Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00054/14.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO, RENDIMENTOS DE TRABALHO DEPENDENTE,
TRIBUTAÇÃO EM IRS, CONCEITO DE RESIDÊNCIA,
LIGAÇÃO EFECTIVA/CONEXÃO AO TERRITÓRIO DO ESTADO QUE ARRECADA O TRIBUTO
Sumário:I - As normas constantes de convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada prevalecem sobre o direito interno nacional, supremacia consagrada no artigo 8.º da CRP.

II - A remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes constante do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção celebrada entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital obriga a que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, exigindo-se uma ligação efectiva do sujeito contribuinte ao território do Estado que arrecada o tributo.

III – Verifica-se essa conexão perante a existência de continuado e efectivo cumprimento de um contrato de trabalho nesse território, por via do qual o contribuinte aufere o seu único rendimento.

IV – Neste circunstancialismo, estando demonstrado que durante todo o ano de 2011 residiu e trabalhou na Suíça, o contribuinte deve considerar-se residente na Suíça, por aplicação do n.º 1 do artigo 4.º da referida Convenção, e os rendimentos auferidos pelo mesmo em 2011, já tributados pelo Estado suíço, não podem ser tributados em Portugal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 25/01/2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por «AA», contribuinte n.º ..., visando a liquidação de IRS, referente ao ano de 2011, no valor a pagar de €10.811,80 acrescido dos respectivos juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, por erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 22º, 78º/1-i) e 81º/1 do CIRS, ao julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto tributário de liquidação de IRS, referente ao ano de 2011.
B. A douta sentença ora recorrida decidiu julgar procedente a impugnação deduzida, por ter concluído que “não duvidando a Administração Tributária que os rendimentos foram obtidos na Suíça por força de trabalho dependente, por aplicação dos referidos artigos (4º e 15º da Convenção) deveria ter considerados como não sujeitos a tributação em Portugal”.
C. Posto isto, e com o devido respeito que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo, salvo melhor opinião, incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 22º, 78º/1-i) e 81º/1 do CIRS.
D. O Tribunal a quo depois de ter levado ao probatório que a emissão da liquidação “teve por base a declaração de rendimentos apresentada pelo Impugnante em 06 de março de 2013 – cfr. artigo 6º da p.i. e 2º da contestação”, por um lado, e, por outro, olvidou carrear para esse probatório, o que desde já se requer, o seguinte:
«- Dos elementos integrantes dos autos, nomeadamente do Cartão de Cidadão emitido em .../.../2011, permitem concluir que o impugnante ali indicou como domicílio a Rua ..., ..., em Gondomar (cf. doc. a fls. 17 do PA) e de acordo com o extracto de Registo Central de Contribuinte, emitido em .../.../2011, não se encontra registado como residente no estrangeiro (cf. doc. a fls. 18 do PA).»
E. E ainda que:
«- a liquidação emitida levou em consideração o montante do imposto pago na Suíça, deduzindo-o à colecta nos termos do disposto no artigo 78º/1-i) do CIRS.»
Com efeito,
F. O impugnante declarou domicílio fiscal em Portugal no ano de 2011, e apresentou uma declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, com referência ao ano de 2011, com o respectivo anexo J (que se refere a rendimentos pagos no estrangeiro), onde indicou como rendimentos de trabalho dependente (Categoria A), os rendimentos obtidos na Suíça, no montante de € 53.864,98 e de imposto retido o valor de € 5.164,78;
G. Nessa declaração, o impugnante indicou como residência fiscal “Continente” (Quadro 5, campo A); Quanto ao estado civil, indicou “separado de facto”;
H. Na liquidação emitida, e no que se refere à dedução à colecta (€ 5.426,03) constata-se que esta comporta não somente a dedução prevista na alínea a) do art. 79º do CIRS (no montante de € 261,25) como também a dedução referida na alínea i) do nº 1 do art. 78º (correspondente à dupla tributação internacional, no montante de € 5.164,78).
I. Pelo que a liquidação emitida a final reflecte a situação jurídico-tributária tal como foi delineada pelo contribuinte, como também não tributou os rendimentos obtidos na Suíça, pois que deduziu à colecta o montante declarado pelo sujeito passivo como imposto suportado naquele país;
J. O impugnante anexa como documento 3 junto à p.i., um documento alegadamente emitido pela segurança social da Suíça, com o qual pretendeu demonstrar que nos períodos compreendidos entre 11-07-2007 a 31-08-2012 e 17-09-2012 a 30-11-2012, residiu na Suíça.
K. E como documento comprovativo dos rendimentos obtidos naquele país, anexa à petição inicial, como documento 5, uma declaração emitida pela entidade patronal, com referência aos rendimentos obtidos no ano de 2011.
L. Ora, aqueles documentos juntos à p.i. não são susceptíveis de comprovar, para efeitos fiscais, que o impugnante residiu na Suíça no período ali indicado, até porque, o supra referido doc. 3, alegadamente emitido pela segurança social da Suíça, para além de se encontrar incompleto (não junta a fl. 4/4), não se encontra devidamente autenticado pela autoridade competente.
M. Diz-se na sentença proferida a quo: “Na presente situação, não foi apurado se o Impugnante tinha habitação permanente em Portugal. Porém, certamente que a tinha na Suíça, uma vez que aí prestava trabalho dependente e aí tinha domicílio de acordo com declaração emitida por entidade helvética. De igual forma, sabemos que a fonte dos seus rendimentos no ano de 2011, foram rendimentos de trabalho dependente prestado na Suíça.”
N. Mas com tal asserção não pode a Fazenda Pública concordar,
Porquanto,
O. A certificação de residência, para efeitos fiscais, deverá ser efectuada através de certidão de residência fiscal, emitida pela autoridade tributária da Suíça;
P. E só se poderá concluir que o impugnante deve ser considerado residente em Portugal no ano de 2011, em consonância com o por si indicado quer na declaração de rendimentos, apresentada espontaneamente em 06/03/2013, quer no Cartão de Cidadão emitido em .../.../2011, onde indicou como domicílio a Rua ..., ..., em Gondomar (cf. doc. a fls. 17 do PA),
Q. Assim, e de acordo com o extracto de Registo Central de Contribuinte, emitido em .../.../2011, cuja fonte é a informação transmitida para o Cartão de Cidadão, não se encontra registado como residente no estrangeiro (cf. doc. a fls. 18 do PA), e assim os seus rendimentos estão sujeitos a tributação em território nacional.
R. Ademais, constando do seu cadastro domicílio fiscal em Portugal, por si declarado em Julho de 2011, e não o tendo alterado, alteração de domicílio esta, obrigatória, cuja falta é inoponível à Administração Tributária (AT), e que, a existir, deveria ter sido comunicada no prazo de 15 dias, nos termos do disposto no artigo 19º da LGT, e artigo 43º do CPPT, sendo inclusivamente esta omissão declarativa punível contra-ordenacionalmente nos termos do nº 4 do art. 117º do RGIT;
S. O que se verificou, e é claro face aos elementos juntos aos autos, é que, no ano em apreço, o impugnante, na declaração que apresentou, englobou a totalidade dos rendimentos por si auferidos, em conformidade, aliás, com as regras legais vigentes nomeadamente, o disposto no artigo 22° do CIRS.
T. E tendo assim procedido, cabia à administração tributária efectuar a dedução à colecta das importâncias retidas na fonte relativas aos rendimentos auferidos, quer as efectuadas na Suíça, quer em Portugal, nos termos do disposto no artigo 81° do CIRS, como aliás se verificou.
U. Na verdade, a determinação do quantitativo do imposto devido passa pela aplicação ao rendimento colectável da taxa correspondente e, ainda, pela consideração das deduções à colecta legalmente previstas, cfr. artigo 78º do CIRS.
V. Ora, as deduções à colecta traduzem-se em subtracções à colecta apurada, tendo por objectivo, não só adequar o imposto à situação familiar de cada contribuinte como também evitar ou atenuar a dupla tributação de determinados rendimentos englobados.
W. Assim, e no ano em análise, à colecta do IRS era deduzido, além do mais, um crédito de imposto por dupla tributação internacional, para os titulares de rendimentos obtidos no estrangeiro.
X. Trata-se de um mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional que consiste na dedução do imposto pago no país da fonte do rendimento.
Y. Compulsando a demonstração da liquidação do ano em causa, constatamos que tendo sido considerado o rendimento global declarado, considerado o total do imposto retido na fonte, designadamente o considerado no anexo J (anexo destinado a declarar rendimentos obtidos no estrangeiro e respectivas retenções) a que se aludiu, ou seja, a AT considerou, deduzindo à colecta líquida do IRS, o valor total do imposto retido na Suíça, no ano em causa.
Z. Não se verificando a alegada existência de dupla tributação, porquanto na liquidação impugnada, foi tido em consideração o valor do imposto pago na Suíça, como se extrai do acto de liquidação, cujo extracto informático se encontra incorporado nos autos, a fls. 21 do PA.
AA. Deste modo, verifica-se que a liquidação impugnada não padece de qualquer vício, reflectindo a situação jurídico-tributária do aqui impugnante, pelo que deverá manter-se, encontrando-se a presente impugnação votada ao insucesso.
BB. Por esta razão, se considera que o tribunal incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto nos artigos 22º, 78º/1-i) e 81º/1 do CIRS, 19º da LGT e 43º do CPPT.”
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o presente recurso merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que os rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo impugnante, na Suíça, não estão sujeitos a tributação em Portugal, tendo por base a Convenção celebrada entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, bem como o respectivo Protocolo adicional, aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 716/74, publicada no DR, I Série, n.º 289, de 12 de Dezembro de 1974 (CDT).

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados
1. Pela comunicação com referência SRI/Suíça, datada de 13 de fevereiro de 2013, endereçada ao Impugnante, foi este notificado que “(…) esclarece-se que com o período indicado no Documento Portátil U1 (CH), para efeitos de subsídio de desemprego, solicita-se comprovativo em como pagou os impostos em Portugal, ou seja, (IRS/2011 – Mod. 3, com o anexo J), do período em que exerceu a actividade profissional na Suíça, ou deverá apresentar Certidão de Residência Fiscal desse período (11/07/2007 a 30/11/2012) emitida pela Repartição das Finanças da área de residência.
Assim caso não entregue o solicitado o processo será para indeferir.” – cfr. fls. 11 do processo físico
2. A 01 de julho de 2013 foi emitida a liquidação nº ...58 de IRS do ano de 2011 com o valor a pagar de € 11.214,65 (onze mil e duzentos e catorze euros e sessenta e cinco cêntimos) – cfr. fls. 9 do processo físico;
3. Foi emitido em data não concretamente apurada o Documento Portátil U1 (CH) no âmbito dos regulamentos (CE) nºs 883/2004 e 987/2009, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e do qual consta que o Impugnante prestou trabalho na Suíça de 11 de julho de 2007 a 31 de Agosto de 2012 e de 17 de Setembro de 2012 a 30 de novembro de 2012 – cfr. fls. 12 do processo físico;
4. Por comunicação datada de 21 de março de 2013 foi a Impugnante notificado de que lhe tinha sido atribuído Subsídio Desemprego para Trabalhadores Migrantes no montante diário de € 34,94 – cfr. fls. 15 do processo físico;
5. No ano de 2011 o Impugnante auferiu a quantia de 65.613,75 francos suíços – cfr. fls. 16 do processo físico;
6. A liquidação aqui impugnada teve por base a declaração de rendimentos apresentada pelo Impugnante em 06 de março de 2013 – cfr. artigo 6º da p.i. e 2º da contestação;
7. A “Commune mixte Haute-Sorne” emitiu atestado de domicílio referente ao Impugnante para as datas de 13 de agosto de 2004 a 02 de agosto de 2012 – cfr. fls. 34 do processo físico;
8. Consta do parecer de fls. 26 verso. do PA, no ponto 6:
O Impugnante apresentou uma declaração de rendimentos mod. 3 com referência ao ano de 2011, com o respetivo anexo J (rendimentos pagos no estrangeiro), onde indicou como rendimentos de trabalho dependente (Cat. A), os rendimentos obtidos na Suíça, o montante de € 53.864,98 e de imposto retido o valor de € 5.164,78
9. Consta do parecer de fls. 26 verso. do PA, no ponto 6:
Será ainda de salientar que, com vista a comprovar a não residência em Portugal, foi solicitado informação à direcção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), tendo sido informado que Nos termos do disposto no art 25º BIS conjugado com o art. 28º nº 1 al. c), ambos do Protocolo Modificativo da Convenção para evitar a Dupla Tributação Fiscal celebrada entre Portugal e a Confederação Helvética, publicado no D.R. 1ª série, nº 122, a 27 de junho de 2013, a troca de informações entre estes dois Países só entrou em vigor em 1/01/2014.
Tendo em consideração que os rendimentos em apreço se reportam a 2011, não será possível recorrer à troca de informações, para confirmar a residência do visado.”
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Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
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Fundamentação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base unicamente nos documentos e informações constantes do processo.”

Tendo em vista verter na decisão da matéria de facto todos os elementos que as partes consideram relevantes para a decisão da causa, indo ao encontro do solicitado pela Recorrente, e uma vez que constam do processo administrativo apenso os documentos respectivos, adita-se ao probatório a seguinte factualidade, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
10. Em 26/07/2011, no Registo Central de Contribuinte, através de documento provisório de identificação que substitui o cartão de identificação fiscal, mostra-se registado o domicílio fiscal de «AA» na Rua ..., em ..., Gondomar, com base na identificação civil constante do cartão do cidadão – cfr. fls. 17 a 18 verso do processo administrativo apenso.
11. Na declaração, referida no ponto 6, foram discriminados rendimentos obtidos no estrangeiro no montante de €53.864,98 e imposto pago no estrangeiro no valor de €5.164,78 – cfr. 21 e 22 do processo administrativo apenso.
12. Na liquidação, mencionada nos pontos 2 e 6, consta o montante de €5.426,03 a título de deduções à colecta – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial.

2. O Direito

Aplicando as directrizes vertidas na Convenção celebrada entre Portugal e a Suíça para Evitar a Dupla Tributação (CDT), o tribunal recorrido concluiu que os rendimentos de trabalho dependente obtidos pelo Recorrido na Suíça, no ano de 2011, não estariam sujeitos a tributação em Portugal e, por esse motivo, julgou a impugnação judicial totalmente procedente.
A tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) centra-se no conceito de residência. Ao contrário do que parece pretender a Recorrente, ao apelar para o teor da declaração de rendimentos apresentada pelo Recorrido (ponto 6 do probatório) ou para o “Registo Central do Contribuinte” (ponto 10 aditado à decisão da matéria de facto), a densificação de tal noção não passa pelo conceito de domicílio que resulta da declaração dos contribuintes, e que consta do cadastro, mas o de residência.
Dividem-se os contribuintes entre residentes e não residentes, entendendo-se por residentes aqueles que permaneçam no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual (artigo 16.º do CIRS).
Além de os conceitos de domicílio e residência no plano fiscal não coincidirem inteiramente com a sua acepção civilista, para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é, também ela, distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte.
Para considerar o impugnante, ora Recorrido, como residente em Portugal, ou na Suíça, importa o disposto no artigo 16.º do CIRS e nos artigos 4.º e 15.º da Convenção entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, bem como o respectivo Protocolo adicional, aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 716/74, publicada no DR, I Série, n.º 289, de 12 de Dezembro de 1974 (CDT) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 11/11/2021, proferido no âmbito do processo n.º 21/04.4BECTB.
Como resulta transcrito na sentença recorrida, diz o n.º 1 do artigo 4.º da CDT, sob a epígrafe “Domicílio fiscal”: para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Relativamente à Suíça, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa igualmente as sociedades em nome colectivo e em comandita simples constituídas ou organizadas segundo o direito suíço.
E o n.º 1 do artigo 15.º (Profissões dependentes): com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º e 20.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 15.º: não obstante o disposto no n.º 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se: (a) o beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam no total cento e oitenta e três dias; (…)
Ora, resulta deste regime que se exige uma ligação efectiva do sujeito contribuinte ao território do Estado que arrecada o tributo.
Nesta linha de pensamento, encontramos, tal como o tribunal recorrido, essa ligação efectiva ao observar um continuado e efectivo cumprimento de um contrato de trabalho no território Helvético, por via do qual o contribuinte auferiu, durante todo o ano de 2011, o seu único rendimento.
Conforme consta dos pontos 3 e 7 do probatório, cuja factualidade não se mostra impugnada, o Recorrido prestou trabalho na Suíça de 11 de Julho de 2007 a 31 de Agosto de 2012 e de 17 de Setembro de 2012 a 30 de Novembro de 2012, bem como viveu na Suíça de 13 de Agosto de 2004 a 02 de Agosto de 2012; o que inclui, portanto, o ano de 2011 em crise. Detectando-se, assim, a existência de uma ligação efectiva do Recorrido ao território do Estado suíço, onde efectuou retenção de imposto na fonte com referência a esse trabalho aí exercido em 2011.
É, por isso, nossa convicção que o tribunal recorrido decidiu correctamente ao concluir que a AT não coloca em causa que os rendimentos de trabalho dependente em apreço foram obtidos na Suíça, de forma efectiva durante todo o ano de 2011, pelo que os devia ter considerado não sujeitos a tributação em Portugal, em aplicação da CDT.
No entanto, a Recorrente alega que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 22.º, 78.º, n.º 1, alínea i) e 81.º, n.º 1 do CIRS, 19.º da LGT e 43.º do CPPT.
Como vimos, a questão reconduz-se a saber se as remunerações de trabalho auferidas pelo Recorrido, na Suíça, durante os 365 dias do ano de 2011, estão ou não sujeitas a tributação em Portugal, provado como está que, durante esse ano, ele residiu naquele país por um período superior a 183 dias, onde auferiu rendimentos e onde pagou o imposto correspondente.
A partir do acórdão do STA, de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo n.º 068/09, a jurisprudência alterou-se, surgindo este acórdão como inovador e paradigmático nesta matéria. Até aqui, o STA atribuía prevalência ao conceito interno de residência sobre as normas convencionais.
A tributação em apreço ocorreu, porque o Recorrido apresentou uma declaração de rendimentos em Portugal, referente ao ano de 2011, indicando que residia no “Continente”, por força de suposta exigência burocrática para obter subsídio de desemprego em 2013 – cfr. pontos 1 e 6 da decisão da matéria de facto.
Na linha da jurisprudência mais recente, consideramos que “o conceito de residência «fiscal» para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica”. Não sendo o caso da Suíça, dado que esta celebrou com Portugal uma CDT.
Portanto, nas relações entre Portugal e a Suíça, no que aos impostos sobre o rendimento e sobre o capital diz respeito, deve prevalecer o conceito convencional de residência, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno. Recordamos que as normas constantes de convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada prevalecem sobre o direito interno nacional (artigo 8.º da CRP).
Nestes termos, não tem aqui aplicabilidade o disposto nos artigos 19.º da LGT e 43.º do CPPT, invocados pela Recorrente, não se vislumbrando, como deixamos dito supra, erro no julgamento da causa.
Efectivamente, chegados à conclusão que será de aplicar ao caso o conceito convencional de residência e tendo por base o n.º 1 do artigo 4.º da CDT, observa-se que o mesmo remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna. No entanto, esta remissão não significa uma remissão incondicional, uma vez que a análise da residência é feita individualmente, pessoa a pessoa, independentemente da situação pessoal e familiar (conjugal) do sujeito passivo.
Ainda na linha do referido acórdão paradigmático do STA, os critérios atendíveis, para efeitos da CDT Portugal/Suíça para determinar a qualidade de residente convencional do impugnante, “têm de ser similares aos elencados no n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal/Suíça (domicílio, residência, local de direcção), pelo que têm de ser critérios que exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo aceitável para efeitos convencionais um mero critério de “residência por dependência”, por não exprimir por si mesmo qualquer conexão efectiva e real da maior parte das suas actividades económicas ao território português”.
No caso dos autos, está provado que o impugnante, aqui Recorrido, é trabalhador dependente e que auferiu os seus rendimentos na Suíça em 2011 e que, por conta desses rendimentos, aí pagou impostos; residindo na Suíça desde 13 de Agosto de 2004 a 02 de Agosto de 2012.
Em face do exposto supra, temos, então, de concluir que, para efeitos de aplicação da CDT Portugal-Suíça, o Recorrido deve considerar-se residente apenas na Suíça, sendo ilegal, por violação do artigo 4.º, n.º 1 da CDT Portugal-Suíça, a sua qualificação como residente (fiscal) em Portugal que a Administração Tributária portuguesa lhe atribui. Na verdade, o impugnante demonstra nos autos ter a sua actividade económica efectiva conexão com o outro Estado (Suíça). Como se menciona na sentença recorrida, o impugnante tinha na Suíça o seu centro de interesses vitais – exercício de trabalho.
Resolvida a questão por aplicação do n.º 1 do artigo 4.º, o STA considerou desnecessário recorrer-se aos critérios de desempate previstos no n.º 2 deste preceito.
Sendo assim, os rendimentos auferidos pelo impugnante em 2011, e já tributados pelo Estado suíço, não podem ser tributados em Portugal, pelo que se impõe a anulação da liquidação respectiva, quanto a esses rendimentos.
Nesta conformidade, uma vez que todas as alegações do recurso se afastam e alheiam das normas convencionais firmadas entre os dois Estados, terão globalmente que improceder; sendo forçoso negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial.

Conclusões/Sumário

I - As normas constantes de convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada prevalecem sobre o direito interno nacional, supremacia consagrada no artigo 8.º da CRP.
II - A remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes constante do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção celebrada entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital obriga a que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, exigindo-se uma ligação efectiva do sujeito contribuinte ao território do Estado que arrecada o tributo.
III – Verifica-se essa conexão perante a existência de continuado e efectivo cumprimento de um contrato de trabalho nesse território, por via do qual o contribuinte aufere o seu único rendimento.
IV – Neste circunstancialismo, estando demonstrado que durante todo o ano de 2011 residiu e trabalhou na Suíça, o contribuinte deve considerar-se residente na Suíça, por aplicação do n.º 1 do artigo 4.º da referida Convenção, e os rendimentos auferidos pelo mesmo em 2011, já tributados pelo Estado suíço, não podem ser tributados em Portugal.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 14 de Março de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares