Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00976/12.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA
Sumário:I- O ato punitivo que se mostre estribado em Relatório Final que conhece o seu fundamento em diligências complementares relativamente às quais não foi concedido a integralidade do prazo legal para o arguido se pronunciar quanto ao resultado das mesmas [foi concedido o prazo de 8 dias em detrimento do prazo de 10 dias previsto no artigo 101º do C.P.A] incorre em violação do direito de defesa em prazo razoável.

II- Não vingando a tese da Recorrente no sentido da obediência do Relatório Final ao segmento do Parecer nº. 0095-CM-2012, que propunha que o resultado das diligências complementares não fosse levada em linha de conta na decisão final por forma a acautelar-se a legalidade da decisão a proferir, soçobra, naturalmente, o invocado erro de julgamento da sentença recorrida.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Recorrido 1:D.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em 11.06.2019, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, (i) anulou o despacho de 08.06.2012 do Exmo. Senhor Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que aplica a D., aqui Recorrido, a pena disciplinar de suspensão por 30 dias; (ii) determinou a remoção do registo no processo individual do Autor da sanção aplicada; e (iii) condenou o Réu a pagar ao Autor, aqui Recorrido, a quantia € 7.841,64, a título de Fundo de Equilíbrio Tributário, acrescido dos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
(…)
1. Vem o ora recorrente discordar PARCIALMENTE da sentença proferida em 07.06.2019, no segmento em que condenou o Ré a anular a decisão de aplicar ao autor uma pena disciplinar de suspensão por 30 dias, com fundamento em ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, que foi incorretamente julgada conduzindo a uma solução de Direito inadequada, por não se articular com a realidade.
2. A Douta sentença entende que houve uma omissão dos direitos de defesa em função de não ter sido dado ao arguido prazo suficiente para exercer os seus direitos de defesa.
3. Isto na medida em que o órgão instrutor notificou o aqui Autor para se pronunciar quanto ao resultado das diligências complementares que em 8 dias úteis, em vez dos 10 dias legalmente consagrados, desde logo, pelo artigo 101 do CPA, violando-o.
4. Neste sentido a Douta sentença determinou a anulação do ato impugnado e que condenou o Autor na sanção disciplinar de suspensão por 30 dias e condenação do Réu no reembolso de FET descontado, na quantia de €7.841,64 acrescidos de juros de mora à taxa legal.
5. Ora, verifica-se que a douta sentença decidiu em função de uma apreciação errónea da matéria de facto levada ao seu conhecimento, na medida em que omitiu um segmento fundamental do parecer n°0095-CM-2012 sobre o qual foi exarada a decisão aqui posta em causa e que determinou a aplicação da pena disciplinar de suspensão por 30 dias.
6. A partir de tal segmento resulta claro que o resultado das diligências complementares não devem ser levadas em linha de conta na decisão final - ou seja, não podem ser atendidas para a comprovação da acusação - assim se acautelando a legalidade da decisão a proferir a final.
7. Ou seja, os direitos de defesa do arguido foram acautelados, de tal modo que as diligencias complementares nem sequer foram consideradas, por ter sido admitida a violação dos prazos legais necessários para o arguido exercer a sua defesa.
8. Sendo irrelevante se foi cumprido ou não o prazo consagrado no art°101 do CPA, na medida em que deixaram de estar verificadas as circunstancias que determinavam a necessidade desse prazo.
9. Deste modo, e ao contrário do que decidiu a Douta sentença, NÃO, ocorreu a compressão do direito, por redução do prazo de que deveria dispor para o efeito.
10. De modo que o relatório final a decisão sobre ele exarada não estão fundamentados no conteúdo dessas mesmas diligencias, que foram eliminadas do ordenamento jurídico para efeitos da sua apreciação disciplinar.
11. Devendo, por isso, considerar-se que a Douta sentença decidiu com base numa errónea apreciação da matéria de facto e que, por isso também, não pode resultar violado o artigo 101° do CPA nem nenhum outro normativo legal.
12. Pelo que a Douta sentença não se pode manter no ordenamento jurídico por não ter qualquer adesão à realidade dos factos, devendo ser anulada.
Deste modo, a única conclusão a retirar daqui, é que deverá ser anulada a referida sentença e manter-se na ordem jurídica o despacho de 08/06/2012 do então Diretor Geral da AT que mandou aplicar ao autor a pena disciplinar de suspensão por 30 dias, devendo também manter-se o seu registo na ficha biográfica como os descontos efetuados no Fundo de Estabilização Tributária correspondente
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a determinar se a sentença recorrida, no segmento em que considerou existir uma compressão dos direitos de defesa do arguido, por redução do prazo de pronúncia legalmente previsto, incorreu em erro de julgamento emergente de "(…) errónea apreciação da matéria de facto e que, por isso também, não pode resultar violado o artigo 101° do CPA nem nenhum outro normativo legal (…)”.

Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte:
“(…)
1. Com data de 06 de maio de 2010, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, emitiu Despacho, sancionando parecer com o n.° 224/09/JG, que determinou que o Senhor Diretor Geral dos Impostos promovesse a divulgação pelos serviços da DGCI e em consequência, ordenou que se procedesse à revogação de todos os Despachos que no passado tenham autorizado a acumulação de funções de Inspetor Tributário e de Revisor Oficial de Contas - cfr. fls. 24 a 38 e 50 do PA anexo.
2. Em 11 de janeiro de 2006, o Autor foi notificado do conteúdo do Despacho n.° 230/2004 XVI, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferido sobre o parecer da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, acerca da incompatibilidade entre o exercício de funções de inspeção tributária e a de revisor oficial de contas - cfr. fls. 39 a 47 do PA anexo.
3. Com data de 9 de julho de 1999, o Autor dirigiu ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, pelo qual solicita autorização para exercer a atividade de Revisor Oficial de Contas, em acumulação de funções com as de Perito de Fiscalização Tributário de 2a classe, desse requerimento dando conhecimento ao Diretor de Finanças do Porto e ao Diretor geral das Contribuições e Impostos - cfr. fls. 60 a 67 do PA anexo.
4. Com data de 26/07/1999, foi o Autor notificado pela Direção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos da Direção Geral dos Impostos de que:
“A pretensão de acumulação de funções obteve despacho do Subdiretor Geral dos impostos de 2000/12/30, nos seguintes termos: “Não obstante poderem suscitar-se dúvidas sobre a inexistência da compatibilidade de funções, a atividade em causa tem sido autorizada. Assim, considera-se o pedido deferido, nos termos do n.° 3, alínea g) do artigo 108.° do CPA, mas sem prejuízo do funcionamento dos Serviços e sempre sem acumulação, ainda que parcial, com o horário normal previsto para a função pública” - cfr. fls. 68 do PA anexo.
5. Por Despacho do 05/11/2010, o Diretor Geral dos Impostos revogou o Despacho do SubDiretor Geral dos Impostos de 30/12/2000, que deferiu o pedido de autorização para o exercício da atividade de ROC apresentado pelo Autor - cfr. fls. 73 do PA anexo.
6. Em 18/11/2010, foi o Autor notificado da decisão de revogação que antecede - cfr. fls. 76 do PA anexo.
7. Por Despacho do Diretor Geral dos Impostos de 27/012011, foi designado o instrutor do Processo Disciplinar dirigido contra o Autor - cfr. fls. 89 do PA anexo aos autos
8. Com data de 17 de janeiro de 2012, foi o Autor notificado foi dado início à instrução de Processo Disciplinar n.° 72/2011, que lhe foi instaurado por Despacho do Diretor Geral dos Impostos de 27/01/2011, por motivos que se prendem com a acumulação de funções de Inspetor Tributário com as de Revisor Oficial de Contas, cuja autorização lhe foi revogada por despacho do Senhor Diretor Geral dos Impostos de 05/11/2000 - cfr. fls. 94 do PA anexo.
9. Em 12/01/2012, o Autor encontrava-se inscrito na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas-cfr. Fls. 101 do PA anexo.
10. No período compreendido entre 23/12/2010 e 27/10/2011, o Autor passou a figurar como Fiscal Único Suplente das empresas O., SA, F., SA, Z., SA, O., SA, como Revisor Oficial de Contas da Z., Lda e Fiscal Único nas Sociedades A., SA e B., SA - cfr. fls. 104 a 111 do PA anexo.
11. A partir de 22/03/2006, o Autor passou a exercer funções na Divisão de Liquidação de Imposto sobre O rendimento s/ despesa da área de Gestão Tributária - cfr. fls. 116-A do PA anexo aos autos.
12. Com data de 30 de janeiro de 2012, foi emitida a acusação no âmbito do processo disciplinar instaurado contra o Autor, com o n.° 72/2011, com o teor infra, de que foi notificado em 01/02/2012:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 120 a 125 do PA anexo.
13. Com data de 15/02/2012, o Autor apresentou a sua defesa, onde, entre o mais, alega a prescrição do procedimento disciplinar e que cessou todas as funções de revisão que tinha com todas as empresas, designadamente as que constam do IRS do ano de 2010 e requereu a produção de prova testemunhal - cfr. fls. 126 a 134 do PA anexo.
14. O contrato celebrado entre o Autor e a sociedade A., SA, para exercício de funções de revisor oficial de contas, reporta-se a 23 de dezembro de 2009, para o mandato de 2010/2013 - cfr. fls. 135. do PA anexo aos autos.
15. Com data de 29 de fevereiro de 2012, o Instrutor do processo Disciplinar emitiu Despacho com vista à inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor na sua defesa contra a acusação, do que foram notificados o Autor e o seu Mandatário - cfr. fls. 181 a 184 do PA anexo.
16. Nos dias 7 e 8 de março de 2012, teve lugar a inquirição das testemunhas e o Autor prestou declarações complementares e juntou documentos - cfr. fls. 191 a 227 do PA anexo aos autos.
17. Em face das declarações complementares prestadas pelo Autor, o Instrutor do processo Disciplinar determinou a realização de diligencias complementares, nos termos do artigo 53.°, n.° 9, do Estatuto Disciplinar, do que foi notificado o Autor e seu Mandatário - cfr. fls. 228 a 231 do PA anexo aos autos.
18. Com data de 18 de abril de 2012, foram o Autor e seu Mandatário, notificados das informações prestadas pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e pela Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, concedendo o prazo de oito dias úteis para pronuncia sobre o conteúdo daquelas informações - cfr. fls. 253 a 255 do PA anexo aos autos.
19. Com data de 16 de maio de 2012, foi emitido o Relatório Final no processo disciplinar, cujo conteúdo abaixo se transcreve - cfr. fls. 256 a 275 do PA anexo aos autos.
20. O Autor não exerceu atividade como revisor oficial de contas na Sociedade Z., Lda, como não certificou contas da sociedade B., SA - cfr. fls. 136 e 137 do PA anexo aos autos.
21. Entre 30/11/2011 e 23/02/2012, o Autor declarou renunciar às funções para que havia sido nomeado em diversas sociedades, no exercício das funções de Revisor Oficial de Contas - cfr. fls. 142 e 145 a 180 do PA anexo aos autos.
22. Com data de 16 de maio de 2012, foi emitido o Relatório Final no processo disciplinar movido contra o Autor, com o n.° 72/2011, cujo teor é o que segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

23. Com data de 05/06/2012, foi elaborado o parecer n.° 0095-CM-2012 da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre o processo disciplinar n.° 72/2011, instaurado contra o Autor e no qual foi exarado despacho do Diretor Geral, do seguinte teor:
“Com base nos fundamentos vertidos no Relatório Final, bem como no parecer da DSCJC e dos Senhores Chefe de Divisão e Diretor de Serviços, aplico ao trabalhador arguido, D., I.T 2, colocado na DF do porto, a pena disciplinar de suspensão prevista no artigo 17.°, alínea c), conjugado com os artigos 9.°, ,° 1, al. c), 10.°, n.° 3 e 4 e 11.°, n.°s 2 e 3, todos do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n. ° 58/2008, de 9 de setembro, graduada em 30 dias”. - Cfr. fls. 277 a 296 do PA anexo.
24. Com data de 26/06/2012, ao Autor e seu Ilustre Mandatário foi dirigida notificação da pena disciplinar que foi determinada nos termos do Despacho que antecede - cfr. fls. 303 a 314 do PA anexo aos autos.
25. No Diário da República, 2ª série, n.° 134, de 12 de julho de 2012, foi publicado o Aviso n.° 9508/2012, pelo qual foi notificado o Autor da pena disciplinar que lhe foi aplicada no processo de disciplinar contra si instaurado n.° 72/2011 - cfr. fls. 315 do PA anexo.
26. Com data de 27/07/2012, o Autor dirigiu ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recurso hierárquico da decisão que lhe aplicou a pena de suspensão graduada em 30 dias, no âmbito do processo disciplinar contra si movido, com o n.° 72/2011 - cfr. fls. 324 a 386 do PA anexo.
27. Pelo Despacho n.° 581/2012 XIX, de 7 de dezembro de 2012, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, manteve a pena disciplinar aplicada ao Autor, nos seguintes termos:
”(…)
DESPACHO N°581/2012/XIX
Concordo, pelo que, com os fundamentos de facto e de direito enunciados no Parecer n°. 160/2012, de 11/09, da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira IAT), nego provimento ao recurso hierárquico, que deu entrada neste Gabinete em 30.7 2012, apresentado pelo trabalhador D. contra o despacho proferido em 08 06 2012 pelo Direto Geral da AT no âmbito do processo disciplinar nº. 72/2011 e que lho aplicou a pena disciplinar de suspensão, graduada em 30 dias, nos temos das disposições conjugadas dos artigos 9º. nº. 1, alínea c), 10º , n.°s 3 e 4º e 11º, nº. s 2 e 3 e 17º, alínea c), todos da Lei nº. 58/2008. de 9 de setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.
Notifique-se.
Lisboa, em 7 de dezembro de 2012.
O SECRETARIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS
(…) - cfr. fls. 388 do PA anexo aos autos
28. Em 12/12/2012, foi dirigido à Ilustre Mandatária do Autor, ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo qual é notificada do Despacho anterior - cfr. fls. 90 e 302 do PA anexo.
29. O Autor foi notificado pessoalmente da Decisão identificada no ponto 21 deste probatório, em data não apurada - cfr. fls. 394 do PA anexo.
30. A petição inicial da presente ação foi remetida por seguro do correio em 12/11/2012 - cfr. fls. 1 dos autos.
Factos não provados:
Inexistem.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A matéria de facto dada como assente, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, inexistindo, para o efeito, quaisquer factos não provados, com interesse para a decisão. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos e a posição assumida pelas partes nos seus articulados (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a decisão judicial recorrida, no segmento em que considerou existir uma compressão dos direitos de defesa do arguido, por redução do prazo de pronúncia legalmente previsto, incorreu em erro de julgamento emergente de "(…) errónea apreciação da matéria de facto e que, por isso também, não pode resultar violado o artigo 101° do CPA nem nenhum outro normativo legal (…)”.

A este propósito, e no que concerne ao direito, discorreu-se em 1ª instância o seguinte:
“(…)
- Da violação do direito de defesa:
Alega o Autor que não foram assegurados os seus direitos de defesa, uma vez que nem sequer mediou um prazo regra de 10 dias úteis para peticionar atos de instrução na referida fase instrutória, nomeadamente a inquirição de testemunhas que se revelariam essenciais para a descoberta da verdade material.
Que Através dos ofícios n.° 376/2012/RC e 377/2012/RC, de 18.04.2012, o Sr. Instrutor notificou o A. e seu mandatário do teor das informações prestadas por ambas as entidades e concedeu o prazo de oito dias úteis para se pronúncia sobre as mesmas.
Baseada em jurisprudência que não nos merece qualquer reparo, a Ilustre subscritora do parecer diz que quando se concede um prazo inferior a 10 dias úteis, para o exercício do direito de resposta, sem que o arguido tenha efetivamente se pronunciado, verifica-se violação do seu direito de defesa”.
Nessa medida, concluiu como se segue: “Assim, e à cautela, entendemos que o resultado das diligências complementares não devem ser levadas em linha de conta na decisão final - ou seja, não podem ser atendidas para a comprovação da acusação - assim se acautelando a legalidade da decisão a proferir a final”.
Acompanha o ponto 16.3 do referido parecer, entendendo-se, todavia que, não só a prova não pode ser atendida, como inquina irremediavelmente a legalidade do processo, pois tendo sido violado o direito de defesa do arguido, a cominação legal para essa violação é a nulidade.
Com efeito, resulta dos pontos 15 a 18, que na sequência das declarações complementares prestadas pelo Autor no processo disciplinar, o instrutor deu lugar a diligências complementares junto da ordem dos Revisores Oficiais de Contas e Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, de cujas informações prestadas foi o Autor e seu Mandatário notificados, tendo-lhe sido concedido o prazo de oito dias para se pronunciarem sobre tais informações.
O autor nada disse e seguiu-se o relatório final.
Estabelece o artigo 53.°, n.° 9, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 09/09, que “Finda a produção da prova oferecida pelo arguido, podem ainda ordenar-se, em despacho, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade. ”
O artigo 37.°, n.°s 1 e 2 do mesmo Estatuto, determina o seguinte:
“7 - E insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
2 - As restantes nulidades consideram-se supridas quando não sejam reclamadas pelo arguido até à decisão final. ”
A jurisprudência deste STA tem vindo a entender, de modo uniforme, que a nulidade insuprível decorrente de falta de audiência do arguido ou de omissão de diligências essenciais em processo disciplinar, não é a nulidade dos atos administrativos a que se alude nos artigos 133.° e 134.° do CPA, antes respeita à nulidade do procedimento disciplinar, por preterição de formalidades essenciais, a qual é apenas geradora de mera anulabilidade do ato administrativo punitivo, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135.° e 136.° do CPA Cf. entre outros, os acs. STA de 01.07.93, rec. 30693, de 25.9.97, rec. 38658, de 05.02.98, rec. 28897 e de 17.06.03, rec. 327/02..
Ainda segundo a jurisprudência do STA, «revestindo-se o direito constitucional de audiência e defesa de natureza instrumental — só assumindo a natureza de direito fundamental se o dominante o for, o que acontece nos procedimentos disciplinares que culminem com a aplicação de penas de caráter expulsivo que, como tais, atingem o cerne ou o núcleo do direito fundamental à manutenção do emprego - a sua eventual postergação em processo conducente à aplicação de uma simples pena de suspensão não acarretará a nulidade do ato sancionador, mas sim a sua mera anulabilidade. Cf. neste sentido, os acs. do STA de 11.01.94, rec. 32183 e também os acs. do STA de 30.11.93, rec. 32366, de 06.10.93, rec. 30463 e de 24.10.2002, rec. 44052.
Ora, alega o Autor que o prazo que lhe foi concedido para se pronunciar quanto ao resultado das diligências complementares ordenadas pelo Instrutor foi insuficiente para o exercício do seu direito.
Paulo Veiga e Moura, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, 2a Edição, anotado, fevereiro de 2011, Coimbra Editora, refere: “O direito constitucional de defesa começa, desde logo, por implicar que o prazo concedido para a apresentação da defesa tenha de ser adequado à complexidade da acusação, pelo que o procedimento disciplinar enfermará de nulidade sempre que o prazo concedido seja escasso face àquela complexidade e não seja prorrogado nos termos legalmente permitidos. ”
Nos termos do artigo 49.°, n.° 1, do referido Estatuto Disciplinar, notificado o arguido da acusação, é-lhe concedido o prazo entre 10 e 20 dias para exercer o seu direito de defesa.
Por outro lado, o artigo 101.° do Código do Procedimento Administrativo, na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, estabelecia que “Quando o órgão instrutor optar pela audiência escrita, notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.”
No caso dos autos, o órgão instrutor notificou o aqui Autor para se pronunciar quanto ao resultado das diligências complementares que ordenou junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, para sobre elas se pronunciar em 8 dias úteis.
Por conseguinte, concedendo um prazo inferior ao comummente estabelecido quer em sede de defesa de acusação, quer em sede de pronuncia em procedimento administrativo.
E sem qualquer justificação para tanto.
E impunha-se ao órgão instrutor conceder um prazo mais dilatado, no mínimo, de 10 dias úteis, porquanto os elementos em causa foram determinantes para a consolidação da acusação imputada ao Autor e, consequentemente, a determinação da acumulação de funções depois da revogação da autorização que para o efeito havia sido concedida ao Autor e, por essa via, determinar a pena que acabou por lhe ser aplicada.
E assim, como refere Paulo Veiga e Moura, sendo tais elementos determinantes para a consolidação da acusação e posterior condenação, a sua complexidade e efeitos, impunha que ao Autor houvesse sido concedido prazo mais amplo para a sua análise e pronúncia.
Na esteira da Jurisprudência do STA e à luz do disposto no artigo 133.° do CPA, na alínea d) do seu n.° 2, que determina que são, designadamente, atos nulos “Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamentar e não considerando aquela Jurisprudência que a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão, ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental, tal vício não é gerador de nulidade, mas sim de anulabilidade.
No caso dos autos, vimos de verificar que o prazo concedido ao Autor para se pronunciar quanto ao resultado das diligências complementares é inferior ao mínimo estabelecido, desde logo, pelo artigo 101.° do CPA.
Por conseguinte, a assim proceder, ocorreu a compressão do direito de defesa do Autor, por redução do prazo de que deveria dispor para o efeito, assim se mostrando que o ato impugnado ao estribar-se num relatório final que conhece o seu fundamento em diligências complementares relativamente às quais não foi concedido ao Autor prazo razoável para o exercício do seu direito de defesa, em igualdade de armas com a administração, o ato impugnado padece de vício de violação de lei, por violação do direito de defesa em prazo razoável, mormente o artigo 101.° do CPA.
Pelo exposto, impõe-se a anulação do ato, impugnado e que condenou o Autor na sanção disciplinar de suspensão por 30 dias.
(…)”.

Sintetizando a motivação que se vem ora de transcrever, dir-se-á que o juízo de procedência do invocado vício de violação do direito de defesa mostra-se estribado, fundamentalmente, no entendimento de que o ato impugnado, ao estribar-se num Relatório Final que conhece o seu fundamento em diligências complementares relativamente às quais não foi concedido a integralidade do prazo legal para o Autor se pronunciar quanto ao resultado das mesmas [foi concedido o prazo de 8 dias em detrimento do prazo de 10 dias previsto no artigo 101º do C.P.A], incorreu em violação do direito de defesa em prazo razoável, o que importa a anulação do ato impugnado.

O Recorrente pugna pela revogação do assim decidido, que lhe imputa erro de julgamento, por manter a firme convicção de a sentença recorrida omitiu um segmento do Parecer nº. 0095-CM-2012, que propunha que “(…) o resultado das diligências complementares não (…) [fosse] levado em linha de conta na decisão final (…) assim se acautelando a legalidade da decisão a proferir (…)”, sugestão que foi acolhida no Relatório Final, dessa forma, inexistindo qualquer compressão do direito de defesa do Recorrente.

Do que se vem de expor resulta absolutamente cristalino que o nó górdio da questão recursiva está, essencialmente, em determinar se foi [ou não] acolhida no Relatório Final a proposta vertida no Parecer nº. 0095-CM-2012, no sentido da desconsideração do resultado das diligências complementares levadas a cabo pela Administrarão por forma a acautelar-se a legalidade da decisão, pois que não foi concedido ao Autor, aqui Recorrido, o legal prazo para se pronunciar-se quanto ao teor das mesmas.

E, podemos, desde já adiantar que não assiste razão ao Recorrente no recurso interposto, pois que o considerado e decidido pelo Tribunal a quo não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificado.

Efetivamente, escrutinado o teor do Relatório Final, facilmente se apreende que o segmento do Parecer nº. 0095-CM-2012 supra transcrito não foi ali acolhido, encontrando-se o dito Relatório Final, e, inerentemente, a Deliberação Punitiva, por se estribar naquele, largamente sustentado no resultado das diligências complementares levadas a cabo pelo Administração.

Tal é o que deriva abundantemente dos segmentos do Relatório Final que ora se transcrevem:
“(…)
V. Defesa do Arguido
(…)
15. Perante estas declarações complementares, proferiu-se novo despacho datado de 23 de março de 2012, ordenando-se a produção de novas diligências de prova indispensáveis para o cabal esclarecimento da verdade material dos factos no sentido de contactar a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, com vista a informar-nos em que data o arguido o iniciou e cessou a atividade de ROC efetivo ou suplente nas empresas mencionadas no cadastro do contribuinte de fls. 107 a 110 dos autos a solicitar também à Direção de Serviços de Registo do Contribuinte o apuramento da relação existente entre o arguido e as empresas às quais mantém ou manteve esta atividade privada, tendo o arguido e o respetivo Advogado sido notificados, conforme se alcança de fls. 228 a 236 dos autos [destaque nosso].
16. Termo da juntada da diligência efetuada junto da Direção de Serviços de Registo do Contribuinte (fls. 237 a 239 dos autos) [destaque nosso].
17. Conforme consta do auto de diligência lavrado a fls. 240/241 dos autos, desloquei-me à sede da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a fim de obter informação respeitante às relações de ROC estabelecidas entre o arguido e as empresas constantes da síntese cadastral do contribuinte junta de fls. 104 a 110 dos autos.
18. Aos dezasseis dias do mês de abril do corrente ano, juntou-se aos autos as informações prestadas quer pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas quer pela Direção de Serviços de Registo do Contribuinte (fls. 242 a 251 dos autos) [destaque nosso].
“19. Na sequência das informações prestadas por estas duas entidades públicas, deu-se conhecimento ao arguido e ao advogado de defesa para se pronunciarem no prazo de oito dias úteis sobre o conteúdo das mesmas, optando ambos pelo silêncio (fls. 252 a 255 dos autos).”
(…)
“Capítulo VI. Apreciação
(…)
23. Colocadas as questões nestes termos por parte do arguido, procedeu-se a novas diligências de prova, consultando-se quer a Direção de Serviços do Registo do Contribuinte quer a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas no sentido de nos prestarem informação quanto ao início e a cessação da atividade de ROC (fls. 228/229, dos autos) dando-se conhecimento destas diligências ao arguido e ao Advogado de defesa que não se opuseram à realização das mesmas dentro do prazo cominado de oito dias úteis, uma vez que foram despoletadas na sequência das declarações complementares requeridas e produzidas de fls. 225 a 227 dos autos;
24. Apesar das informações de registo do cadastro do contribuinte e da OROC, não serem coincidentes, a verdade é que resulta das relações já cessadas de acordo com a informação enviada pela Administração Tributária a fls. 249 dos autos para a OROC, que o arguido após a notificação do despacho de 18/11/2010 (fls. 76), continuou a exercer funções de Fiscal Único (FU) ou de Membro do Conselho Fiscal até 31/12/2011, em 15 empresas [destaque nosso].
(...)
VII. Conclusões
Depois de termos dado conta das diligências efetuadas e do que através das mesmas se pode dar como devidamente comprovado, cumpre-nos extrair as seguintes conclusões:
(…)
7. Ainda que o arguido alegue ter contacto outro ROC para o substituir nas empresas em que era membro efetivo ou fiscal único, a verdade é que resulta dos autos, nomeadamente, da informação prestada pela OROC, conjugada com a informação enviada pela AT (fls. 249, dos autos), que exerceu funções em 15 empresas, tendo cessado estas relações em 31/12/2011, exceção feita à empresa – V., S.A., cuja cessação ocorreu em 31/12/2010 [destaque nosso].
8. Vale isto por dizer que até 31 de dezembro de 2011, exerceu esta atividade privada nestas empresas, aliás, realidade esta, reforçada pelas diversas comunicações respeitantes à cessação dos contratos de prestação de serviços que sobejamente fez juntar aos autos e que foram remetidos à OROC, por ser a entidade responsável pela supervisão pública destes profissionais e das Sociedades e Revisores Oficiais de Contas que assegura a inscrição destes em registo público e respetiva divulgação [destaque nosso].
9. Ora, o arguido a partir do momento em que lhe é vedado o exercício desta atividade privada por parte da AT, por uma questão de prudência, deveria ter comunicado este impedimento ou incompatibilidade à OROC, a partir do dia 19.11.2010, nos temos do art. 74° do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, requerendo para o efeito, a suspensão do exercício, o que não aconteceu, em virtude de continuar a exercer estas funções nas aludidas empresas até 31/12/2011, conforme ficou provado nos autos;
10. Quanto à declaração de cessação da atividade para efeitos fiscais, nos termos do n.° 3 do art. 112° do CIRS, confirma-se que o arguido não a fez por motivos que se prendem com rendimentos da categoria B, a auferir de anos anteriores e que ao serem postos à disposição à posteriori (2011), o sujeito passivo não pode declará-los na categoria A, aliado, também ao facto de ter exercido a atividade até 31/12/2011 (…)”.

Conforme emerge grandemente do que se vem de transcrever, o resultado obtido pelas diligências de prova complementares realizadas pelo instrutor do processo disciplinar foi determinante para o desfecho do procedimento disciplinar, circunstância que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à tese do Recorrente no tocante ao erro de julgamento de direito do segmento decisório em análise.

Efetivamente, não vingando a tese da Recorrente no sentido da obediência do Relatório Final ao segmento do Parecer nº. 0095-CM-2012, que propunha que o resultado das diligências complementares não fosse levada em linha de conta na decisão final por forma a acautelar-se a legalidade da decisão a proferir, soçobra, naturalmente, o invocado erro de julgamento da sentença recorrida.

Assim, impõe-se negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão judicial recorrida.
Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a decisão judicial recorrida.
*
Custas pelo Recorrente.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de fevereiro de 2021,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro