Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00304/18.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/27/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO, NOTIFICAÇÃO
Sumário:1-O art. 10º, nº 1, da Lei nº 25/2006, de 30/06, impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção do titular do documento de identificação do veículo para este, no prazo de 30 dias úteis, proceder à identificação do condutor ou proceder ao pagamento voluntário do valor da taxa de portagem e custos administrativos associados, notificação essa que deve ser expedida para o domicílio ou sede do notificado.

2- Não se provando o envio da notificação não se pode concluir que a arguida foi notificada e que se cumpriu a tramitação prevista nos artigos 10º e 14º da Lei nº 25/2006, de 30/06.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:B., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 29-09-2020, que julgou procedente o presente Recurso de Contra-ordenação deduzido pela arguida, sociedade “B., Lda.”, e determinou o arquivamento dos autos.

Para o efeito formulou as respectivas alegações nas quais enuncia as seguintes conclusões:

1. Por via da sentença ora sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu julgar procedente o recurso judicial determinando o arquivamento do processo.
2. A sentença sob recurso padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto e, outrossim, de uma errónea interpretação e aplicação do direito aos factos considerados como provados;
3. A decisão de aplicação de coima, controvertida nos presentes autos, não enferma de qualquer vício, tendo observado os requisitos legais previstos tanto no RGIT como na Lei n.º 25/2006, de 30 de junho (na sua redação atual);
4. Com efeito, o direito de propriedade relativamente ao automóvel, com inscrição do nome e residência habitual, a sua transmissão, tal como a alteração da morada ou sede do proprietário, estão sujeitos a registo obrigatório, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alíneas a), g) e j), e n.º 2 e artigo 27.º-B do Código do Registo Automóvel;
5. O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular, nos precisos termos em que o registo os define, onde se inclui a respectiva morada, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, aplicável por força do artigo 29.º do Código do Registo Automóvel;
6. A indicação da morada tem implicações e consequências jurídicas, cabendo ao titular providenciar pela sua atualização, nomeadamente no que se refere ao registo, sob pena de operarem as presunções decorrentes do mesmo;
7. Com efeito, o facto de a morada obtida na Conservatória do Registo Automóvel poder já não corresponder à morada da arguida deve ser valorado contra esta, não prejudicando a validade das notificações que lhe foram reiteradamente dirigidas pela autoridade administrativa, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, 11.º e 12.º do mesmo diploma;
8. Tal como decorre da prova documental junta aos autos (in nomine a certidão permanente da arguida) aquando da sua constituição a sede da recorrente era: Rua (…); depois, a 10-02-2015 consta uma alteração ao contrato de sociedade passando a constar como sede: Rua (…), e a 21-07-2017 verifica-se nova alteração ao contrato de sociedade passando a contar como sede: Estrada (…);
9. Assim, a presunção de notificação, ocorrendo o cumprimento das obrigações que recaem sobre o proprietário do veículo, não põe em causa o direito de defesa do visado e, nessa medida, não contraria a norma do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
10. Acresce que a presunção de notificação admite prova em contrário, impõe-se, no entanto, que se evidencie que não ocorreu a entrega da notificação expedida em carta simples por facto a que o respetivo destinatário é estranho, o que, não logrou demonstrar-se no caso em apreço;
11. A decisão ora recorrida não se poderá manter na ordem jurídica, por violação das disposições conjugadas do artigo 5.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º alínea b), artigos 10.º, 11.º, 12.º e 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho (na sua redacção atual) bem como do artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa;
12. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo a já acostumada Justiça.
*** ***

Não foram apresentadas contra-alegações.
*** ***

O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste TCAN emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
*** ***

Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
*** ***


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este Tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar o invocado erro de julgamento de facto e de direito na decisão que julgou o Recurso de Contra-ordenação procedente.
*** ***

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
Factos provados:
1. Dá-se aqui por reproduzida a decisão de aplicação de coima 12/7/2018 em causa nos autos, com o seguinte destaque: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”
2. A concessionária ou a entidade de cobrança de portagem não notificou a Recorrente por carta registada com aviso de recepção, expedida para o seu domicílio ou sede, para que, esta, no prazo de 30 dias úteis, procedesse à identificação do condutor do veículo no(s) momento(s) da prática da(s) contra-ordenação(ões) ou para pagar voluntariamente o(s) valor(es) da(s) taxa(s) de portagem e os custos administrativos associados – a declaração da entidade que cobra a portagem (“Via Verde”) ínsita a fls. 43 dos autos, de que “foram emitidas facturas para posterior pagamento (…)” ou que “ foram enviadas as notificações em correio registado em 15-03-2016, tendo sido devolvidas. No dia 05-05-2016 procedemos ao reenvio das notificações em correio simples (…)”, desacompanhada dos documentos emitidos pelo serviço postal comprovativos do registo da correspondência e da sua entrega, designadamente por a/r ( ou, se fosse o caso, o a/r não assinado), não pode comprovar que a Recorrente tivesse sido notificada de acordo com a lei. Ver infra.
Será também de salientar que a AT foi expressamente notificada “para, querendo, oferecer qualquer prova complementar ou indicar outros elementos de prova que repute convenientes (…)” – fls. 73 – nada tendo vindo a acrescentar.

CORRECÇÃO OFICIOSA À MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, corrige-se a factualidade apurada no ponto 2 passando o mesmo a ter o seguinte teor:
2- A solicitação do Serviço de Finanças de Chaves a “Via Verde” veio informar o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 43 do processo físico).

Estabilizada a factualidade, avancemos para o conhecimento do recurso.
*** ***

4 – O DIREITO

Vejamos, agora o recurso que nos vem dirigido.

A Recorrente defende que a sentença proferida padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de errónea interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados.

Assim, começa a Recorrente por invocar que a decisão de aplicação de coima não enferma de qualquer vício, tendo observado os requisitos legais previstos no RGIT e na Lei nº 25/2006, de 23/06 (conclusão 3 do recurso).

Depois, diz que o direito de propriedade relativamente ao automóvel, com inscrição do nome e residência habitual, a sua transmissão, tal como a alteração da morada ou sede do proprietário, estão sujeitos a registo obrigatório, nos termos do artigo 5º, nº 1, al.s a), g) e j), e nº 2 e art. 27º-B do Código do Registo Automóvel (conclusão 4 do recurso).

Diz que a mudança de morada tem implicações jurídicas e se a morada obtida na Conservatória do Registo Automóvel já não corresponde à morada da arguida, tal facto deve contra si ser valorado não prejudicando a validade das notificações que lhe foram reiteradamente dirigidas pela autoridade administrativa, nos termos do art. 14º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, e para os efeitos do disposto nos artigos 10º, 11º e 12º do mesmo diploma (conclusão 6 e 7 do recurso).

Mais refere, que tal como decorre da prova documental (certidão permanente da arguida) a arguida mudou sucessivamente de sede e que ocorre a presunção de notificação, a qual admite prova em contrário, impondo-se que se evidencie que não ocorreu a entrega da notificação expedida em carta simples por facto que as respectivo destinatário é estranho, o que não logrou demonstrar-se no caso em apreço (conclusões 8 a 10 do recurso).

Por fim, a Recorrente entende que a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica por violar as disposições conjugadas dos artigos 5º, nº 1, al. a), 6º, al. b), 10º, 11º, 12º e 14º, todos da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, bem como o artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

A sentença sob recurso, depois de reproduzir o art. 10º da Lei nº 22/2006, de 30/06, julgou o recurso procedente apresentando o seguinte discurso fundamentador:
Ora, resulta inequívoca a importância de uma notificação prévia para pagamento, a efectuar pelas entidades a que se faz alusão no n.º 1 do artigo 10.º, ou seja, que as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens, notifiquem o titular inscrito no documento de identificação do veículo para pagar ou identificar o condutor do veículo, sendo que quando é feito o pagamento nessa sede prévia, não haverá lugar a responsabilidade contra-ordenacional.
Importa, ainda, chamar à colação o disposto no artigo 11.º, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE para 2012):
Artigo 11.º “Acesso a dados por parte das entidades gestoras dos sistemas electrónicos de portagem
1 - Para efeitos da emissão do auto de notícia quando não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem e as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens podem solicitar à Conservatória do Registo Automóvel os dados referidos no n.º 2 do artigo anterior relativamente às entidades identificadas no n.º 3 do mesmo artigo.
2 - Os termos e condições de disponibilização da informação referida no n.º 1 são definidos por protocolo a celebrar entre as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem e as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens e o Instituto dos Registos e do Notariado, I. P.
3 - Compete às respectivas concessionárias, subconcessionárias, às entidades de cobrança das taxas de portagem e às entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens efectuar as notificações e, ou, requerer as autorizações necessárias junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Ora, o artigo 14.º ( “Notificações”) da Lei n.º 25/2006, de 30/06, refere que:
1 - As notificações previstas no artigo 10.º efectuam-se por carta registada com aviso de recepção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.
2 - Se, por qualquer motivo, as cartas previstas no número anterior forem devolvidas à entidade remetente, as notificações são reenviadas para o domicílio ou sede do notificado através de carta simples.
3 - No caso previsto no número anterior, o funcionário da entidade competente lavra uma cota no processo com a indicação da data de expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviada, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada, cominação que deverá constar do acto de notificação.
(…)”
Portanto, perante os factos, temos de concluir que, não tendo sido notificado para pagar as taxas de portagem em causa e os custos administrativos associados, a arguida não teve a possibilidade de proceder ao seu pagamento voluntário, e, por isso, não há lugar a responsabilidade contra-ordenacional.”

Se bem entendemos o decidido, o Juiz do Tribunal a quo considerou que por aplicação articulada entre os artigos 10º, 11º e 14º da Lei nº 25/2006, de 30/06, a arguida, previamente à instauração do processo de contra-ordenação, deveria ter sido notificada para em 30 dias proceder à identificação do condutor do veículo ou pagar o valor da taxa de portagem e os custos administrativos associados e que não tendo ocorrido tal notificação, o que era invocado pela arguida na petição inicial, a arguida não teve oportunidade de proceder ao pagamento voluntário, e, por isso, o recurso teria que proceder.

É, pois, com este decisório que a Recorrente não se conforma aludindo à mudança de morada (sede) da arguida em relação à morada que constava na Conservatória do Registo Automóvel, assim como à presunção de notificação que, em sua opinião, ocorreu.

Vejamos.
In casu, resulta da factualidade apurada que a “Via Verde” informou o Serviço de Finanças de Chaves que em 21/01/2016 e 29/01/2016, respectivamente, remeteu à arguida notificações tendo em vista a regularização do valor em dívida, mas como a regularização não ocorreu, notificou o proprietário das viaturas enviando-lhe notificação em correio registado de 15/03/2016, que veio devolvida.

Posteriormente, aquela entidade procedeu ao envio de nova notificação, mediante correio simples datado de 05/05/2016, considerando a arguida notificada.

Sucede, porém, que apesar de tal informação constar da missiva remetida pela “Via Verde” ao Serviço de Finanças de Chaves, o certo é que dos autos não consta qualquer comprovativo do envio das ditas notificações.
Efectivamente, lido e relido o processo dele apenas consta tal informação e nunca as cópias das notificações acompanhadas dos competentes registos do correio comprovativos do envio e da devolução de tais notificações.

Ora, impondo o art. 10º, nº 1, da Lei nº 25/2006, de 30/06, a notificação por carta registada com aviso de recepção (art. 14º, nº 1 da mencionada Lei) do titular do documento de identificação do veículo para este, no prazo de 30 dias úteis, proceder à identificação do condutor ou proceder ao pagamento voluntário do valor da taxa de portagem e custos administrativos associados, notificação essa que deve ser expedida para o domicilio ou sede do notificado.

Mais referindo o art. 14º, nº 2 da Lei nº 25/2006, de 30/06, que “Se, por qualquer motivo, as cartas previstas no número anterior forem devolvidas à entidade remetente, as notificações são reenviadas para o domicílio ou sede do notificado através de carta simples”.

Todavia, não se comprovando nos autos o envio dessas notificações e a devolução dos avisos de recepção com a menção de não recebidos, não podemos concluir que a arguida foi notificada e que se cumpriu com a tramitação prevista nos artigos 10º e 14º da Lei nº 26/2006, de 30/06.

Perante a ausência de prova, mal se compreende, como o pretende a Recorrida, que se considere que ocorreram as notificações e que tenha operado a presunção de notificação.

Olvida a Recorrente que nos autos não vem demonstrado que as notificações previstas no art. 10º tenham sido efectuadas por carta registada com aviso de recepção, ou sequer que foram efectuadas, tal como não está demonstrada a notificação a que se alude no art. 14º, daí que seja despiciendo enveredar pela questão da morada da sede da arguida e suas alterações nos moldes em que discorre a Recorrente, porquanto, essa questão não se coloca sem que se comprove, primeiramente, que as notificações foram efectivadas.

Acresce que, na petição inicial a arguida não alude a qualquer alteração de morada da sua sede, nem a sentença recorrida aborda tal questão.

Assim sendo, pese embora a Recorrente invoque o erro de julgamento de facto e o erro na interpretação e aplicação do direito aos factos provados, o certo é que não concretiza de que forma é que a sentença erra no julgamento efectuado, porquanto sustenta toda a linha argumentativa numa alegada mudança de morada que não foi abordada na sentença.

Destarte, não se mostrando cumpridas as notificações supra mencionadas, bem andou o Juiz do Tribunal a quo não merecendo censura a sentença proferida.
*** ***

5 - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo a decisão judicial recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 2021-05-27

Maria Celeste Oliveira
Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos