Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00712/08.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:CONTRADITÓRIO SOBRE DOCUMENTOS JUNTOS OFICIOSAMENTE PELO JUIZ
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:1. O juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da CRP e no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, actualmente entendido como «direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
2. Não tendo o tribunal a quo notificado a Recorrente da junção oficiosa de documentos, violou o princípio do contraditório, decorrente dos citados normativos.
3. É irrelevante, para apreciação desta violação, o facto de a impugnante conhecer os documentos por força da sua qualidade de parte noutro processo e de aí os não ter impugnado.
4. A falta de notificação às partes de documentos oficiosamente juntos aos autos constitui omissão de acto ou formalidade exigido por lei susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, nessa medida integrando nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do Código de Processo Civil (actuais artigos 195.º e seguintes).
5. A nulidade que esteja sancionada, ainda que de modo implícito, por sentença judicial e que apenas seja conhecida pelo interessado com a notificação da mesma, deve ser arguida no recurso desta e não perante o tribunal a quo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

J… Lda., representada por J…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que na impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1999 e 2000 originadas em acção inspectiva a que foi sujeita, julgou verificada a caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública da instância.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.354).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A) A sentença notificada à recorrente veio acompanhada de documentos, que serviram para a fundamentar, sem que fosse dada possibilidade de se pronunciar à impugnante.
B) A impugnante pretende reagir contra o “facto consumado”, contra a inaceitável limitação do princípio do contraditório.
C) Por muito que o julgador tenha já conformado a sua convicção, deve sempre aguardar pela pronúncia das partes a quem interessem os documentos.
D) A sentença é nula por violação do Princípio do Contraditório, o que se arguiu para os devidos e legais efeitos,
Sem prescindir,
E) O facto provado PP) encontra-se incorrectamente julgado e em total contradição com o facto provado UU).
F) Diz o artigo 41° do C.P.P.T que as empresas podem ser notificada na pessoa do seu legal representante, vulgo gerente.
G) No caso dos autos, e por carta registada datada de 30/05/2003 e repetida a 21/07/2003, a AF dirigiu carta contendo todas as liquidações adicionais de IVA e de IRC e juros, para José…, que à data não era seu gerente muito menos legal representante.
H) Esta missiva é inócua e não produz o efeito, já que o destinatário não obriga a sociedade.
I) Por outro lado, a repetição da carta datada de 2 1/07/2003 não foi enviada num dos 15 dias seguintes à 1ª missiva (30/05/2003), nem sequer posteriores à sua devolução 21/06/2003, pelo que não tem a virtualidade de fazer presumir a notificação.
J) A notificação não se efectivou, por ser nula a tentativa de notificação na pessoa de José…, como se legal representante se tratasse,
K) Não se podendo presumir a notificação por violação da previsão constante no artigo 39° do C.P.P.T.
L) Andou mal a sentença recorrida, que fez tábua rasa das normas 39° e 41° do C.P.P.T.
M) Não pode considerar-se caduco o direito à liquidação, quando estas notificações não aconteceram.
N) Neste sentido vide Acórdão do TCA do SUL de 16/11/2004 que refere que a notificação por carta com AR, devolvida por não reclamada sem que nos 15 dias a AT tenha remetido nova carta com AR não tem virtualidade de concretizar tal notificação
Por fim,
O) Também o facto constante da alínea R) dos factos assentes se encontra incorrectamente julgado,
P) Não basta um mero relatório de um Senhor inspector, sem que em concreto se saiba, quem, quando e como, para determinar que foram realizadas todas as diligências com vista à obtenção da contabilidade da impugnante.
Q) Faz-se notar que da certidão judicial junta aos autos, resulta mesmo que a AF notificou a impugnante por “via telefónica” e que esta, através do seu gerente fez juntar ao processo administrativo um anexo com a informação que em 15 dias entregaria todos os documentos.
R) Olvida a AF de referir que tal anexo e informação dizia respeito a pessoa colectiva distinta da impugnante, conforme também resulta da certidão judicial junta.
S) A nulidade é um vício absoluto, arguível a todo o tempo, não podendo atribuir-se ainda que de forma lateral qualquer tipo de efeito jurídico.
T) A impugnação é tempestiva, já que não podem ser repristinados actos nulos, nem sequer dar-se eficácia a notificações de notificações nulas e inexistentes.
U) Não pode iniciar-se um prazo de 90 dias para a impugnação, quando nenhuma notificação se efectivou.
V) Violou a sentença recorrida os artigos 39° / n° 5, 41º, 99° e 102° do C.P.P.T. e 133° do C.P.A.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente revogar-se a sentença proferida».

Contra-alegações não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC),são estas as questões que importa conhecer: (i) se se verifica nulidade da sentença por violação do direito ao contraditório sobre documentos apenas notificados com a sentença; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar verificada a caducidade do direito de impugnação judicial.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«3 – Fundamentação. - -

3.1 – De facto. - -

Com relevância para a decisão da questão prévia da personalidade, capacidade judiciária, legitimidade e representação da impugnante, o tribunal julga provado: - -

A. A impugnação foi apresentada em 29/11/2008 (fls. 2). - -

B. À impugnação judicial foi atribuído o valor de 30.001,00 € (fls. 6). - -

C. Nestes autos impugna-se as liquidações adicionais de IRC de 1999 e 2000, no valor de respectivamente, 102.309,42 € e 65.609,77 €, o que perfaz o montante total de 167.919,19 € (fls. 15 e 17 do apenso).

D. Por decisão administrativa da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada, de 18/10/2008, transitada em julgado em 28/10/2008 foi decretada a dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante (fls. 184). - -

E. A decisão de dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante foi registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada em 3/12/2008, pela Insc. 3 – AP. 2/20081203 (fls. 184). - -

F. A decisão que decretou a dissolução decretou em simultâneo o encerramento da liquidação da impugnante por não ter sido apurada a existência de activo ou passivo a liquidar e não foram nomeados liquidatários (fls. 248 e seguintes). - -

G. O registo da dissolução e encerramento da liquidação foi comunicado aos autos pela impugnante em 22/10/2009 (fls. 143 e seguintes). - -

H. Por despacho de 22/10/2009, proferido a fls. 143, determinou-se o prosseguimento da acção considerando-se a impugnante substituída pelos sócios J… e José… (fls. 143). - -

I. Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos seus sócios por carta registada com aviso de recepção (fls.186 e seguintes). - -

J. Como nos autos é obrigatória a constituição de mandatário, em 29/1/2010 foi proferido o seguinte despacho: (fls. 209) - -
«Fls. 205 e seguintes: Na sequência do despacho de fls. 143, a impugnante foi substituída pela generalidade dos sócios, uma vez que não existe liquidatário que os represente (art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)). - - -
Nestes autos é obrigatória a constituição de advogado (art. 6.º, n.º 1, do CPPT). - - -
Pelo exposto, com cópia deste despacho e de fls. 143 e 205 e seguintes, notifique J… e José…, por carta registada com aviso de recepção, para em 10 dias constituírem advogado, sob pena de o réu ser absolvido da instância (art. 33.°do CPC). - - -
Notifique igualmente o ilustre mandatário constituído. - - -». - -

K. Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos sócios J… e José…, por carta registada com aviso de recepção (fls. 210 e seguintes). - -

L. O sócio J… constitui como seus ilustres mandatários, os Senhores Drs. C…, M… e G… (fls. 217 e seguintes). - -

M. O sócio José… não constitui mandatário (fls. 455 e seguintes). - -

N. O sócio J… foi nomeado gerente da impugnante em 19/09/1997 (fls. 246 e seguintes). - -

O. As liquidações impugnadas tiveram origem numa acção inspectiva ao IVA e IRC dos exercícios e 1999 e 2000, que teve origem no despacho n.º 38866, de 12/6/2002 (fls. 37 a 42 e apenso). - -

P. Este despacho deu origem à ordem de serviço n.º 38866, por despacho de 1/7/2002 (fls. 37 a 42). - -

Q. A notificação prévia da realização da inspecção foi notificada à impugnante pelo ofício n.º 423548, de 13/6/2002, registado em 14/6/2002, cujo teor consta de fls. 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, remetida para J…, Ld.ª, …, 4620 - Lousada (fls. 43 e 44). - -

R. Depois de ordenada a realização da inspecção, os serviços de inspecção tributária deslocaram-se à sede da impugnante, no lugar…, Lousada, mas apesar das diligências aí realizadas não conseguiram contactar ninguém ligado à impugnante (fls. 77 a 79 do apenso). - -

S. Os serviços da administração tributária realizaram diligências junto da sede da impugnante, do local de construção das moradias construídas pela impugnante e do gabinete de contabilidade de outras firmas do sócio gerente da impugnante (fls. 77 a 79 do apenso). - -

T. Como não conseguiam contactar ninguém ligado à impugnante, os serviços de inspecção tributária pelo ofício n.º 437086, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, notificaram a impugnante para exibir a escrita e / ou documentos fiscalmente relevantes, nos precisos termos constantes da notificação de fls. 48, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 48 e seguintes). - -

U. Esta notificação foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 48 e seguintes). - -

V. Pelo ofício n.º 437083, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária notificaram J…, para o lugar…, 4610 - Airães (fls. 103 e 104). - -

W. Pelo ofício n.º 437084, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária remeteram uma notificação a J…, para 4620 - Nespereira, que foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 54 e seguintes). - -

X. Por carta registada com aviso de recepção registada em 17/10/2002, a impugnante foi notificada do despacho do director de finanças do Porto de 10/10/2002, que ampliou o prazo para conclusão do procedimento inspectivo, nos termos do n.º 3 do art. 36.º do RCPIT, por mais três meses, cujo conteúdo consta de fls. 94 a 97 do apenso, que aqui se dá por reproduzida (fls. 94 a 97 do apenso). - -

Y. Esta notificação estava dirigida à J…, Ld.ª, Lugar…, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 94 a 97 do apenso). - -

Z. A impugnante foi notificada do projecto de conclusões do relatório de inspecção e para exercer o direito de audição, no prazo de oito dias, por carta registada em 23/1/2003 (fls. 96 a 98 dos autos). - -

AA. Esta notificação estava dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 45 a 47). - -

BB. A impugnante não exerceu o direito de audição (fls. 93 do apenso). - -

CC. O projecto de conclusões do relatório de inspecção foi convertido em definitivo em 30/1/2003 e foi notificado à impugnante por carta registada com aviso de recepção, registada em 5/2/2003 (fls. 67 a 71 do apenso). - -

DD. Esta notificação foi dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 30 a 35 do apenso). -

EE. Os serviços da administração tributária repetiram esta notificação por carta registada com aviso de recepção registada em 19/2/2003 (fls. 26 a 29 do apenso). - -

FF. Esta notificação foi dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação ausente (fls. 56 a 64 do apenso). - -

GG. As notificações das conclusões do relatório de inspecção, referidas de CC) a FF), foram repetidas através do envio para J…– sócio firma J…., Ld.ª, Airães – Felgueiras (fls. 37 a 44 e 49 a 54 do apenso). - -

HH. Estas notificações foram realizadas por carta registada com aviso de recepção registadas em 5/2/2003 e 28/2/2003 e foram devolvidas à administração tributária por não terem sido reclamadas (fls.37 a 44 e 49 a 55 do apenso). - -

II. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório foi repetida por duas cartas registadas com aviso de recepção registadas em 26/3/2003 uma dirigida para a J..., Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J…, Airães, Felgueiras, 4610 – Felgueiras e outra de conteúdo idêntico dirigida a J…, Ld.ª, …, 4620 – Lousada (fls. 45 e 48 do apenso). - -

JJ. Estas notificações foram devolvidas aos serviços da administração tributária (fls. 45 e 48 do apenso). - -

KK. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 31/3/2003 uma dirigida para J…, Ld.ª, Lugar…, 4620 – 404 -Nespereira LSD (fls. 47 do apenso). -

LL. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 1/4/2003, com a anotação ausentou-se sem deixar nova morada (fls. 47 do apenso). - -

MM. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 9/4/2003 dirigida a J…, Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J…, Airães, Felgueiras, (fls. 46 do apenso). - -

NN. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 29/4/2003 com a anotação não reclamado (fls. 48 do apenso). - -

OO. A devolução de todas as notificações realizadas à impugnante com a anotação “mudou-se” foi confessada pela impugnante (artigo 8º, 14º e 39.º da petição inicial). - -

PP. A impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por cartas registadas dirigidas para J…, Ld.ª, …, 4620 – 404 -Nespereira LSD, que consignavam como data limite de pagamento voluntário 4/8/2003 (fls. 15 a 17 do apenso).

QQ. Estas notificações foram todas devolvidas aos serviços da administração tributária em 29/5/2003 e 17/7/2003, com a anotação “ausente”, nova morada Telhado, Airães, Felgueiras (fls. 15 e 17 verso do apenso). - -

RR. A impugnante teve sempre sede em Cruzeiro, Nespereira, Lousada (fls. 146 e seguintes, 182 e seguintes e 246 e seguintes). - -

SS. J… teve domicílio fiscal em Cruzeiro 4620 – Nespereira, LSD, até 6/1/2003, data em que alterou o seu domicílio fiscal para lugar…, Airães, 4610 – Airães, Felgueiras (fls. 246 e seguintes). - -

TT. Até 17/4/2008, José… teve domicílio fiscal no lugar…, Airães, Felgueiras (fls. 246 e seguintes). - -

UU. José… foi gerente da impugnante desde a sua constituição em 9/1/1996 até 2/9/1997, data em que foi exonerado da gerência (fls. 246 e seguintes). - -

VV. Enquanto gerente da impugnante José… constitui J… procurador da impugnante, em que lhe conferia entre o mais poderes para a representar junto das Repartições de Finanças (fls. 246 e seguintes). - -

WW. No cadastro fiscal da impugnante, José… aparece como seu gerente (fls. 149). - -

XX. As notificações das liquidações de IRC devolvidas aos serviços da administração tributária foram remetidas José… por envelope registado com aviso de recepção, registados em 1/7/2003 (fls.18 a 21 do apenso). - -

YY. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 22/7/2003 com a anotação não reclamado (fls.18 a 21). - -

ZZ. A fundamentação do recurso aos métodos indirectos consta do relatório de inspecção, designadamente de fls. 17 a 19 e 22 a 37 do apenso e respectivos versos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (fls. 73, 74 a 77 a 91 do apenso). - -

3.1.1 – Motivação. - -

O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)). - -

Relevou ainda a confissão da impugnante quanto ao motivo da devolução das notificações postais que lhe foram dirigidas (art. 352.º e seguintes do Código Civil (CC) e 38.º e 567.º do CPC). - -

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa. - -»

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente começa por invocar nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório relativamente a documentos que apenas lhe foram dados a conhecer com a notificação da sentença e de que esta se serviu na sua fundamentação.

Desde já se diga que importa não confundir nulidades da sentença com nulidades processuais. Aquelas só ocorrerão como causa invalidante da sentença nas hipóteses taxativamente previstas nos artigos 125.º, n.º1 do CPPT e 668.º, n.º1 do CPC (actual 615.º), em que manifestamente se não integra a situação em causa de falta de contraditório sobre instrumentos de prova dos autos.

A violação do princípio do contraditório, na medida em que consubstancia preterição de uma formalidade prescrita por lei, nomeadamente no art.º3.º, n.º3 e 517.º, n.º1 do CPC (actual 415.º), quando se verifique, poderá integrar eventual nulidade processual secundária ou inominada nos termos previstos no art.º201.º do CPC (actual 195.º) e sujeita ao regime de arguição estabelecido no art.º205.º do mesmo Código (actual 199.º).

Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença, como, efectivamente, ocorreu no caso em apreço – cfr. Acórdão do Pleno do STA, da Secção de Contencioso Administrativo, de 02/10/2001, proferido no âmbito do recurso n.º 42385, publicado no AP-DR de 16/04/2003, página 985. Também o Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo, de 09/10/2002, recurso n.º 48236 e Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário, de 04/12/2002 e de 10/07/2002, proferidos nos recursos n.º 1314/02 e n.º 25998, respectivamente.

É esta a doutrina adoptada pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta do Acórdão de 6 Julho de 2011, do Pleno dessa Secção, proferido no processo com o n.º786/10.

Isso assente, indaguemos da verificação da invocada nulidade, por violação do princípio do contraditório.

Nesta tarefa, importa ter em conta o acórdão deste tribunal de 29/01/2015, proferido no proc.º00248/08.0BEPNF cuja linha expositiva seguiremos com as necessárias adaptações, por estar em causa idêntica questão, com a particularidade de naquele processo o Mmo. juiz se ter socorrido de elementos de prova deste processo 712/08.0BEPNF e neste se ter socorrido de elementos de prova documental daquele proc.º00248/08.0BEPNF.

A Recorrente invocou a violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, em virtude de não ter sido notificada da junção de documentos determinada pelo tribunal recorrido, que se encontravam ínsitos em outro processo de impugnação judicial em que tem a mesma qualidade de parte.

Como se alcança de fls.245, foi exarado despacho ordenando se «junte a estes autos de cópia de fls.292 a 334, 408 a 416, 442, 443 e respectivos versos do processo de impugnação n.º248/08» e, de imediato, proferida sentença.

O n.º 5 do artigo 20.º da CRP determina que “[p]ara a defesa dos direitos, (…), a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

O artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ao contencioso tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, dispõe:
«O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

Trata-se de um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.).

O princípio do contraditório é um dos direitos fundamentais das partes no desenvolvimento de um processo justo e equitativo, garantindo-lhes a possibilidade de intervir em todos os seus actos, defender os seus interesses e influenciar a decisão do Tribunal.

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do artigo 20.º da CRP e n.º3 do artigo 3.º, do CPC.

Sobre o princípio do contraditório, é esta a jurisprudência do STA, espelhada, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 0978/14, de 24/09/2014 e n.º 63/10, de 03/03/2010.

Entre as várias manifestações daquele princípio, importa agora ter em conta especialmente a prevista no artigo 517.º do CPC, aplicável ao processo tributário por força da referida alínea e) do artigo 2.º do CPPT (corresponde ao actual 415.º).

Diz o artigo 517.º, n.º 1, do CPC:
«Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas».

No caso em apreciação, o Mmo. juiz ordenou a junção oficiosa aos autos de elementos de prova de um outro processo de que tomou conhecimento por virtude das suas funções o que justifica, por identidade de razões, o cumprimento da formalidade prescrita.

Das normas legais que vimos de transcrever resulta que nas situações em que o tribunal, por sua iniciativa, se socorrer de factos que tenha tido conhecimento por via de outro processo, é obrigatória a notificação às partes da apresentação desses documentos, de forma a assegurar o princípio do contraditório.

Ora, manifestamente estes comandos legais não foram observados no caso vertente.

Na verdade, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel juntou documentos aos presentes autos e serviu-se deles para discriminar a factualidade assente (cf. pontos RR) a VV) do probatório), sem que tenha notificado previamente as partes desses elementos. Relembra-se que as provas não podem ser admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.

Saliente-se ser irrelevante a Recorrente ser a mesma nos presentes autos e no processo de impugnação n.º 248/08.0BEPNF e neste não ter impugnado os documentos em crise.

Realmente, pode não o ter efectuado nesse outro processo, mas podia tê-lo feito nos presentes autos e o tribunal obviou a essa possibilidade. Acresce que a própria admissão desses documentos nos presentes autos está sujeita a audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostos os documentos, no caso a audiência da ora Recorrente.

Nesta conformidade, não se acompanha o Mmo. juiz a quo na afirmação que faz no despacho de sustentação (consta a fls.369) de constituir a notificação para exercício do direito ao contraditório um acto inútil.

A violação destas normas legais, que visam assegurar o princípio do contraditório, constitui uma flagrante e grave violação desse princípio.

As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pag.176.

Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos extraídos de processo administrativo não apenso aos autos), os quais relevaram para a fixação da matéria assente, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar; daí a importância da audiência contraditória não só com referência à produção da prova documental em causa, mas da própria admissão da mesma nos presentes autos.

Porque o tribunal a quo omitiu a notificação do teor dos referidos documentos, violou o disposto no artigo 517.º do CPC. Exige-se «que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios processualmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa, que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ob. cit., págs. 98/99.).

Como já referimos, a referida preterição da notificação à Recorrente constitui nulidade processual, por traduzir um desvio ao formalismo processual prescrito na lei.

E na medida em que tal omissão de formalidade não integra nulidade processual principal, isto é, tipificada na lei processual civil ou tributária, será à luz do regime do art.º201.º do CPC (actual 195.º) que deveremos aferir se estamos perante uma irregularidade processual susceptível de ser qualificada como nulidade (secundária) – cf. Ac. do STA, de 08/02/2012, proferido no proc.º 0684/11.

Nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. E, concomitantemente, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao artigo 98.º, pág. 87, «como decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou o eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado».

Ora, manifestamente, a falta de notificação dos documentos juntos tem virtualidade para influir na apreciação e decisão, na medida em que não permitiu que a Recorrente pudesse pronunciar-se, eventualmente impugnando os documentos.

Na verdade, a notificação oportuna dos documentos juntos impunha-se como modo de garantir à Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos, pois foi também com base neles e em concatenação com o restante probatório que o tribunal a quo concluiu de forma determinante para o sentido da decisão, desfavorável aos interesses da Recorrente, dada a conclusão de caducidade do direito de acção.

Há, pois, que declarar a nulidade decorrente da falta de notificação dos documentos juntos aos autos em simultâneo com a prolação da sentença recorrida, o que, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º2, do CPC, implica também a anulação dos actos ulteriores que dependam absolutamente dessa notificação, ou seja, no caso sub judice, a anulação da sentença recorrida.

Devem, pois, os autos voltar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para que aí, observado que seja o mencionado princípio do contraditório, com a realização das notificações em falta, se profira, no momento próprio, nova decisão.

Em consequência do exposto, procede o recurso nesta parte, resultando prejudicado o conhecimento das restantes questões processuais.
5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular todo o processado posterior à junção dos documentos, incluindo a sentença recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para cumprimento da formalidade omitida e prolação de nova decisão.
Sem custas.
Porto, 14 de Setembro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro