Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00001/10.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:RECURSO EXCECIONAL AO ABRIGO DA ALÍNEA C) DO N.º 3 DO ARTIGO 142º DO CPTA;
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:
Para que seja permitido o recurso ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do artigo 142º do CPTA, é pressuposto que a sentença recorrida atente contra um acórdão tirado pelo STA no âmbito de um recurso de uniformização de jurisprudência, ou de um julgamento ampliado de revista e não de outra jurisprudência daquele ou de outro Tribunal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Não tomar conhecimento do recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente [SCom01...], SA, NIPC ...59, melhor identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a ação administrativa contra a Direção Geral dos Impostos, versando o ato de indeferimento de Pagamento Especial por Conta (PEC) relativo ao ano 2004, no valor de € 1.250,00, pretendendo a condenação da Ré a restituir o montante dos PEC`s efetuados em 2004 no valor de € 1.250,00, acrescido de juros indemnizatório

A Recorrente não se conformando com a decisão interpôs recurso com as seguintes conclusões:
“(…)
1. A douta sentença recorrida é contrária à jurisprudência uniformizada do STA acima explicitada, no segmento em que se pronuncia sobre a violação do direito de audição prévia.
2. Pelo que, atento o disposto no artigo 142 nº 3 c) do CPTA, dela cabe recurso, nesse segmento, independente do valor da causa.
3. Como advém das Jurisprudência uniformizada do STA, deveria ter sido concedida a A/Recorrente a oportunidade desta exercer o seu direito de audição prévia antes do indeferimento do pedido do reembolso do PEC em questão.
4. Não tem sido o caso, foram violados os artigos 60º n.º1 b) e nº 5 da LGT e 267º n.º 5 da CRP.
5. Sendo certo que o indeferimento do pedido de reembolso do PEC não era inelutável e inevitável.
6. Não sendo possível afirmar, com total segurança, que, se o contribuinte tivesse tido a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia antes desse indeferimento, este ainda assim seria necessariamente igual.
7. A audiência prévia dos interessados corporiza o cumprimento da diretriz Constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe disserem respeito (artigo 267.º n.º 5 da CRP)- o que impõe à AT a obrigação de fazer intervir o administrado no procedimento de preparação da decisão final,
8. pelo que, se não for dada ao contribuinte a possibilidade do exercício do direito de audição prévia, o ato é anulável por vício de forma, uma vez que a audiência prévia, insere-e no conjunto das regras procedimentais tributários,
9. constituindo uma fase dirigida à obtenção da decisão administrativa final mais adequada e justa o que requer o “convite” prévio do contribuinte a “participar” na formulação da decisão, se o contribuinte assim atender.
10. E no caso concreto nada garante que, se o contribuinte tivesse tido oportunidade de ser o seu direito de audição prévia antes do despacho de indeferimento do pedido de reembolso do PEC, este seria igual àquele que veio a ser emitido.
11. Com efeito, se a A/Recorrente tivesse sido oportunamente notificada do projeto de indeferimento do pedido do reembolso em questão, nos moldes em que este veio a ser indeferido,
12. a A/Recorrente poderia ter perfeitamente ter esclarecido/clarificado que no seu pedido de reembolso de PEC estava subjacente o pedido inspectivo à data mencionado no artigo 87.º n.º3 b) do CIRC.
13. E o despacho final sobre o pedido de reembolso de PEC, nesse caso, teria de ser necessariamente distinto daquele que veio a ser proferido.
14. já que, nos termos do artigo 60º nº 7 da LGT “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão” final.

Por conseguinte,
15. A douta sentença recorrida, no segmento em que se reporta a violação do direito de audição prévia, é contrária às Jurisprudência uniforme do STA.
16. Com efeito, e contrariamente ao decidido, o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de PEC padece de vício de forma por preterição da formalidade legal essencial - a violação do direito de audição prévia do indeferimento desse mesmo pedido de reembolso.
17. Pelo que a douta Sentença recorrida violou as sobreditas disposições legais.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exas, concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando a douta Sentença recorrida, julgando apresentação procedente e anulando o despacho de indeferimento do pedido de reembolso do PEC, por violação do direito de audição prévia como sempre, farão inteira JUSTIÇA (…)”

A Recorrida não contra-alegou.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida é contrária à jurisprudência uniformizada do STA, no segmento em que se pronuncia sobre a violação do direito de audição prévia.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1. Através da guia nº ...20 a Autora pagou a primeira prestação do Pagamento Especial por conta (PEC) do ano de 2004 no montante de € 625,00 – Cfr. fls. 66 do PA.
2. Através da guia nº ...01 a Autora pagou a segunda prestação do Pagamento Especial por conta (PEC) do ano de 2004 no montante de € 625,00 – Cfr. fls. 66 do PA.
3. A Autora, através de requerimento datado de 14.08.2009, apresentou no Serviço de Finanças ... 1 em 18.08.2009, solicitou o reembolso do montante de Pagamento Especial por Conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas entregues ao Estado, relativo ao exercício de 2004, no montante de € 1.250,00 – Cfr. fls. 37/38 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4. No requerimento referido em 03) a Autora alegou que efectuou o pagamento especial por conta (PEC) de 2004 em 31.03.2004 e 29.10.2004 e que face à colecta apurada nos exercícios de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, não auferiu da correspondente dedução do PEC referente a 2004, por isso não pode o mesmo ser deduzido à colecta daquele exercício ou dos quatro seguintes – Cfr. fls. 37/38 do PA.
5. Em 17.09.2009, na sequência do pedido referido em 03) e 04) foi prestada a seguinte informação pelo Serviço de Finanças ... 1: “(…) 1- A empresa iniciou a actividade em 2002-12-17, como entidade residente enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável… 2- Efectuou os pagamentos especiais por conta dos exercícios de 2004 a 2009, nos termos previstos no artigo 98º do Código de IRC…. 3- De acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 87º do CIRC, a dedução dos pagamentos especiais por conta é efectuado ao montante apurado na declaração periódica Modelo 22 de IRC do próprio exercício ou, se insuficiente, até ao quarto exercício seguinte. 4- No ano 2004 e nos termos do artigo 98º do Código do IRC, efectuou o pagamento especial por conta desse exercício, conforme guias nºs….Total € 1.250,00… 5- O reembolso dos pagamentos especiais por conta tem enquadramento nos seguintes normativos:
Nº 2 do artigo 87º do CIRC…
Para o efeito, o reembolso deverá ser solicitado através de requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede….apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade. Feita a consulta à base de dados, não consta, na presente data a cessação da actividade da sociedade para efeitos de IRC…
Nº 3 do artigo 87º CIRC: aos pagamentos efectuados, pelos sujeitos passivos não abrangidos pelo regime simplificado de tributação, é ainda permitido o reembolso da parte não deduzida nos termos do nº 1 do mesmo artigo, desde que preenchidos os seguintes requisitos: a) Não se afastem, em relação ao exercício a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10% para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em Portaria do Ministério das Finanças; …. b) A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado n os 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo exercício…. No entanto, pela análise dos elementos ao dispor, nada indica que os requisitos atrás enunciados tenham sido cumpridos no caso concreto. Face ao exposto e perante a falta de enquadramento legal, o presente pedido de reembolso não deverá ter provimento….” – Cfr. fls. 60/62 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais. 6. Em 17.09.201009, com base na informação referida em 05) foi, pelo Chefe do Serviço de Finanças ... 1 proferido o seguinte Despacho: “Concordo, por isso indefiro por falta de enquadramento legal e, com os fundamentos descritos na informação infra….” - Cfr. fls. 60 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
7. A Autora foi notificada do despacho e informação referidos em 05) e 06) através de ofício de 21.09.2009, em 23.09.2009 –
Cfr. fls. 63/65 do PA.
* FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão, inexistem. (…)”

4.2. DO JULGAMENTO DE DIREITO
A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida é contrária à jurisprudência uniformizada do STA, no segmento em que se pronuncia sobre a violação do direito de audição prévia.
A Recorrente insurge-se contra o seguinte semento decisório da sentença “(…) Por fim, importa ainda notar que, (sempre sem nos desviarmos do facto de em causa estar uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido e bem assim a análise daquela pretensão e pressupostos que a norteiam que, como se viu falharam), começou a Autora por referir que indeferimento do pretendido reembolso foi efectuado, consoante o espelha o probatório, sem ter sido antecedido de qualquer notificação para a Autora se pronunciar em sede de audição prévia (artigo 60º LGT, 45º do CPPT e 121º do CPA).
Porém, tal formalidade essencial a ocorrer sempre se degradaria em formalidade não essencial na medida em que, vista a pretensão material e os seus pressupostos substanciais, eles não se verificam, como decorre da presente demanda, donde aquela formalidade é inoperante e inócua neste momento para a situação trazida.
Aqui volvidos, temos pois que a acção terá de naufragar por não se verificarem os pressupostos para a Autora ver acudida a sua pretensão.(…)”

Questão Prévia
O presente recurso vem interposto nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 142º do CPTA que refere que, para além dos casos previstos na lei processual civil, é sempre admissível recurso, seja qual for o valor da causa, nas decisões “ proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo”.
A presente ação tem o valor de 1 250.00 € logo numa situação normal não era admissível o recurso, como bem refere a Recorrente nas motivações das alegações.
Vejamos então se se verificam os pressupostos do recurso nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 142º do CPTA.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, edição de 2017, pag. 1090 “(…) A situação considerada na alínea c) corresponda à previsão do artigo 629.º n.º2 , alínea c) do CPC pretende reforçar as garantias das partes contra qualquer decisão das instâncias - ainda que proferida em processo que não admita recurso - que desaplique jurisprudência uniformizada do STA. Parece claro que o fundamento do recurso apenas poderá ser constituído pela existência de um acórdão tirado pelo STA no âmbito de um recurso de uniformização de jurisprudência, a que se refere o artigo 152.º, ou de um julgamento ampliado de revista, previsto no artigo 148.º, incumbindo ao recorrente o ónus de indicar o acórdão anterior que está em oposição com a decisão recorrida. (…)”
Em síntese, para que seja permitido o recurso ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do artigo 142º do CPTA, é pressuposto que a sentença recorrida atente contra um acórdão tirado pelo STA no âmbito de um recurso de uniformização de jurisprudência, ou de um julgamento ampliado de revista e não de outra jurisprudência daquele ou de outro Tribunal.
Analisadas as motivações de recurso a Recorrente, para sustentar o seu recurso identifica, os seguintes acórdãos do STA:
- processo n.º 0337/07, de 26/11/2008 da 2.ª secção, o qual se reporta ao direito de audição;
- processo n.º 046/16, de 10/05/2017 da 2.ª secção, o qual decide sobre o direito de audição e juros indemnizatórios;
- processo n.º 0582/16, de 30/11/2016 da 2.ª secção, o qual se reporta a não relevância da preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final.
- processo n.º 0822/15, de 26/10/2016 da 2.ª secção, o qual analisa a natureza do direito de audição.
Como se pode constatar, nenhum destes acórdãos são uniformizadores de jurisprudência, nem julgamento ampliado de revista do STA, trata-se de jurisprudência daquele Tribunal.
Assim, é inadmissível o recurso por falta de verificação de exceção, designadamente da prevista no n.º 3 da alínea c) do artigo 142º do CPTA, ou seja, jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Administrativo.
Na verdade, o referido preceito apenas se reporta a “jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Administrativo” e não a outra jurisprudência daquele ou de outro Tribunal, como resulta desde logo, sem margem para dúvidas, da letra da lei, e decorre também do seu espírito.
E inexistindo qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência, emanado do STA, sobre a questão de direito em causa (Direito de audição e aproveitamento do ato) não se verificando qualquer exceção consagrada, tem inteira aplicação ao caso a regra geral do recurso, prevista no nº 1 do aludido artigo 629º do CPC, uma vez que a presente causa tem valor processual inferior à alçada deste Tribunal, não é admissível recurso da decisão.
Aqui chegados, entendemos que o recurso não pode ser conhecido, uma vez, que não tem valor e a questão equacionada pelos Recorrentes, não deixa de ser discordância com o julgamento de direito efetuado.
Nesta conformidade, não se conhece do recurso, por o mesmo não se admissível.

4.2. E assim, formulando a seguinte conclusão:
Para que seja permitido o recurso ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do artigo 142º do CPTA, é pressuposto que a sentença recorrida atente contra um acórdão tirado pelo STA no âmbito de um recurso de uniformização de jurisprudência, ou de um julgamento ampliado de revista e não de outra jurisprudência daquele ou de outro Tribunal.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em não tomar conhecimento do recurso por o mesmo não se admissível.

Custas pela Recorrente, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC.
Porto, 23 de novembro de 2023

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
José António Oliveira Coelho (1.º Adjunto)
Maria da Conceição Pereira Soares (2.º Adjunto)