Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02164/16.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, QUALIFICAÇÃO COMO DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS (DFA)
Sumário:I-A qualificação como deficiente das Forças Armadas não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à proteção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ou traumatizantes.*
* Sumário elaborado pelo relato
Recorrente:A.
Recorrido 1:Ministério da Defesa Nacional
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A., residente na Avenida (…), (…), instaurou contra o Ministério da Defesa Nacional, sito na Avenida (…), (…), acção administrativa “DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DE ATO”, tendo formulado o seguinte pedido:
-ser o R. condenado na prática de ato administrativo devido em que se qualifique o A. como deficiente das Forças Armadas;
-ser anulado o despacho de 8 de agosto de 2016 do Diretor Geral de Recursos da Defesa Nacional, no uso dos poderes delegados do Secretário de Estado Defesa Nacional.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor concluiu:
1.O Tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia e de audiência de julgamento, proferindo saneador-sentença.
2. O Tribunal a quo não deu ao Rec.te a possibilidade de se pronunciar quanto a tal dispensa, dado que foi notificado dela aquando ao saneador-sentença, o que consubstancia uma nulidade processual.
3. O caso sub judice não se circunscreve a matéria de Direito.
4. A matéria de facto merecia ser alvo de uma melhor apreciação que permitisse a boa decisão da causa. Todavia, o Tribunal não mandou produzir a prova indicada.
5. Tendo o Rec.te alegado factos que não devam considerar-se provados, está o Tribunal impossibilitado de conhecer do mérito da causa.
6. Salvo o devido respeito, o Tribunal violou o disposto no artigo 91º nº 1 do CPTA que estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência final de julgamento quando apresentada prova testemunhal.
7. Tal constitui vício que determina a nulidade da decisão.
8. O Tribunal não se pronunciou quanto aos sucessivos requerimentos apresentados pelo Rec.te.
9. Repare-se, os autos não mereceram qualquer movimentação processual por parte do digno Tribunal desde 10 de março de 2017, e volvidos sete dias a contar do requerimento apresentado pelo Rec.te, pedindo fosse emitida certidão para efeitos judiciais e remessa ao Conselho Superior de Magistratura, foi proferida a decisão da qual se recorre.
10. Ora, salvo o devido respeito, parece haver aqui uma sequência lógica de atos, que potenciou a decisão tomada pelo Tribunal a quo,
11. o que, a ter acontecido, não pode deixar de merecer censura.
TERMOS EM QUE
pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que será suprido, deve ao presente recurso ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedentes as arguidas exceções, assim se fazendo
JUSTIÇA!

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

A. A sentença ora posta em crise negou provimento à ação administrativa intentada pelo Recorrente, tendo julgado a mesma totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu o R. dos pedidos formulados na p.i.
B. A matéria sobre a qual foi proferida a sentença ora posta em crise, assenta no facto de a doença diagnosticada ao requerente não poder ser relacionada com o “serviço de campanha”, pelo que não se encontra preenchido um dos requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, o que, por si só, impede a qualificação do interessado como DFA, em virtude de a qualificação como DFA depender da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.
C. Por outro lado, o ora Recorrente defende que “com a Lei 46/99, pretendeu o legislador alargar a qualificação de deficiente das forças armadas aos casos de stress pós-traumático de guerra, independentemente da verificação dos requisitos referidos no n.º 2 do artigo 1º do DL 43/76.” – cfr. artigo 21.º da p.i”.
D. A qualificação como deficiente das Forças Armadas não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à proteção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ou traumatizantes.
E. Nesse sentido, veja-se o Acórdão de 24 de maio de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul, segundo o qual “A qualificação como DFA exige que a doença, fonte de incapacidade, tenha sido contraída em serviço de campanha ou situação equiparada, nos termos fixados no D.L. n.º 43/76, não bastando que a fonte da doença radique na simples prestação do serviço militar”.
F. Também assim entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 8 de fevereiro de 1994 no Processo n.º 31398: “não é espírito do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função, o seu desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo”.
G. Tratando-se de doença do foro psíquico, verificamos que o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, número que foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, veio possibilitar a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de stress pós-traumático de guerra.
H. Como resulta claro do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de setembro de 2008 (Processo n.º 0265/08) “IV - Na medida em que a previsão desse n.º 3 se apresenta enunciada «para efeitos do número anterior», deve ver-se esse n.º 3 como continuador e receptício do n.º 2, sendo aqueles «efeitos» os resultantes da interpretação e aplicação do «número anterior». V – Assim, a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de «stress» de guerra exige que a sua «perturbação psicológica» resulte de «serviço de campanha» ou de alguma das outras situações que, nos termos do n.º 2 do referido art. 1.º, são equiparáveis a tal «serviço».” (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 15.05.2003 no Proc. n.º 4459/00/RJ).
I. Atente-se a outro Acórdão do mesmo Tribunal superior (Proc. n.º 01852/03, de 19.05.2005), na parte em que refere “que a filosofia do DL n.º 43/76 é, de acordo com a jurisprudência deste STA, significativamente restritiva e exigente, assentando na consideração de que o diploma pretende ‘exprimir a gratidão da Pátria por quem se sacrifica por ela em situações de serviço que, no caso dos militares, excedem em risco o que é próprio do comum das atividades castrenses’, e que o mesmo ‘contempla os actos de sacrifício pela Pátria, que ultrapassem os limites do mero cumprimento do dever militar. Não se compreenderia, assim – até por razões de unidade e coerência sistemáticas – que relativamente a outra doença, nomeadamente de ordem psíquica, e ainda que objeto de uma previsão específica, a filosofia do diploma fosse outra, menos exigente, permitindo a qualificação como DFA a partir da mera constatação de doença
sofrida no exercício do serviço militar”.
J. Na verdade, o único acidente traumático sofrido pelo A. e que ficou provado durante o processo, foi perfeitamente fortuito e deveu-se ao facto de uma frigideira com óleo a ferver se ter entornado sobre o seu corpo.
K. Efetivamente, o acidente sofrido pelo A. na cozinha do aquartelamento foi o único dado como provado, tanto no relatório do Oficial Instrutor, como no Parecer da CPIP n.º 469/2015, que a final, acaba por atribuir nexo entre a doença e o cumprimento do Serviço Militar (cfr. a fls. 41, 42 e 268 do p.a.).
L. De facto, se cruzarmos e analisarmos criticamente todos os elementos de prova constantes do processo, nomeadamente a “História do Pelotão de Reconhecimento Daimler N.º 3010”, que constitui um documento autêntico, poderemos concluir que, apesar do serviço militar cumprido em ambiente de guerra, “a moral manteve-se sempre boa, (…) como pode ser apreciada em todo o resumo cronológico.”, não havendo registo de qualquer envolvimento direto ou indireto em ações de combate por parte do ora Recorrente (cfr. a fls. 295 a 315 do p.a).
M. Por outro lado, se trouxermos à colação o depoimento do ora Recorrente em Auto de Declarações datado de maio de 2004, segundo o qual “mais ou menos a meio da comissão começou a ter problemas psíquicos, tendo perdido a noção da idade das pessoas, a esquecer-se da fisionomia das pessoas e a não ter a noção da velocidade dos automóveis e começou a refugiar-se no álcool” (cfr. a fls. 261 a 263 do p.a., e artigo 12.º da p.i.), e o confrontarmos com o escriturado na sua folha de matricula, (outro documento autêntico), nomeadamente com a entrada de 1973 – março, onde se lê “Apto no Exame complementar de condução auto em 08MAR73” (cfr. a fls. 154 do p.a.), parece-nos pouco provável que, alguém nas condições psíquicas acima referidas conseguisse ultrapassar um exame de condução complementar (pois o A. já possuía a especialidade de condutor) a cerca de três meses de terminar a comissão e regressar à metrópole.
N. No artigo 17.º da p.i., o ora Recorrente parece insurgir-se contra o facto de o seu processo ter demorado 16 anos a ser concluído, e com alguma razão diga-se, mas nada diz acerca do facto de ter demorado mais de 25 anos para requerer a eventual qualificação como DFA.
O. O Recorrente baseia o seu pedido também no argumento de que “dos relatórios e pareceres resulta inequivocamente um diagnóstico concludente e um nexo de causalidade entre a doença e os fatores que a desencadearam” - cfr. artigo 31.º da p.i.
P. Ora, os médicos psiquiatras elaboraram os relatórios médicos – diga-se, aliás, a pedido do próprio Recorrente, que os juntou ao requerimento inicial - com base nos relatos que o doente, ora Recorrente, lhes fez, uma vez que não cumpriram serviço militar com o Recorrente em Moçambique, razão pela qual os relatórios médicos não podem constituir prova dos factos descritos pelo próprio, ao contrário daquilo que este pretende (cfr. artigos 13.º e 31.º da p.i.).
Q. A este propósito, menciona o Relatório de observação psicológica que sobre ele foi elaborado: “Refere o início dos seus problemas, 7 anos após regresso do Ultramar, (…).
Refere que sofreu um acidente na cozinha de campanha, (…). Diz que após algum tempo de “isolamento” no teatro de guerra, começou a “esquecer a cara dos pais” sic., situação que o aterrorizou” (cfr. a fls. 92 e 93 do p.a.).
R. No processo individual do Exército Português respeitante ao Recorrente não existe qualquer processo por doença, nem documentação clínica da ex-PU de Moçambique e nem na sua folha de matrícula, nem na sua ficha sanitária se encontram referências a doença sobrevinda durante o serviço militar, baixa à enfermaria ou hospital, ao contrário do que sucede em muitos casos, dependendo em regra da gravidade da doença ou lesão contraída pelos militares durante a prestação do serviço militar.
S. Como se procurou demonstrar e resulta da imensa prova compilada no processo administrativo, o ora Recorrido baseou-se na prova documental existente (apesar de não sido encontrado processo por doença/desastre em serviço, ou documentação clínica da ex-PU de Moçambique) e testemunhal, e não em quaisquer convicções.
T. Bem julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao decidir pela improcedência das pretensões do A., ora Recorrente, pelo que a sentença não padece dos vícios que alegadamente lhe são assacados na petição de recurso.
Nestes termos e nos demais de direito, invocando-se o suprimento, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, em conformidade, ser mantida a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ora recorrida.
O MP, notificado ao abrigo do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:

A) O Autor foi incorporado no serviço militar em 27.07.1970, no Centro de Instrução e Condução Auto, como recrutado, tendo cumprido uma comissão de serviço em Moçambique, de 21.05.1971 a 01/06/1973, integrado no Pelotão de Reconhecimento Daimler n.º 3010, como condutor e apontador de AML Daimler (cf. fls. 149 a 151 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf e fls. 304 do processo administrativo – pág. 214 do Sitaf);

B) A actividade do Pelotão de Reconhecimento Daimler n.º 3010 consistia na segurança contínua à pista de Nangololo, na protecção à captura de água e na defesa ao aquartelamento e suas imediações (cf. fls. 304 do processo administrativo – pág. 214 do Sitaf);

C) No ano 2000, Médico Psiquiatra concluiu em relatório médico, referente ao Autor, “que sofre de stress-Pós-traumático de Guerra” (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls.6 e 6/verso do processo físico);

D) Em 15.02.2000, Médica da Administração Regional de Saúde do Norte – Sub-Região de Saúde de Braga declarou, relativamente ao Autor, que “recorre à minha consulta há já vários anos, pelos mesmos motivos – depressão, agressividade, instabilidade emocional o que incapacita para o desempenho da profissão. Toda esta sintomatologia parece ter origem no traumatismo guerra ultramar onde esteve mais de dois anos.” (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial – fls.7 e 7/verso do processo físico);

E) Em 13.02.2003, Médico Psiquiatra declarou em relatório médico, referente ao Autor, que “seguido regularmente em consulta desde Fevereiro de 1995 preenche todos os critérios compatíveis com Síndrome de stress-Pós-traumático de Guerra” (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial – fls.8 do processo físico);

F) O Autor dirigiu requerimento ao Chefe do Estado Maior do Exército, datado de 01.03.2000, com o seguinte teor:

«
A., ex-1° Cabo com o NIM 07100670, casado, filho de J. e de L. e nascido na Freguesia de (...) no dia 25 de Marco do ano de 19XX, com o B. I. n° (...) do Arquivo de Lisboa, na situação de reformado, apresentado no Arquivo Geral do Exército e residente na Avenida (…), - (…), vem espôr e requerer a V. Exa. o seguinte:

Incorporado em 27 de Julho de 1970 no C.I.C.A. 1 no Porto, onde lhe foi ministrada a instrução de recruta, tendo de seguida feito a Especialidade no Regimento de Cavalaria N° 6, também no Porto.

Partiu para Moçambique integrado no Pelotão de Reconhecimento Auto-Metralhadora Daimler N° 3010, chegando a 21 de Maio de 1971.

A partir de 26 de Maio chegou ao Distrito de Cabo Delgado (Nangulolo) sujeito a ataques constantes do IN, até 31 de Maio de 1973.

De entre várias acções traumatizantes que viveu, pretende salientar:
a) estar aquartelado numa zona de isolamento tendo sido queimado num incêndio na Cozinha de Campanha, imobilizado na cama mais de um mês, sendo impossível refugiar-se nos abrigos quando sujeito a ataques, visto estar impossibilitado fisicamente;
b) recorda ainda com intensidade a chegada de mortos e feridos, ao Hospital Militar de Nampula, Secção de Psiquiatria, quando internado depois de evacuado via aérea, ambiente bastante traumatizante que hoje ainda guarda na memória;
c) quase no fim da Comissão nem sequer se lembrava da caras dos familiares e amigos, sendo ainda importante de destacar ter assistido aos ferimentos causados por estilhaços num militar, que não recorda o nome, mas nunca esquece o acontecimento, revivendo-o diariamente - Apontador do Morteiro 60, que depois de atingido continuou a fazer fogo sobre o IN.

Passado a disponibilidade, em 3 de Julho de 1973, nunca mais foi a mesma pessoa, tendo em 1979/80, começado a ser assistido em Psiquiatria e Neurologia, ate aos dial de hoje, sendo acompanhado desde princípios de 1997 pelo Psiquiatra Dr. C..

Toda a minha família foi afectada, mulher e dois filhos, perdendo os amigos e ainda com a agravante da sua mulher ter que abdicar do seu emprego para assistir o marido.

Os factos anteriormente expostos, poderão ser confirmados pelas seguintes testemunhas:
- Alferes Miliciano
J.
Rua (…).
(…) Tel: (…)

- 2º Sargento e actualmente Capitão na Reserva
A.
Terras (…)
(…)
Tel: (…)

Actualmente, apresenta "Stress Pós-Traumático de Guerra", com origem na Guerra do Ultramar, incapacitado para desempenho profissional

De salientar que, a sua doença se manifestou durante e devido ao serviço militar e é característica em pessoas que foram sujeitas a pressões de ordem militar e situações de guerra.
10°
Em face do exposto requer a V. Exa. a instauração de um processo sumário ao abrigo do n.º 1,3,5 da PRT 162/24 MAR 76 e nº 1 da PRT 114/12 MAR 79, Lei nº 46/99 de 16 de Junho, a fim de que a sua doença e a consequente desvalorização que lhe vier a ser atribuída seja considerada como ocorrida em serviço de campanha e em consequência do mesmo, qualificando-se DFA, nos termos do DL 43/76 de 20JAN e 46/99, reconhecendo-se-lhe o direito a pensão de invalidez.
Em Anexo: Relatório do Psiquiatra e Médica de Família
»
(cf. fls. 145 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

G) No seguimento do requerimento referido na alínea F), o Réu instaurou um processo sumário de averiguações por doença (cf. processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

H) Em 20.06.2001, foi elaborado relatório médico pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional n.º 1, relativo ao Autor, no qual se concluiu o seguinte:
1º O examinado sofre de Neurose ansioso-depressiva
2º Não nos foi possível estabelecer nexo de causalidade entre as suas actuais queixas e a prestação do serviço militar.”
(cf. fls. 125 a 127 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

I) Em 22.01.2004, foi elaborado relatório médico pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional n.º 1, relativo ao Autor, no qual se concluiu o seguinte:
1º O examinado referiu-nos sintomalogia idêntica à do relatório anterior, por isso, mantemos o mesmo diagnóstico.
2º Não nos podemos pronunciar inequivocamente quanto ao nexo de causalidade entre as suas queixas e a prestação do serviço militar, admitindo todavia que possa haver algum relacionamento causa-efeito.”
(cf. fls. 119 a 122 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

J) Em 18.05.2004, o Autor prestou declarações na Região Militar do Norte – Regimento de Cavalaria n.º 6, referindo que, na véspera do Natal de 1971, foi queimado num incêndio que ocorreu na cozinha do aquartelamento com o óleo utilizado na preparação de rabanadas, tendo ficado, por causa disso, cerca de dois meses na camarata, sem poder sair da cama (cf. fls. 261 a 264 do processo administrativo – pág. 214 do Sitaf);

K) Na História do Pelotão de Reconhecimento Daimler n.º 3010, constante do Arquivo Histórico Militar, não consta quaisquer ataques ao aquartelamento nos meses de Dezembro de 1971, Janeiro, Fevereiro e Março de 1972 (cf. fls. 296 a 305, mormente fls. 298 e 299, do processo administrativo – pág. 214 do Sitaf);

L) No processo individual do Exército Português relativo ao Autor não existe qualquer menção a doença ou internamento (cf. fls. 149 a 151 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

M) Foi proferido relatório pelo Oficial Instrutor, com o teor seguinte:
«
Tem origem o presente processo num requerimento datado de 01Mar00 apresentado pelo ex I Cab NIM 07100570 A. ao Ex.mo Sr General Chefe do Estado Major do Exército.
O requerente refere que durante a comissão de serviço que prestou na ex PU de Moçambique, devido as diversas situações traumatizantes por que passou, adquiriu doença do foro psiquiátrico.
DAS AVERIGUAÇÕES APUROU-SE:
1. O militar incorporou a 27Jul70 no RAP2. Foi classificado na especialidade de condutor e apontador da AML Daimler. Fls 11 a 15
2. Entre Mai71 e Jun73 prestou uma comissão de serviço na ex PU de Moçambique, integrado no Pel Rec 3010. Fls 11 a 15, 60, 61
3. Passou à situação de disponibilidade em 03Jul73. fls 11 a 15
4. No seu requerimento de abertura de processo e posteriores declarações (5, 6, 18, 19, 125, 126) o Sr. A. refere hoje em dia sofre de stresse pós-traumático decorrentes dos episódios que presenciou durante o cumprimento do serviço militar. Referiu ainda que sofreu queimaduras, quando, na cozinha do aquartelamento, alguém fez derramar óleo de uma frigideira sobre si. Referiu que se encontra curado das queimaduras sofridas.
5. Inquirido a fls 38, 39 sabre os factos alegados pelo requerente, o Sr. A-., na altura 2Sar, pertencente ao Pel Rec 3010 (cfr fls 60, 61) confirmou a existência do acidente ocorrido na cozinha e que provocou queimaduras ao requerente. Referiu ainda que na sequência desse acidente o requerente terá sido evacuado para o hospital de Moeda, tendo mais tarde regressado ao pelotão. Confirmou que os ataques ao aeroporto onde estavam colocados eram frequentes não resultando contudo quaisquer mortes para as NT. Por último referiu que a requerente sempre se revelou um indivíduo dinamizador de pelotão, mesmo no fim da comissão, apesar das saudades que a família fazia sentir.
6. Inquirido a fls 50 a 52 sobre os factos alegados pelo requerente, o Sr. J., na altura Alferes Miliciano, (cfr fls 60, 61), declarou recordar-se vagamente do acidente que vitimou o requerente com queimaduras. Confirmou ainda os vários ataques a que foram sujeitos, bem como as precárias condições de higiene. Quanta ao estado psicológico do requerente afirmou que se encontrava "naturalmente" afectado, mas disposto a cumprir a missão.
7. Inquirido a fls 83, 84 sobre os factos alegados pelo requerente, o Sr. A--., na altura 1Cab, pertencente ao Pel Rec 3010 (cfr fls 60, 61) confirmou a existência do acidente que vitimou o requerente com queimaduras, o que lhe provocou um largo período de incapacidade. Afirmou ainda terem existido vários ataques ao aquartelamento, embora resultando para as NT apenas um ferido com gravidade. Não se pronunciou quanto a eventuais lesões psicológicas evidentes na altura.
8. Inquirido a fls 91 sobre os factos alegados pelo requerente, o Sr. A---., na altura 1Cab, pertencente ao Pel Rec 3010 (cfr fls 60, 61) declarou que viveram em situação de combate, com vários ataques ao aquartelamento, de onde resultaram cerca de doze mortos e vários feridos para as NT. Afirmou recordar-se ainda do acidente onde o requerente se queimou com óleo a ferver, não apontando, contudo, para alterações psicológicas de manta, referindo que as alterações que notou eram comuns a todos os restantes militares.
9. Inquirido a fls 96 a 98 sobre os factos alegados pelo requerente, o Sr. J-., na altura Sold, pertencente ao Pel Rec 3010 (cfr fls 60, 61) declarou terem registado cerca de 25 ataques ao aquartelamento. Confirmou ainda a existência do acidente que provocou queimaduras no requerente. Quanta ao estado psicológico do Sr. Cardoso referiu que não notou quaisquer alterações relativamente ao início da comissão.
10. Presente a uma consulta externa de Psiquiatria no HMR 1, opinaram os peritos que "O examinado sofre de neurose ansioso-depressiva". Referiram ainda que: Não nos foi possível estabelecer nexo de causalidade entre as actuais queixas e a prestação do serviço militar". FIs 28 a 30
11. A pedido do requerente foram juntos relatórios médicos discordantes relativamente à observação em psiquiatria, tendo o HMR1 contudo mantido a sua opinião, que nos parece devidamente fundamentada e credível, culminando os peritos por admitir que possa haver algum relacionamento causa efeito entre o cumprimento do serviço militar e as queixas actuais do requerente. Fls 124
12. Foi marcada uma consulta de gastroenterologia, com vista a aferir de nexo de causalidade entre algumas queixas actuais, no âmbito da referida especialidade, e o cumprimento do serviço militar. Contudo os peritos afastaram a possibilidade de haver relação entre tais queixas e o serviço prestado. Fls 114
13. O requerente declarou estar curado das queimaduras sofridas pelo acidente aludido ao longo do processo. Fls 125, 126
14. O AGE não dispõe no seu PI de processo por acidente ou registos clínicos referentes ao requerente. Fls 06

CONCLUSÕES:
O requerente solicitou a abertura de um processo por acidente / doença de modo a ser-lhe atribuído um grau de desvalorização em virtude dos problemas de sande ao nível psiquiátrico provocados, no entender deste, pela prestação do serviço militar, suscitando ao longo do processo a eclosão ainda de problemas estomacais.
Com as diligências processuais concluídas conclui-se:
1. que o requerente efectivamente sofreu um acidente no cumprimento do serviço militar provocado pelo derrame de óleo a ferver sobre si, não lhe tendo provocado, contudo, quaisquer sequelas físicas actuais;
2. que as queixas estomacais do requerente não têm relação com o cumprimento do serviço militar;
3. que o requerente sofre actualmente de neurose ansioso depressiva;
4. que as queixas psicológicas do requerente, não se manifestaram durante o cumprimento do serviço militar, dado ter-se revelado sempre uma pessoa normal;
5. que não é possível estabelecer nexo de causalidade entre as queixas psicológicas e o cumprimento do serviço militar.

Deste modo, não ficando provado nem o nexo causal, nem a eclosão da doença durante o cumprimento do serviço militar a parecer do Oficial Instrutor que o pedido da qualificação do requerente como DFA seja indeferida.
»
(cf. fls. 266 a 268 do processo administrativo – pág. 214 do Sitaf);

N) Em 27.04.2006, Junta Hospitalar de Inspecção considerou o Autor “Incapaz de todo o serviço militar apto, parcialmente para o trabalho com 35% de desvalorização” (cf. fls. 109 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

O) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres do Réu, em 13.10.2009, emitiu o Parecer n.º 329/2009, com referência ao Autor, no qual concluiu o seguinte:

A análise dos antecedentes militares e a anamnese clínica do requerente levam-nos a concluir que:
O requerente solicitou a abertura de um processo por acidente/ doença de modo a ser­-lhe atribuído um grau de desvalorização em virtude dos problemas de saúde a nível psiquiátrico provocados, no entender deste, pela prestação do serviço militar, suscitando ao longo do processo a eclosão ainda de problemas gástricos.
Com as diligencias processuais conclui-se:
1. que o requerente efectivamente sofreu um acidente no cumprimento do serviço militar provocado pelo derrame de óleo e ferver sabre si, não lhe tendo provocado, contudo, quaisquer sequelas físicas actuais;
2. que as queixas gástricas do requerente não têm relação com a cumprimento do serviço militar;
3. que o requerente sofre actualmente de neurose ansioso depressiva;
4. que as queixas psicológicas do requerente não se manifestaram durante o cumprimento do serviço militar, dado ter-se revelado sempre uma pessoa normal;

Face ao exposto, e ao parecer do Serviço de Psiquiatria (a fls. 28 a 30 - confirmado, a fls. 57, 121 a 124, em face das solicitações da Unidade Instrutora, a fls. 53, 85, 86 e 115): "0 examinado sofre de neurose ansioso-depressiva" (cf a fls.30); "não nos podemos pronunciar inequivocamente quanto ao nexo de causalidade entre as suas queixas e a prestação do serviço militar
Somos de parecer:
Que as queixas apresentadas pelo 1CAB Cardoso não tem relação de causalidade com o cumprimento do serviço militar na ex-PU de Moçambique,

(cf. fls. 114 a 118 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

P) Em 20.03.2013, Junta Hospitalar de Inspecção considerou o Autor “Incapaz de todo o serviço militar apto, parcialmente para o trabalho com 35% de desvalorização” (cf. fls. 91 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

Q) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres do Réu, em 11.02.2015, emitiu o Parecer n.º 469/2015, com referência ao Autor, no qual concluiu o seguinte:

Conclusão – Ex-militar com doença psiquiátrica compatível com PTSD tendo sido comprovado que durante o cumprimento do Serviço Militar esteve sujeito a exposições de fatores psicologicamente traumatizantes.

PARECER – Esta Comissão considera existir nexo de causalidade entre a doença Psiquiátrica pela qual foi desvalorizado em 35% e o cumprimento do Serviço Militar.

(cf. fls. 41 e 42 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

R) Em 31.05.2016, a Direcção de Assuntos Sociais e Apoio aos Deficientes Militares e Antigos Combatentes prestou a Informação n.º 872, na qual concluiu o seguinte:

V. Conclusão
Face ao exposto, é nosso parecer que o ex-1° Cabo NIM 017100670 A., não deve ser qualificado deficiente das Forças Armadas, por não preencher o requisito exigido para o efeito pelo n.° 2 do artigo 1°, do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
Para efeitos de audiência prévia, deve o requerente ser notificado para, querendo, se pronunciar por escrito sobre o presente projeto de decisão final, conforme o disposto nos artigos 100° e 101° do Código do Procedimento Administrativo.

(cf. fls. 27 a 37 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

S) Com referência à Informação referida na alínea R), em 31.05.2016, o Director-geral do Réu proferiu o seguinte despacho:
Concordo.
Remeter ao interessado nos termos propostos.
(cf. fls. 27 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

T) O Réu dirigiu ao Autor o ofício n.º 4520, datado de 31.05.2016, para o mesmo, no prazo de 10 dias, pronunciar-se sobre o projecto de decisão referido nas alíneas R) e S) (cf. fls. 25 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

U) Em resposta ao ofício referido na alínea T), o Autor pronunciou-se nos termos seguintes:
«
Nota prévia.

1. Antes de mais, o Requerente não pode deixar de lamentar e deixar aqui expresso o seu veemente protesto pelo facto de o presente processo só ao fim de dezesseis anos ter um projeto de decisão.
2. Note-se, o protesto não tem a ver com o conteúdo do projeto decisão, sobre o qual o Rec.te se pronunciará infra, mas sim com a inexplicável morosidade do presente procedimento, o qual não deixará de ter o devido tratamento em sede própria, caso a decisão final venha a estar em consonância com o que consta do parecer a que era se responde.

vejamos agora, o conteúdo do parecer.

3. No entender do Rec.te, o parecer enferma de dois vícios fundamentais:
4. um tem a ver com a interpretação que é dada ao regime do DL 43/76 de 20 de Janeiro, designadamente ao n° 3 do seu art° 10;
5. outro tem a ver com a análise ao que foi requerido, com a análise ao que subjaz a esse pedido e com a prove que sabre o mesmo incidiu.

a) O n° 3 do art° 10 do DL.43/76

6. O nº 3, acrescentado ao art° 10 do Dec-Lei 43/76 por Lei de 1999 refere o seguinte: "Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar".
7. Ora, desde que tal preceito foi introduzido que se discute se com este nº 3 o legislador afastou os requisitos da prestação de serviço militar que condicionam a atribuição do estatuto de DFA, previstos no nº anterior, criando, deste modo, uma situação mais abrangente que abarca todos os casos de perturbação psicológica relacionados com a exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar, independentemente da verificação dos requisitos do referido nº 2
8. O Rec.te entende que sim, sendo certo que não está só nesta sua opinião.
9. Como se referiu no Ac. do TCA Sul de 15.05.2003, "o stress pós-traumático, de acordo com a lei, não deriva, necessariamente, do regime de campanha ou equivalente, bastando que derive do cumprimento do serviço militar. Pensar o contrário seria uma visão demasiado redutora",
10. E ainda: "não existem quaisquer dúvidas, face a legislação analisada, de que passou a ficar ao abrigo do novo n° 3, que reflecte a intenção de o legislador alargar a protecção conferida aos ex-combatentes da guerra colonial ou aos que nela participaram a qualquer título."
11. O Rec.te não ignora que existem outras decisões dos nossos Tribunais Superiores que têm um entendimento mais restritivo da citada norma legal. Mas, mesmo essas referem o seguinte (Ac. do TCA Sul de 02.11,2006):
12. "o recente Acórdão do STA de 19.05.2005 considerou que o n° 2 do artigo 10 do D.L. nº 43/76, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pela Lei nº 46/99, de 16 de Junho, consagra uma hipótese normativa especifica e autónoma, não totalmente indexada à previsão do nº 2 e, por isso, não sujeita aos condicionalismos de qualificação ali previstos, mas que não deixa, no entanto, sob pena de injustificada incoerência sistemática, de suportar-se num critério autónomo de exigência que, de algum modo, reflicta a filosofia restritiva do diploma,
13. Tal critério é claramente indicado na letra do preceito, nos termos do qual é necessário, para a integração desta hipótese normativa especifica, que o interessado seja "portador de uma "perturbação psicológica crónica" e que a mesma seja "resultante da exposição a factores traumáticos da vida militar".
14. No mesmo aresto se entendeu como mais correcta a tese de que o novo n° 3 do art. 1º do D.L. 43/76, introduzido pela Lei no 46/99, "não se limita a introduzir uma nova doença no catálogo das indicadas no número 2 do mesmo preceito legal, mantendo, relativamente a ela todos os demais requisitos de qualificação como DFA previstos no n° 2.
15. A nosso ver a expressão "portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de "stress" durante a vida militar consagra uma visão mais abrangente, pois que não refere a necessidade de verificação dos requisitos previstos no número 2. Ou soja, o stress pós-traumático tanto pode derivar do serviço de campanha como de outras situações equivalentes de risco inerentes à vida militar.
16. Mas, como justamente se observe na decisão recorrida, daí não resulta a "consequência imediata de que todas as situações em que se verifiquem esses sintomas de stress pós-traumático levem à qualificação como DFA.
17. A nosso ver torna-se necessário analisar caso a caso, em função das características da doença e do possível estabelecimento de um nexo de causalidade entre o aparecimento da mesma e a vida militar."
18. Mal andou, por isso, o citado parecer ao sufragar entendimento nos termos do qual os requisitos do nº 2 do artº 1° se aplicam igualmente aos casos abrangidos polo nº 3 do mesmo artº, o qual, sintomaticamente, nem sequer é citado,
19 - Coisa diferente, é considerar-se que, para que a Rec.te possa ser qualificado como DFA, tenha de se demonstrar que o mesmo tenha estado exposto a fatores de stress durante a vide militar.
20. O que nos leva ao segundo dos erros contidos no parecer.

b) Exposição a fatores traumáticos de stress

21. Na descrição que é feita da tramitação processual percorrida até aqui, é referido que o Rec.te, logo em 2001 indicou o seguinte;
22. Viveu acções traumatizantes;
23. Esteve aquartelado em zona de isolamento;
24. Foi queimado num incêndio na cozinha, o que o obrigou a estar imobilizado na cama durante um mês, o que o impossibilitou de se refugiar aquando dos ataques;
25. Assistiu à chegada de mortos no Hospital de Nampula;
26. Assistiu aos ferimentos causados por estilhaços num militar que, depois de atingido continuou a fazer fogo sobre o IN
27. Depois disso, foi proferido parecer da CPIP/DS, o qual concluiu pela existência de nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica pela qual foi desvalorizado em 35% e o cumprimento do serviço militar.
28. Ora, do parecer a que se responde, quando se procede à análise dos dados do processo para que se identifique os fatores traumáticos de stress durante o serviço militar, apenas se analisa um aspeto da vida militar do Rec.te: qual seja a do incidente na cozinha e suas consequências.
29. A descrição que o Rec.te fez é par isso muito mais ampla do que aquela que no parecer se põe na sus boca: a que de que teria indicado como evento traumatizante o incidente na cozinha e suas consequências diretas,
30. Tudo o resto foi ignorado, sendo certo que:
31. Pelas testemunhas foi referido que o local onde se encontravam foi atacado várias vezes (vide depoimentos de J., A., A-. e J.);
32. O que foi confirmado pelos documentos constantes no Arquivo Histórico Militar,
33. Ora; estando demonstrado nos autos:
34. Que o Rec.te sofre de incapacidade de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com desvalorização de 35%;
35. Que essa incapacidade resulta de perturbações de stress pós-traumático;
36. Que essa perturbação resultou do cumprimento do serviço militar;
37. Atendendo aos depoimentos supra referidos e às descrições nele contidos, é absolutamente redutor e incompreensível considerar que o Rec.te não deve ser reconhecido como DFA unicamente por não haver registos de ataques nos dias subsequentes ao acidente na cozinha, ignorando tudo o resto que consta do processo, designadamente toda a vivência durante meses e meses numa zona de 100% de guerra.
38. Assim, entende o Rec.te que o parecer a que se responde, pare além de conter uma interpretação do regime legal com a qual não se concorda, omitiu pronunciar-se sobre todos os factos constantes do processo e que concorreram pare a sua condição médica, pelo que a decisão a tomar não o deverá ter em consideração,
39. Atribuindo-se assim ao Rec.te a qualificação como DFA.»

(cf. fls. 19 a 23 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);
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V) Em 03.08.2016, a Direcção de Assuntos Sociais e Apoio aos Deficientes Militares e Antigos Combatentes prestou a Informação n.º 1344, com o seguinte teor:
«
ASSUNTO: PEDIDO DE QUALIFICAÇÃO COMO DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS RELATIVO AO Ex-1.° CABO NIM 07100670 A.

I. Objeto

1. Nos termos e de acordo com o disposto no art.° 4.° alínea s) da Portaria n.° 283/2015, de 15 de setembro, foi remetido ao Exmo. Senhor Diretor-Geral de Recursos da Defesa Nacional, em 04 de marco de 2016, o processo relativo ao ex-1° Cabo NIM 07100670 A. com vista a sua eventual qualificação como deficiente das Forças Armadas (DFA).
2. De acordo com o solicitado a esta Direção-Geral, cumpre-nos apreciar a viabilidade da pretensão como a seguir se expõe.
II. Enquadramento Factual
1. O presente processo relativo ao ex-militar A. foi anteriormente analisado pela Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional, de acordo com a informação (Proc. 120.102/1000-616/09), na qual se relevaram os seguintes factos do processo:
- "1. O ex-1.° Cabo A. foi incorporado no RAP2 em 27 de Julho de 1970, tendo cumprido uma comissão de serviço na então Província Ultramarina (PU) de Moçambique, como condutor e apontador de AML Daimler do Pelotão de Reconhecimento 3010 (cfr. documentos de matrícula, a fls. 11 a 15 do processo sumário por doença).
- 2 Em requerimento datado de 11 de Marco de 2000, dirigido a Sua Excelência o Chefe do Estado-Maior do Exército, a ex-1. ° Cabo A. solicitou "a instauração de um processo sumario" por doença "a fim de a sua doença e a consequente desvalorização que lhe vier a ser atribuída seja considerada como ocorrida em serviço de campanha e em consequência do mesma, qualificando-se DFA (...) reconhecendo-se-lhe o direito a pensão de invalidez" atendendo a que considera sofrer de "Stress Pós-Traumático de Guerra", doença esta que refere ter-se manifestado "durante e devido ao serviço militar e é característica em pessoas que foram sujeitas a pressões de ordem militar e situações de guerra" (cfr. requerimento a fls. 5 e 6 do processo sumário por doença).
- 3 Na sequência deste requerimento foi organizado pelo Exército um processo sumário de averiguações por doença.
- 4 No âmbito do processo sumario de averiguações por doença importa salientar:
a. O requerente prestou declarações, em 06FEV2001, reiterando toda a matéria constante do requerimento dirigido ao General CEME, isto é, afirmando que viveu diversas acções traumatizantes, salientando estar aquartelado numa zona de isolamento, tendo sido queimado num incêndio na cozinha de campanha a que a obrigou a ficar imobilizado numa como por mais de um mês, sendo impossível refugiar-se nos abrigos quando havia ataques. Recorda ainda, com intensidade, a chegada de mortos e feridos ao Hospital Militar de Nampula, onde esteve internado. Refere, igualmente, que no final da comissão nem sequer se lembrava das caras dos familiares e amigos, destacando ainda que assistiu aos ferimentos causados por estilhaços num militar que, depois de atingido continuou a fazer fogo sabre o IN. Termina dizendo que passou a disponibilidade em 03JUL1973, mas que nunca mais foi a mesma pessoa, tendo em 1979/1980 começado a ser assistido em Psiquiatria e Neurologia, até aos dias de hoje (ano de 2000) - cfr. fls. 5, 6, 18 e 19 do processo sumário por doença.
b. Foi inquirida como testemunha o então 2Sar A-., o qual confirma o incidente da cozinha, do qual resultaram queimaduras no corpo do requerente, afirmando ainda que esse incidente terá obrigado à evacuação do requerente para a Hospital Militar de Mueda. Refere que o pelotão onde o requerente se incluía tinha como única missão proteger o campo de aviação de Nangulolo e que lembra o requerente como elemento dinamizador do pelotão cfr. fls. 38 e 39 do processo sumario por doença.
c. Foi inquirida como testemunha o então Alferes Mil J., Comandante do PEL REC DAIMLER 3010, que se recordava vagamente do incidente na cozinha. Referiu que o local onde se encontravam foi atacado diversas vezes, que as condições de higiene eram precárias e que se lembra de que o requerente se encontrava naturalmente afectado psicologicamente, mas disposto a cumprir a sua missão - cfr. fls. 50 a 52 do processo sumário por doença.
d. Foi inquirida como testemunha o então 1Cab A--., o qual confirmou o incidente que originou queimaduras no requerente, aditando que isso o obrigou a um largo período de incapacidade. Referiu ter havido diversos ataques ao aquartelamento. Questionado quanto a alterações de comportamento no decurso da comissão de serviço do requerente, não se pronunciou - fls. 83 e 84 do processo sumário por doença.
e. Foi inquirida como testemunha o então 1Cab A---., o qual referiu ter havido cerca de 12 mortes e vários feridos das NT consequência dos ataques ao aquartelamento onde se encontravam. Mencionou ainda que as alterações psicológicas então notadas eram iguais às de todos os outros militares ­fls. 91 e verso do processo sumário por doença.
f. Foi inquirida como testemunha a então Soldado J., a qual referiu que o aquartelamento onde se encontravam sofreu cerca de 25 ataques. Confirmou o acidente que originou as queimaduras no requerente. Mencionou, ainda, que não notou alterações no comportamento do requerente cfr. fls. 96 a 98 do processo sumário por doença.
g. 0 requerente, ouvido em 18MAI04, declarou que "dos problemas provocados pelas queimaduras não se queixa pais encontra-se curado" - cfr. fls. 126 do processo sumário por doença.
- 5 Observado nas consultas externas de Psiquiatria e Gastroenterologia do Hospital 41> Militar Regional n.° 1 (HMR1), vejam-se os relatórios destas consultas externas. Relativamente à especialidade de Psiquiatria, onde o requerente foi observado por duas vezes, em Junho de 2001 e Janeiro de 2004, neste último relatório o requerente descreveu-se como «pior fisicamente» e que quanto ao sector psiquiátrico se sente «igual»". O relatório refere que "não verificamos diferenças significativas em relação ao quadro clínico de então [2001]", acrescentando que "a prova testemunhal através de outros militares que acompanharam o examinado durante a prestação do serviço militar (...) não refere transtornos psíquicos do mesmo". Assim, "o examinado referiu-nos sintomatologia idêntica à do relatório anterior, por isso, mantemos o mesmo diagnóstico [de neurose ansioso-depressiva]. Por outro lado, "não nos podemos pronunciar inequivocamente quanto ao nexo de causalidade entre as suas queixas e a prestação do serviço militar, admitindo, todavia que possa haver algum relacionamento causa-efeito" (fls. 121 a 124 do processo sumário por doença).
- 6 Quanto ao relatório clínico elaborado na sequência da consulta externa de Gastroenterologia, a qual se solicitou atendendo a queixas do requerente suscitadas no decurso do processo por doença, há a sublinhar que "não existe qualquer relação entre as suas queixas digestivas actuais (...) e a prestação do S.M.O. em Moçambique" (fls. 114 do processo sumário por doença).
- 7 O parecer da informação efectuada pela Secção de Justiça do Região Militar do Norte (SJ/RMN) vai no sentido de que "as queixas, de foro psiquiátrico, apresentadas pelo 1CAB Cardoso poderão ter relação de causalidade com o cumprimento do serviço militar no ex-PU de Moçambique", sendo que "não há qualquer relação entre as queixas, de foro de gastroenterologia, apresentadas pelo requerente e o cumprimento do serviço militar" e que "as queixas do foro Ortopédico pelo mesmo apresentadas têm nexo de causalidade com o cumprimento do Serviço Militar", o qual obteve despacho concordante do Comandante da RMN.
- 8 Em 270UT05, o requerente foi presente a JHI/HMR1 que o julgou "Incapaz de todo a serviço militar apto, parcialmente para o trabalho com 35% de desvalorização".
- 9 A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção de Saúde (CPIP/DS) entendeu, no seu Parecer n. ° 329/2009, s/d, que "1. o requerente efectivamente sofreu um acidente no cumprimento do serviço militar provocado pelo derrame de óleo a ferver sabre si, não lhe tendo provocado contudo quaisquer sequelas físicas actuais; 2. que as queixas gástricas do requerente não tem relação com o cumprimento do serviço militar; que o requerente sofre actualmente de neurose ansioso depressiva; que as queixas psicológicas do requerente não se manifestaram durante o cumprimento do serviço militar, dado ter-se revelado sempre uma pessoa normal", pelo que "somos de parecer: que as queixas apresentadas pelo 1CAB Cardoso não tem relação de causalidade com o cumprimento do serviço militar na ex-PU de Moçambique".
- 10. Este Parecer foi homologado por despacho de 130UT09, do Exmo. Sr. Director de Justiça e Disciplina, no use de competência subdelegada".
2. Conforme Despacho, de 28 de janeiro de 2011, exarado na Informação (Proc. 120.102/100-616/09), de 25 de janeiro de 2011, da Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos (DSAJ) da Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional, o processo do ex-1° Cabo NIM 07100670 A. foi devolvido ao Ramo, com vista a que fossem efetuadas novas diligencias, nomeadamente: com vista ao apuramento de eventuais eventos traumáticos sofridos pelo ex-militar, bem como para efetivação de todas as diligencias e procedimentos próprios do diagnóstico PPST, com posterior submissão do processo a novo parecer da CPIP/DS, de modo a esclarecer inequivocamente qual a relação entre a serviço militar prestado pelo requerente e a sua situação clinica atual.
3. Com efeito, destacam-se os seguintes fundamentos da análise jurídica contida na referida Informação, que motivaram a referida devolução:
- "16 Pressuposto da qualificação é, como resulta do artigo 1. ° do citado diploma legal, que requerente padeça actualmente de uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
- 17 No caso em análise, os peritos médicos militares atribuíram um grau de desvalorização às queixas de 35%, sem que, contudo, se tenha estabelecido o indispensável nexo de causalidade entre as queixas que dão origem à desvalorização e serviço militar por si prestado na ex-PU de Moçambique.
- 18 0 Parecer do CPIP/DS vai precisamente nesse sentido, valorizando a conclusão do relatório médico da consulta externa de Psiquiatria em detrimento dos relatórios e testemunhos médicos que se encontram juntos ao processo sumario por doença.
- 19 Destaque também para a pouca informação existente quanto à actividade operacional do requerente e do pelotão em que se encontrava integrado, não sendo passível obter esclarecimento quanta ao tipo de atividade operacional desenvolvida no período entre Maio de 1971 e Julho de 1973.
- 20 Refira-se também que da leitura de toda o processo não se vislumbra que o requerente tenha sido submetido a exame psicológico próprio para verificação dos critérios específicos do diagnóstico de perturbação pós stress traumático (PPST), sendo que este diagnóstico tem procedimentos próprios e implica conhecimentos específicos do foro médico.
- 21 Atendendo a que a requerente invocou e fez juntar nos autos documentação clínica onde se defende que vem sofrendo de stress pós-traumático, e no seguimento do pratica que a DSAJ tem vindo a defender a qual se funda na obediência nos princípio da igualdade e à uniformização dos procedimentos na Administração, entende-se conveniente que o requerente seja submetido aos respectivos testes específicos, com vista à aferição da existência, ou não, daquela doença".
4. O processo foi assim devolvido ao Gabinete de Sua Excelência o Chefe do Estado-Maior do Exército, a coberto do Oficio n.° 004188, de 31 de janeiro de 2011, peta DSAJ para que fossem efetuadas novas diligências.
5. A Direção de Justiça e Disciplina (DJD), através da Nota n.° 2473 (Proc.3.6.5.213.09(SFN), de 20 de maio de 2011, remeteu o processo para o Regimento de Cavalaria n.° 6 (RC6), a fim de que fossem cumpridas as diligencias requeridas.
6. O processo foi reaberto e foi enviado um pedido de documentos para o Arquivo Geral do Exército e para o Arquivo Histórico Militar, com vista a que fosse junta aos autos a documentação histórico-militar referente ao requerente e ao Pelotão de Reconhecimento Daimler n.° 3010 (cfr. a ft. 156 do PA).
7. Na sequência do pedido de documentos ao Arquivo Histórico Militar, foram juntas aos autos fotocópias da totalidade da História do Pelotão de Reconhecimento Daimler n.° 3010, onde consta a atividade do mesmo e a indicação dos ataques do inimigo, dos quais não resultaram baixas para o Pelotão (cfr. a fls. 160-169 do PA).
8. Após pesquisas junto do Arquivo Geral do Exército, foram juntas aos autos fotocópias da Ordem de Serviço n.° 49, de 19 de junho de 1971, da Região Militar de Moçambique (cfr. a fls. 172-173 do PA).
9. O oficial instrutor encerrou o processo, tendo elaborado novo relatório final, em 20 de abril de 2012, no qual conclui que "(...) apesar de sabermos qual foi a atividade operacional do pelotão, não resulta do processo, de forma clara e inequívoca, quais os eventos ou situações psicologicamente dolorosas ou traumáticas resultantes do envolvimento direto ou indireto em ações de combate por parte do requerente, é parecer do Oficial Instrutor que se efetivem todas as diligencias e procedimentos próprios do diagnóstico da PPST, bem como posterior submissão do processo a novo parecer da CPIP (...)" (cfr. a fls. 176-177 do PA).
10. O referido relatório mereceu despacho de concordância do Comandante do RC6, em 20 de abril de 2012.
11. Cumpridas as diligências requeridas no RC6, o processo foi remetido à Direção de Saúde, tendo, por despacho de 09 de maio de 2012 do Exmo. Diretor da Direção de Saúde, sido autorizada a presença do requerente a uma nova JHI no HMR1 (agora de designado por Hospital das Forças Armadas - HEAR), tendo em vista a reavaliação da sua situação clínico-militar e a revisão do grau de desvalorização, face aos novas elementos arrolados no processo conforme nota n.' 2473, de 20 de maio de 2011, da DJD, anexa ao processo, devendo ser anexados os teste específicos da doença PPST ("35% de desvalorização pela JHI/HMR1 de 27ABR2006-PPST").
12. No âmbito dos procedimentos prévios da presença do ex-militar a nova JHI, o requerente foi reavaliado no Serviço de Psiquiatria no HMR1, tendo o respetivo relatório médico sido junto aos autos, no qual o médico especialista concluiu que: "Em nossa opinião, o ex­-militar sofre de PTSD - Perturbação de Stress Pós-Traumático. Voltou a ser reavaliado por Psicologia, tendo sido sujeito a avaliação psicométrica que concluiu pela compatibilidade com o diagnóstico de PTSD". Foram ainda juntos aa Processo clínico os relatórios de avaliação psicológica efetuados em 2001 e em 2013.
13. O requerente foi presente a JHI no Hospital das Forças Armadas, em 20 de maio de 2015, que o considerou: "Incapaz de todo o serviço militar apto, parcialmente para o trabalho com 35% de desvalorização", por "Perturbação de Stress Pós-Traumático" (cfr. a fls. do processo clinico).
14. O referido Parecer foi homologado, no uso de subdelegação de competência, por despacho do Exmo. Senhor Diretor de Saúde, em 23 de setembro de 2015.
15. O Processo foi submetido a novo Parecer da CPIP/DS, a qual, através do seu Parecer n.° 469/2015, "considera existir nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica pela qual foi desvalorizado em 35% e o cumprimento do Serviço Militar".
16. O Parecer da CPIP/DS foi homologado em 15 de fevereiro de 2016, pelo Diretor dos Serviços de Pessoal, no uso de competências subdelegadas.

III. Enquadramento legal
17. Em conformidade com o estabelecido no n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, é considerado Deficiente das Forças Armadas Portuguesas o cidadão que:
"No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravada equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para a desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou Incapaz do serviço activo; ou Incapaz de todo o serviço militar."
18. A alínea b) do n.° 1 do artigo 2.º ("Interpretação de conceitos contidos no artigo 1.°") do mesmo diploma legal fixa em 30% o mínimo de incapacidade geral de ganho, para o efeito da definição de deficiente das Forças Armadas.
19. Os n.°s 2 e 3 do artigo 2.º esclarecem, por seu turno, que:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilho ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade."

IV. Análise
20. O presente processo foi remetido ao Ministério da Defesa Nacional com vista à qualificação do ex-1° Cabo NIM 07100670 A. como deficiente das Forças Armadas, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
21. Pressuposto desta quantificação é, antes de mais, e conforme resulta do n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76 acima transcrito, que a doença de que a requerente padece atualmente tenha sido adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar, em determinadas circunstâncias e que a mesma seja responsável por uma diminuição na sua capacidade geral de ganho.
22. Conforme Despacho, de 28 de janeiro de 2011, exarado na Informação (Proc. 120.102/1000­616/09), de 25 de janeiro de 2011, da DSAJ, o processo do ex-1° Cabo NIM 07100670 A. foi novamente devolvido ao Ramo, com vista a que fossem efetuadas as novas diligências, nomeadamente, o apuramento de eventuais eventos traumáticos sofridos pelo ex-militar, bem como a efetivação de todas as diligências e procedimentos próprios do diagnóstico PPST, com posterior submissão do processo a novo parecer da CPIP/DS, de modo a esclarecer inequivocamente qual a relação entre o serviço militar prestado pelo requerente e a sua situação clinica atual.
23. Efetuadas as diligencias requeridas, cumpre-nos agora proceder análise do processo a fim de verificar se estão preenchidos os requisitos exigidos pelo referido Decreto-Lei para a qualificação do requerente como DFA.
24. No caso em apreço as entidades médicas que avaliaram o estado clínico do requerente consideraram que o mesmo adquiriu a diminuição na sua capacidade geral de ganho pela doença "Perturbação de Stress Pós-Traumático", de que padece atualmente, tendo-lhe sido atribuída a desvalorização de trinta e cinco por cento (35%), tendo sido estabelecido o imprescindível nexo de causalidade entre a mesma e o serviço militar.
25. Uma vez que foi considerado existir nexo de causalidade entre a doença do foro psiquiátrico e a prestação do serviço militar, cumpre-nos agora verificar se estão preenchidos os restantes requisitos, exigidos pelo referido Decreto-Lei para a qualificação do requerente como DFA.
26. Importa ter presente que, para que um militar ou ex-militar seja quantificado como DFA, para além da identificação dos eventos traumáticos em sede de avaliação psicológica, terão os mesmos que estar comprovados no processo administrativo, através de prova documental ou testemunhal, devendo ainda ter-se presente que só as doenças adquiridas ou agravadas em situação de "campanha", em "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" ou de "risco agravado", de acordo com os conceitos enunciados no n.° 2 do artigo 1.° e nos n.° 2 e 3 do artigo 2.°, ambos do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, são relevantes para efeitos da referida qualificação.
27. Posto isto, não basta que a patologia do foro psiquiátrico esteja intimamente relacionada com o serviço militar, mas esta tem de resultar da exposição a factores traumáticos de stress durante o serviço de campanha ou equiparado, tendo que existir uma necessária relação causal.
28. O requerente, no seu auto de declarações, indicou como evento traumático ocorrido durante a prestação do serviço militar, o facto de ter sido vítima de um acidente, na véspera de Natal de 1971, quando se encontrava na cozinha do aquartelamento com outros camaradas, e um dos militares provocou acidentalmente que a frigideira com Óleo a ferver, que havia sido usada para confecionar rabanadas, se entornasse por cima do corpo do requerente. O requerente refere que foi assistido no local pelo Furriel Enfermeiro e que ficou na camarata cerca de dois meses em recuperação, sem poder sair da cama, razão pela qual alega que quando havia ataques ao aquartelamento com morteiros, o requerente ficava sozinho na camarata à espera de ser atingido, já que não podia sair para os abrigos como os restantes militares.
29. A prova testemunhal comprova o acidente sofrido pelo requerente, que provocou queimaduras no corpo do requerente, das quais o mesmo afirma encontrar-se curado.
30. Na verdade, não foi encontrado nenhum processo por acidente/doença, nem encontrada qualquer documentação clinica proveniente da ex-Região Militar de Moçambique. Não existe qualquer registo na folha de matricula de baixa do requerente ao hospital.
31. Apesar da prova documental, junta aos autos, comprovar a atividade do Pelotão de Reconhecimento Daimler n.° 3010, não consta do referido documento que tivessem existido nos dois meses subsequentes ao referido acidente quaisquer ataques ao aquartelamento, após o Natal de 1971.
32. Decorre do n.° 2 do artigo 2.° do referido Decreto-Lei n.° 43/76 que o serviço de campanha pressupõe que a evento potencialmente traumático tenha ocorrido no teatro de operações de guerra, guerrilha ou contraguerrilha, em consequência de operações diretas ou indiretas do inimigo, ou em atividades de natureza operacional, isto é, em situação de ataque ou defesa perante o inimigo, o que neste caso não resulta inequivocamente provado.
33. O requerente sofreu um acidente em serviço, mas sem qualquer relação com a intervenção direta ou indireta do inimigo, nem motivado por uma situação de especial perigosidade. Ainda que se admite que o facto de ter ficado imobilizado na cama, durante os ataques do inimigo, pudesse ter causado mais ansiedade e stress no requerente, na verdade, não foi possível comprovar a existência de ataques ao aquartelamento durante o período da recuperação do requerente.
34. Resulta da leitura dos artigos 1.° e 2.° do referido diploma que só as doenças ou acidentes decorrentes de certas situações, em que o risco a que os militares foram expostos excedeu o que é o risco comum às demais atividades castrenses, são tidos como relevantes e merecedoras de reconhecimento, o que neste caso não acontece. Em bom rigor, não resulta inequivocamente provado que se encontrasse imobilizado no aquartelamento, aquando dos ataques do inimigo.
35. Face ao exposto, a matéria de facto não permite considerar a doença diagnosticada pela JHI/HMR1, como resultantes de qualquer contacto direto ou indireto com o inimigo, ou ocorridas durante uma operação militar em situação de especial perigosidade, razão pela qual não se pode enquadrar como adquirida em "serviço de campanha" ou "circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha", pelo que não preenche um dos requisitos indispensáveis para a qualificação como deficiente das Forças Armadas, tal como é exigido peto n.° 2 do artigo 1.° do referido Decreto-Lei n.° 43/76.
36. Apesar do grau de desvalorização global atribuído ao requerente ser de 35%, superior ao limite mínimo estabelecido pela alínea b), do n.° 1, do artigo 2° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, o preenchimento deste requisito, por si só, não permite a pretendida qualificação como DFA.
37. Nestes termos, considerando a matéria de facto apresentada nos autos, resulta que a doença diagnosticada ao ora requerente não podem ser relacionadas com o "serviço de campanha", o que inviabiliza a pretendida qualificação por não se encontrar preenchido o requisito exigido para o efeito pelo n.° 2 do artigo 1° do referido Decreto-Lei.
38. Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 100.º e 101.° do Código do Procedimento Administrativo, do projeto de decisão final de indeferimento do pedido de qualificação como DFA, o ex-militar veio a responder referindo resumidamente o seguinte:
a) "Exposição a fatores traumáticos de stress (...)
b) Viveu ações traumatizantes;
c) Esteve aquartelado em zona de isolamento;
d) Foi queimado num incêndio na cozinha, o que a obrigou a estar imobilizado na cama durante um mês, o que o impossibilitou de se refugiar aquando dos ataques;
e) Assistiu à chegada de mortos no hospital de Nampula;
f) Assistiu aos ferimentos causados por estilhaços num militar (...)
g) Pelas testemunhas foi referido que o local onde se encontravam foi atacado várias vezes (vide depoimentos de J., A., A-. e J-.);
h) O que foi confirmado pelos documentos constantes no Arquivo Histórico Militar".
39. Importa por isso referir o seguinte, nenhuma das situações referidas em sede de declarações pelo requerente nomeadamente o ser queimado por uma frigideira com óleo a ferver, que havia sido usada para confeccionar rabanadas, o estar devido a isso, imobilizado na cama do hospital ou o assistir a feridos não são situações ocorridas no teatro de operações de guerra, guerrilha ou contraguerrilha, em consequência de operações diretas ou indiretas do inimigo, ou em atividades de natureza operacional.
40. Mais, os ataques ao aquartelamento com morteiros, referido pelo requerente que "ficava sozinho na camarata a espera de ser atingido, já que não podia sair para os abrigos como os restantes militares", que ao contrário do referido pela resposta do ex-militar não foi confirmada pelos documentos anexados nomeadamente o Arquivo Histórico Militar uma vez que não consta do referido documento que tivessem existido nos dois meses subsequentes ao referido acidente quaisquer ataques ao aquartelamento, após o Natal de 1971, devendo, por conseguinte, ser mantido o que foi proposto no projeto de decisão final.

V. Conclusão

Face ao exposto, é nosso parecer que o ex-1.° Cabo NIM 017100670 A., não deve ser qualificado deficiente das Forças Armadas, por não preencher o requisito exigido para o efeito pelo n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
»

(cf. fls. 5 a 15 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

W) Com referência à Informação referida na alínea V), em 08.08.2016, o Director-geral do Réu proferiu o seguinte despacho:
Tendo presentes os fundamentos de facto e de direito constantes no presente Parecer, não qualifico o ex-1.º Cabo NIM 017100670 A. como deficiente das Forças Armadas, ao abrigo da Competência que me foi delegada pelo Sr. SEDN, através do Despacho n.º 3716, de 22 de fevereiro, publicado no DR II Série, n.º 51, de 14 de março de 2016.
(cf. fls. 5 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf);

X) O Réu dirigiu ao Autor o ofício n.º 7280, datado de 08.08.2016, para comunicar ao mesmo o despacho e a Informação referidos nas alíneas W) e V), respectivamente (cf. fls. 17 do processo administrativo – pág. 38 do Sitaf e doc. n.º 5 junto com a petição inicial – fls. 9 a 14/verso do processo físico).
O Tribunal esclareceu:
Não se provaram quaisquer outros factos que mostrassem interesse para a questão em discussão nos presentes autos.
E consignou, em sede de motivação, que alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na análise dos documentos e do processo administrativo juntos aos autos, conforme referido nas alíneas do probatório.
DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Por via da presente demanda pretende o Autor refutar o despacho proferido pelo o Director-geral do Réu, em 08.08.2016, o qual não o qualificou como deficiente das Forças Armadas, “por não preencher o requisito exigido para o efeito pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro”, e a condenação do Réu a qualificá-lo como DFA.
Vejamos.
Informa o probatório que o Autor dirigiu requerimento, datado de 01.03.2000, ao Chefe do Estado Maior do Exército afirmando sofrer de stress pós-traumático de guerra, com origem no período em que prestou serviço militar em Moçambique, e considerando-se abrangido pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, solicitava a instauração de um processo sumário “a fim de que a sua doença e a consequente desvalorização que lhe vier a ser atribuída seja considerada como ocorrida em serviço de campanha (…) reconhecendo-se-lhe o direito a pensão de invalidez ” [cf. alínea F) do probatório].
Assente está também que, na sequência do requerimento do Autor, o Réu instaurou um processo sumário de averiguações por doença [cf. alínea G) do probatório], que em 27.04.2006 e em 20.03.2013, Junta Hospitalar de Inspecção considerou o Autor “Incapaz de todo o serviço militar apto, parcialmente para o trabalho com 35% de desvalorização” [cf. alíneas N) e P) do probatório] e, em 11.02.2015, a Comissão Permanente para Informações e Pareceres do Réu emitiu o Parecer n.º 469/2015, com referência ao Autor, no qual concluiu “existir nexo de causalidade entre a doença Psiquiátrica pela qual foi desvalorizado em 35% e o cumprimento do Serviço Militar” [cf. alínea Q) do probatório].
Em 03.08.2016, pela Direcção de Assuntos Sociais e Apoio aos Deficientes Militares e Antigos Combatentes foi prestada a Informação que fundamentou o despacho impugnado, na qual se concluiu que o Autor “não deve ser qualificado deficiente das Forças Armadas, por não preencher o requisito exigido para o efeito pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro” [cf. alínea V) do probatório].
O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, “Reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade” e, conforme decorre do respectivo preâmbulo, teve em vista a “plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade”.
Por seu lado, a Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, de “[A]poio às vítimas de stress pós-traumático de guerra”, introduziu a actual redacção do n.º 3, do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.
Pelo que, prevê o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, no seu artigo 1º, sob a epígrafe “Definição de deficiente das forças armadas”, que:
1. O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social.
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3 - Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar.
(…)”.
E, estabelece o artigo 2º do mesmo Decreto-Lei, sob a epígrafe “Interpretação de conceitos contidos no artigo 1.º”, o seguinte:
1. Para efeitos de definição constante do n.º 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por «incapacidade geral de ganho», deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente reacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. «O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores», engloba aqueles casos especiais, não previsíveis, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.”.

Não divergem Autor e Réu quanto ao facto de o Autor padecer de stress pós-traumático, o que lhe determinou uma desvalorização de 35% para o trabalho, e existir nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica do Autor e o cumprimento do serviço militar.
Porém, enquanto que para o Autor o stress pós-traumático de guerra de que sofre é suficiente para ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, tendo sustentado que com a Lei n.º 46/99, de 16 de Junho a intenção do legislador foi alargar a qualificação de deficiente das Forças Armadas a casos como o seu, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 2, do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, o Réu, pelo contrário, defende a obrigatoriedade da verificação desses mesmos requisitos para aquela qualificação.
E, a razão está do lado do Réu.
Com efeito, o n.º 3, do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho veio possibilitar a atribuição do estatuto de DFA a quem padeça de stress pós-traumático de guerra, contudo apenas quando tal perturbação psicológica resulte de “serviço de campanha” ou de alguma das outras situações que, nos termos do n.º 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, são equiparáveis a tal “serviço”.
Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.09.2008, proferido no processo n.º 0265/08, disponível in www.dgsi.pt/jsta.nsf, do que se extrai o seguinte excerto:
«(…)
Contudo, cremos que o argumento simplesmente formal da autonomia do n.º 3 em face do n.º 2 não é razão bastante para romper a solidariedade entre as hipóteses neles previstas, as quais parecem reclamar uma plena identidade de tratamento. E, em prol disto mesmo, importa assinalar que aquele argumento é contrariado por um outro de índole semelhante, mas mais poderoso, que se colhe no texto do referido n.º 3.
Já sabemos que este número prevê que as vítimas de «stress» pós-traumático de guerra sejam consideradas DFA «para efeitos do número anterior». Ora, e ao menos «prima facie», esta expressão é ininteligível: é que os «efeitos do número anterior», se tomados em sentido próprio, são unicamente os de considerar certos cidadãos como DFA; assim, e reescrevendo o n.º 3 (por forma a substituir a expressão designativa pelo seu designado), teríamos que, para o efeito de se considerar um cidadão como DFA, é considerado DFA o cidadão seguidamente incluso na previsão da norma – sendo então de concluir que o legislador não sabia o que dizia ou como dizê-lo. Ora, nós temos de conferir acerto e senso ao texto legal (cfr. o art. 9º, n.º 3, do Código Civil), o que exige divisar na expressão um sentido diferente do que lhe é apenas conatural ou imediato. E indiscutível que os problemas colocados pelas normas jurídicas se situam ao nível da sua indagação, interpretação ou aplicação. E reporta-se indubitavelmente a estas duas últimas operações a alusão do n.º 3 aos «efeitos do número anterior». Assim, é imperioso considerar que tais «efeitos» são os ligados à interpretação e à aplicação do n.º 2, de modo que o n.º 3 se nos apresenta com o seguinte teor (embora parcialmente oculto): para efeitos da interpretação e/ou da aplicação do número anterior, «é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão...» («et caetera»). Portanto, os «efeitos» que o n.º 3 tem em vista não são o resultado último a que tende o n.º 2, pois vimos acima que isso seria absurdo; tais «efeitos» significam e abrangem todas as consequências intercalares – relativamente ao processo causal de qualificação como DFA – derivadas da aplicação das regras e critérios acolhidos no n.º 2, de modo que as vítimas de «stress» pós-traumático só poderão obter o estatuto de DFA se o «número anterior» lhes for igualmente aplicável – isto é, se estiverem reunidas as várias condições que esse n.º 2 prevê como indispensáveis à produção dos seus próprios «efeitos».
Nem poderia ser de outra maneira. Ao submeter a sua hipótese aos «efeitos do número anterior», o n.º 3 apresenta-se como uma continuação ou prolongamento dele, sendo assim de concluir pela natureza receptícia do n.º 3 em relação ao n.º 2. Ora, o que o n.º 3 assim recebe há-de ser tudo o que o n.º 2 já contém, excepto o que o n.º 3 diferentemente prevê; donde se conclui que as vítimas de «stress» de guerra só podem ser havidas como DFA se reunirem os vários requisitos insertos no n.º 2.
Sendo as coisas assim, a qualificação dessas vítimas como DFA exige que o trauma psíquico sofrido haja resultado de «serviço de campanha» ou de «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» – salvo se provier de aprisionamento de guerra, de manutenção da ordem pública, da prática de acto humanitário, de dedicação à causa pública ou de outro risco agravado no exercício das funções e deveres militares (…)”.».
Impõem-se, por isso, aferir, se a situação descrita pelo Autor ocorreu “em serviço de campanha” ou “em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha”.
Resulta do n.º 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que o legislador fixou de modo restrito a noção de DFA, tendo definido os requisitos que permitem tal qualificação, designadamente os de “serviço de campanha ou campanha” e as “circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha”, nos n.ºs 2 e 3, do artigo 2º do mesmo Decreto-Lei.
Como tem entendido a jurisprudência, a atribuição da qualidade de DFA apenas pode ser feita a quem preencha por completo os referidos requisitos.
Alegou o Autor que, durante a comissão de serviço que cumpriu em Moçambique, “foi sujeito a várias ações traumatizantes”; “tendo estado aquartelado em zona de isolamento”; “tendo sido queimado num incêndio, o que o obrigou a estar imobilizado na cama durante mais de um mês”, “impossibilitando-o de se refugiar aquando dos ataques do inimigo”; “durante o referido período, foram inúmeros os ataques do então inimigo, sobretudo com morteiros e canhões sem recuo”; “O aquartelamento dispunha de abrigos e valas destinados a proteção dos ataques, todavia o A., durante a imobilização acima referida, estava impossibilitado de ser evacuado para um dos abrigos, suportando os ataques na esperança de não ser morto”; “Entre maio de 1971 e Maio de 1973, assistiu a várias baixas e feridos”; “tendo, mesmo, assistido aos ferimentos causados por estilhaços num militar que, depois de atingido continuou a fazer fogo sobre o então inimigo”; “Esteve, inclusive, internado na ala de Psiquiatria do Hospital Militar de Nampula, onde assistiu à chegada de vários mortos e feridos”; “No termo da comissão de serviço, o A. nem sequer reconhecia os familiares e amigos”.
Ora, as circunstâncias em que o Autor relata ter sofrido as lesões psicológicas que fundamentam o seu pedido de reconhecimento de DFA não se enquadram nos aludidos requisitos legais.
Desde logo, conforme referiu o próprio Autor em declarações prestadas em 18.05.2004, o acidente em que foi queimado devido a incêndio que se verificou na cozinha do aquartelamento com o óleo utilizado na preparação de rabanadas, ocorreu na véspera do Natal de 1971 [cf. alínea J) do probatório], sendo que, não obstante mencionar que tal acidente “o obrigou a estar imobilizado na cama durante mais de um mês”, “impossibilitando-o de se refugiar aquando dos ataques do inimigo”, e que “durante o referido período, foram inúmeros os ataques do então inimigo, sobretudo com morteiros e canhões sem recuo”, o certo é que, na História do Pelotão de Reconhecimento Daimler n.º 3010, onde foi integrado o Autor, não consta quaisquer ataques ao aquartelamento nos meses de Dezembro de 1971, Janeiro, Fevereiro e Março de 1972 [cf. alínea K) do probatório], ou seja, no período em que alegou estar impossibilitado de se deslocar para os abrigos.
Bem como, mencionou o Autor ter estado “internado na ala de Psiquiatria do Hospital Militar de Nampula, onde assistiu à chegada de vários mortos e feridos”, no entanto, decorre da alínea L) do probatório não existir qualquer registo de internamento do Autor no processo individual do Exército Português relativo ao mesmo.
De todo o modo, os motivos aduzidos pelo Autor como causadores das respectivas lesões não são de molde a poderem ser qualificados como especialmente perigosos nem envolveram um risco que tivesse ultrapassado, de modo sensível, o risco comum à generalidade das pessoas que tivesse passado pela mesma experiência, não resultando de factores traumáticos com origem em “serviço de campanha” ou de “circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha”.
Na verdade, a qualificação de um militar como DFA só pode ter lugar em casos especiais não previsíveis, de especial gravidade, pelo que não basta que a deficiência tenha sido adquirida durante a prestação do serviço militar e no exercício de funções e deveres militares, visto a mesma depender de ter ocorrido em circunstâncias que envolvam perigos anormais, isto é, em circunstâncias não previsíveis, que, pela sua natureza, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole impliquem perigo superior ao normal, uma vez que, sendo o perigo inerente à vida castrense, a qualificação como DFA exige que as lesões tenham origem em condições de risco que ultrapassem o risco comum à generalidade dos militares em serviço ativo, risco aquele especialmente agravado pelas circunstâncias especiais ou excepcionais de lugar, modo e tempo, que acarretem para o prestador uma maior e particular vulnerabilidade ao desgaste de ordem física e psíquica.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 03.04.2008, proferido no processo n.º 01617/04.0BEVIS, disponível in www.dgsi.pt/jtcn.nsf:
«(…)
A jurisprudência do STA tem sustentado que a clareza com o que o legislador expôs e desenvolveu os citados conceitos revela que pretendeu que os mesmos fossem interpretados de um modo restritivo, o que quer dizer que a atribuição da qualidade de DFA deve ser feita, apenas e tão só, a quem preencha por inteiro os apontados requisitos.
E, sendo assim, não basta para ser qualificado como DFA que a deficiência tenha sido adquirida durante a prestação do serviço militar e por causa deste, em zona susceptível de ocorrerem ataques inimigos, pois, que a lei exige mais do que isso, exige que a mesma tenha sido adquirida no teatro de operações onde tenham lugar operações de guerra, guerrilha ou contra-guerrilha e tenha resultado da actividade operacional, directa ou indirecta, do inimigo ou de eventos ocorridos no decurso de qualquer actividade de natureza operacional que, pelas suas características ou pelas circunstâncias concretas do caso, impliquem perigo superior ao normal [cfr. entre outros, Acs. do STA de 21/04/2005 - Proc. n.º 0106/04, de 19/05/2005 - Proc. n.º 01852/03, de 16/06/2005 (Pleno) - Proc. n.º 0274/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»]. Como se afirmava no acórdão daquele mesmo Tribunal de 04/06/1996 (Proc. n.º 037362 in: «www.dgsi.pt/jsta») a qualificação como DFA exige “… que o serviço seja prestado em condições de risco que ultrapassem, de modo sensível, o risco comum à generalidade dos militares em serviço activo, risco aquele especialmente agravado mercê das circunstâncias especiais ou excepcionais de lugar, modo e tempo, que acarretem para o prestador uma maior e particular vulnerabilidade ao desgaste de ordem física e psíquica e às respectivas sequelas traduzíveis na diminuição da respectiva capacidade aquisitiva. E mais: exige-se que tais circunstâncias sejam potenciadas por actuações de carácter humanitário ou patriótico, reveladoras do espírito de abnegação e sacrifício …”.
Deste modo, só poderá ser qualificado como DFA o militar que, sacrificando-se pela Pátria n.º 1 do art. 01.º, se tenha deficientado num teatro de guerra ou de guerrilha por causa, directa ou indirecta, das actividades do inimigo ou do possível contacto com ele e que tudo ocorra em condições de perigo e dificuldade superiores às da vida castrense normal.
Tal, porém, não significa que só possa ser assim considerado quem se tenha deficientado em resultado de actos de bravura e sacrifício próximos do heroísmo, visto que não sendo o espírito da lei premiar o cumprimento normal da função militar e, portanto, os riscos normais a ela inerentes, também não é o de premiar só os actos de heroísmo ocorridos em circunstâncias únicas ou verdadeiramente excepcionais.
O DFA é, pois, o militar comum que, ao serviço da Pátria, no teatro de guerra e em circunstâncias anormais de perigo, cumpriu o seu dever, com coragem e abnegação e, em função disso, adquiriu uma deficiência.
Apreciando o quadro legal em matéria de doença contraída ou agravada em serviço no âmbito deste diploma defendeu-se no acórdão do STA de 19/05/2005 (Proc. n.º 01852/03 supra citado) e passa-se a citar que “… a filosofia do DL n.º 43/76 é, …, significativamente restritiva e exigente, assentando na consideração de que o diploma pretende “exprimir a gratidão da Pátria por quem se sacrifica por ela em situações de serviço que, no caso dos militares, excedem em risco o que é próprio do comum das actividades castrenses”, e que o mesmo “contempla os actos de sacrifício pela Pátria, que ultrapassem os limites do mero cumprimento do dever militar".
Não se compreenderia, assim – até por razões de unidade e coerência sistemáticas – que, relativamente a outra qualquer doença, nomeadamente de ordem psíquica, e ainda que objecto de uma previsão específica, a filosofia do diploma fosse outra, menos exigente, permitindo a qualificação como DFA a partir da mera constatação de doença sofrida no exercício do serviço militar ...”.
(…)».
Na situação em apreço, não alegou o Autor nem decorre do processo sumário de averiguações e, como tal, não resulta do probatório que o Autor tenha adquirido a sua doença num teatro de guerra ou de guerrilha por causa, directa ou indirecta, das actividades do inimigo ou do possível contacto com ele, em condições de perigo e dificuldade superiores às da vida castrense normal, não se podendo assim concluir que a mesma haja resultado de “serviço de campanha” ou de “circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha”.
Assim, não estando demonstrado que o Autor sofre da aludida da doença por causa da prestação de “serviço de campanha” ou equiparado, condição imposta pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, não lhe poderá ser reconhecida a qualidade de deficiente das Forças Armadas.
Conclui-se, assim, pela validade da decisão impugnada.
Ante o expendido e em face da situação que nos é trazida, entende o Tribunal que a pretensão do Autor terá de soçobrar.
X
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Assim, vejamos:
Por via da ação administrativa, que o Autor, ora Recorrente, propôs contra o Réu, ora Recorrido, Ministério da Defesa Nacional (MDN), o mesmo formulou os seguintes pedidos:
“ser o R. condenado na prática de ato administrativo devido em que se qualifique o A. como deficiente das Forças Armadas;
ser anulado o despacho de 8 de agosto de 2016 do Diretor Geral de Recursos da Defesa Nacional, no uso de poderes delegados do Secretário de Estado Defesa Nacional”.
Nas alegações do presente recurso jurisdicional, considera o Recorrente que “O Tribunal a quo decidiu, nos termos do artigo 88º, n.º 1, alínea b) do CPTA, dispensar a realização de audiência prévia, e assim proferir saneador-sentença. Ora, nos termos do disposto nos artigos 87º-A do CPTA e 591º do CPCivil, a realização de audiência prévia é obrigatória.
Excecionou o Tribunal a quo a sua realização invocando: (…) que o estado do processo permite, sem necessidade de mais indagações, dada a desnecessidade de produção de prova adicional, (…) que seja proferida decisão que conheça do mérito da causa (…)”.
O Recorrente alega que “(…) nem os motivos que invoca se mostram preenchidos e por isso, não aplicáveis ao caso sub judice, nem este realizou todos os trâmites processuais a que está vinculado por lei”.
Alega, ainda, que, “(…) Desde logo, não deu o Tribunal a quo qualquer possibilidade do aqui Rec.te se pronunciar quanto à dispensa da audiência prévia (…) por outro lado, e ao contrário do que o Tribunal a quo alega, os autos não estavam dotados de todos os elementos necessários para que se julgasse o mérito da causa”.
Invoca, ainda, que “(…) Inexistindo qualquer movimentação processual desde essa data, em 4 de março de 2019, o aqui Rec.te dirigiu requerimento ao Tribunal dando conta do seu precário estado de saúde e alegando que temia que a decisão que viesse a ser proferida perdesse o seu efeito útil, requerendo a marcha do processo. Não tendo obtido qualquer resposta, aos 21 de junho de 2019, novamente requereu ao Tribunal que saneasse o processo, (…)”.
Já se disse que a sentença posta em crise negou provimento à ação administrativa proposta pelo aqui Recorrente, tendo julgado a mesma totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu o Réu dos pedidos formulados na p.i..
A matéria sobre a qual foi proferida a sentença recorrida assenta no facto de a doença diagnosticada ao Requerente não poder ser relacionada com o “serviço de campanha”, pelo que não se encontra preenchido um dos requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 1.º do DL 43/76, de 20 de janeiro, o que, por si só, impede a qualificação do interessado como DFA, em virtude de esta qualificação (como DFA) depender da verificação cumulativa dos pressupostos/requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do DL 43/76.
Por outro lado, o ora Recorrente defende que “com a Lei 46/99, pretendeu o legislador alargar a qualificação de deficiente das forças armadas aos casos de stress pós-traumático de guerra, independentemente da verificação dos requisitos referidos no n.º 2 do artigo 1º do DL 43/76.” - cfr. artigo 21.º da p.i..
Sucede que a qualificação como deficiente das Forças Armadas não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à proteção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ou traumatizantes.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão de 24 de maio de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul, segundo o qual “A qualificação como DFA exige que a doença, fonte de incapacidade, tenha sido contraída em serviço de campanha ou situação equiparada, nos termos fixados no D.L. n.º 43/76, não bastando que a fonte da doença radique na simples prestação do serviço militar”.
Também assim entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 8 de fevereiro de 1994, Processo n.º 31398: “não é espírito do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função, o seu desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo”.
Tratando-se de doença do foro psíquico, verificamos que o n.º 3 do artigo 1.º do DL 43/76, número que foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, veio possibilitar a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de stress pós-traumático de guerra.
Como resulta claro do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de setembro de 2008, Processo 0265/08 “IV - Na medida em que a previsão desse n.º 3 se apresenta enunciada «para efeitos do número anterior», deve ver-se esse n.º 3 como continuador e receptício do n.º 2, sendo aqueles «efeitos» os resultantes da interpretação e aplicação do «número anterior». V - Assim, a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de «stress» de guerra exige que a sua «perturbação psicológica» resulte de «serviço de campanha» ou de alguma das outras situações que, nos termos do n.º 2 do referido art. 1.º, são equiparáveis a tal «serviço».”
Atente-se a outro Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, Proc. 01852/03, de 19/05/2005, na parte em que refere “que a filosofia do DL n.º 43/76 é, de acordo com a jurisprudência deste STA, significativamente restritiva e exigente, assentando na consideração de que o diploma pretende ‘exprimir a gratidão da Pátria por quem se sacrifica por ela em situações de serviço que, no caso dos militares, excedem em risco o que é próprio do comum das atividades castrenses’, e que o mesmo ‘contempla os actos de sacrifício pela Pátria, que ultrapassem os limites do mero cumprimento do dever militar. Não se compreenderia, assim - até por razões de unidade e coerência sistemáticas - que relativamente a outra doença, nomeadamente de ordem psíquica, e ainda que objeto de uma previsão específica, a filosofia do diploma fosse outra, menos exigente, permitindo a qualificação como DFA a partir da mera constatação de doença sofrida no exercício do serviço militar”.
Na verdade, o único acidente traumático sofrido pelo Autor e que ficou provado durante o processo, foi perfeitamente fortuito e deveu-se ao facto de uma frigideira com óleo a ferver se ter entornado sobre o seu corpo.
Efetivamente, o acidente sofrido pelo A. na cozinha do aquartelamento foi o único dado como provado, tanto no relatório do Oficial Instrutor, como no Parecer da CPIP n.º 469/2015, que a final, acaba por atribuir nexo entre a doença e o cumprimento do Serviço Militar (cfr. a fls. 41, 42 e 268 do p.a.).
De facto, se cruzarmos e analisarmos criticamente todos os elementos de prova constantes do processo, nomeadamente a “História do Pelotão de Reconhecimento Daimler N.º 3010”, que constitui um documento autêntico, poderemos concluir que, apesar do serviço militar cumprido em ambiente de guerra, “a moral manteve-se sempre boa, (…) como pode ser apreciada em todo o resumo cronológico.”, não havendo registo de qualquer envolvimento direto ou indireto em ações de combate por parte do ora Recorrente (cfr. a fls. 295 a 315 do p.a).
Por outro lado, se trouxermos à colação o depoimento do ora Recorrente em Auto de Declarações datado de maio de 2004, segundo o qual “mais ou menos a meio da comissão começou a ter problemas psíquicos, tendo perdido a noção da idade das pessoas, a esquecer-se da fisionomia das pessoas e a não ter a noção da velocidade dos automóveis e começou a refugiar-se no álcool” (cfr. fls. 261 a 263 do p.a., e artigo 12.º da p.i.), e o confrontarmos com o escriturado na sua folha de matrícula, (outro documento autêntico), nomeadamente com a entrada de 1973 - março, onde se lê “Apto no Exame complementar de condução auto em 08MAR73” (cfr. fls. 154 do p.a.), parece pouco provável que, alguém nas condições psíquicas acima referidas conseguisse ultrapassar um exame de condução complementar (pois o A. já possuía a especialidade de condutor) a cerca de três meses de terminar a comissão e regressar à metrópole - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
No artigo 17.º da p.i., o aqui Recorrente parece insurgir-se contra o facto de o seu processo ter demorado 16 anos a ser concluído, e com alguma razão diga-se, mas nada diz acerca do facto de ter demorado mais de 25 anos para requerer a eventual qualificação como DFA.
O Recorrente baseia o seu pedido também no argumento de que “dos relatórios e pareceres resulta inequivocamente um diagnóstico concludente e um nexo de causalidade entre a doença e os fatores que a desencadearam” - cfr. artigo 31.º da p.i.
Ora, os médicos psiquiatras elaboraram os relatórios médicos - diga-se, aliás, a pedido do próprio Recorrente, que os juntou ao requerimento inicial - com base nos relatos que o doente, ora Recorrente, lhes fez, uma vez que não cumpriram serviço militar com ele em Moçambique, razão pela qual os relatórios médicos não podem constituir prova dos factos descritos pelo próprio, ao contrário daquilo que pretende (cfr. artigos 13.º e 31.º da p.i.).
A este propósito, menciona o Relatório de observação psicológica que sobre ele foi elaborado: “Refere o início dos seus problemas, 7 anos após regresso do Ultramar, (…).
Refere que sofreu um acidente na cozinha de campanha, (…). Diz que após algum tempo de “isolamento” no teatro de guerra, começou a “esquecer a cara dos pais” sic, situação que o aterrorizou” (cfr. a fls. 92 e 93 do p.a.).
No processo individual do Exército Português respeitante ao Recorrente não existe qualquer processo por doença, nem documentação clínica da ex-PU de Moçambique e nem na sua folha de matrícula, nem na sua ficha sanitária se encontram referências a doença sobrevinda durante o serviço militar, baixa à enfermaria ou hospital, dependendo em regra da gravidade da doença ou lesão contraída pelos militares durante a prestação do serviço militar.
Como resulta da prova compilada no processo administrativo, o ora Recorrido baseou-se na prova documental existente (apesar de não sido encontrado processo por doença/desastre em serviço, ou documentação clínica da ex-PU de Moçambique) e testemunhal, e não em quaisquer convicções, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao acolher a sua leitura.
E, assim sendo, bem andou ao assegurar:
Da Dispensa de Audiência Prévia:
Dispõe o n.º 2, do artigo 87º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que “[N]as ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados.”.
No caso presente, a audiência prévia a realizar-se teria apenas como finalidade proferir despacho saneador, nos termos previstos no n.º 1, do artigo 88º do CPTA, a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 87º-A do mesmo Código.
Sendo que, quando a audiência prévia se destine a proferir despacho saneador em que se conheça do mérito, o juiz pode dispensar a realização da mesma.
Pelo que, considerando que o estado do processo permite, sem necessidade de mais indagações, dada a desnecessidade de produção de prova adicional, em virtude dos autos estarem dotados dos elementos necessários para que seja proferida decisão que conheça do mérito da causa, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 88º do CPTA, dispensa-se a realização de audiência prévia.
É certo repete-se, que nas suas alegações de recurso e conclusões, se insurge o Autor/Recorrente contra esta decisão, a qual, na sua óptica, resulta da incorreta aplicação e interpretação da lei.
Porém, a ser assim, tal configuraria erro de julgamento e não nulidade da sentença, tanto que concluiu pedindo a revogação do julgado e não a sua anulação.
Ao mesmo tempo, argumenta o Autor/Recorrente que existe uma nulidade processual, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 195º do Código de Processo Civil, consubstanciada na dispensa da audiência prévia e da audiência de julgamento, sem audição das partes.
Todavia, a verificar-se a apontada nulidade processual, tal não determinaria a nulidade da sentença recorrida, sendo certo que o regime das nulidades processuais e das nulidades da sentença são distintos, com regimes, prazos de arguição e consequências diferentes.
De resto, o Recorrente não questionou o quadro factual vertido na sentença nem especificou o que pretendia provar com a invocada prova testemunhal.
Como é sabido, o julgador pode indeferir, mediante “despacho fundamentado”, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando considere que são factos assentes ou irrelevantes ou que a prova é meramente dilatória - artigo 118º do CPTA.
O CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua produção.
A produção de prova testemunhal (ou outra) está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constitui uma formalidade vinculadamente imposta por lei. Dito de outro modo, a produção de prova testemunhal, (ou outra), está na inteira disponibilidade do tribunal, ou seja, apenas terá lugar quando este a considere necessária.
Está, pois, em causa o princípio do inquisitório na busca da verdade material. E, na busca da verdade (material), não está limitado aos meios de prova requeridos pelas Partes. Isto significa que poderá ordenar diligências de prova que não lhe foram requeridas, desde que as considere pertinentes, e também, que poderá recusar diligências probatórias que lhe foram apresentadas, desde que as repute dispensáveis, como sucedeu no caso dos autos.
Concluiu-se, bem, pela validade da decisão impugnada.
Improcedem, assim, as conclusões do Apelante.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Autor.
Notifique e D.N.

Porto, 30/4/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas