício de 2001, pagou ao agente C., com sede no Liechtenstein, a quantia de 685.847,11 €, respeitante a uma indemnização relacionada com um contrato de agência.
A Inspecção apurou que as comissões pagas o agente, no ano de 2001.totalizavam o valor global de 1 127 136,36 €, com referência a um contrato anual, automaticamente renovável.
A Impugnante e a C. celebraram dois contratos de agência em 24/6/1998 e 6/7/1998, ficando estipulado que no caso de se verificar a cessação (do) contrato, o agente tinha direito a uma indemnização e que tal contrato podia cessar por iniciativa da impugnante através de carta registada com antecedência mínima de seis meses.
Em 14 de Dezembro de 1998, a Impugnante celebrou com a C. um acordo com entrada em vigor a 02.12.1998, que nos termos da cláusula 3.° do referido acordo a Impugnante comprometeu-se a pagar a quantia total de 2 244 590,54 € em 6 prestações bianuais, no total de 748.196,85 € por ano, com o intuito de compensar o agente pela perda de clientela.
Através do acordo de cessação, elaborado em 14 de Dezembro de 1998, cessaram os acordos de agência celebrados em 24 de Junho e 6 de Julho de 1998.
Apesar dos contratos de agencia terem sido elaborados em 24 de Junho e 6 de Julho de 1998 por força da cláusula do artigo 2.°, tem efeitos a partir de 2 de Junho de 1997.
A cláusula do artigo 2.° prevê a rescisão, pela Impugnante, através de carta registada com a antecedência mínima de seis meses.
Como bem refere o digno magistrado do Ministério Público no seu douto parecer”(...) No caso dos autos não está em causa a realização das despesas contabilizadas pela impugnante como indemnização relacionada com os contratos de agência. Ou seja, não se discute que a impugnante tenha suportado tal indemnização. (...)
(...) Atento o disposto no art.° 23.° do CIRC, como é bom de ver, não basta que sejam suportados qualquer um dos encargos referidos naquele preceito legal para serem considerados como custos fiscalmente relevantes. E necessário que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos no corpo da mesma norma. E preciso que esses encargos estejam directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo e que se prove serem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora. (...)"
Da interpretação do art.° 23.° do CIRC resulta a verificação de dois pressupostos, para que sejam aceites como custos fiscais: que sejam comprovados com documentos nos termos legais e seja indispensável para a realização dos proveitos.
Em primeiro lugar, é necessário comprovar a ocorrência e a indispensabilidade de tais gastos e, em seguida, é imperioso ligar a insubstituível necessidade de assumir esses encargos com a realização
A indispensabilidade de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação normalidade ou produção de um resultado.
A impugnante produziu prova documental constante de fls. 33 a 77 dos autos, à qual designou por “Cálculo das comissões “poupadas” com a rescisão do contrato com o agente", o que não é suficiente para provar a indispensabilidade do custo.
Por sua vez, a prova testemunhal produzida foi imprecisa e insuficiente para demonstrar cabalmente o nexo (de) indispensabilidade entre o custo e o proveito.
Nesta conformidade a prova produzida pela Impugnante, não foi suficiente para demonstrar que a indemnização paga era indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora.
Face ao exposto, quer o despacho de indeferimento da reclamação graciosa quer a liquidação de IRC, não estão eivadas de qualquer ilegalidade mormente do art.° 23.° do CIRC»

Como se vê, a sentença recorrida, concretizando e transcrevendo, desta feita, passagens do RIT e da decisão da reclamação graciosa que, na decisão da matéria de facto, referira por remissão, conclui que a prova produzida pela Impugnante no sentido daquela indispensabilidade não foi suficiente, atentos os dados colhidos pela AT.

Embora sem citar normas, a sentença recorrida labora no pressuposto de que era da Impugnante o ónus de alegar e provar factos que convencessem da indispensabilidade de tamanha despesa indemnizatória relativamente a um contrato de tão curta duração, mesmo contando com o início em Junho de 1997.

E aí, embora com alguma ligeireza na fundamentação, andou bem a sentença recorrida.

Vejamos:
A norma geral sobre a relevância e dedutibilidade dos custos ou perdas extrai-se do da conjugação do artigo 23º nº 1, cujo corpo tem o seguinte teor:
- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:”; com a alínea g) do nº 1 do artigo 42º do mesmo CIRC que reza assim: “Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício (…) g) Os encargos não devidamente documentados e as despesas confidenciais” (redacção anterior à introduzida pela Lei nº 67-A/2007 de 31/12).

Assim tudo o que é necessário é que os custos tenham ocorrido, estejam devidamente documentados e tenham sido “comprovadamente” indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.

De facto, a situação sub judicibus é enquadrável no disposto, em matéria de ónus probatório, no disposto nos artigos 74º nº, 75º nºs 1 e 2 da LGT.

As circunstâncias de facto e o contexto jurídico da cessação indemnizada são tais que geram inegavelmente fundadas suspeitas de ser verdadeira essa conclusão que a AT formulou, de que que “os contratos foram elaborados apenas com o intuito de justificar movimentos financeiros para entidades residentes em territórios em regime de tributação e mais favorável”.

Na verdade, são insofismáveis as suspeitas de ser essa a intenção subjacente à contratação de uma indemnização milionária para a cessação de um contrato de agência sobrevinda apenas cinco meses à celebração do último contrato formal e não mais de um ano e meio depois do início da relação contratual.

Com a mera prova do acordo de cessação do contrato de agência nestes termos e em tais circunstâncias, a AT desonerou-se do ónus, que era seu, atentos os artigos 74º nº 1 e 75º nºs 1 da LGT e 23º nº 1 do CIRC, de alegar e provar factos de que resultam sérias dúvidas acerca da indispensabilidade da despesa em causa para a manutenção da fonte produtora da Impugnante, apesar de a declaração de rendimentos da Impugnante o dizer e de a sua contabilidade estar devidamente organizada.

Em contrapartida, uma vez demonstrada, pela AT, aquela fundada dúvida, passa a ter a Impugnante, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 75º da AT, de alegar e provar a indispensabilidade, para a manutenção da fonte produtora, da indemnização acordada, ou factos de que resulte essa indispensabilidade.

O julgamento da sentença recorrida foi no sentido de não ter sido feita essa prova.

A Recorrente sustenta que o tribunal fez uma errada apreciação da matéria de facto.

Contudo, nem na alegação do recurso nem nas conclusões enuncia especificamente os factos concretos que deviam ter sido dados como provados e o não foram – à excepção de um que, como vimos, já tinha facto equivalente nos factos julgados provados.

Deste modo, não só priva o recurso em matéria de facto de uma delimitação do seu objecto, como incumpre com os requisitos formais de admissibilidade de semelhante recurso, constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CPC.

Como é sabido, o artigo 640º nºs 1 e 2 alª a) do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente o que entende serem os factos indevidamente não provado ou provados a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a)”.

Assim, tem de se concluir que o recurso, na parte relativa à não prova de factos determinantes da indispensabilidade da despesa, sub judicibus, para a manutenção da fonte produtiva, não pode ser apreciado.

Consequentemente, temos por assente que a Recorrente não logrou desonerar-se do ónus de provar que a despesa cuja desconsideração pela AT subjaz aos actos impugnados estava realmente conexa e tinha como fim a manutenção da fonte produtora da empresa, pelo que o recurso improcede também no que à alegação sub judicio concerne.

Improcedentes, que se mostram, todas as alegações suscitadas, improcede totalmente o recurso.

IV – Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o decaimento nesta instância, considerando o disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC.

V- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente.
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Custas do recurso pela Recorrente.
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Porto, 13 Maio de 2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio
Cristina Bento