Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00573/15.3BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO, CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, ILEGALIDADE ABSTRACTA, TAXA MUNICIPAL DE DIREITOS DE PASSAGEM VS TAXA MUNICIPAL DE OCUPAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:I -O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial, daí que, in casu, inexista erro na forma do processo.

III - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais.

IV - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (artigos 186.º e seguintes).

V - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.

VI - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Domínio Público sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de rede de comunicações electrónicas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., S.A.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

M., S.A., NIF (...), com sede na Avenida (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em 03/09/2019, que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e absolveu o Município de (...) da instância de Oposição judicial à execução fiscal n.º 7/15, instaurada para cobrança coerciva da quantia de €195.188,46.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente entende que não existe erro na forma de processo.
B) Na verdade, a Recorrente quando foi citada para a execução fiscal n.º 7/15, deduziu a primeira oposição que deu origem ao processo 466/15.4BEMDL e foi originada antes de o Município de (...) dar a conhecer à ora Recorrente qual o tributo e ano a que respeitava a execução fiscal 7/15.
C) Só quando a Recorrente foi notificada a 11/08/2015, da certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos processos que correm contra si, é que tomou conhecimento de que se tratava de processos de execução fiscal por taxas de ocupação da via pública de diversos anos.
D) E este facto superveniente, levou à apresentação desta segunda oposição que deu origem ao processo 573/15.3BEMDL, com o fundamento subsumível à al. a) do n.º1 do artigo 204.º do CPPT – ilegalidade abstrata da dívida, dada a inexistência da taxa na lei em vigor à data dos factos.
E) Desta forma, o procedimento tributário instaurado pelo Município de (...) e, especificamente, a execução fiscal, por deficiência/insuficiência dos actos de liquidações de taxas, encontra-se inquinado de ilegalidade, desde logo porquanto as taxas que pretende cobrar são abstratamente inexistentes.
F) Os actos de liquidação de taxas que enfermam de ilegalidades e nulidades, por via, entre outros, de uma errónea aplicação do preceituado (regulamentar) em concreto o artigo 20.º n.º8 da Tabela de Taxas, anexa ao regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais, em vigor no Concelho de …. e invocado pela Município, atenta a atividade desenvolvida pela M., e, consequentemente, o regime legal que lhe é aplicável.
G) Esta ilegalidade é atinente à própria lei, à própria norma de incidência, ao Regulamento e não à sua concreta aplicação consubstanciada no acto de liquidação.
H) Esta ilegalidade ocorre na fixação das taxas em causa ou da sua subsistência após entrada em vigor da Lei das comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/02).
I) A argumentação ora expendida tem merecido extenso e uniforme acolhimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conforme exarado nos Acórdãos de: 06-10-2010, proc. nº 363/10; 12-01-2011, proc. 751/10; 12-10-2011, proc. n.º 631/11; 02-05-2012, proc. n.º 693/11; 27-05-2012, proc. n.º 428/12; 14-06-2012, proc. N.º 281/12; 17-10-2012, proc. n.º 780/12; 06-03-2013, proc. n.º 716/11; 30-04-2013, proc. n.º 1321/12; 22-04-2015, proc. N.º 192/15; 21-10-2015, proc. N.º 691/15, insertos e disponíveis em www.dgsi.pt.
J) O regulamento Municipal de (...), e as liquidações em causa originadas com base no mesmo, já foram judicialmente sindicadas, tendo, no âmbito do processo 368/12.6BEMDL sido objeto de acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é expressamente referida a sua patente ilegalidade.
K) E mais recentemente com os acórdãos 128/16.5BEMDL, 127/16.7BEMDL, 126/16.9BEMDL, n.º 158/17.0BEMDL de 26/09/2019, processo n.º 156/17.3BEMDL e 157/17.1BEMDL (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
L) A ilegalidade invocada na petição inicial da oposição é a ilegalidade atinente à própria lei, ao Regulamento das Taxas do Município de (...), o que está em manifesta violação da reserva de lei consagrada na alínea i) do n.º1, do artigo 165.º da CRP, tratando-se de uma inconstitucionalidade orgânica.
M) Nos presentes autos estamos perante uma execução que incide sobre uma taxa inexistente.
N) Diremos, que estamos perante uma inexistência jurídica do ponto de vista tributário;
O) A ora Recorrente, enquanto empresa prestadora de serviços de comunicações electrónicas, não se encontra sujeita, atento o quadro legal em vigor, ao pagamento das TODP.
P) Encontrando-se abrangida pelas regras específicas, constantes da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na sua actual redacção).
Q) A Lei das Comunicações Electrónicas entrou em vigor no dia 10 de Maio de 2004, pelo que, a partir dessa data, a TMDP passou a ser a única taxa susceptível de ser cobrada pelos municípios.
R) Com a publicação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, é inequívoca a intenção do legislador, nacional e comunitário, que às operadoras de telecomunicações apenas poderá ser, eventualmente, aplicada a TMPD.
S) A liquidação da taxa, tendo por base o mesmo pressuposto tributário – isto é, a utilização do bem de domínio público – corresponde, assim, à violação dos princípios da legalidade, previstos no art.º 5.º e 8.º da Lei das Comunicações Electrónicas.
T) Assim, o regulamento municipal invocado pelo Município de (...), ao contrariar e/ou (re)definir, em matéria de taxas, o regime “específico” aplicável a empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, traduz uma flagrante ingerência, desconforme e não permitida, do poder regulamentar, em face dos mais elementares princípios, do nosso ordenamento jurídico, legais e constitucionais.
U) Afigurando-se desconforme com o princípio da legalidade, “trave mestra” da actividade da Administração, princípio o qual, no que respeita aos regulamentos, impede que estes contrariem ou inovem lei em vigor, sendo nesta medida ilegal.
V) O facto gerador do tributo (a taxa) é exatamente o mesmo, nas situações de TODP, TMDP e TMPC está tão só em causa a utilização do domínio público e privado municipal;
W) A liquidação de uma taxa sobre o mesmo pressuposto tributário, isto é, pela utilização do bem de domínio público corresponde, à violação dos princípios da legalidade e justiça material, previstos no art.° 5.° e 8. da LGT.
X) Configurar-se-ia como uma inconstitucionalidade material, violando princípios e direitos dos administrados, nos termos do art.° 266º da Constituição da República.
Y) A aplicação desta taxa viola o disposto no art.º 165º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República, contrariando a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Z) Devendo concluir-se pela ilegalidade do acto de liquidação da Taxa Municipal por inconstitucionalidade da norma do artigo 20, n.º 8 da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento de Taxas do Município de (...).
Pelo que nos melhores termos de Direito e naqueles que V. Exa. doutamente suprirá:
- Deve ser a Oposição julgada procedente, por provada, o que consequentemente provocará a anulação total dos actos de liquidações das Taxa de Ocupação da Via Pública, com todas as suas consequências legais.
- Deve a norma do artigo 20, n.º 8 da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento de Taxas do Município de (...) ser declarada inconstitucional por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Bem como tudo, com o mais da Lei, em boa aplicação da Costumada JUSTIÇA.”
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O Recorrido, Município de (...), apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“Em face do que se alegou, podemos concluir que:
a) As questões decidendae
Ø No caso em apreço, em que a Recorrente foi citada em 6 de julho de 2015 e a oposição à execução fiscal constante dos presentes autos foi apresentada em 30 de setembro de 2015, verificou-se a caducidade do direito de ação?
Ø A oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para a Executada, aqui Recorrida, invocar a (alegada) falta dos requisitos do título executivo aqui em apreço?
Ø Considerando que a Recorrente já apresentou um requerimento de arguição de nulidade da citação e que este foi indeferido, pode a oposição à execução fiscal nos presentes autos ser convolada em processo de reclamação do ato do órgão de execução fiscal, relativamente àquela decisão de indeferimento?
Ø A TODP aqui em apreço, prevista no Regulamento Municipal, liquidada e cobrada pela Recorrida, é legítima e, por conseguinte, a oposição à execução fiscal em apreço deveria ter sido julgada improcedente?
b) A caducidade do direito de ação da Recorrente
i. A Recorrente efetuou o pedido de passagem de certidão nos termos do artigo 82° do CPA;
ii. Tal pedido não suspende o prazo para apresentação da oposição à execução;
iii. Mesmo que aquele pedido de passagem de certidão tivesse sido efetuado com o objetivo de obter os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 37° do CPPT,
iv. O artigo 37.° do CPPT não se destina a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas nos artigos 188° e seguintes do CPC;
v. O meio próprio para invocar a (alegada) nulidade do ato de citação praticado no processo de execução fiscal, é a arguição de nulidade da citação (artigo 165° do CPPT e artigo 191° do CPC;
vi. Conforme acima referido, a Recorrente apresentou o requerimento de arguição da (alegada) nulidade da citação,
vii. Mas tal requerimento foi objeto de decisão de indeferimento, sem que a Recorrente tivesse reclamado dessa decisão, nos termos do artigo 276° do CPPT;
viii. Assim, no caso em apreço, não se aplica, portanto, o regime do artigo 37° do CPPT e, consequentemente, o diferimento do início do prazo para deduzir oposição à execução fiscal;
ix. Tendo a Recorrente sido citada no dia 6 de julho de 2015, o prazo para apresentar a oposição à execução terminaria em 21 de setembro de 2015, sendo certo que a oposição à execução aqui em causa foi apresentada no dia 30 de setembro de 2015;
x. Deste modo, podemos concluir que se verifica a exceção perentória de caducidade do direito de ação da Recorrente, uma vez que a oposição em apreço foi apresentada em 30 de setembro de 2015, muito para além do prazo de caducidade do direito de ação da Recorrente, que terminou em 21 de setembro de 2015, devendo em consequência a Recorrida ser absolvida totalmente do pedido, nos termos do artigo n.° 3 do artigo 576° do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2° do CPPT;
c) O erro na forma do processo
xi. É jurisprudência pacífica e uniforme que o meio processual adequado para invocar a falta de requisitos do título executivo, nos quais se insere a falta da natureza e proveniência da dívida (artigo 163°, ° 1, alínea e), do CPPT), cuja nulidade não pode ser suprida por prova documental, é a arguição de nulidade da citação;
xii. No caso em apreço, o meio processual adequado é a arguição da nulidade da citação,
xiii. E não a oposição à execução fiscal, eventualmente enquadrável na alínea i) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT;
xiv. Deste modo, podemos concluir que o meia processual adequado que a Recorrente tinha ao seu dispor para contestar a alegada falta de requisitos do título executivo, cuja falta podia ser suprida por prova documental (artigos 163°, n.° 1, alínea e) e 165°, n.° 1, alínea b), ambos do CPPT) era a arguição de nulidade, nos termos do artigo 191° do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2° do CPPT e alínea d) do artigo 2° da LGT, e não a oposição à execução ao abrigo da alínea i) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT;
xv. Consequentemente, deve o recurso judicial aqui em apreço ser julgado improcedente, quanto a este fundamento, e mantida a sentença do Tribunal a que.
xvi. Sem prescindir,
d) A possibilidade de convolação da oposição à execução aqui em causa
xvii. O Tribunal a quo concluiu que o processo de oposição à execução fiscal aqui em apreço não poderia ser convolado numa reclamação, nos termos do artigo 276° do CPPT, da decisão de indeferimento da arguição de nulidade da citação;
xviii. Relativamente a esta questão, a Recorrente não se pronunciou;
xix. E a Recorrida limita-se a sufragar a posição do Tribunal a quo;
xx. Deste modo, podemos concluir que a convolação da oposição à execução fiscal em apreço na reclamação do ato do órgão de execução fiscal não é possível, porquanto já se formou caso resolvido sobre a pretensão do pedido de arguição de nulidade da citação e o prazo de dez dias previsto no artigo 277° do CPPT já se encontrava ultrapassado;
xxi. Consequentemente, deve o recurso judicial aqui em apreço ser julgado improcedente, quanto a este fundamento, e mantida a sentença do Tribunal a quo;
xxii. Sem prescindir,
e) A legalidade da taxa de ocupação do domínio público municipal
xxiii. Não se pode entender que a criação da TMDP revogou tacitamente as disposições que permitem aos Municípios cobrar as TODP;
xxiv. O que os Municípios não podem é cobrar simultaneamente diferentes taxas relativamente à utilização dos mesmos bens do domínio público por parte de terceiros;
xxv. Assim sendo, apenas não poderia ser cobrada a TODP aqui em apreço se, simultaneamente, fosse cobrada a TMDP, relativamente ao mesmo facto tributário;
xxvi. O que não é o caso em apreço;
xxvii. Resulta da Lei n.° 5/2004, de 10 de fevereiro, que as TMDP's incidem sobre a faturação e, como tal, são suportadas pelos clientes e não pelas operadoras (artigo 106° da referida Lei);
xxviii. Pelo que as empresas são meras intermediárias na cobrança da taxa aos seus clientes e na sua entrega aos municípios;
xxix. O Município de (…) não aprovou e, por isso não aplica, no seu território, qualquer taxa de direitos de passagem;
xxx. O artigo 106° da Lei n.° 5/2004, de 10 de fevereiro, na sua versão original, em vigor à data da liquidação em apreço, confere a faculdade aos municípios de criarem ou não a TMDP;
xxxi. E a Lei n.° 5/2004, de 10 de fevereiro, não colide com a Lei das Finanças Locais, nem estabelece qualquer antagonismo ou incompatibilidade com o Regulamento Municipal;
xxxii. O Regulamento Municipal não foi derrogado pela Lei n.° 5/2004, de 10 de fevereiro, e não pode, por isso falar-se em revogação tácita;
xxxiii. Concluímos assim que apenas não poderia ser cobrada taxa de ocupação do solo no caso de, simultaneamente, ser cobrada taxa municipal de direitos de passagem,
xxxiv. Pelo que, no caso em apreço, não existe dupla tributação, uma vez que a TMDP não é cobrada no Município de (...), tendo este optado, por sua vez, pela cobrança da TODP, pelo que deverá ser considerada legítima e válida a taxa em apreço e em consequência, o recurso em apreço deve ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida;
xxxv. Caso assim não se entenda e sem prescindir,
f) O reenvio prejudicial
xxxvi. A título subsidiário, e na hipótese meramente académica do presente Tribunal ter dúvidas sobre a conformidade da liquidação e cobrança das TODP's com o Direito da União Europeia, dever-se-á considerar, para todos os efeitos legais, que a presente questão decidenda tem subjacente uma questão de Direito da União Europeia prejudicial à resolução do litígio sujeito a apreciação, cujas dúvidas devem ser suscitadas perante a jurisdição do TJUE, através do reenvio prejudicial, com a sugestão da seguinte questão:
xxxvii. "A Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de março de 2002 e a Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que as autoridades municipais de um Estado-Membro liquidem e cobrem taxas municipais pelos direitos de ocupação do domínio público municipal relativamente à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal e não liquidem e cobrem taxas pelos direitos de passagem previstas nas referidas Diretivas?"
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso interposto pela Recorrente ser indeferido e mantida a decisão do Tribunal a quo, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!
Respeitosamente, Pede e Espera Deferimento.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de erro na forma do processo e absolver o Município de (...) da instância.
Impõe-se, ainda, conhecer a questão suscitada pelo Recorrido da caducidade do direito de acção.
Não obstante a decisão recorrida de absolvição da instância do Recorrido, o tribunal “a quo” apreciou o mérito da oposição, confirmando a legalidade abstracta da taxa liquidada pelo Município de (...). Também quanto a este segmento decisório cumprirá, se for o caso, apreciar o invocado erro de julgamento.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Da litispendência
Factos provados:
1. Em 18/8/2015 a aqui Oponente deu entrada contra o Município de (...) de oposição à execução fiscal n.º 7/15, onde invoca nulidade do título executivo – cfr. PI do processo 466/15.4BEMDL que aqui se reproduz – Fls. 201 e ss dos autos;
2. Formula o seguinte pedido: “(…) Termos em que deverá a presente oposição ser considerada procedente, declarando-se verificada a nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea i) do art.º 204.º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo. (…)”
3. Nos presentes autos formula o seguinte pedido: “Termos em que deverá a presente oposição ser considerada procedente, declarando-se a nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a) h) e i) do art.º 204.º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo” – Fls. 26 do suporte físico do processo. […]
Do erro na forma de processo
Factos provados:
1. Por ofício 3064 de 3/7/2015 a Impugnante foi citada pelo Município de (...), conforme doc. 2 da PI, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
4. Em 28/7/2015 a Impugnante requer ao Município de (...) a emissão de certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos processos que correm contra si (entre os quais se conta o 7/15) e às quantias cujo não pagamento lhes deram origem – Doc 1 da PI;
5. Em 11/8/2015 o Município emite à Oponente a seguinte certidão (que aqui se reproduz no que releva para os presentes autos) – cfr. fls. 33 a 37 e 80 dos autos:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Nesse dia 11/8/2015 a Oponente apresentou requerimento de arguição de nulidade da citação por falta de requisitos essenciais do título executivo – doc 4 da contestação;
7. Por “Despacho n.º 42/GAP/2015” do Município de (...) a Oponente foi notificada do indeferimento de arguição de nulidade em 8/9/2015 – doc 8 da contestação e art.º 7 deste articulado, não impugnado;
8. Esta oposição deu entrada em 30/9/2015 – fls. 6.”

2. O Direito

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, por ter incorrido em erro de julgamento ao concluir que não usou o meio processual adequado à satisfação do pedido, dado que julgou verificar-se a excepção de erro na forma do processo e absolveu o Recorrido da instância, alegando, em síntese, que invocou a ilegalidade em abstracto da taxa liquidada, o que constitui fundamento enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
A sentença recorrida concluiu estar perante erro na forma do processo, por ter considerado que “incumbia à Oponente arguir as nulidades de citação e do título executivo junto do órgão de execução fiscal (o que foi feito), e apenas de eventual decisão desfavorável caberia reclamação para Tribunal”, e que esta reclamação teria que ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, mas que, em 30/09/2015, data de apresentação da presente oposição, aquele prazo estava ultrapassado, pelo que não poderia este processo ser convolado para a forma devida.
A jurisprudência dos tribunais superiores, com o apoio da doutrina, tem afirmado, de modo reiterado, que o erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
Contudo, o STA, tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione, “(…) tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.
Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pela Recorrente, observa-se que pretendeu insurgir-se contra o processo de execução fiscal, por ela identificado, n.º 7/15; solicitando, a final, dever a presente oposição ser considerada procedente, declarando-se a nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a), h) e i) do art. 204.º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo.
Ora, sendo o pedido o efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção, não residem dúvidas que a concreta pretensão de tutela jurídica visada pela Recorrente é a extinção do processo de execução fiscal.
Contudo, aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que a oponente alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão da oponente.
«Na interpretação dos articulados são aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 9.º e 236.º do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado» – cfr. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/02/2005, proferido no processo com o n.º 5460/01; e de 05/04/2005, proferido no processo com o n.º 5410/01.
In casu, nem sequer consideramos que a causa de pedir invocada seja uma causa de pedir múltipla, ressaltando que o pedido formulado é compatível com a forma processual utilizada, a oposição, dado que esta visa, em primeira linha, o processo de execução fiscal.
Os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justificando-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial. Na verdade, existindo dúvidas, a causa de pedir pode ser utilizada como elemento de interpretação do pedido.
Está em causa a cobrança de uma taxa por parte do Município de (...) pela ocupação de domínio público com tubos, condutas, cabos condutores e semelhantes, numa extensão de 187.500 metros lineares, durante o ano de 2013.
Na petição inicial, a Oponente sustentou a inexistência da taxa em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação e não estar autorizada a sua cobrança à data em que ocorreu a respectiva liquidação, uma vez que é posterior à entrada em vigor a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, sendo que a partir desta Lei os Municípios apenas podem cobrar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização da domínio público municipal com a implementação e funcionamento de infra- estruturas de telecomunicações através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (“TMDP”) prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Fundamenta a ilegalidade abstracta da taxa não só na referida Lei das Comunicações Electrónicas como no respeito devido às normas comunitárias, designadamente à Directiva 2002/20/CEE e 2002/21/CEE, por a liquidação desta taxa ser absolutamente incompatível com a Directiva Quadro e Directiva autorização e corresponder a uma interpretação da LCE incompatível com o direito comunitário.
Ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, os fundamentos da oposição não são a nulidade da citação [a Oponente apenas alegou a falta de remessa de elementos com a citação e o pedido de passagem de certidão quanto à fundamentação das liquidações certamente com vista a comprovar a tempestividade da oposição e não para que fosse declarada a nulidade da citação, que não requer nos autos] nem a nulidade do título executivo, mas a ilegalidade abstracta da taxa em causa na execução fiscal a que se reporta a oposição.
Ora, ilegalidade abstracta da dívida exequenda é fundamento de oposição nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo esta ilegalidade a que decorre da “inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação”.
Como refere a boa doutrina, “Na alínea a) do n.º 1 deste artigo [204º do CPPT] prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.
Está-se aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.” – cfr., Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011 III volume, p. 443.
Ora, a alegação da Recorrente não se refere à aplicação que foi feita das regras da taxa no caso concreto, mas sim à inexistência da taxa ou à falta de lei que autorize a sua cobrança, pelo que é subsumível à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
De qualquer modo, sendo em relação ao pedido formulado que dever aferir-se a adequação da forma processual utilizada e, consequentemente, pela existência de erro na forma de processo, certo é que, no caso, a Oponente pediu a extinção da execução fiscal (pedido compatível com a oposição), pelo que nunca se verificaria erro na forma de processo [se o fundamento na oposição não pudesse viabilizar a pretensão do oponente, designadamente por não ser enquadrável em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, tal contenderia apenas com a êxito da oposição (e a sua eventual improcedência), mas não com a forma processual adequada ao pedido, como referimos]. – cfr., também neste sentido, o Acórdão do TCA Norte, de 09/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 570/15.9BEMDL.
Assim sendo, não pode manter-se a sentença recorrida, que entendeu existir erro na forma de processo, impondo-se a sua revogação.

Nas suas contra-alegações, o Recorrido invocou, agora, a caducidade do direito de acção, tratando-se de uma questão nova, pois não foi colocada ao tribunal recorrido, nem este se pronunciou sobre a mesma. Contudo, sendo uma questão de conhecimento oficioso, tal não inviabiliza o seu conhecimento em sede recursiva.
Por outro lado, a decisão sobre esta questão também não será uma “surpresa”, dado que a Recorrente foi previamente notificada por este tribunal para se pronunciar acerca da mesma, tendo vindo fazê-lo nos termos da peça processual apresentada em 02/03/2020 – cfr. fls. 342 a 347 do processo físico – pugnando por um julgamento de improcedência da excepção.
Nos termos do n.º 1 do artigo 203.º do CPPT, a oposição à execução fiscal pode ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal, ou, não a tendo havido, da primeira penhora.
O prazo para deduzir oposição é um prazo judicial, para efeitos do preceituado no artigo 20.º, n.º 2 do CPPT. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da administração tributária.
Como prazo de natureza judicial, aplica-se o regime do Código de Processo Civil (CPC) – cfr. artigo 20.º, n.º 2 do CPPT. Logo, corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto – cfr. artigo 138.º, n.º 1 a 3 do CPC.
Uma vez que a Oponente questiona nesta oposição, como vimos, a ilegalidade abstracta da dívida; conforme jurisprudência consolidada do STA, estamos perante situação em que a Recorrente pode beneficiar do regime da notificação insuficiente, regulado no artigo 37.º do CPPT.
Neste caso, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial, conta-se somente a partir da notificação ou da entrega da certidão requerida (n.º 2 do artigo 37.º do CPPT).
Efectivamente, o processo de oposição à execução fiscal poderá ter como fundamento a ilegalidade (em abstracto) da dívida exequenda, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo possível fazer uso do apontado regime do artigo 37.º (requerendo a notificação dos elementos em falta referentes ao próprio acto de liquidação ou requerendo a passagem de certidão que os contenha) e diferir, assim, o termo inicial do prazo de apresentação da respectiva oposição à execução fiscal para a qual foi citada.
Seguimos de perto o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário n.º 0557/14, de 07/06/2017, com o seguinte sumário:
«I - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais.
II - O regime previsto no art. 37º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (arts. 186º e ss).»
Ora, o caso dos autos configura precisamente uma situação de impugnação da legalidade da liquidação da dívida, na vertente abstracta. Por conseguinte, a faculdade a que alude o artigo 37.º do CPPT - pedido de passagem de certidão – dilata ou difere, neste concreto caso, o início do prazo para deduzir oposição judicial.
A Recorrente para se defender no processo necessitou, pelo menos, de se inteirar da fundamentação da liquidação subjacente à dívida em apreço, bem como ter acesso à documentação que comprovasse a sua exigibilidade, por forma a conhecer plenamente a natureza das quantias em dívida, ou mesmo ter acesso à certidão de dívida que deu origem ao processo de execução fiscal.
A decisão da matéria de facto espelha os moldes lacónicos e insuficientes em que foi efectuada a citação da Recorrente. Em 28/07/2015, a Oponente requereu ao Município de (...) a emissão de certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos processos que corriam contra si (entre os quais se conta o presente n.º 7/15) e às quantias cujo não pagamento lhes deram origem. Em 11/08/2015, o Município emitiu à Oponente a certidão que se mostra reproduzida no ponto 5 do probatório. Logo, somente nesta data a Recorrente se inteirou da origem e da natureza das dívidas que lhe estavam a ser exigidas.
Mostrando-se, por este motivo, diferido o início do prazo de 30 dias para deduzir oposição e uma vez que o mesmo se suspende em férias judiciais; tendo a petição inicial sido apresentada em 30/09/2015 – cfr. ponto 8 do probatório, constata-se que desde a data da entrega da certidão requerida, em 11/08/2015, ainda não haviam decorrido os 30 dias previstos no referido artigo 203.º do CPPT; aliás, o dia 30/09/2015 é o 30.º dia, o último dia do prazo.
Nesta conformidade, o obstáculo da extemporaneidade da petição inicial, apontado nas contra-alegações de recurso, não se verifica. Pelo que se impõe avançar para o conhecimento do mérito da oposição, partindo do julgamento efectuado em primeira instância, dado que, embora aí se tenha absolvido o Município de (...) da instância, ainda assim, o tribunal recorrido confirmou a legalidade da dívida exequenda.

O tribunal “ a quo” quis prevenir a hipótese de não se verificar o erro na forma de processo, adiantando que, mesmo que assim não se considerasse, a pretensão da Oponente estaria votada ao insucesso.
O Meritíssimo Juiz “a quo” começa por referir que a prestação exigida à Oponente assume a natureza jurídica de taxa, efectuando o enquadramento jurídico ajustado.
Também faz apelo à Lei n.º 5/2004, de 28/2, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos, transpondo as Directivas n.ºs 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7/3 e da Directiva n.º 2002/77/CE, da Comissão de 16/9. Referindo que os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal, podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de passagem (TMDP), a qual obedece aos princípios ínsitos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 106 (sob a epígrafe “Taxas pelos direitos de passagem”).
Porém, salienta «que nada obriga os Municípios a liquidar e cobrar uma TMDP (Cfr., também o 106.º, n.º 3). Caso o desejem, os Municípios podem liquidar essa taxa que deve ser determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida ao público das empresas de comunicação electrónica (al. a), percentual esse que deve ser aprovado anualmente até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode a ultrapassar os 0,25% (al. b).
Assim não se pode entender que a criação da TMDP pela L 5/2004, de 10/2, revogou tacitamente as disposições que permitem aos Municípios cobrar taxas de ocupação do solo. O que os Municípios não podem fazer é cobrar simultaneamente diferentes taxas relativamente à prestação do mesmo serviço porque, caso contrário, quebrar-se-ia, pelo menos, a relação sinalagmática e pôr-se-ia em causa a redistribuição dos encargos públicos, nos termos supra expostos. (…)
Se o Município optasse por liquidar a TMDP esta tinha de estar balizada pela L5/2004, de 10/2 nas normas supra citadas.
À taxa de ocupação da via pública é aplicável o art.º 6.º, n.º 1, c) da L 53-E/2006, de 29/12 (que regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais)
Nos termos daquele dispositivo legal as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal. No caso, incidindo a taxa impugnada sobre a ocupação da via pública por parte da Oponente, nada haveria a apontar à actuação do Município. (…)»
Contudo, como é sabido, a jurisprudência não se direcciona nesta linha, seguindo-se, a título exemplar, a orientação adoptada neste TCA – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 26/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 156/17.3BEMDL:
«(…) a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar a bondade da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o acto de liquidação de taxas de ocupação do domínio público municipal (espaço aéreo) com fios, cabos ou outro dispositivo de qualquer natureza e fim, atravessando ou projectando-se na via pública, prevista no artigo 22.º, n.º 3 da Tabela de Taxas, anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais, (…).
Face às conclusões de recurso, temos que a questão que se discute no presente recurso consiste em saber se a sentença errou ao decidir que, para além ou em alternativa à taxa municipal de direitos de passagem (TMDP) prevista no artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10/2 (Lei das Comunicações Electrónicas), podem ser cobradas às empresas que, como a Impugnante, oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas ao público, outras taxas pela instalação de sistemas de equipamento no solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público e que tenham como contrapartida a utilização desses espaços, como a liquidada taxa de ocupação do domínio público (TODP), em causa nos autos.
Pois bem, a questão da (i)legalidade da liquidação da taxa aqui em causa foi já objecto de pronúncia por diversas vezes pelo Supremo Tribunal Administrativo, o qual tem vindo a decidir, de forma unânime, uniforme e reiterada, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6/10/2010, Processo 363/10; de 30/11/2010, Processo 513/10; de 12/1/2011, Processo 751/10; de 29/6/2011, Processo 450/11; de 1/6/2011, Processo 179/11; de 2/5/2012, Processo 693/11; de 6/6/2012, Processo 864/11; de14/6/2012, Processo 281/12; de 27/6/2012, Processo 428/12; de 17/4/2013, Processo 154/12; de 22/4/2015, Processo 192/15, e de 21/10/2015, Processo 691/15; de 19/9/2016, Processo 1091/16; de 3/5/2017 (Pleno), Processo 01092/16; de 7/11/2018, Processo 087/13; e de 12/12/2018, Processo 0153/11.
Nesta sequência, e como se deixou escrito no acórdão do STA (Pleno) de 3/5/2017, Processo 01092/16 [que cita o anterior acórdão de 19/9/2016 (Processo 1091/16)] e que, com a devida vénia, passamos a reproduzir: "A questão não é nova na jurisprudência deste STA e tem recebido por parte do órgão de cúpula da jurisdição resposta uniforme, no sentido de que «A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza», acrescentando-se em Acórdãos mais recente – designadamente do acórdão fundamento –, que o DL n.º 123/2009, de 21/5 (…) clarificando o regime plasmado na Lei n.º 5/2004, de 10/2, proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2.º al. a) e 12.º n.º 1) – sublinhados nossos.
Isto porque, como se diz, entre outros, no Acórdão deste STA de 22 de Abril de 2015 (rec. n.º 192/15) invocando jurisprudência anterior, “a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.”. Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com vista à instalação dos ditos equipamentos, os quais se incluem “no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido n.º 2 do art. 106.º da Lei 5/2004. Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação. É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário. Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência demais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 396). Como sublinha o prof. JOSÉ CASALTA NABAIS, DIREITO FISCAL, 2.ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”. Porém, no caso subjudice estão em causa taxas. Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício – cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt. Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo art. 12.º refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13.º, n.º 4 e 34.º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”. Em suma, conclui-se que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à implantação de infra-estruturas atinentes às redes de comunicação electrónica.
É este julgamento que aqui se reitera, não apenas em cumprimento do dever de contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito - o que seria já razão bastante -, mas convictos do acerto do assim decidido.
De facto, em face do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas parece claro que a Taxa Municipal de Direitos de Passagem não representa a mera remuneração do atravessamento duradouro do domínio público municipal por equipamentos de comunicações electrónicas mas também da sua “implantação” (cfr. os seus números 2 e 5), sendo destituído de base legal, e artificiosa, a desagregação, para efeitos de tributação, da “implantação” vs. “atravessamento” de equipamentos.
Acresce que, se aos municípios fosse permitida essa desagregação, facilmente se poderia subverter a Lei através da multiplicação de encargos sobre uma actividade que aquela quis fomentar, dotando-a de um quadro racional, transparente e uniforme no quadro da União Europeia." (…)»
Atento o teor do acórdão que se reproduziu, ao qual aderimos, e tendo em vista a uniformidade de soluções para casos análogos (cf. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), nenhumas outras considerações se nos afigura necessário acrescentar à fundamentação transcrita, as quais se enquadram cabalmente na situação ora em análise, concluindo-se pela ilegalidade, de carácter abstracto, da liquidação das taxas aqui em causa.
Assim sendo, não pode o Recorrido cobrar a taxa de ocupação do domínio público ora em apreço, dado que o artigo 20.º, n.º 8 da Tabela de Taxas, anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais do Município de (...), que prevê a taxa em causa, viola regras de direito comunitário, nomeadamente o artigo 13.º da Directiva 2002/20/CE; afigurando-se, por esse motivo, ser de indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), solicitado pelo Recorrido, considerada a clareza da questão e por não restarem quaisquer dúvidas de interpretação das directivas comunitárias mencionadas supra.
Procede, por isso, o erro de julgamento imputado à sentença recorrida e, dessa forma, o presente recurso.

Conclusões/Sumário

I -O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
II - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial, daí que, in casu, inexista erro na forma do processo.
III - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais.
IV - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (artigos 186.º e seguintes).
V - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
VI - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Domínio Público sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de rede de comunicações electrónicas.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, extinguindo-se o processo de execução fiscal n.º 7/15.

Custas a cargo do Recorrido, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Abril de 2020

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães