Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00638/15.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ARTIGO 126.º DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DE 2015; NORMAS SUBSTANTIVAS; NORMAS PROCEDIMENTAIS;
PRESCRIÇÃO; LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS; LEI N.º 35/2014, DE 20.06; ARTIGO 122.º N.º 1, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:1. Se o legislador decidiu, depois de discussão preparatória, manter a redacção do artigo 126.º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2015, no sentido de serem aplicáveis ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados as normas procedimentais – e apenas estas - previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06, e não, também, as normas substantivas, como são as relativas ao instituto da prescrição, não se pode fazer uma interpretação “correctiva”, contra a vontade inequívoca do legislador, incluindo na dita aplicação subsidiária tanto as normas procedimentais como as normas substantivas.

2. Não se vê que outra solução se possa adoptar que não seja a da aplicação subsidiária à prescrição, de sanção aplicada a advogado, do disposto no artigo 122.º n.º 1, do Código Penal, no caso da sanção de multa, o prazo de prescrição de 4 anos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Ordem dos Advogados Portugueses veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 04.05.2021, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção interposta por M..., Advogado, e em consequência foi anulado o acto impugnado, “o despacho do Presidente do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, notificado através de comunicação eletrónica datada de 10.07.202, mediante a qual foi determinada a execução da pena disciplinar de multa, no valor de 7.500€00 (sete mil e quinhentos euros), aplicada por decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de 28.11.2014.

Invocou para tanto, em síntese, que: como “questão prévia”, a decisão recorrida procede a uma equívoca aplicação do direito, ao tutelar a pretensão de ampliação do objecto processual a acto consequente sem que se verifique nos autos a regular impugnação do acto principal e pregresso, violando, assim, de forma manifesta o previsto no artigo 63.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; a decisão recorrida procedeu a uma errónea aplicação do art.º 193.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e da inexistência de “lei mais favorável”; a decisão recorrida não teve em conta o efeito suspensivo da contagem do prazo de prescrição decorrente da impugnação contenciosa do acto: a ser aplicável o referido dispositivo previsto na al. b) do art.º 193.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se conjectura, nunca tal produziria o efeito pretendido pelo Recorrido, nomeadamente, à luz da leitura conjugada do referido dispositivo com o previsto nos n.ºs 6 e 7 do art.º 178.º da mesma Lei; ao contrário do que expõe o Tribunal recorrido, nunca se deu o transcurso do prazo de prescrição aí previsto, na medida em que, em virtude da comprovada pendência de impugnação do acto de condenação, conforme iniciativa laborada pelo Autor nos autos do Proc. n.º 1123/18.5BEPRT, a tramitar na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nunca o referido prazo se poderá ter, sequer, como tendo iniciado a sua contagem.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. Tendo sido notificada da Decisão proferida nos presentes autos em10.05.2021, a Ré não se conforma com o teor do decisório em causa e, como tal, vem exercer o seu direito de recurso, nomeadamente por entender que o Tribunal recorrido laborou em equívoca apreciação tanto dos elementos de facto como de direito.

Desde já se diga que,

I - Questão Prévia

B. Tendo o Tribunal recorrido conhecido, por Despacho Saneador de 30.11.2020 e notificado em 03.12.2020, da inimpugnabilidade do acto que o Autor visou impugnar nos presentes autos, e não tendo sido impugnado qualquer outro acto, nomeadamente, aquele que condenou o Recorrido na pena de multa,

C. Não se conjectura como possível que os presentes autos se pudessem deter sobre a apreciação da validade de um acto consequente de um acto pregresso que nunca foi impugnado.

D. Assim sendo, como é, não existe demanda principal por absoluta inexistência de objecto processual sobre o qual o Tribunal se pudesse pronunciar.

E. Pelo que, sempre se dirá que a Sentença ora colocada em crise procede a errónea apreciação dos factos, tendo em conta a manifesta e objectiva impossibilidade de, da inexistência de acto impugnando, se poder retirar a existência de um acto consequente,

F. Tal como procede o Tribunal a quo a uma equívoca aplicação do direito, ao tutelar a pretensão de ampliação do objecto processual a acto consequente sem que se verifique nos autos a regular impugnação do acto principal e pregresso, violando, assim, de forma manifesta o previsto no art.º 63.º do CPTA.

Acresce que,

II - Da errónea aplicação do art.º 193.º da LGTFP e da inexistência de “lei mais favorável”

G. O Tribunal recorrido, na decisão ora colocada em crise, procedeu à aplicação do regime de prescrição das sanções disciplinares previsto no art.º 193.º da LGTFP e instituído no seio do exercício do poder disciplinar no contexto da relação de trabalho em funções públicas.

H. Fê-lo dando acolhimento ao argumento invocado pelo Autor nos autos quando afirma que, apesar de no caso se ter como aplicável o Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção dada pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, conforme o previsto n.º 1 do art.º 3.º da 145/2015, de 9 de Setembro, dever-se-á ter como aplicável o EOA2015 por deste constar um regime de prescrição das penas disciplinares mais favorável e que, assim sendo, deveria o Tribunal conhecer da prescrição da pena de multa que lhe foi aplicada nos autos disciplinares em causa.

I. Ora, desde já se diga e salvo melhor entendimento que não se vislumbra, que o juízo expendido pelo Tribunal a quo, de que ao caso seria aplicável um prazo de 3 (três) meses, conforme estatuído no art.º 193.º da LGTFP não se mostra como correcto, na medida em que tal aplicação do direito procede a uma interpretação revogatória do disposto no art.º 126.º EOA2015, violando de forma manifesta este normativo.

J. Ora, cabe, desde logo, atentar na redacção constante do art.º 126.º do EOA2015 que, conforme resulta expressamente da letra da lei, não tem o alcance ou efeito que o Recorrido ou o Tribunal a quo pretendem, pois diz-nos o referido art.º 126.º do EOA2015,

«Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respetivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.»

K. É pois, clara e sem margem para qualquer dúvida a referência expressa a normas procedimentais, sendo certo que não se pode retirar do texto da lei aquilo que o legislador não quis dizer, presumindo-se sempre no labor de interpretação que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cfr. o n.º 3 do art.º 9.º do CCiv..

L. Assim, se o legislador fez questão de fazer referência à necessária natureza procedimental das normas da LGTFP a aplicar por remissão, será sempre porque, manifestamente, quis deixar de fora do âmbito da remissão aí prevista as normas que não tenham essa natureza e, assim, o dispositivo previsto no art.º 193.º da LGTFP, dado que as normas referentes a prazos prescricionais se tratam de normas de natureza substantiva.

M. Não podendo, por isso mesmo, ter-se como válida a remissão que o Recorrido pretendeu operar, e a que o Tribunal a quo deu abrigo em violação do direito aplicável ao caso, para a al. b) do art.º 193.º da LGTFP para o prazo prescricional previsto para a sanção de multa de três meses contados da data em que a decisão se tornou inimpugnável.

N. Ora, tal posição não se mostra válida, no sentido em que, de facto, não existe qualquer fundamento legal que sustente a aplicabilidade do referido normativo no âmbito do exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados.

O. Na verdade, e sendo clara a vontade do legislador não aplicar as disposições previstas na LGTFP de natureza substantiva, sempre seria mais correcto, tendo em conta a letra da lei, aplicar in casu as disposições previstas no Código Penal ou do Regime Geral das Contra-Ordenações do que convocar um regime cuja aplicabilidade foi expressamente excluído pelo legislador.

P. E neste sentido, porque não resulta provada a existência de qualquer regime mais favorável constante do EOA2015, sempre se deverá aplicar o regime previsto no EOA2005, tendo em conta que este é, em face do disposto nas disposições transitórias constantes do diploma que aprovou a redacção do EOA2015, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, que, a contrario sensu, impõe a aplicabilidade do disposto no EOA2005 aos autos disciplinares já instaurados à data da entrada em vigor da referida Lei.

Q. Assim, é manifestamente claro que não existe qualquer fundamento, seja factual, seja legal, que permita aplicar ao caso qualquer regime previsto no EOA2015, porque (i) não ficou demonstrado que o regime da prescrição das penas disciplinares aplicadas pela Ordem dos Advogados seja distinto do que se deveria ter como aplicável à luz do EOA2005, (ii) não ficou demonstrado que o regime aplicável não seja mais gravoso, dada a natureza do regime geral previsto no Código Civil, (iii) apenas resulta como claro e certo, da norma remissiva invocada pelo Autor, que o regime de prescrição previsto na LGTFP não se aplica ao caso.

R. E assim, não havendo qualquer prova de que o regime previsto no EOA2015 é mais favorável, dever-se-á aplicar in casu o regime previsto no EOA2005 que no seu art.º 121.º referia

«Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:
a) As normas do Código Penal, em matéria substantiva;
b) As normas do Código de Processo Penal, em matéria adjectiva.»

S. E neste caso sempre se dirá que é clara a remissão directa do EOA2005 para o disposto no Código Penal e, assim, para o regime aí previsto para a prescrição das penas e, consequentemente, para o prazo de 4 (quatro) anos previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CPenal.

T. Pelo que, não se verifica in casu o transcurso de qualquer prazo de prescrição que tenha operado em relação à pena de multa no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) aplicada ao Autor e, como tal, ao entender como entendeu, o Tribunal recorrido, violou o disposto no art.º 126.º do EOA2015 e no art.º 121.º do EOA2005, procedendo a interpretação revogatória e inválida daquele dispositivo para dele retirar o que, manifestamente, o legislador não quis dizer.

Diga-se ainda que,

U. O aparente exercício interpretativo de legitimação da decisão a procede o Tribunal a quo apresenta-se-nos não só como incompleto, mas também como ignorando elementos que, se tidos em conta, sempre imporiam uma decisão em sentido contrário,

V. Veja-se que, recorrendo ao elemento histórico e teleológico, o Tribunal procede à seguinte citação da Exposição de Motivos inserta na Proposta de Lei 309/XII ,

«Quanto à ação disciplinar, a par da remissão para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, diploma aplicável subsidiariamente, consagra-se, por um lado, a punibilidade da tentativa e, por outro, procede-se à graduação das infrações disciplinares, que se classificam em leves, graves e muito graves, clarificando-se ainda as sanções aplicáveis às mesmas.»

W. Não tendo, no entanto, cuidado o Tribunal de daqui retirar a clara, manifesta e propositada intenção do legislador de limitar o âmbito da remissão para a LGTFP, prevista no art.º 126.º do EOA2015, às normas procedimentais.

X. Pois, se por um lado de nada do que fica dito se pode retirar uma ampliação da remissão conforme constante do texto legal, por outro lado, mostra-se claro que, fazendo referência expressa à alteração à matéria atinente à (i) punibilidade da tentativa, (ii) à graduação das infracções e (iii) à aplicação das sanções,

Y. E tendo, ainda, em conta que tal matéria, tal como a temática da prescrição das penas disciplinares, tem natureza substantiva e que a alteração aí referida mereceu consagração expressa no art.º 115.º do EOA2015,

Z. Só se poderá concluir que o legislador, ao fazer constar disposição expressa sobre as matérias em causa, tinha perfeita noção que a remissão para a LGTFP constante do art.º 126.º do EOA2015 não seria operante em relação a estes temas, dada a sua natureza substantiva, tal como não poderá ser operante em relação ao prazo de prescrição das sanções, dada a natureza igualmente substantiva desta matéria.

AA. Ora, mal se compreenderia que o mesmo legislador, plenamente ciente da limitação e âmbito de aplicação da remissão constante do art.º 126.º do EOA2015 quanto a estas temáticas, já não tivesse o mesmo discernimento quanto a matéria tão importante quanto a prescrição da sanção disciplinar.

BB. Nestes termos, excluindo o legislador da Exposição de Motivos qualquer referência ao prazo de prescrição das sanções disciplinares aplicadas, conclusão diferente não se poderá retirar daquela que nos diz que o legislador não pretendeu alterar o regime em causa, i.e., não consta, de facto, da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 309/XII qualquer referência que possa indiciar um desejo de descontinuidade em relação ao regime anterior.

CC. Pelo que, sempre deverá considerar-se improcedente o juízo interpretativo a que procedeu o Tribunal a quo, na medida em que a averiguação dos elementos histórico e teleológico, para além da manifesta desadequação com o elemento literal, se mostra incompleta e em sentido inverso ao que a análise da completude daqueles sempre imporia.

Refira-se ainda que,

DD. Percepcionando-se, tendo em conta a inexistência de uma norma expressa que se refira à prescrição da pena disciplinar da redacção do EOA2015, a verificação de uma lacuna, sempre se imporia proceder à sua integração nos termos do disposto no art.º 10.º do CCiv. e não a uma interpretação do art.º 126.º do EOA2015 que manifestamente extravasa o limite do seu elemento literal.

EE. Neste sentido, sempre se deverá ter como a situação cuja analogia se mostra evidente a previsão constante do disposto do art.º 122.º do CPenal, que no caso sempre redundará na aplicação de um prazo de prescrição, tendo em conta a natureza de multa da sanção aplicada nos autos disciplinares em causa, de 4 (quatro) anos.

FF. Na medida em que, a relação empregador/trabalhador, em contexto hierarquizado, que caracteriza o trabalho em funções públicas não encontra qualquer analogia no âmbito do exercício do poder disciplinar pela Ordem dos Advogados em relação aos seus associados, sem qualquer vínculo laboral com a Ordem dos Advogados e em exercício autónomo e independente da profissão, conforme legal e estatutariamente imposto, nomeadamente, à luz do vertido nos art.ºs 88.º, 89.º n.º 1 e als. a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º todos do EOA2015.

GG. Por outro lado, as específicas preocupações de prevenção geral e especial que presidem ao exercício do poder disciplinar pela Ordem dos Advogados, na medida em que os deveres deontológicos constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, quando violados, são susceptíveis de gerar uma repercussão e alarme social na comunidade que encontra maior paralelismo, assumem maior semelhança com os interesses e bens que o direito penal pretende proteger.

HH. Pelo que, verificando-se uma lacuna e a necessidade da sua integração, (i) sempre deveria o Tribunal a quo ter conhecido da vontade expressa do legislador de excluir a aplicabilidade de qualquer disposição da LGTFP de natureza substantiva, conforme expressamente disposto no art.º 126.º do EOA2015, e, desta forma, (ii) verificando a existência de uma lacuna, sempre deveria ter aplicado o regime mais próximo, cujo o paralelismo se mostre semelhante também quanto aos bens jurídicos e interesses que se pretende tutelar,

II. Sendo certo que, não aplicando analogicamente o regime de prescrição previsto para a prescrição das penas conforme previsto no Código Penal e, ao invés, insistindo na aplicabilidade do art.º 193.º da LGTFP, o Tribunal a quo violou de forma manifesta o disposto no art.º 10.º do CCiv., dada a manifesta dissemelhança entre as razões fundadoras da previsão do art.º 193.º da LGTFP e as que impõem a previsão de um prazo de prescrição no âmbito do regime disciplinar da Ordem dos Advogados,

JJ. Mostrando-se, por outro lado, a analogia entre as razões fundadoras da previsão do art.º 122.º do CPenal como absolutamente procedentes no âmbito da necessidade de previsão de um prazo de prescrição para as sanções disciplinares aplicadas pela Ordem dos Advogados, nomeadamente à luz dos interesses públicos por esta tutelados e da repercussão e alarme sociais que especificamente decorrem do ilícito no seio da regulação disciplinar do exercício da Advocacia.

Acresce que,

III – Do efeito suspensivo da contagem do prazo de prescrição decorrente da impugnação contenciosa do acto.

KK. Sempre se diga que, a ser aplicável o referido dispositivo previsto na al. b) do art.º 193.º da LGTFP, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se conjectura, nunca tal produziria o efeito pretendido pelo Recorrido, nomeadamente, à luz da leitura conjugada do referido dispositivo com o previsto nos n.ºs 6 e 7 do art.º 178.º da LGTFP.

LL. Pois, a referência à inimpugnabilidade da decisão como momento que enceta a contagem do prazo de prescrição aí estatuído só se poderá ter como válida, nos casos em que tenha havido impugnação contenciosa, quando sobre esses autos judiciais recaia a força de trânsito em julgado,

MM. Pelo que, a aplicar-se o referido regime, o que não se concede, sempre se deverá aplicar todo o regime de acordo com a unidade sistemática do diploma em causa e, assim, só se poderá ter como iniciada a contagem do prazo de prescrição em referência depois de se verificar o trânsito em julgado da decisão a proferida nos presentes autos.

NN. Aliás, nem se diga, conforme parece ser a intenção do Tribunal a quo, que o juízo de inimpugnabilidade do acto conforme prolatado pelo Despacho Saneador proferido nos presentes autos a 30.11.2020 e notificado a 07.12.2020 possa produzir efeitos retroactivos à data da propositura da presente acção e, assim, consumir todo o tempo em que os presentes autos estiveram pendentes e o inerente efeito suspensivo decorrente da pendência da presente iniciativa impugnatória.

OO. Ora, salvo melhor opinião que não se conjectura, não pode a decisão final quanto à impugnabilidade ou não do acto objecto do processo consumir o tempo referente à pendência dos autos, e, muito menos, o tempo referente à suspensão do prazo de prescrição da pena de multa em virtude da iniciativa contenciosa do Autor, aplicável conforme decorre expressamente do disposto nos art.ºs 193.º e 178.º ambos da LGTFP.

PP. Não pode, por isso, o Tribunal recorrido pretender que a decisão favorável à Ré e Recorrente tenha o condão, não só de reconstruir o momento a partir do qual se inicia o prazo de prescrição, como de apagar todo o período de suspensão referente à pendência dos presentes autos,

QQ. Sob pena de, em sentido contrário, nunca ter tido a Recorrente in casu e na prática qualquer verdadeira hipótese de exigir o cumprimento da pena justificadamente aplicada ao Recorrido.

RR. Ora, ao entender com entende o Tribunal recorrido, sempre se terá que ter em conta que juízo viola de forma expressa os art.ºs 193.º e 178.º ambos da LGTFP, cuja aplicabilidade não se concede.


Por fim,

SS. E novamente não concedendo, sempre se diga que a asserção que o Tribunal recorrido retira da parte decisória do Despacho Saneador proferido nos autos a 30.11.2020 e notificado a 07.12.2020 é só parcialmente correcta e, tal facto, sempre implicará decisão distinta da ora proferida.

TT. Uma vez que o Autor o Autor e Recorrido nos autos apresentou, de facto, impugnação do Acórdão prolatado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, tendo-o feito de forma autónoma, em acção a que seria atribuída referência Proc. n.º 1123/18.5BEPRT, e que se encontra a tramitar na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,

UU. Sendo certo que os referidos autos se encontram suspensos e a aguardar decisão com trânsito em julgado nos presentes autos (Proc. n.º 1123/18.5BEPRT), conforme decisão proferida pelo Despacho de 14.12.2018 e confirmada por Despacho de 01.03.2021, cfr. Doc. 1 e Doc. 2 que se juntam em anexo e cujo teor se dá como reproduzido para todos os devidos e legais efeitos,

VV. Pelo que, para todos os devidos e legais efeitos, tal facto, v.g. a impugnação contenciosa do acto final consubstanciado na decisão proferida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados que sustentou e manteve a decisão proferida pelo Conselho de Deontologia do Porto, sempre se terá que ter como obstando ao início da contagem do prazo de prescrição da infracção disciplinar na qual o Autor e recorrido saiu como condenado, nos termos dos citados art.ºs 193.º e 178.º ambos da LGTFP.

WW. Ou seja, e ao contrário do que expõe o Tribunal recorrido, nunca se deu o transcurso do prazo de prescrição aí previsto, na medida em que, em virtude da comprovada pendência de impugnação do acto de condenação, conforme iniciativa laborada pelo Autor nos autos do Proc. n.º 1123/18.5BEPRT, a tramitar na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nunca o referido prazo se poderá ter, sequer, como tendo iniciado a sua contagem.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 31.12.2012, deu entrada, nos serviços do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados uma participação disciplinar, em nome de J... e subscrita pela sua Mandatária, nela constando como participado o aqui Autor, e à qual foram agregados, em anexo, um suporte digital (CD) com a gravação da audiência de julgamento que teve lugar nos autos do processo n.º 9345/10.0TBVNG, que correu termos na 1 a Secção da 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia e um documento com a transcrição dactilográfica do depoimento prestado pelo Autor naqueles autos — cfr. folhas 1 a 7 e 8 a 53 do processo administrativo.

2. Em 08.03.2013, por Deliberação do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, sob proposta do Vogal do mesmo Conselho, datada de 05.03.2013, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o ora Autor - cfr. folhas 61 e 65 do processo administrativo.

3. Em 18.04.2013, através de comunicação electrónica, o aqui Autor pronunciou-se no âmbito do processo disciplinar em referência e requereu a realização de diligências de prova (inquirição de testemunhas) - cfr. folhas 77 a 90 do processo administrativo.

4. Em 05.05.2013, por despacho do Relator do processo disciplinar em referência, foram ordenadas diligências instrutórias, em concreto, a inquirição de testemunhas arroladas pelo participante e participado, a junção ao processo disciplinar de cópia integral do pedido de dispensa de sigilo apresentado pelo aqui Autor e ao qual foi atribuída a referência 119/SP/2012P, junto do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e, bem assim, a junção dos articulados e despacho saneador apresentados e proferidos no processo judicial em referência — cfr. folhas 105 do processo administrativo.

5. Em 19.05.2014, pelo Relator da 3.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados foi proferido despacho de acusação - cfr. folhas 218 a 221 do processo administrativo.

6. Em 16.06.2014, o Autor apresentou defesa através de correio electrónico, mediante carta registada expedida no dia seguinte - cfr. folhas 225 a 236, duplicado em folhas 237 a 248 do processo administrativo.

7. Foram realizadas diligências instrutórias, com audição do participante e inquirição de duas das três testemunhas arroladas pelo aqui Autor na sua defesa - cfr. folhas 249, 259 a 263 do processo administrativo.

8. Em 24.11.2014, pelo Relator da 3.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, foi proferido relatório final; do qual se extrai a seguinte fundamentação:

“(…)

4. Fundamentação:

Os factos provados da acusação resultam da audição do CD junto aos autos com a gravação da audiência de julgamento em questão, da prova documental, nomeadamente a fls. 55, 56, 141 a 146, 154 a 216 e fls. 12 e 152 a 156 do apenso, da confissão parcial do arguido na defesa de fls. 237 a 244 e dos autos de declarações das testemunhas a fls. 120 a 122 e 123 a 124 e 260. Os factos provados da defesa resultam da prova documentai de fls. 12 do apenso e dos autos de declarações das testemunhas 123 a 124 e 260 e das declarações do Participante a fls. 262. Os factos não provados da defesa resultam da insuficiência da prova apresentada nesse sentido e por se ter constatado o contrário do aí alegado pela prova documenta/junta aos autos e também testemunhal.

5. Qualificação e gravidade da conduta.

Antes de procedermos à qualificação da conduta, cumpre tomar posição sobre a questão prévia levantada pelo Sr. Advogado Arguido na sua defesa. Vem este sustentar que a participação de fls. 2 a 7 não está assinada pelo Participante, mas sim pela sua advogada Dr.a I…, e que a procuração de fls. 76 está datada de 27/12/2012 e foi junta na sequência da notificação. Conclui assim que a notificação é inválida e a procuração insuficiente pois deveria ter sido junta procuração com poderes especiais a ratificar todo o processado; uma vez que o Participante não ratificou o processado, deverá ficar sem efeito tudo quanto foi praticado pela Sr. a Advogada I.... Vejamos:

A participação de fls. 2 a 7 deu entrada em 31 de Dezembro de 2012 e está assinada pela Sr. a Advogada Dr. a I.... A procuração foi junta na sequência da notificação à Sr. a Advogada, ordenada por despacho de fls. 67, e está datada de 27 de Dezembro de 2012, ou seja, com data anterior à data da participação. Assim sendo, a procuração, por ter data anterior à data da participação, não tinha que ratificar o processado. Por outro lado, inexiste qualquer invalidade na notificação efectuada à Sr. A Advogada para juntar procuração, porquanto a mesma foi feita na sequência de despacho do Relator a ordenar tal notificação, despacho esse efectuado ao abrigo do disposto no artigo 140. 0, n. 0 1, do EOA e, por isso, inteiramente válido. Acresce finalmente que o Participante, nas suas declarações a fls. 262 e 263 e prestadas a requerimento do próprio Arguido, veio expressamente confirmar que apresentou queixa do Participado, que quis fazê-lo e que constituiu a Sr, a Dr. a I... para o fazei por si (i.e., formular queixa à O.A.). Improcede, pois, a arguição do Participante, indeferindo-se, assim, a sua pretensão.

Na acusação imputa-se ao Sr. Advogado arguido a prática de infracção disciplinar pelo facto de a sua conduta violar os deveres consignados nos artigos 83.º, 86.º, alínea a), 87.º. n.º 1, alínea a), 2, 3 e 4, e 92.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA). Tais deveres consistem em, nomeadamente, o advogado ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, ser leal, não prejudicar os fins e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia, guardar segredo profissional relativamente a factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções designadamente por revelação do seu cliente e manter a relação de confiança recíproca com o cliente.

Em face da factualidade apurada, teremos inevitavelmente que concluir que o Sr. Advogado Arguido violou, consciente e ostensivamente, os deveres previstos nos supracitados artigos do EOA e, por isso, cometeu infracção disciplinar. E dizemo-lo "consciente e ostensivamente" porquanto o Sr. Advogado Arguido bem sabia que estava a violar o segredo profissional ao depor naquela audiência, pois, por um lado, se tinha solicitado dispensa à Ordem dos Advogados é porque sabia que tais factos estavam protegidos pelo sigilo; por outro lado, foi advertido na própria audiência pelo Sr. Juiz e mesmo assim resolveu depor. No que respeita à ponderação da gravidade da sua conduta, não podemos esquecer que o segredo profissional é um dos princípios basilares do exercício da advocacia, cuja violação afecta o prestígio da advocacia e da Ordem dos Advogados e tem sido entendido, desde sempre, como uma das mais importantes prerrogativas e um dos mais importantes deveres do advogado, sendo considerado uma "regra de ouro" da Advocacia, sem a qual a sua nobre e indispensáveis função estaria gravemente ferida e coarctada.

O n.º 4 do artigo 87.º do EOA é muito claro quando refere que a revelação de factos sujeitos a sigilo só pode ser feita mediante prévia autorização do Conselho Distrital, autorização que, apesar de ter sido solicitada, foi ignorada pelo Sr. Advogado Arguido, pois, antes mesmo de saber o resultado do seu pedido de dispensa, decidiu depor. Aliás e como era fácil de antever, tal pedido foi negado de forma lapidar peio Conselho Distrital, decisão que foi confirmada pelo Conselho Geral na sequência do recurso interposto pelo Sr. Advogado Arguido.

O segredo profissional é um dever que se impõe aos advogados pela extrema importância dos valores que protege, razão pela qual a decisão acerca da sua preservação siga critérios tão rigorosos e tenha de ser tomada pela Ordem dos Advogados.

Como refere António Arnaut in "Iniciação à Advocacia", págs. 65 a 76:

“O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos, foi sempre considerado honra e timbre da profissão, conditio sine qua non da sua plena dignidade. (...) Outras profissões (médicos, jornalistas, sacerdotes ou bancários) estão vinculados ao sigilo, mas em nenhuma, como a nossa, é tão forte esse vínculo de confiança. (advogado está obrigado a segredo profissional quanto a todos os factos de que tiver conhecimento, directa ou indirectamente, no exercício da sua profissão, qualquer que seja a fonte do seu conhecimento. A salvaguarda do segredo profissional impõe-se, assim, por razões de interesse e ordem pública que extravasam o círculo do relacionamento entre o advogado e o cliente. Ainda neste sentido, refere António Arnaut, in obra citada, a pags. 67:) há ainda outro fundamento, de manifesto interesse público, directamente ligado à função de advogado como servidor da Justiça. Ao reconhecer a honra, dignidade e eminente função social da advocacia, a lei reconhece, do mesmo passo, a natureza pública da profissão. ) Desta concepção da actividade forense resulta que o advogado só pode exercer cabalmente o seu ministério de ordem pública se estiver defendido de revelar, perante quaisquer autoridades, os segredos de que é depositário. (...) Trata-se, pois, no campo ético - legal, de um direito dever. "

A gravidade da conduta do Sr. Advogado Arguido é acentuada pelo facto deste ter revelado factos de que teve conhecimento na sua relação com o cliente e em que depôs como testemunha da outra parte numa acção proposta contra o seu cliente, ou seja, depôs contra a vontade do seu ex-cliente e contra os interesses deste. Como refere o Bastonário Dr. Augusto Lopes Cardoso, na sua obra "Do segredo profissional na advocacia' "a fonte mais importante do fornecimento de factos sigilosos é o próprio «cliente» " ou citando ainda o Dr. António Arnaut: " O cliente ou simples consulente deve ter absoluta confiança no advogado para lhe poder contar toda a verdade, numa verdadeira "confissão", e saber que ele é um Sésamo que nunca se abre.' Como se refere no despacho de fls. 174 a 176 proferido no pedido de dispensa de sigilo. Portanto, nunca em circunstância alguma o advogado pode depor como testemunha em defesa dos interesses da parte contrária como ocorreria no caso em apreço se o advogado requerente acedesse a depor, por solicitação da pane contrária àquela que patrocinou, portanto para depor sobre factos alegados pela parte contrária àquela que defendeu.

São por demais óbvias as razões que levam a que nunca, em circunstância alguma, o advogado possa ser obrigado a revelar factos que lhe foram confiados pelo seu constituinte ou de que tomou conhecimento por força do patrocínio do seu cliente, em prejuízo deste mesmo cliente. Dir-se-á apenas quer quando isso sucedesse, estaria definitiva e irremediavelmente minada a confiança do cliente no seu advogado e assim ruiria a própria função social do Advogado, consabido como é que a manutenção do sigilo profissional corresponde a um interesse público que extravasa até das próprias relações entre advogado e cliente. "

Por isso mesmo, o comportamento do Sr. Advogado arguido, ao revelar tais factos numa audiência de julgamento e como testemunha da parte contrária ao seu excliente, assume uma especial gravidade.

6. Proposta de pena.

Nos termos do artigo 126. 0 do EOA, na aplicação da pena deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do Sr. Advogado arguido, ao grau de culpa, às consequências da infração e a todas as demais circunstâncias agravantes e atenuantes. O Sr. Advogado Arguido não tem averbada qualquer sanção disciplinar e está inscrito na OA desde 15 de Outubro de 1999, pelo que goza da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 127. 0 do EOA. Não goza de qualquer outra circunstância atenuante.
Pelas razões supra-referidas, nomeadamente pelo facto do Sr. Advogado Arguido ter pedido dispensado de sigilo e ter sido advertido pelo Sr. Juiz antes de depor, entendemos que aquele agiu consciente e deliberadamente e por isso com dolo. Assim, está preenchida a circunstância agravante prevista na alínea a) do artigo 128. 0 do E.O.A. Para além da má imagem para o prestígio da advocacia que foi transmitida no processo em causa pelo comportamento do Sr. Advogado Arguido, não resultaram outras consequências negativas, nomeadamente para o ex-cliente, porque o Tribunal acabou por não considerar o depoimento do Sr. Advogado arguido. No que respeita ao grau de culpa do Sr. Advogado Arguido e tendo em conta tudo quanto foi referido, temos que considerar como elevado, pois este sabia que tais factos estavam abrangidos pelo sigilo profissional e que o seu comportamento violava um dos mais importantes deveres deontológicos do advogado. Assim e embora o comportamento do Sr. Advogado Arguido porventura justificasse uma pena de suspensão, proponho, atendendo ao facto deste não ter antecedentes disciplinares, que lhe seja aplicada a pena disciplinar de MULTA, no montante de C 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), prevista na alínea d) do n. 0 1, do artigo 125. 0 do EOA.
Porto, 25 de Novembro de 2014, Luís Cerquinho da Fonseca.
(…)”
- Cfr. folhas 265 a 278 do processo administrativo.

9. Em 28.02.2018, pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, foi proferido o Acórdão que indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pelo ora Autor com fundamento no Parecer do Relator designado, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:

"(...)

APRECIAÇÃO.

Cumpre apreciar e decidir perante as conclusões apresentadas.

São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n..º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/isti) e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Assim sendo, importa ter presente os respetivos considerandos de resto repetidos nos autos de que: "a) O advogado tem o dever de se recusar a depor sobre a matéria abrangida pelo segredo profissional, como é toda aquela cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços; Essa obrigação de sigilo, legalmente prescrita no art.º 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, deve ser rigorosamente acatada por todos os advogados, por corresponder a um princípio basilar do exercício da profissão de Advogado, de reconhecido interesse público. O advogado só pode depor sobre matéria sujeita sigilo, após prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, por si solicitada, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do seu cliente; Não é legítima nem pode ser autorizada a dispensa de segredo profissional para defesa de interesses da parte contrária àquela que o advogado patrocina, ou patrocinou. Está portanto expressamente vedado ao Sr. Dr. M... prestar o depoimento testemunhal para que foi arrolado no processo n.º 9345/ 10.0TBVNG da 2.ª vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia. Concluindo-se, in casu que ficou inequivocamente decidido que, no processo de recurso de dispensa de sigilo profissional, requerido pelo Dr. M..., foi proferida decisão de recurso nos seguintes termos: "Veio o Sr. Dr. M... interpor recurso da decisão que indeferiu o seu pedido de dispensa de segredo profissional para depor como testemunha contra um cliente seu no Proc. n. 0 9345/ IO.OTBVNG, que corre pela 2 a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, e do despacho de aclaração que manteve o indeferimento com os mesmos fundamentos, ambos proferidos pelo Senhor Vogal do Conselho Distrital do Porto, com competência delegada. Tal pedido foi indeferido porque o referido Senhor Vogal do Conselho Distrital do Porto entendeu, em ambas as decisões, que não "é legítima nem pode ser autorizada a dispensa de segredo profissional para defesa de interesses da parte contrária àquela que o advogado patrocina, ou patrocinou", urna vez que o advogado "só pode depor sobre matéria sujeita a sigilo (...) desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do seu cliente". Analisados os autos verifica-se que, de facto, o que o Ilustre Recorrente pretende é depor como testemunha a favor da parte contrária àquela que ele patrocina, ou patrocinou.

Há, no caso, portanto, o dever de guardar segredo profissional. O próprio Ilustre Recorrente o reconhece, pois, apesar de vir dizendo que não existe dever de guardar sigilo profissional, a verdade é que vem requerer a dispensa do cumprimento de tal dever. E, em nosso entender, irrelevante que o Ilustre Recorrente tenha sido chamado a depor apenas sobre a aposição ou não das assinaturas num contrato de cedência da posição contratual e não sobre o conteúdo do documento, e que estivesse presente no momento e local onde refere terem sido apostas as assinaturas (dia 9-6-2009, no Cartório de Lima Pinto, em Vila Nova de Gaia) por "mero acaso". A verdade é que, como o próprio reconhece, a pessoa contra quem pretende depor era, ou é ainda, seu cliente, o documento a assinar foi elaborado por ele, advogado, a pedido do cliente e o Ilustre Recorrente estava presente no Cartório Notarial na qualidade de advogado do referido cliente, mesmo que porventura fosse para tratar de outro assunto.

Como se refere na decisão recorrida, e bem, a nosso ver, permitir que o Ilustre Recorrente depusesse contra o cliente, colocaria em causa a própria função social do advogado, minando, obviamente, a confiança de qualquer cliente no seu advogado. Ora, nos termos referidos de que são as conclusões apresentadas que sintetizam as razões do presente pedido, não descurado o supra exposto, tem de se referir que, no que concerne à questão suscitada sobre se os factos estarem ou não sobre o sigilo profissional, já o relatório final se pronunciou exaustivamente sobre o assunto, pelo que, e não trazendo o Recorrente novos elementos sobre tais factos, se remete para aquela o mesmo, reiterando que os factos sobre os quais prestou depoimento estavam cobertos pelo sigilo profissional e portanto só o poderia ter feito caso tivesse autorização para a quebra do referido sigilo profissional, o que não ocorreu. Quando à existência de um alegado deferimento tácito derivado da omissão (por falta de decisão dentro do prazo legal) de decisão por parte da Autoridade Administrativa competente, sendo, segundo o Recorrente, perfeitamente defensável o entendimento segundo qual o n.º 1 do artigo 108.º estabelece um princípio geral de deferimento tácito para pedidos de aprovações ou autorizações, somos do entendimento que tal entendimento não é de todo o correcto, até porque os princípios subjacentes ao princípio do sigilo profissional são de todo contrários aos que permitem o deferimento tácito previsto no artigo 108.º do CPA. Como, e a nosso ver bem, refere o Recorrido nas suas contra-alegações, "o direito a revelar factos sujeitos a sigilo não está dependente de autorização administrativas (condição de aplicabilidade do art.º 108.º n.º 1 do CPA). O direito apenas existe se houver decisão favorável dos órgãos competentes, o que faz com que lhe seja aplicável o regime do art.º 109.º n.º 1 do mesmo código (...)".

Nem se pode extrair outro entendimento da leitura do n.º 4 antigo artigo 87.º actualmente artigo 92.º do EOA, pois o mesmo expressamente refere que "o Advogado só pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante autorização prévia. No caso em concreto, não existiam interesses legítimos do advogado nem do cliente, antes pelo contrário, nem tinha a necessária autorização, pelo que por mais rebuscado seja o argumento utilizado para justificar a conduta do arguido, não assiste razão ao Recorrente.

Relativamente à alegação de que lhe foi negado o seu direito fundamental de defesa, por não terem sido efetivamente inquiridas todas as testemunhas arrolados pelo Recorrente, pois justificaram documentalmente a impossibilidade de comparecerem no dia e local aprazados por motivos de índole médica, o que configura a violação mais elementar dos direitos de defesa daquele e, e que por isso o Douto Acórdão é nulo. E estranho que o Recorrente a faça, pois como bem sabe, a testemunha que apresentou justificação médica para faltar, a D. E..., já havia prestado depoimento, a fls. 1 32 dos autos, pelo que foi tido o seu depoimento em consideração. Já quanto à testemunha M--- o mesmo não compareceu, nem justificou a sua não comparência. Mais uma vez, não tem razão o Arguido. No demais, e no que diz respeito à fundamentação do Acórdão, ou à falta desta, devemos chamar a atenção de que estamos perante um processo disciplinar e como tal, toda a prova produzida nos autos é válida a admissível para a boa decisão da causa. O exposto na decisão recorrida encontra-se suficientemente fundamentado tendo-se concluído que não ocorre o vício de forma por falta de fundamentação. O exposto pela decisão recorrida quanto ao vício invocado, é suficientemente claro e exaustivo tornando-se desnecessário produzir nova fundamentação. Assim sendo, não trouxe o Recorrente ao processo novos factos, nem novas razões que possam gerar dúvidas sobre a justiça da condenação.

Na determinação da medida da sanção deve atender-se, nos termos do artigo 131.º do EOA, aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau da culpa, à gravidade e às consequências da infracção, à situação económica do arguido e todas as demais circunstâncias agravantes e atenuantes. Assim, atendendo a que o Recorrente não tem qualquer antecedente profissional e disciplinar; por outro lado, o dever do segredo profissional é um dever que se impõe a todos os advogados e é pedra basilar da nossa profissão e de extrema importância, pelo que a pena disciplinar aplicada de MULTA no montante de 7.500,00€ parece perfeitamente ajustada. Por todo o exposto se conclui que não procedem as conclusões da recorrente pelo que não pode proceder o presente recurso devendo-se manter a decisão recorrida. Em Conclusão:

Nestes termos e pelas razões que antecedem, somos de parecer que o Acórdão do Conselho de Deontologia do Porto não merece qualquer censura quanto à sanção aplicada, devendo-se manter a mesma. Vão os autos à secção, nos termos do artigo 43.º n.º 3, al. a) do EOA. Santa Maria da Feira, 02 de Fevereiro de 2018.

O Relator,
(...)."

- Cfr. folhas 216 e seguintes do SITAF.

10. Por correio registado de 23.12.2014, deu entrada, em 29.12.2014, nos serviços do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, o Recurso Hierárquico da decisão referenciada no ponto antecedente - cfr. folhas 298 a 321, igualmente remetido em duplicado para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cfr. folhas 324 a 344 do processo administrativo.

11. Em 13.02.2015, por despacho do Relator designado no processo disciplinar em referência, foi admitido o Recurso Hierárquico interposto pelo ora Autor e determinada a audição do participante, o que veio a ocorrer por carta registada de 11.02.2015 - cfr. folhas 366 e 368 a 375 do processo administrativo.

12. Em 02.03.2015, por despacho do Relator designado no processo disciplinar em referência, foi determinada a remessa dos autos disciplinares ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados - cfr. folhas 376 do processo administrativo.

13. Em 10.07.2020, pelo Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, foi remetida, via correio eletrónico, ao Autor, uma comunicação com o seguinte teor:

«Pelo presente, fica V. Exa. Notificado do despacho exarado pelo Exmo. Senhor Presidente deste Conselho de Deontologia, cujo teor infra se transcreve: "ii) O Sr. Advogado foi condenado na pena disciplinar de multa no valor de €7.500,00, por decisão deste órgão de 28 de Novembro de 2014, confirmada por acórdão da 1 a Secção do Conselho Superior de 8 de Fevereiro de 2018. Dentro da ordem jurídica interna a decisão consolidou-se, não podendo ser impugnada junto de outro órgão da Ordem dos Advogados, pelo que, passou a constituir caso resolvido desde 22 de Março de 2018. O Senhor

Advogado instaurou acção administrativa de impugnação de acto administrativo contra a Ordem dos Advogados consubstanciado na decisão condenatória supra identificada. Ora, a instauração da acção judicial, por si só, não tem a virtualidade de suspender a execução do acto, ou seja, de não ser dada execução à pena disciplinar aplicada. Assim, notifique o senhor Advogado para, no prazo de 10 dias, informar se cumpriu a referida pena ou para, no mesmo prazo a cumprir, advertindo-o de que se o não fizer será extraída certidão a remeter ao senhor Bastonário para efeitos de cobrança e, bem assim, uma vez decorridos 3 (três) meses sobre a data em que a condenação se tornou definitiva, após aquele prazo será determinada a suspensão da inscrição — artigo 143. 0, al. b) do EOA em vigor. Prazo: 10 (dez) dias. "Notificação feita nos termos do disposto no artigo 80 do Regulamento Disciplinar — regulamento no 6684/2015 — e nos termos do artigo 11 0 no 2 do referido Regulamento Disciplinar a resposta ao presente ofício pode ser praticada por meio electrónico, com a aposição de assinatura digital, dispensado assim o envio dos originais."
- Cfr. folhas 276 do SITAF.

14. O Autor exerce a profissão de advogado desde 15.11.1999 - facto não impugnado - admitido por acordo das partes.
*
III - Enquadramento jurídico.

1. A “questão prévia”.

É entendimento pacífico o de que os actos de execução são contenciosamente impugnáveis na medida em que lhes forem imputados vícios próprios, autónomos do acto executado.

No caso concreto é imputado um vício próprio ao próprio acto de execução, o de ter sido praticado com erro nos pressupostos de facto e de direito, em concreto depois de prescrita a sanção aplicada.

Sendo a impugnação do acto de execução autónomo não se vê como caso de impossibilidade superveniente do objecto da impugnação, dado que esta tem autonomia em relação à impugnação do acto executado.

Pode o visado já não poder discutir o acerto da decisão punitiva, mas poder discutir a legalidade da sua execução, o que aqui se pretende.

Improcede, pois, esta questão.

2. A prescrição da sanção disciplinar.

É dito na decisão recorrida, de essencial, a este propósito (com evidenciado e sublinhado nosso):

“(…)

Da alegada prescrição da sanção disciplinar - da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido em processo disciplinar.

O impetrante insurgiu-se contra o acto que determinou a execução da pena disciplinar de multa, no valor de €7.500,00, tendo sustentado que o prazo para a aplicação da sanção disciplinar se encontrava prescrito.

Para o efeito, alegou que os factos que deram origem à sanção foram praticados na vigência do EOA revogado, no entanto, o regime disciplinar que deve ser aplicado é o que resulta do art.º 143.º alínea c), do EOA, em vigor.

Nestes termos, o Autor defendeu que o EOA revogado era omisso quanto à prescrição das sanções disciplinares, admitindo o recurso para a lei penal, todavia, o novo EOA, aprovado peta Lei n o 145/2015, de 9 de Setembro, mantendo a inexistência de norma especial quanto a esta matéria, acolheu como direito subsidiário as normas decorrentes da LGTFP (cfr. art.º 126.º do EOA conjugado com o art.º 193.º da LGTFP), solução que deve ser adoptada ao caso vertente por ser a mais favorável ao arguido.

Sustentou o Autor que não colhe a interpretação segundo a qual a não regulação estatutária pretende consagrar um regime de imprescritibilidade das sanções disciplinares.

A Entidade Demandada, por seu turno, asseverou que a prescrição das sanções disciplinares suscitada pelo Autor não respeita a matéria adjectiva, mas antes a matéria substantiva, o que implica que não é abrangida pela remissão do art.º 126.º do EOA vigente, pelo que, sendo o Estatuto omisso nesta matéria, será aplicável o art.º 122.º n.º 1, alínea d), do Código Penal (CP), que estabelece um prazo de quatro anos, não se encontrando no caso em apreço prescrita a sanção aplicada ao Autor.

Mais defendeu a Entidade Demandada que, ainda que se entenda tratar-se de uma remissão operada pelo art.º126.º do EOA, que abrange também matéria substantiva, a sanção disciplinar não prescreveu de acordo com o disposto no art.º 193.º da LGTFP, conjugado com o art.º 6.º n. ºs 1 e 3, do EOA.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

Com vista a aferir da verificação da prescrição no caso vertente, impõe-se, desde logo, fazer uma breve incursão pelo quadro legal aplicável.

Isto, não sem antes dizer que, apesar do previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 145/2015, de 09/09, o Tribunal propugna, desde já, o entendimento que é de aplicar ao caso em apreço o princípio da aplicação da regra estatutária que, em matéria disciplinar-sancionatória como aquela que trata o presente processo, se revelar em termos de conteúdo como a mais favorável ao arguido, o ora impetrante, ainda que retroactivamente, prosseguindo-se aqui, por paralelismo de matérias (sancionatórias), o princípio derramado no artigo 29.º n.º 4 "in fine", da CRP.

De acordo com o disposto no art.º 121.º do EOA revogado, extrai-se que, tanto no que concerne à matéria substantiva como adjetiva, o regime subsidiariamente aplicado em caso de omissão naquele EOA seria, respetivamente, o CP e o CPP.

O citado comando legal preceituava o seguinte:

"Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:
a) As normas do Código Penal, em matéria substantiva;
b) As normas do Código de Processo Penal, em matéria adjectiva".

Todavia, com as alterações operadas pela reforma de 2015, impõe-se aquilatar qual a intenção do legislador, concretamente, em matéria prescricional. Em cumprimento de tal desiderato, no que concerne ao incumprimento das sanções, rege o art.º 143.º do EOA, que "o presidente do órgão competente em matéria disciplinar deve determinar a suspensão da inscrição do advogado ou advogado estagiário, sempre que, a contar da data em que se deva considerar notificado da decisão definitiva, este não proceda:

c) Ao cumprimento, no prazo de 15 dias, do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 130.º.

Por outro lado, de acordo com o preceituado no art.º 6.º do EOA:

"1 - os actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados no exercício das suas atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no presente Estatuto.

3 - Dos actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito".

Por sua vez, do art.º 126.º do EOA, sob a epígrafe "direito subsidiário", resulta que "ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho".
Acresce que, o art.º193.º da LGTFP estabelece o prazo de prescrição das sanções disciplinares, nos seguintes termos: "as sanções disciplinares prescrevem nos prazos seguintes, contados da data em que a decisão se tornou inimpuqnável:

b) Três meses, nos casos de sanção disciplinar de multa".

Ainda no que tange ao prazo prescricional, o regime previsto no artigo 122.º n.º 1, do CP, aponta para um prazo distinto da norma acabada de citar, já que, consagra os seguintes prazos de prescrição das penas:

"a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes".

Com vista a apurar se é inexigível o montante pelo qual o A. foi condenado pela Entidade Demandada, impõe-se, desde logo, aferir qual o regime legal aplicável, tendo em conta que, das normas acima transcritas, é possível vislumbrar as duas teses em confronto, que se prendem com a questão de saber para que regime prescricional remete o EOA: i) o resultante da LGTFP, por força da remissão prevista no art.º 126.º do EOA; ii) ou, pelo contrário, o preceituado no art.º122.º do CP.

Para além disso, importa atentar na possibilidade de a não consagração de um prazo de prescrição no EOA ser intencional e pretender significar que as sanções disciplinares não estão sujeitas a prescrição.

Trata-se, assim, de interpretar o sentido e o alcance da norma prevista no art.º 126.º do EOA, tendo presente, para além da letra da lei, o elemento histórico, teleológico ou sistemático, como exige o caso concreto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil (doravante CC).

De facto, o legislador, no já citado artigo 126.º do EOA de 2015, definiu que, ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n 0 35/2014, de 20.06. E estas, a terem-se por inteiramente aplicáveis, numa interpretação correctiva do conceito de procedimental patenteado naquele preceito legal, importam a subsunção ao caso vertente do previsto no artigo 193 0 da LGTFP, a qual, como lei mais favorável, redundará na conclusão de que o prazo prescricional aplicável às multas determinadas pelo órgão competente da Ordem dos Advogados, sempre será o prazo de 3 (três) meses, tal como defende o Autor.

Assim, o busílis da questão reside na compreensão do sentido e alcance da norma do artigo 126.º do EOA de 2015, o que impõe, como facilmente se antevê, uma análise hermenêutica desta norma estatutária, pois que o Tribunal não pode abster-se do seu dever de julgar, sob pena de comprometer o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20. 0 n o 4, da CRP, e o exercício pleno da função jurisdicional que lhe é cometida [cf. artigo 202.º da CRP].

Como consabido é, os critérios de interpretação legal reconduzem-se a ferramentas que permitem ao intérprete da lei destrinçar o verdadeiro sentido e alcance do texto da lei.

E se, por um lado, a letra da lei, enquanto elemento literal, é sempre o ponto de partida para a tarefa hermenêutica, impõe-se ao intérprete, como paradigmaticamente exige o caso vertente, socorrer-se dos correspectivos elementos lógicos, através dos quais se visa determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica, por via dos consabidos elementos histórico, teleológico ou sistemático, tal como demanda o artigo 9.º n.º 1, do Código Civil [neste sentido, entre tantos outros, mas que por revelar especial acuidade na análise jurisprudencial do instituto da interpretação da lei se convoca, o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 29.11.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0701/10, disponível em www.dgsi.pt; MACHADO, João Baptista, in Introdução ao Direito e ao discurso legitimador. Coimbra: Almedina, 2017].

Descendo ao caso sob apreço, o texto objecto da interpretação é, então, em primeira linha, como referido, o do artigo 126.º do EOA de 2015. Ora, perscrutados os trabalhos preliminares parlamentares e os antecedentes históricos que presidem à aprovação do EOA de 2015, ressalta à evidência que o que inicialmente visava ser uma mera revisão pontual e cirúrgica dos Estatutos, adaptando-os à Lei das Associações Públicas [Lei n.0 2/2013, de 10.01], entretanto aprovada, culminou, em boa verdade, numa reformulação de fundo e mais abrangente desse diploma.

No que releva ao caso sob apreço, verifica-se que, na Proposta de Lei 309/XII, o respectivo artigo 126 0 configura uma ruptura com o até então previsto no artigo 121.º do EOA de 2005 em matéria de direito subsidiário.

Mais se observa que a formulação do artigo 126.º configurada ab initio naquela Proposta de Lei, não foi sujeita a alterações ao longo da discussão parlamentar, tendo, portanto, sido absorvida in totum pela versão final do diploma.

Ainda inseridos num contexto histórico e teleológico e no ensejo de lograr uma acurada interpretação do preceito legal em evidência, não se revela despiciendo salientar que a intenção legislativa no sentido da imutabilidade da redacção do artigo 126.º do EOA de 2015 - tal como, desde logo, projectada na Proposta de Lei que o antecedeu - e, concludentemente, da aplicação subsidiária, em bloco, do regime da LGTFP em matéria disciplinar aos casos estatutariamente omissos, ressalta, outrossim, da falta de acolhimento (e discussão), neste domínio, do parecer-projecto proposto pela Ordem dos Advogados, no qual se propugnava por uma redacção distinta daquele inciso legal e mais aproximada do que, até então, se encontrava regulado no artigo 121.º do anterior Estatuto. Em concreto, ultimava o parecer-projecto apresentado pela Ordem dos Advogados (disponível in app.parlamento.pt):

"Artigo 126.º

Direito subsidiário

1- Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:

a) Em matéria substantiva, as regras constantes do Código Penal;
b) Em matéria adjectiva, as regras constantes do Código de Processo Penal.

2- Nos casos em que não tiverem aplicação as regras constantes do Código de Processo Penal, aplicar-se-ão as regras constantes do Código do Procedimento Administrativo"

Assim, da letra actual do art.º 126.º do EOA ressalta que "ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados", conforme está em causa no caso sub judice, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Na exposição dos motivos consta que "[quanto à acção disciplinar, a par da remissão para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, diploma aplicável subsidiariamente, consagra-se, por um lado, a punibilidade da tentativa e, por outro, procede-se à graduação das infrações disciplinares, que se classificam em leves, graves e muito graves, clarificando-se ainda as sanções aplicáveis às mesmas".

Inculca do vindo de expender, que o espírito que presidiu ao legislador foi afastar-se da concepção tradicional e que, paulatinamente, tem sido ultrapassada, fruto do contributo da Doutrina, de Direito Sancionatório Disciplinar de matiz Penal ou Processual Penal, autonomizando-o, enquanto um verdadeiro ramo do Direito Administrativo.

Ademais, compulsada a Exposição de motivos da Lei n. 0 145/2015, de 09.09, constata-se que — e embora, é certo, de forma difusa — se deixou consignado que, no domínio da acção disciplinar, é aplicável a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sem se decalcar apenas as respectivas normas procedimentais, no rigor dos conceitos, o que, atenta a importância da definição do regime, e a ser essa a intenção do legislador, crê-se que sempre resultaria expressamente enunciada, em prol da premissa de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [cf. artigo 9.º , n.º 3 do Código Civil; Em concreto, diz-se na Exposição de motivos que "Quanto à acção disciplinar, a par da remissão para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, diploma aplicável subsidiariamente, consagra-se, por um lado, a punibilidade da tentativa e, por outro, procede-se à graduação das infrações disciplinares, que se classificam em leves, graves e muito graves, clarificando-se ainda as sanções aplicáveis às mesmas.”

De igual modo, por reporte ao elemento sistemático, sempre se dirá que não se concebe que o legislador do EOA de 2015 tenha, ao longo deste diploma, expressamente aludido ao regime previsto no direito penal (nos casos taxativamente previstos, e.g., artigo 139.º, em matéria de causa de exclusão de culpa; e artigo 146.º, de contagem de prazos), para já em matéria de cabal importância como o instituto da prescrição — em particular da prescrição das sanções disciplinares — deixar à mercê de uma forçada retroacção legislativa do EOA de 2005 e através do recurso a disposições transitórias pouco densificadas, como se constata da leitura do artigo 3.º da Lei n.º 145/2015, de 9.09, o preenchimento de uma lacuna legal.

É, pois, também por esta razão, e no pressuposto da adequação do EOA, neste segmento, com o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança que se conclui pela aplicabilidade da LGTFP no âmbito do processo disciplinar que corre os seus termos na Ordem dos Advogados, não só em matéria estritamente procedimental — como seriam, designadamente, aquelas previstas nos artigos 194.º a 223.º da LGTFP — como também em matéria substantiva, nos casos omissos, nomeadamente, de regime prescricional, e que não contendam com as disposições estatutárias.

Por conseguinte, à situação em análise é de aplicar o regime legal mais favorável em termos de prazo prescricional da sanção disciplinar aplicada em concreto ao A, ou seja, o previsto no artigo 193.º, alínea b), da LGTFP, por aplicação subsidiária ditada pelo artigo 126.º do actual EOA e por força do já citado princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido, vertido quer no artigo 29.º n.º 4, "in fine", da CRP, quer no artigo 11.º, n.º1, da Lei n. 0 35/2014, de 20.06, que aprovou a LGTFP.

Importa ainda afirmar que, por falta de previsão expressa no actual EOA sobre a prescrição da própria sanção disciplinar, não se consente na tese de que isso possa significar, afinal, a imprescritibilidade das sanções disciplinares preconizadas no aludido Estatuto. É que tal tese redundaria numa incerteza e intranquilidade constantes sobre a esfera jurídica do arguido disciplinar, sem termo, o que contraria a paz jurídica que a todos é devida pelo decurso do tempo sobre as suas faltas contra o ordenamento jurídico.

Por outro lado, consentir que a sanção disciplinar possa ser aplicada "ad aeternum", é o mesmo que fomentar a inércia da entidade com competência punitiva e, bem pior, a escolha arbitrária do momento em que decide executar a mesma sanção.

Pois bem, se para a sanção criminal, cujos bens jurídicos tutelados pelo direito penal são de valor superior aos de natureza estritamente disciplinar, o ordenamento jurídico previu no artigo 122.º do CP prazos de prescrição, por maioria de razão impõe-se que, para a sanção disciplinar, se perscrute, por igualdade, um prazo prescricional, que balize no tempo a reacção e a execução do poder disciplinar, findo o qual, não mais poderá ser exercido contra o arguido.

Cumpre sublinhar, também, que não se vislumbra que a aplicação ao caso sob apreço do disposto no artigo 193.º alínea b), da LGTFP, em particular, do prazo de prescrição de três meses da sanção disciplinar de multa [cf., respectiva alínea b)] convole o disposto no artigo 143.º alínea b), do EOA de 2015 em letra morta. Isto porque, contrariamente ao equacionado, o legislador ao fazer reportar o dies a quo do prazo de prescrição de três meses a partir da "data em que a decisão se tornou inimpugnável" [que, dir-se-á, atento o conceito de inimpugnabilidade do acto, ocorrerá findo o prazo, de idênticos três meses, que o particular dispõe para sindicar contenciosamente o acto — cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA], concebeu que, a partir desse momento, a R. encontra-se já em condições para aplicar a cominação legal prevista no artigo 143.º do EOA e, em simultâneo, a assegurar a extracção da competente certidão de dívida e promover a cobrança coerciva desse montante.

Tanto mais que, como consabido é, o acto que determinar a aplicação de sanção disciplinar inicia, nos termos do artigo 173.º n.º 1, do EOA, os seus efeitos findo o prazo da respectiva impugnação contenciosa (preceito legal que foi, aliás, objecto de séria ponderação e alteração quando em confronto com o projecto inicial de Proposta de Lei), o que é sintomático da unicidade e harmonização que o legislador quis imprimir a esta matéria.

Em suma, no que toca à mais justa interpretação e aplicação da lei no caso em apreço, atendendo, designadamente, aos elementos histórico e teleológico, considerando as já referidas imutabilidade da redacção da norma tal como projectada na Proposta de Lei e a falta de acolhimento do parecer projecto proposto pela Ordem dos Advogados, torna-se forçoso concluir que o legislador pretendeu afastar-se da redacção do EOA de 2005 e passar a prever o regime da LGTFP quanto ao disciplinar, de um modo geral, e não apenas no que concerne às normas procedimentais, pois que, se fosse essa a intenção do legislador, ter-se-ia particularizado expressamente tal circunstância, à semelhança do que sucedeu no anterior regime e do proposto pela Ordem dos Advogados.

Uma vez que se concluiu que o regime aplicável é o que resulta do art.º 193.º alínea b), da LGTFP, por remissão do art.º 126.º do EOA, o prazo de prescrição a considerar é o de três meses, contados desde a data em que a decisão se tornou inimpugnável, o que vale por dizer que ocorre findo o prazo de idênticos três meses que o interessado dispõe para sindicar contenciosamente o acto, ao abrigo do art.º 58.º n.º 1, alínea b), do CPTA.

Assim sendo, finda a contagem cumulada/sucessiva daqueles dois prazos, extingue-se o prazo para a Entidade Demandada aplicar a cominação prevista no art.º 143.º do EOA. Para além disso, o acto que determinou a aplicação da sanção disciplinar inicia os seus efeitos findo o prazo da respectiva impugnação contenciosa (cfr. art.º 173.º do EOA).

Volvendo ao caso sub judice, extrai-se da factualidade assente no ponto 13.º do probatório que a Ré fundamentou o acto consequente ora impugnado da seguinte forma (por excerto): "O Sr. Advogado foi condenado na pena disciplinar de multa no valor de €7.500,00, por decisão deste órgão de 28 de Novembro de 2014, confirmada por acórdão da 1 a Secção do Conselho Superior de 8 de Fevereiro de 2018. Dentro da ordem jurídica interna a decisão consolidou-se, não podendo ser impugnada junto de outro órgão da Ordem dos Advogados, pelo que, passou a constituir caso resolvido desde 22 de Março de 2018.. " (cf. ainda páginas 216 a 244 do SITAF).

Pois bem, como se constata, é a própria Entidade Demandada que, após ter decidido o recurso hierárquico necessário (cf. despacho-saneador proferido nestes autos, que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto primitivamente impugnado), interposto pelo ora Autor, considera ter-se formado caso resolvido quanto à aplicação da pena de multa ao ora impetrante, apontando para tal a data de 22.03.2018. De igual modo, confirma-se a definitividade de tal decisão por falta de impugnação contenciosa tempestiva, conforme julgado em sede do referido despacho saneador.

Com base em tal premissa temporal, a Entidade Demandada devia ter actuado em conformidade com o atrás explanado, isto é, aplicando-se o prazo prescricional mais favorável ao arguido, que é o de três meses, "contados da data em que a decisão se tornou inimpugnável", preconizado no artigo 193.º alínea b), da LGTFP, "ex vi" do artigo 126.º do EOA, e não o prazo mais longo de quatro anos, previsto no artigo 122.º n.º 1, alínea d), do CP, imponha-se-lhe que os actos de execução ou consequentes do acto punitivo tivessem sido aplicados e notificados ao ora A. até 22 de Junho de 2018 (isto, segundo a perspectiva da própria R., que apontou a formação do caso resolvido para 22.03.2018).
Na hipótese de a R. ter que aguardar os três meses de impugnabilidade contenciosa do acto que decidiu o recurso hierárquico, por efeito do prazo exposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, ao qual ainda acresceriam os três meses do prazo prescricional inscrito no artigo 193. 0, alínea b), da LGTFP, ainda assim, tudo somado, a execução material da pena de multa aplicada ao ora impetrante não poderia ultrapassar o ano de 2018.

Deste modo, vendo-se que só em 10.07.2020 é que a Entidade Demandada decidiu colocar em marcha junto do ora A, através de notificação (cf. ponto 13.º do probatório), a execução material da sanção disciplinar e demais consequências, fê-lo tarde, porque, naquela data, já a pena de multa se encontrava há muito prescrita, por força dos preceitos legais atrás mencionados e do princípio de direito sancionatório igualmente já focado.

Atenta a ocorrência da prescrição da sanção disciplinar aplicada ao ora A, e, por consequência, a sua extinção, não se mostra possível a sua execução material na data em que da mesma foi o A. notificado, ficando o impetrante isentado do seu cumprimento.

Tudo visto, porque provado, procede o invocado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito do acto consequente impugnado, que, assim, deve ser anulado.

V - DECISÃO FINAL.

Ante o exposto, porque provada, julgo a presente acção procedente, e, consequentemente, anulo o acto consequente impugnado.

(…)”

Mostra-se, em nosso entender, desacertada a decisão, logo neste ponto.

Tal como a própria decisão recorrida reconhece foi intenção do legislador manter a redacção do artigo 126.º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2015 (com sublinhado e evidenciado da parte aqui mais relevante):

“Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho".

Ou seja, foi clara intenção do legislador aplicar subsidiariamente ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada e apenas estas.

Não as normas substantivas, como são as relativas ao instituto da prescrição.

Também na própria decisão recorrida se reconhece que se procede, ao aplicar subsidiariamente todas as normas, procedimentais e substantivas, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ao poder disciplinar da Ordem dos Advogados, a uma interpretação correctiva.

Ora esta interpretação só tem lugar quando claramente o legislador disse o contrário ou coisa diferente do que queria dizer. Não pode significar alteração da vontade, sobretudo se é clara, do legislador.

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2015, de 24.03.2015, publicado no Diário da República, I Série, de 24.03.2015:

“A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2 (do Código Civil): não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.”.

O que se pode conjecturar, na intenção do legislador, foi o propósito deixar ao intérprete a escolha da melhor solução, fora da aplicação subsidiária da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas às questões substantivas do processo disciplinar, com excepção, claro, das que estão expressamente referidas no Estatuto da Ordem dos Advogados.

Não se vê que outra solução se possa adoptar que não seja a advogada pela Entidade Demandada e ora Recorrente, a aplicação subsidiária ao caso da prescrição das penas do disposto no artigo 122.º n.º 1, do Código Penal:
"a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes".

No caso, portanto, o prazo de prescrição da pena aplicada, de multa é de 4 anos.

Prazo que claramente ainda não decorreu.

Pelo que se verifica o apontado vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, por desrespeito da norma acabada de citar por parte da decisão recorrida.

3. A pendência de impugnação do acto de condenação.

Improcedendo logo por aqui a acção e, logo, procedendo o recurso, fica prejudicado o conhecimento desta questão.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam a acção totalmente improcedente, mantendo o acto impugnado na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias.
*

Porto, 25.03.2022


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre