Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00712/08.0BEPNF |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 09/14/2017 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | Vital Lopes |
Descritores: | CONTRADITÓRIO SOBRE DOCUMENTOS JUNTOS OFICIOSAMENTE PELO JUIZ NULIDADE PROCESSUAL |
Sumário: | 1. O juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da CRP e no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, actualmente entendido como «direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo». 2. Não tendo o tribunal a quo notificado a Recorrente da junção oficiosa de documentos, violou o princípio do contraditório, decorrente dos citados normativos. 3. É irrelevante, para apreciação desta violação, o facto de a impugnante conhecer os documentos por força da sua qualidade de parte noutro processo e de aí os não ter impugnado. 4. A falta de notificação às partes de documentos oficiosamente juntos aos autos constitui omissão de acto ou formalidade exigido por lei susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, nessa medida integrando nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do Código de Processo Civil (actuais artigos 195.º e seguintes). 5. A nulidade que esteja sancionada, ainda que de modo implícito, por sentença judicial e que apenas seja conhecida pelo interessado com a notificação da mesma, deve ser arguida no recurso desta e não perante o tribunal a quo.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | J..., Lda. |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO J… Lda., representada por J…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que na impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1999 e 2000 originadas em acção inspectiva a que foi sujeita, julgou verificada a caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública da instância. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.354). Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões: A) A sentença notificada à recorrente veio acompanhada de documentos, que serviram para a fundamentar, sem que fosse dada possibilidade de se pronunciar à impugnante. B) A impugnante pretende reagir contra o “facto consumado”, contra a inaceitável limitação do princípio do contraditório. C) Por muito que o julgador tenha já conformado a sua convicção, deve sempre aguardar pela pronúncia das partes a quem interessem os documentos. D) A sentença é nula por violação do Princípio do Contraditório, o que se arguiu para os devidos e legais efeitos, Sem prescindir, E) O facto provado PP) encontra-se incorrectamente julgado e em total contradição com o facto provado UU). F) Diz o artigo 41° do C.P.P.T que as empresas podem ser notificada na pessoa do seu legal representante, vulgo gerente. G) No caso dos autos, e por carta registada datada de 30/05/2003 e repetida a 21/07/2003, a AF dirigiu carta contendo todas as liquidações adicionais de IVA e de IRC e juros, para José…, que à data não era seu gerente muito menos legal representante. H) Esta missiva é inócua e não produz o efeito, já que o destinatário não obriga a sociedade. I) Por outro lado, a repetição da carta datada de 2 1/07/2003 não foi enviada num dos 15 dias seguintes à 1ª missiva (30/05/2003), nem sequer posteriores à sua devolução 21/06/2003, pelo que não tem a virtualidade de fazer presumir a notificação. J) A notificação não se efectivou, por ser nula a tentativa de notificação na pessoa de José…, como se legal representante se tratasse, K) Não se podendo presumir a notificação por violação da previsão constante no artigo 39° do C.P.P.T. L) Andou mal a sentença recorrida, que fez tábua rasa das normas 39° e 41° do C.P.P.T. M) Não pode considerar-se caduco o direito à liquidação, quando estas notificações não aconteceram. N) Neste sentido vide Acórdão do TCA do SUL de 16/11/2004 que refere que a notificação por carta com AR, devolvida por não reclamada sem que nos 15 dias a AT tenha remetido nova carta com AR não tem virtualidade de concretizar tal notificação Por fim, O) Também o facto constante da alínea R) dos factos assentes se encontra incorrectamente julgado, P) Não basta um mero relatório de um Senhor inspector, sem que em concreto se saiba, quem, quando e como, para determinar que foram realizadas todas as diligências com vista à obtenção da contabilidade da impugnante. Q) Faz-se notar que da certidão judicial junta aos autos, resulta mesmo que a AF notificou a impugnante por “via telefónica” e que esta, através do seu gerente fez juntar ao processo administrativo um anexo com a informação que em 15 dias entregaria todos os documentos. R) Olvida a AF de referir que tal anexo e informação dizia respeito a pessoa colectiva distinta da impugnante, conforme também resulta da certidão judicial junta. S) A nulidade é um vício absoluto, arguível a todo o tempo, não podendo atribuir-se ainda que de forma lateral qualquer tipo de efeito jurídico. T) A impugnação é tempestiva, já que não podem ser repristinados actos nulos, nem sequer dar-se eficácia a notificações de notificações nulas e inexistentes. U) Não pode iniciar-se um prazo de 90 dias para a impugnação, quando nenhuma notificação se efectivou. V) Violou a sentença recorrida os artigos 39° / n° 5, 41º, 99° e 102° do C.P.P.T. e 133° do C.P.A. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente revogar-se a sentença proferida». Contra-alegações não foram apresentadas. A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC),são estas as questões que importa conhecer: (i) se se verifica nulidade da sentença por violação do direito ao contraditório sobre documentos apenas notificados com a sentença; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar verificada a caducidade do direito de impugnação judicial. 3 – DA MATÉRIA DE FACTO Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual: «3 – Fundamentação. - - 3.1 – De facto. - - Com relevância para a decisão da questão prévia da personalidade, capacidade judiciária, legitimidade e representação da impugnante, o tribunal julga provado: - - A. A impugnação foi apresentada em 29/11/2008 (fls. 2). - - B. À impugnação judicial foi atribuído o valor de 30.001,00 € (fls. 6). - - C. Nestes autos impugna-se as liquidações adicionais de IRC de 1999 e 2000, no valor de respectivamente, 102.309,42 € e 65.609,77 €, o que perfaz o montante total de 167.919,19 € (fls. 15 e 17 do apenso). D. Por decisão administrativa da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada, de 18/10/2008, transitada em julgado em 28/10/2008 foi decretada a dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante (fls. 184). - - E. A decisão de dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante foi registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada em 3/12/2008, pela Insc. 3 – AP. 2/20081203 (fls. 184). - - F. A decisão que decretou a dissolução decretou em simultâneo o encerramento da liquidação da impugnante por não ter sido apurada a existência de activo ou passivo a liquidar e não foram nomeados liquidatários (fls. 248 e seguintes). - - G. O registo da dissolução e encerramento da liquidação foi comunicado aos autos pela impugnante em 22/10/2009 (fls. 143 e seguintes). - - H. Por despacho de 22/10/2009, proferido a fls. 143, determinou-se o prosseguimento da acção considerando-se a impugnante substituída pelos sócios J… e José… (fls. 143). - - I. Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos seus sócios por carta registada com aviso de recepção (fls.186 e seguintes). - - J. Como nos autos é obrigatória a constituição de mandatário, em 29/1/2010 foi proferido o seguinte despacho: (fls. 209) - - K. Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos sócios J… e José…, por carta registada com aviso de recepção (fls. 210 e seguintes). - - L. O sócio J… constitui como seus ilustres mandatários, os Senhores Drs. C…, M… e G… (fls. 217 e seguintes). - - M. O sócio José… não constitui mandatário (fls. 455 e seguintes). - - N. O sócio J… foi nomeado gerente da impugnante em 19/09/1997 (fls. 246 e seguintes). - - O. As liquidações impugnadas tiveram origem numa acção inspectiva ao IVA e IRC dos exercícios e 1999 e 2000, que teve origem no despacho n.º 38866, de 12/6/2002 (fls. 37 a 42 e apenso). - - P. Este despacho deu origem à ordem de serviço n.º 38866, por despacho de 1/7/2002 (fls. 37 a 42). - - Q. A notificação prévia da realização da inspecção foi notificada à impugnante pelo ofício n.º 423548, de 13/6/2002, registado em 14/6/2002, cujo teor consta de fls. 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, remetida para J…, Ld.ª, …, 4620 - Lousada (fls. 43 e 44). - - R. Depois de ordenada a realização da inspecção, os serviços de inspecção tributária deslocaram-se à sede da impugnante, no lugar…, Lousada, mas apesar das diligências aí realizadas não conseguiram contactar ninguém ligado à impugnante (fls. 77 a 79 do apenso). - - S. Os serviços da administração tributária realizaram diligências junto da sede da impugnante, do local de construção das moradias construídas pela impugnante e do gabinete de contabilidade de outras firmas do sócio gerente da impugnante (fls. 77 a 79 do apenso). - - T. Como não conseguiam contactar ninguém ligado à impugnante, os serviços de inspecção tributária pelo ofício n.º 437086, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, notificaram a impugnante para exibir a escrita e / ou documentos fiscalmente relevantes, nos precisos termos constantes da notificação de fls. 48, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 48 e seguintes). - - U. Esta notificação foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 48 e seguintes). - - V. Pelo ofício n.º 437083, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária notificaram J…, para o lugar…, 4610 - Airães (fls. 103 e 104). - - W. Pelo ofício n.º 437084, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária remeteram uma notificação a J…, para 4620 - Nespereira, que foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 54 e seguintes). - - X. Por carta registada com aviso de recepção registada em 17/10/2002, a impugnante foi notificada do despacho do director de finanças do Porto de 10/10/2002, que ampliou o prazo para conclusão do procedimento inspectivo, nos termos do n.º 3 do art. 36.º do RCPIT, por mais três meses, cujo conteúdo consta de fls. 94 a 97 do apenso, que aqui se dá por reproduzida (fls. 94 a 97 do apenso). - - Y. Esta notificação estava dirigida à J…, Ld.ª, Lugar…, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 94 a 97 do apenso). - - Z. A impugnante foi notificada do projecto de conclusões do relatório de inspecção e para exercer o direito de audição, no prazo de oito dias, por carta registada em 23/1/2003 (fls. 96 a 98 dos autos). - - AA. Esta notificação estava dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 45 a 47). - - BB. A impugnante não exerceu o direito de audição (fls. 93 do apenso). - - CC. O projecto de conclusões do relatório de inspecção foi convertido em definitivo em 30/1/2003 e foi notificado à impugnante por carta registada com aviso de recepção, registada em 5/2/2003 (fls. 67 a 71 do apenso). - - DD. Esta notificação foi dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 30 a 35 do apenso). - EE. Os serviços da administração tributária repetiram esta notificação por carta registada com aviso de recepção registada em 19/2/2003 (fls. 26 a 29 do apenso). - - FF. Esta notificação foi dirigida à J…, Ld.ª, …, 4620 Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação ausente (fls. 56 a 64 do apenso). - - GG. As notificações das conclusões do relatório de inspecção, referidas de CC) a FF), foram repetidas através do envio para J…– sócio firma J…., Ld.ª, Airães – Felgueiras (fls. 37 a 44 e 49 a 54 do apenso). - - HH. Estas notificações foram realizadas por carta registada com aviso de recepção registadas em 5/2/2003 e 28/2/2003 e foram devolvidas à administração tributária por não terem sido reclamadas (fls.37 a 44 e 49 a 55 do apenso). - - II. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório foi repetida por duas cartas registadas com aviso de recepção registadas em 26/3/2003 uma dirigida para a J..., Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J…, Airães, Felgueiras, 4610 – Felgueiras e outra de conteúdo idêntico dirigida a J…, Ld.ª, …, 4620 – Lousada (fls. 45 e 48 do apenso). - - JJ. Estas notificações foram devolvidas aos serviços da administração tributária (fls. 45 e 48 do apenso). - - KK. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 31/3/2003 uma dirigida para J…, Ld.ª, Lugar…, 4620 – 404 -Nespereira LSD (fls. 47 do apenso). - LL. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 1/4/2003, com a anotação ausentou-se sem deixar nova morada (fls. 47 do apenso). - - MM. A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 9/4/2003 dirigida a J…, Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J…, Airães, Felgueiras, (fls. 46 do apenso). - - NN. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 29/4/2003 com a anotação não reclamado (fls. 48 do apenso). - - OO. A devolução de todas as notificações realizadas à impugnante com a anotação “mudou-se” foi confessada pela impugnante (artigo 8º, 14º e 39.º da petição inicial). - - PP. A impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por cartas registadas dirigidas para J…, Ld.ª, …, 4620 – 404 -Nespereira LSD, que consignavam como data limite de pagamento voluntário 4/8/2003 (fls. 15 a 17 do apenso). QQ. Estas notificações foram todas devolvidas aos serviços da administração tributária em 29/5/2003 e 17/7/2003, com a anotação “ausente”, nova morada Telhado, Airães, Felgueiras (fls. 15 e 17 verso do apenso). - - RR. A impugnante teve sempre sede em Cruzeiro, Nespereira, Lousada (fls. 146 e seguintes, 182 e seguintes e 246 e seguintes). - - SS. J… teve domicílio fiscal em Cruzeiro 4620 – Nespereira, LSD, até 6/1/2003, data em que alterou o seu domicílio fiscal para lugar…, Airães, 4610 – Airães, Felgueiras (fls. 246 e seguintes). - - TT. Até 17/4/2008, José… teve domicílio fiscal no lugar…, Airães, Felgueiras (fls. 246 e seguintes). - - UU. José… foi gerente da impugnante desde a sua constituição em 9/1/1996 até 2/9/1997, data em que foi exonerado da gerência (fls. 246 e seguintes). - - VV. Enquanto gerente da impugnante José… constitui J… procurador da impugnante, em que lhe conferia entre o mais poderes para a representar junto das Repartições de Finanças (fls. 246 e seguintes). - - WW. No cadastro fiscal da impugnante, José… aparece como seu gerente (fls. 149). - - XX. As notificações das liquidações de IRC devolvidas aos serviços da administração tributária foram remetidas José… por envelope registado com aviso de recepção, registados em 1/7/2003 (fls.18 a 21 do apenso). - - YY. Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 22/7/2003 com a anotação não reclamado (fls.18 a 21). - - ZZ. A fundamentação do recurso aos métodos indirectos consta do relatório de inspecção, designadamente de fls. 17 a 19 e 22 a 37 do apenso e respectivos versos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (fls. 73, 74 a 77 a 91 do apenso). - - 3.1.1 – Motivação. - - O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)). - - Relevou ainda a confissão da impugnante quanto ao motivo da devolução das notificações postais que lhe foram dirigidas (art. 352.º e seguintes do Código Civil (CC) e 38.º e 567.º do CPC). - - Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa. - -» |