Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00351/09.9BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/03/2022 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Carlos de Castro Fernandes |
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Descritores: | SISA; ISENÇÃO DE REVENDA; CEDÊNCIA DE PARCELAS; INTERPRETAÇÃO DE NORMAS DE ISENÇÃO. |
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Sumário: | I - Os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excecional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que encabeçam a tributação, uma vez que, de certa forma, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural. II - As normas de benefícios fiscais merecem um tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto. Por isso, a sua interpretação tem que ser estrita ou meramente declarativa. III - A isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insuscetível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido. IV - Assim sendo, para efeitos de isenção, o conceito de «revenda» previsto nos artigos 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1 do CISISASD, deve ser objeto de interpretação estrita ou meramente declarativa. |
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Recorrente: | A..., Lda. |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | I – A A..., Lda. (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se julgou improcedente a impugnação intentada contra a liquidação oficiosa de SISA, infra referida. No presente recurso, a Apelante formula as seguintes conclusões: A – Nos casos de cedências de áreas para integrar zonas verdes, parqueamento ou outras infra-estruturas necessárias ao loteamento ou alvará de construção requerido pela entidade privada à respectiva Câmara Municipal, há um interesse directo dessa entidade privada na cedência dessas áreas à Câmara, consubstanciado na contrapartida que essa cedência vai gerar, e que se traduz na emissão do acto administrativo de alvará de loteamento ou de licença de construção; B – Distintamente, no caso dos autos, não foi requerido qualquer loteamento ou licença de construção à Câmara Municipal de ... que envolva o prédio cuja área foi cedida; C – Houve, antes, a imposição por parte da Câmara Municipal de ... da cedência de uma área de 6.300 m2 ao domínio público, sem que por parte da recorrente houvesse qualquer interesse nessa cedência, i.e. a expectativa de através da mesma obter o licenciamento de loteamento por si requerido ou em que fosse parte interessada; D – Neste caso, a iniciativa partiu da Câmara Municipal de ..., que, para execução do denominado “Plano de Pormenor do Centro”, decidiu integrar no domínio público diversas áreas pertencentes a particulares, com eles acordando directamente a justa compensação por essa cedência; E – Pelo que, a situação dos autos é semelhante a uma expropriação por utilidade pública, em que a inevitabilidade da cedência e a iniciativa para o estabelecimento de um acordo partiram do Município, por estar em causa a execução de um plano urbanístico abrangendo a zona centro do país, cujo interesse público assim o exigia; F – Por essa razão, a cedência daquela área à Câmara Municipal de ... deve considerar-se no conceito de revenda a que alude o artigo 16º, nº 1, do CIMSISSD e, assim, ser excluída da tributação nessa sede; G – Por essa razão, a liquidação impugnada enferma de vício sobre os pressupostos de facto e de direito, porque apenas deve incidir sobre a área remanescente do prédio, ou seja, sobre a área que não foi revendida dentro do prazo legal; H – Deste modo, a sentença recorrida devia ter julgado a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação de Sisa e Juros compensatórios impugnada, verificando-se que fez errada interpretação dos factos e dos artigos 11º, nº 3 e 16º, nº 1 do CIMSISSD, motivo por que deve ser revogada. Termina a Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão recorrida. A Recorrida (RFP) apesar de regularmente notificada para o efeito não apresentou contra-alegações. * Os autos foram com vista ao digno magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 152 e segs. dos autos – paginação do SITAF). * Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento. -/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: 1. Em 15-03-2001 foi subscrito pela Câmara Municipal de ... e pela sociedade “B....., Lda.”, pessoa colectiva n.º 50... 274, representada pelos seus gerentes AA e BB, um documento, designado de “Protocolo”, que aqui se dá por reproduzido, que abrangia o artigo urbano da freguesia de ... com o n.º ...54, inserido no “Plano de Pormenor do Centro” em elaboração pela Câmara, que previa a intervenção no dito prédio, e mediante o qual ficou acordado, entre outras situações, a cedência gratuita à Câmara Municipal de ... de áreas situadas nos topos norte e sul do imóvel, assinaladas no anexo IV ao protocolo, as quais estavam previstas para execução de arruamentos e arranjos urbanísticos; no dito “Protocolo” estava também previsto que, em contrapartida, a Câmara Municipal procederia à execução das correspondentes infraestruturas, “abrindo e pavimentando os arruamentos e passeios e dotando-os das necessárias ligações para abastecimento de água, electricidade, gás, saneamento e comunicações telefónicas, bem como águas pluviais”; ainda de acordo com o protocolo, a Câmara Municipal comprometia-se a vender à sociedade indicada “a área de terreno situada a Nascente do imóvel desta e necessária para completar aquele que virá a ser o lote número 29 (vinte e nove) do “Plano de Pormenor do Centro” (cfr. “Protocolo” e respectivos anexos, junto a fls. 15 e ss. dos autos, não impugnado, nomeadamente, as suas cláusulas 6ª, 7ª e 9ª); 2. Em 10-06-2002 foi efectuada a venda, pela Câmara Municipal de ..., da parcela de terreno, com a área de 1.275 m2, em cumprimento do acordado no protocolo que antecede (cfr. escritura de compra e venda, celebrada no notário privativo da Câmara, a fls. 29 e ss. dos autos); 3. No dia 24-11-2003, no Cartório Notarial de ..., a Impugnante e a sociedade “B....., Lda., Lda.”, celebraram uma escritura pública de compra e venda, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pela qual, entre outras situações, a primeira comprou à segunda, pelo preço de dois milhões de euros o artigo urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ...54, com o valor patrimonial de € 38.158,04, constando da escritura a menção de que o prédio adquirido se destinava a revenda e de que o acto estava isento de Sisa ao abrigo do artigo 11.º n.º 3 do CIMSISSD (fls. 9 e ss. dos autos); 4. O artigo urbano que antecede tinha a área de 10.150 m2, tendo sido cedida para o domínio público a área de 6.300 m2, ficando os lotes com a área de 3.850 m2 (conjugação dos documentos juntos pela Impugnante – plantas – a fls. 27 e 28 dos autos, com as certidões da Câmara Municipal de ..., de 27-12-2007, de 02-07-2008 e de 27-05-2008, que certificam esta área de cedência, a superfície coberta demolida, bem como o destaque de uma parcela de terreno do artigo urbano aqui em causa com a área de 3.850 m2, as quais constam a fls. 35 e 36 dos autos e a fls. 8 do PA apenso); 5. O Serviço de Finanças de ... enviou à Impugnante o ofício n.º ..41, de 1901-2009, remetido por carta registada com AR, assinado em 22-01-2009, sob o assunto “Caducidade de isenção - § 1º do Artº 16º do CIMSISSD”, nomeadamente, com o seguinte teor: “Em 24/11/2003, por escritura da mesma data, realizada no C.N. de ..., verificou-se que V. Exa. adquiriu um prédio urbano, composto de complexo industrial de rés do chão, 1º andar e logradouro, sito na Rua inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº ...54, tendo beneficiado de isenção de SISA, nos termos do nº 3 do artº 11º do CIMSISSD (prédios destinados a revenda). Consultada a matriz predial, referente ao artigo acima mencionado, verifica-se que em 24/12/2006 (data limite para efectuar a revenda) o mesmo ainda era propriedade de V. Exa., ora nos termos do disposto no § 1 do artº 16º do CIMSISSD, para que o direito àquela isenção não caducasse, dispunha V. Exa. de três anos para proceder à sua revenda. Dispõe ainda o art.º 91º, do mesmo código, que (...) Findo aquele prazo, sem que o mesmo pedido tenha dado entrada nos serviços, ser-lhe-á levantado Auto de Notícia e instaurado processo de contra-ordenação e proceder-se-á à liquidação oficiosa do imposto em falta bem como dos juros compensatórios que se mostrem devidos.” (fls. 14 a 16 do PA apenso); 6. Em 30-01-2009 deu entrada no Serviço de Finanças de ... um requerimento da Impugnante com o seguinte teor: “- Em 2005 a Câmara Municipal de ... integrou no Domínio Público, por força da abertura de arruamento e execução de passeios, a área de 6.300 m2, conforme Certidão emitida por aquela entidade e já entregue nesses serviços para instrução do processo n.º .../2008. - Aliás, foi o arruamento em causa denominado Rua ..., tendo a sua inauguração oficial decorrido pelas 19:15 horas do dia 04/Julho/2006, como é público e notório. Desta forma, foi esta empresa impedida, por interesse público, de proceder à revenda do artigo tal como o tinha adquirido. Mais se informa que o referido artigo não foi objecto de qualquer operação de loteamento, não se integrando o dito arruamento e passeios em área a ceder, nesse âmbito, ao Domínio Público. Assim sendo, para efeitos do cálculo do imposto municipal de sisa, bem como da coima prevista no art.º 29º do RGIT, deverá ser apenas considerada a parte proporcional passível de vir a ser revendida, isto é 3.850 m2 dos 10.150 m2 que compunham inicialmente o dito artigo.” (fls. 17 do PA apenso); 7. O Serviço de Finanças de ... enviou à Impugnante o ofício n.º ...82, de 01-04-2009, remetido por carta registada com AR, assinado em 03-04-2009, sob o assunto “Resposta à petição de 24.03.2009 – Fundamentação insuficiente”, nomeadamente, com o seguinte teor: “Em cumprimento do requerido na petição referenciada em epígrafe, segue nova notificação devidamente fundamentada, a qual anula e substitui a efectuada através do ofício nº 1457, de 06.03.2009, deste Serviço de Finanças. Assim, nos termos do art.º 116º do CIMSISSD, fica V. Ex.ª notificado para no prazo de 10 (dez) dias, a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação, pagar a quantia total de € 140.912,88 sendo € 130.000,00, de sisa e € 10.912,88 de juros compensatórios (veja-se demonstração de liquidação que segue em anexo), conforme pedido de liquidação, entregue neste Serviço de Finanças em 2009-01-30, fora do prazo previsto no art.º 91º do CIMSISSD. (...)” (fls. 34 a 36 do PA apenso); 8. Juntamente com o ofício que antecede foi enviado à Impugnante um documento, intitulado “Liquidação”, que aqui se dá por reproduzido, e do qual, para o que ora interessa, consta como data de aquisição do artigo ...54 o dia 24-11-2003, a data limite para revenda, o dia 24-11-2006, a data de início de contagem dos juros compensatórios, o dia 26-12-2006, o valor de compra de € 2.000.000,00, o valor patrimonial de € 38.158,04, o valor para efeitos de liquidação de € 2.000.000,00, o valor da liquidação de € 130.000,00, de juros compensatórios, de € 10.912,88 e de coima, de € 6.500,00; mais consta desse documento a referência às normas legais e à taxa aplicada, com as demonstrações dos cálculos da liquidação, dos juros compensatórios e da coima (fls. 33 do PA apenso); 9. Em 06-07-2009 foi apresentada neste Tribunal a presente petição inicial, remetida por correio registado em 03-07-2009 (carimbo e registo dos CTT de fls. 2 dos autos). * Na sentença recorrida considerou-se que inexistiam factos não provados com relevância para a decisão da presente questão. * No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que: «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, no que tange aos erros de julgamento apontados à sentença recorrida, nomeadamente no que concerne à errónea apreciação dos factos e a sua subsunção ao direito, máxime no que diz respeito à interpretação dos artigos 11.º, n.º 3 e 16.º n.º 1, ambos do CISISASD. -/- IV – Do direito Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro pela qual se considerou improcedente a impugnação deduzida pela ora Recorrente contra a liquidação de SISA e correspetiva liquidação de juros a que se faz referência no ponto n.º 8 da matéria de facto tida por assente na sentença recorrida. A liquidação de SISA aqui em causa, baseou-se na circunstância de a Recorrente ter adquirido um prédio urbano com isenção de SISA, declarando que o mesmo se destinava a revenda, sendo que esta, na perspetiva da AT, não viria a acontecer, como era suposto no prazo de três anos após a aludida aquisição. Assim, segundo os serviços inspetivos da AT, a isenção prevista e de que a Recorrente beneficiará dado o intuito da dita aquisição, viria a caducar nos termos do § 3 do art.º 11.º do CISISASD. No presente recurso convém primeiramente salientar que apesar de a Recorrente afirmar que o Tribunal recorrido fez uma apreensão indevida da factualidade, a verdade é que escalpelizada a motivação e o teor das presentes conclusões de recurso, o que a Apelante realmente pretende aqui afirmar é que em função da factualidade provada, o Tribunal deveria ter decidido em sentido distinto ao que acabou por prosseguir. Deste modo, os erros apontados à sentença recorrida restringem-se a erros de julgamento de direito e, como tal, não existindo um verdadeiro recurso incidente sobre a matéria de facto estabelecida em primeira instância, aqui teremos que considerar a mesma solidificada para efeitos da presente apelação. Assim, na decisão jurisdicional ora impugnada, o Tribunal recorrido considerou designadamente que: “[…] Como se viu do probatório supra, na base da liquidação oficiosa aqui impugnada esteve a constatação, por parte da AT, de que a Impugnante, tendo adquirido um prédio urbano com isenção de Sisa, nos termos do art. 11.º n.º 3 do CIMSISSD, não o tinha revendido no prazo de 3 anos, previsto no art. 16.º do mesmo Código. Foi este o fundamento da liquidação oficiosa. Dito isto, vejamos, então, se o fundamento da não revenda do imóvel, incluindo das áreas cedidas para o domínio público, no prazo de 3 anos, vale para fundamentar a não isenção de Sisa e a liquidação impugnada. Nos termos do artigo 2.º do CIMSISSD, a aquisição de um prédio estava sujeita a Sisa (actualmente, IMT, nos termos do art. 2.º do respectivo Código). Tal regra, porém, admite excepções, correspondendo uma delas à situação de a aquisição ser feita para revenda por pessoas que exerçam normal e habitualmente essa actividade. Isto mesmo resulta dos termos do artigo 11.º n.º 3 do CIMSISSD. Foi, precisamente, ao abrigo desta disposição legal e, como tal, atendendo à actividade exercida pela Impugnante, que a mesma, aquando da aquisição do prédio aqui em causa invocou a isenção de Sisa. A razão subjacente à concessão da isenção de Sisa (e, actualmente, também de IMT) nas condições previstas no artigo 11.º n.º 3 do CIMSISSD (e, actualmente, no artigo 7.º do CIMT) é a de que os ganhos obtidos com a actividade de revenda de prédios adquiridos com este fim está sujeita, nos termos da lei, a IRS ou IRC, sendo esta uma tributação mais perfeita daquela que resulta do IMT, já que tem em conta os proveitos e os custos da actividade, procurando tributar o lucro real. Além do mais, os prédios adquiridos para revenda fazem parte do activo permutável da empresa, são mercadorias, e não do seu imobilizado, o que leva à sua tributação como rendimento e não como transmissão de património. Aqui chegados, não pode, no entanto, deixar de se constatar que a situação dos autos, ou seja, a cedência de parte do prédio adquirido para o domínio público, foi já apreciada, de forma abundante e reiterada pela jurisprudência dos tribunais superiores. Apesar de a Impugnante invocar que a sua situação é diferente das outras em que há áreas cedidas às câmaras municipais no âmbito de loteamentos privados em que os particulares são requerentes e interessados, não explica, nem o Tribunal vê, em que medida em que há a invocada diferença. É que, tal como a própria Impugnante reconhece, a cedência das parcelas de terreno à Câmara resultou de um “acordo de vontades no qual se ajustaram as contrapartidas devidas”, o que também acontece na maioria das situações de loteamentos, em que os particulares cedem às câmaras áreas para espaços verdes, arruamentos e outras infraestruturas, também aqui havendo acordo de vontades entre as partes envolvidas e transmissão de direitos de natureza económica, com acordo sobre as contrapartidas, em geral do mesmo tipo das aqui invocadas (ligações, a cargo das câmaras municipais, às redes de abastecimento de água, electricidade, gás, águas pluviais, saneamento e comunicações). Ora, assim sendo, e não havendo qualquer diferença entre a situação dos autos e as dos restantes loteamentos privados, é jurisprudência constante e unânime, com a qual este Tribunal concorda, que a cedência de parcelas de terreno para o domínio público não integra o conceito de revenda, previsto nos arts. 11.º n.º 3 e 16.º n.º 1 do CIMSISSD, mesmo que tal cedência tenha sido feita no âmbito do cumprimento de condições acordadas, com direitos e deveres para ambas as partes, de conteúdo económico. […] Regressando ao caso dos autos, verifica-se que tendo a compra do imóvel ocorrido em 24-11-2003, a Impugnante dispunha do prazo de 3 anos, ou seja, até 24-11-2006, para revender tal imóvel na totalidade. Não o tendo feito, e não podendo considerar-se a parte cedida ao domínio público como revenda, nos termos vistos, a liquidação aqui impugnada não sofre de qualquer vício ou erro nos pressupostos de facto ou de direito, pelo que é de manter. Assim sendo, e sem necessidade de mais e maiores considerações, se justifica a improcedência da impugnação, o que abaixo, no segmento decisório, se determinará. […]” Vejamos então. A Apelante invoca que a sentença recorrida fez uma errónea interpretação do disposto 11.º, n.º 3 e 16.º n.º 1, ambos do CISISASD. Ora, a título introdutório, vejamos o que estabelecia o quadro legal então vigente. Para o efeito, façamos aqui apelo ao vertido no acórdão do STA proferido no recurso n.º 0114/11, datado de 07.03.2012 (in www.dgsi.pt). Assim, neste aresto expôs-se que: “[…] Dispõe o artº 11º, nº 3 do CIMSISSD que “ficam isentos de sisa…as aquisições de prédios para revenda nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”. Por sua vez, estabelece o citado artº 13º-A do mesmo diploma legal que “a isenção prevista no n.º 3.º do artigo 11.º não prejudica a liquidação e o pagamento da sisa, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda”. No seu parágrafo 1º dispõe que “para efeitos do disposto na parte final do corpo deste artigo, considera-se que o contribuinte exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício do ano anterior mediante certidão passada pela repartição de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim”. E no seu parágrafo 2º que “quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido paga a sisa, esta será anulada pela repartição de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção”. Estatui, finalmente, o artº 16º, nº 1 do CIMSISSD que “as transmissões de que tratam os n.ºs 3.º…do artigo 11.º…deixarão de beneficiar da isenção logo que se verifique, respectivamente: 1º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”. É sabido que as isenções tributárias, na medida em que constituem excepção à regra da igualdade ou generalidade tributária, têm de constar expressamente da lei, sob o risco de os impostos serem devidos sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais (cfr. Pessoa Jorge, in Curso de Direito Fiscal, 1964, págs. 63 e 64). Como se escreveu no Ac. deste STA de 28/01/2009 tirado no recurso nº 642/08 “levada em linha de conta esta natureza excepcional, os preceitos que estabelecem estas isenções têm de interpretar-se restritivamente. Convocando as já atrás citadas disposições legais, diremos que a isenção da sisa está dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) da apresentação, pelo contribuinte, da declaração a que alude o artigo 11º, n.º 3, antes da aquisição do prédio, para revenda; b) da manifestação, explicita ou implícita, da vontade de revender o prédio adquirido - artigos 11.º, n.º 3, 13º-A e 16º, n.º 1; c) da revenda do prédio no estado em que foi adquirido - artigos 13º-A e 16º, n.º 1; d) da realização da revenda no prazo de três anos - artigos 13º-A, parágrafo 2º, e 16.º, n.º 1; e) de que a revenda, efectuada naquele prazo legal, não tenha como finalidade nova revenda - artigos 13º-A e 16º, n.º 1. Ora, “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não…mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos” (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644). Do referido artº 11º, nº 3 há que aproximar o nº 1 do predito artº 16º, quando dispõe que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”, daqui decorrendo que o vocábulo “revenda” utilizado pela lei, se referia, apenas, às operações comerciais a que se reporta o artº 11º, nº 3, compra e venda, por ter sido esta a actividade que, tributada em IRC, se pretendia isentar de sisa. Sendo assim, só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta”. E, compreende-se que assim seja, por atenção à ratio da isenção, em que está em causa a concessão de um determinado período temporal para que o sujeito passivo que tem uma actividade de revenda de determinados bens imóveis ou existências a opere com lucro sem lhe acrescentar, de regra, qualquer modificação sendo depois tributado em sede de imposto sobre o rendimento pelos ganhos assim obtidos através desta sua actividade específica. O período temporal concedido para que seja efectuada a revenda é aquele que o legislador entendeu razoável para que seja encontrado um comprador sem que se eternize a manutenção na titularidade do sujeito passivo dos bens que destina ao seu comércio/actividade, ou seja a revenda. […]” Ora, na situação presente entendemos que a ora Recorrente o que pretende é ver equiparada a cedência de parte do terreno ao Município no âmbito da concretização de um plano urbanístico seja equiparado a uma venda e, como tal, tendo alegadamente ocorrido ainda antes do prazo de três anos consignado no n.º 1 do art.º 16.º do CISISASD. Deste modo, a Apelante sustenta que pelo menos no que tange às parcelas cedidas ao Município, não deve ser computada a SISA aqui em questão. Assim, a questão que nos surge é a de saber como interpretar a referida norma do CISISASD. Ora, há que atender que aqui está em causa uma norma que faz cessar a isenção requerida e que se inclui na lógica desta. Assim, como se refere no acórdão do STA de 28.12.2012, proferido no recurso n.º 0529/12 (in www.dgsi.pt) Ainda que o acórdão citado se referia a isenção de IMT, os seus pressupostos quanto ao desenho interpretativo das normas de isenção, vem no seguimento da interpretação geral feita pelo colendo STA quanto àquele tipo de normas, tal como resulta, aliás, do mencionado aresto. Assim, no que toca a questão em tudo idêntica à dos presentes autos, veja-se também, por exemplo, o acórdão do STA de 17-04-1991 (recurso n.º 013168).: “[…] Uma correcta abordagem da questão decidenda supõe que se faça uma breve referência à interpretação das normas de benefícios e de isenção de tributação. Com efeito os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes, citado no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto) As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312). E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática. Daí que se entenda que, a isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insusceptível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido. […] Este tem sido também o entendimento tradicional da nossa jurisprudência no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, cujo regime é, neste aspecto, muito semelhante ao regime do CIMT – cf. Acórdãos de 6/3/1985, rec. n.º 2732, de 19.06.1985, recurso nº 002841, de 13.10.1993, rec. º nº 15334, de 28.01.2008, rec. n.º 642/08 e de 07.03.2012, recurso 01141/11. Como se exarou no Ac. de 13.10.1993, acima citado (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282) «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de «revenda» do prédio em causa». E ainda a propósito do conceito de revenda se disse também no supra citado Ac 1141/11 que “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não…mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos (…) Sendo assim só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta ” (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644). Neste sentido, se vem pronunciando, de igual modo, a doutrina. Assim Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, volume I, pag. 371, J. Silvério Mateus /L. Corvelo de Freitas, ob. citada pag. 386, e José Maria Fernandes Pires, ob. citada, pags. 422-423. […]”. Feito este enquadramento podemos concluir que a interpretação pretendida pela ora Recorrente quanto ao disposto nas normas indicadas no presente recurso como supostamente infringidas pela sentença recorrida, se traduziria numa aplicação analógica do conceito de «revenda» Trata-se de uma interpretação por analogia e não de uma interpretação extensiva, uma vez que o que a Apelante pretende é que o conceito de «revenda» inclua a cedência gratuita de partes do imóvel em questão e não que este conceito se estenda para além do seu significado literal. previsto nos artigos 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1 do CISISASD. Com efeito, a cedência de parcelas em causa ocorreu de forma gratuita, como se faz referência no protocolo que a anterior proprietária firmou com a edilidade que daquela beneficiou. Por isso, não há aqui qualquer paralelismo possível com a figura da (re)venda. Ora, tal como se refere no último acórdão supra citado do STA, a interpretação analógica aqui não é possível, uma vez que se tratando de normas de isenção obedecem a um princípio de interpretação estrita ou declarativa, alicerçada precisamente na sua natureza excecional. Por isso, o sistema normativo da isenção de imposto previsto e condicionado nos artigos 11.º, n.º 3 e 16.º n.º 1, ambos do CISISASD, na medida em que contradiz os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insuscetível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente previstos no benefício concedido. Por isso, atendendo aos contornos factuais aqui em causa, não se pode aplicar a isenção pretendida pela Recorrente, tal como se decidiu na sentença recorrida. Deste modo, entendemos aqui que não existe o erro de julgamento que é atribuído à decisão jurisdicional recorrida. -/- Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário: I - Os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excecional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que encabeçam a tributação, uma vez que, de certa forma, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural. II - As normas de benefícios fiscais merecem um tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto. Por isso, a sua interpretação tem que ser estrita ou meramente declarativa. III - A isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insuscetível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido. IV – Assim sendo, para efeitos de isenção, o conceito de «revenda» previsto nos artigos 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1 do CISISASD, deve ser objeto de interpretação estrita ou meramente declarativa. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 03 de novembro de 2022 Carlos A. M. de Castro Fernandes Tiago A. Lopes de Miranda Cristina da Nova _________________________________ Ainda que o acórdão citado se referia a isenção de IMT, os seus pressupostos quanto ao desenho interpretativo das normas de isenção, vem no seguimento da interpretação geral feita pelo colendo STA quanto àquele tipo de normas, tal como resulta, aliás, do mencionado aresto. Assim, no que toca a questão em tudo idêntica à dos presentes autos, veja-se também, por exemplo, o acórdão do STA de 17-04-1991 (recurso n.º 013168). |