Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02014/23.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL; JUÍZO COMUM; JUÍZO SOCIAL;
EXERCÍCIO DA ADVOCACIA; INSCRIÇÃO NA SEGURANÇA SOCIAL;
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DE ADVOGADOS E SOLICITADORES;
Sumário:
Não estando em causa na acção, a título principal, o exercício de direitos decorrentes do sistema previdencial do Estado ou da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, mas antes uma das condições para o exercício da Advocacia, o desconto para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores em vez do desconto para a Segurança Social, a competência material para a apreciar o pleito compete ao Juízo Comum e não ao Juízo Social – alíneas a) e b), do n.º1 do artigo 44º-A do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença da Juízo Social do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 02.11.2023 que julgou este Juízo incompetente para conhecer do pleito e competente o Juízo Comum do mesmo Tribunal, no processo cautelar que moveu contra o Estado Português, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e a Ordem dos Advogados.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida não respeitou o artigo 112º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o artigo 34º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 267º do Tribunal de Justiça da União Europeia, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7.6.2016/C 202/02, artigo 34º e 35º, em garantia aos direitos dos cidadãos da União Europeia.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) A questão colocada consiste em saber qual o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir a presente acção administrativa: se é o juízo de administrativo social do TAF de Braga ou se o juízo administrativo comum do mesmo Tribunal.

b) Tal processo encontra-se na fase processual inicial e pendente de apreciação dos pedidos em sede cautelar (artigo 112º, n.º 1, do CPTA), com urgência por tratar-se de situação de saúde, qualidade de vida e outros, ligadas directamente a previdência social.

c) Decerto há rol taxativo referente as matérias em dissídio que estão incluídas no âmbito dos juízos especializados. A previdência social está neste rol. A competência material especializada prevalece, assim, sob a competência material comum, precisamente porque esta é residual.

d) A delimitação de competências entre o juízo comum e os diferentes juízos especializados dos tribunais administrativos (e estes entre si), afigura-se-nos evidente que o legislador atendeu ao objecto material das causas, relevando as especificidades que decorrem do direito substantivo que regula as correspondentes relações jurídicas, associando, no que aqui importa, as áreas de competência do juízo administrativo social, o conhecimento dos litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial.

e) O direito de acção popular é um legítimo direito fundamental.

f) Como instrumento de participação popular, exercício de cidadania directa, a acção popular “abrange dois tipos de acções: a acção procedimental administrativa e a acção popular civil. A acção procedimental pode consistir numa acção judicial administrativa destinada à defesa dos interesses já referidos ou num recurso contencioso contra actos administrativos ilegais lesivos dos mesmos interesses (Art. 12º/1). A acção popular civil (Art.12º/2) segue as formas do Código de Processo Civil, isto é, pode revestir as formas de acção preventiva, condenatória ou inibitória.”

g) Por razões de economia processual e, na óptica da prática processual mais favorável ao cidadão contribuinte, o processo acima referenciado, precisa ser urgentemente decidido, em seu pedido com procedimento cautelar.

h) É dever do Ministério Público actuante na acção popular promover a responsabilização civil, em benefício da colectividade, quando for necessário, como, por exemplo, nas reparações em caso de danos à saúde pública, à previdência social, à qualidade de vida, ficando, ainda, a seu encargo a execução da sentença condenatória.

E dessa forma, nos termos em que se requer a v. Exa. se digne julgar o presente Recurso Judicial totalmente procedente e por via deste a concessão da medida cautelar e a revogação da decisão recorrida, para que o Autor seja salvaguardado dos seus direitos humanos fundamentais, constitucionais e infraconstitucionais no Juízo Social do Tribunal administrativo, com o atendimento dos pedidos urgentes, em sede cautelar e com o envio de cópia deste processo ao Tribunal de Justiça Europeu e ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ante ao incumprimento legal do ordenamento infraconstitucional, conforme rol de pedidos na petição inicial, com base nos artigos 112º, n.º 1, do CPTA, 34º do CEDH, artigo 267º do TFUE e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7.6.2016/C 202/02, artigo 34º e 35º, em garantia aos direitos dos cidadãos da União Europeia.

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II - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, no que aqui importa:

“(…)

Como é consabido, a competência do tribunal, como pressuposto processual que é, afere-se pela forma como o autor configura o litígio, sobre o qual o Tribunal se vai pronunciar; dito de outro modo, afere-se pelo quid disputatum, e não pelo quid decisum, em função dos concretos termos em que acção é proposta , como o Tribunal de Conflitos tem reiterado – cfr. Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91 e, entre outros, Acórdão do Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, Proc. 5107.

Assim, “para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamento (causa de pedir)” (cfr. Acórdão do STA de 25.11.2010, Proc. 021/10), ou seja, deverá atender-se à pretensão material do Autor bem como aos factos invocados com relevância jurídica que, segundo este, preenchem a previsão normativa invocada.

A Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, procedeu à alteração do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, consagrando a especialização nos tribunais administrativos de círculo e nos tribunais tributários.

Dispõe o art. 9.º, sob a epígrafe “Constituição, desdobramento e agregação dos tribunais administrativos”, no seu nº 1 que “Os tribunais administrativos de circulo podem ser desdobrados em juízos (...)”, prevendo-se a possibilidade de os tribunais administrativos de círculo serem desdobrados em juízos comum, social, de contratos públicos e de urbanismos ambiente e ordenamento do território, conforme o disposto no nº 5 do mesmo preceito.

Na concretização deste preceito, o Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, procedeu à criação dos Juízos de Competência Especializada, e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga passou, em matéria administrativa, a integrar os seguintes juízos de competência especializada: a) Juízo administrativo comum e b) Juízo administrativo social.

Dispunha o nº 1 al. b) do art. 44º-A do ETAF, sob a epígrafe “Competência dos juízos administrativos especializados”, na versão do Decreto-Lei supra referido, que compete “ Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Social, e das demais matérias que lhe sejam atribuídas por lei” e alínea a) determina que compete ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo.

Em 28 de Agosto de 2023, o legislador, através da publicação do Decreto-Lei nº 74-B/2023, procedeu a uma clarificação do sentido da norma da alínea b) do nº 1 do art. 44º-A supra transcrito, relativo à competência material do juízo social, fixando a competência da seguinte forma “b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a:
i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação;
ii) Exercício do poder disciplinar;
iii) Formas públicas ou privadas de previdência social; Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial;
iv) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores;
v) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”.
vi) De acordo com o explanado no preâmbulo do DL nº 74-B/2023, de 28 de Agosto, “(...) no que toca ao juízo administrativo social, prevê-se que a respetiva competência abrange os processos relativos a litígios emergentes de qualquer tipo de vínculo de emprego público, ao invés de se circunscrever unicamente aos litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas, conforme resultava da versão originária da alínea b) do n.º 1 do referido artigo 44.º-A.

Da mesma forma, o conceito de «formas públicas ou privadas de proteção social», originariamente empregue na redação inicial da norma delimitadora da competência do juízo administrativo social, é agora substituído pela noção, mais restrita e mais rigorosa, de «formas públicas ou privadas de previdência social». Neste sentido, clarifica-se que o juízo administrativo social não é o juízo comum de todos os litígios relacionados com questões de proteção social que cabem no âmbito da jurisdição administrativa, mas apenas dos litígios respeitantes a questões relacionadas com o sistema previdencial, refletindo assim, de forma mais fiel, aquela que era a intenção originária do legislador da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro.”.


Considerando que a determinação do tribunal materialmente competente para conhecimento de um litigio se afere em função dos pedidos formulados e da causa de pedir invocada pelo seu Autor, analisada a petição inicial destes autos, constata-se que estamos perante um conflito que não tem origem em vínculo de trabalho em funções públicas nem na sua formação e também não se refere ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Social.

“para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamento (causa de pedir)” (cfr. Acórdão do STA de 25.11.2010, Proc. 021/10), ou seja, deverá atender-se à pretensão material do Autor bem como aos factos invocados com relevância jurídica que, segundo este, preenchem a previsão normativa invocada.

Estamos perante uma forma de protecção social em que não está em causa qualquer questão relacionada com o direito especial da função pública ou com uma prestação social abrangida pelo denominado direito da segurança social/sistema previdencial.

Pelo exposto, julgo este juízo social do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga incompetente, em razão da matéria, para conhecimento dos presentes autos e competente o juízo comum deste TAF de Braga.

(…)”.

Nenhum reparo há a fazer a esta decisão, no que tem de essencial.

O Recorrente, de resto, espraia-se em considerações que passam completamente ao largo do decidido.

Os eventuais direitos fundamentais em causa e a celeridade ou a forma processual de os fazer valer, nada têm a ver com a questão da competência em razão da matéria, cerne da decisão recorrida.

Por outro lado, faz referência à segurança social, mas apenas como pressuposto para o direito que aqui pretende ver reconhecido, o de exercer a advocacia.

Na verdade, pede que lhe seja reconhecido o direito que lhe “assiste e manter-se somente na Segurança Social por ser a única previdência completa ao cidadão e ou porquê o Autor já desconta por anos neste regime previdencial principal e mais satisfatório” como alternativa `que lhe é imposta para exercer a advocacia, de descontar para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores.

Não está, portanto, aqui em causa, a título principal, o exercício de direitos decorrentes do sistema previdencial do Estado ou da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, mas antes uma das condições para o exercício da Advocacia, o desconto para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores em vez do desconto para a Segurança Social.

Termos em que se impõe negar provimento ao recurso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 30.11.2023



Rogério Martins
Nuno Coutinho, em substituição
Isabel Costa