Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00076/21.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADES; TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO;
ACTO DE REPERCUSSÃO; JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
INCONSTITUCIONALIDADES ;
Sumário:
I. A norma constante do artigo 85º, nº.3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01/01/2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores.

II. A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo.

III. A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do artigo 43º, nº.1, da LGT, interpretado em conformidade com o artigo 22º, da Constituição.

IV. No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado artigo 43º, nº.1, da LGT, em consequência, não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios.

V. A norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 não é inconstitucional, não sendo de desaplicar, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, nem por violação do princípio da confiança legitima, da proibição do excesso e da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], SA (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 15.03.2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela [SCom02...], S.A., consistente no acto de repercussão da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) no valor de € 9.517,87, incluído na fatura n.º ...37, emitida em 10 de dezembro de 2019, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
i. O presente Recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou a impugnação judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação da TOS.
ii. O processo de impugnação judicial foi apresentado pela [SCom02...] e tem por objeto o ato de repercussão da TOS no valor de € 9.517,87, incluído na fatura n.º ...37, emitida em 10 de dezembro de 2019, pela [SCom01...], ora RECORRENTE.
iii. Na contestação a RECORRENTE invocou: (i) a exceção dilatória da incompetência material, por considerar que os tribunais tributários não são materialmente competentes para julgar a presente ação, por não estar em causa a tutela de direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de uma relação jurídica administrativa e fiscal, sob pena de violação do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e dos artigos 211.º, número 1 e 212.º, número 3 da CRP; (ii) a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, por considerar que não é parte da relação jurídica tal como a mesma é configurada pela [SCom02...], nem se reconduz a nenhum dos atores aos quais o artigo 9.º do CPPT, reconhece legitimidade para intervir no processo tributário; (iii) a exceção dilatória de erro na forma de processo com base no entendimento de que o ato de repercussão da TOS não constitui um ato suscetível de impugnação judicial nos termos do artigo 97.º do CPPT; (iv) a exceção dilatória da intempestividade da impugnação judicial, por considerar ser inadmissível a renovação da instância nos termos do artigo 87.º, n.º 8 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”) e, consequentemente, inaplicável o benefício do regime de aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância, uma vez que o processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT (deduzida contra o ato de liquidação) e o presente processo de impugnação judicial (deduzido contra o ato de repercussão) não têm o mesmo objeto e, ainda, por considerar que não é possível na subsequente impugnação judicial apresentada na sequência da formação do indeferimento tácito de uma reclamação graciosa incluir no objeto da impugnação um ato distinto daquele que constituía objeto da reclamação graciosa; (v) a legalidade da repercussão da TOS, na medida em que a proibição de repercussão da TOS prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, não tem aplicação imediata, por não ser uma norma exequível por si mesma, tendo ainda invocado a inconstitucionalidade dessa norma quando interpretada no sentido da sua aplicação imediata, por não dispor sobre matéria financeira e orçamental, em violação do disposto nos artigos 105.º, números 1 a 4 e 106.º, número 1 da Constituição e, bem assim, ilegal por violação do número 2, do artigo 41.º da Lei de Enquadramento Orçamental, por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da CRP e, bem assim, do artigo 105.º, n.º 2 da CRP que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato e ainda por violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança na atuação do Estado conforme artigos 2.º, 111.º, 128.º e 266.º, n.º 2, da CRP.(vi) não inconstitucionalidade da repercussão da TOS, na medida em que o valor da TOS não se trata de uma taxa fixada em função dos dias de faturação e de consumo, e, para além disso, a TOS tem a natureza de taxa quando liquidada e cobrada ao sujeito passivo e não pode ver a sua natureza alterada transmutando-se em imposto, por ato posterior e estranho à entidade emitente.
iv. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia.
v. Padece, também, de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, que importam que, a final, seja revogada e substituída por outra que declare improcedente a presente Impugnação. Desde logo, no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125.º do CPPT, a mesma verificasse em virtude de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre questão da inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, que foi invocada pela RECORRENTE na sua contestação, concretamente nos seus artigos 240.º a 246.º, uma vez que na sentença controvertida não se aborda a violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa, e bem assim, do princípio contido no artigo 105.º, n.º 2, da Constituição, que impõe a necessidade de respeito pelas obrigações do Estado resultantes de lei ou contrato, e, por consequência implica uma redução substancial da margem de manobra dos decisores parlamentares, sob pena, aliás, de violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo.
vi. Quanto à nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que há uma contradição lógica entre o fundamento da decisão - que conclui que desde 1 de janeiro de 2017 o encargo da TOS deve ser suportado pela [SCom03...] S.A – e, a decisão, que condena a RECORRENTE ao reembolso do valor correspondente ao encargo da TOS, pelo que a sentença padece de nulidade, cujo declaração se requer ao abrigo da alínea c) do n. º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
vii. Acresce que não foram carreados para o probatório todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito. Para que o Tribunal a quo pudesse decidir cabalmente sobre a exceção dilatória da intempestividade da impugnação judicial, impunha-se que na matéria de facto da sentença recorrida tivesse considerado factos que permitissem aferir, desde logo, o objeto da impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT que está na origem da renovação da instância pretendida pela [SCom02...], o que implicaria, por sua vez, a inclusão de factos referentes ao objeto da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação da TOS, uma vez que a impugnação judicial que deu origem ao indicado processo n.º 933/20.8BEPRT foi apresentada na sequência da decisão de indeferimento tácito desta reclamação, impondo-se, também., que na factualidade assente da sentença recorrida fosse incluída informação sobre a data limite do pagamento voluntário da TOS, por forma a aferir-se da tempestividade da impugnação à luz do artigo 102.º do CPPT.
viii. Para além disso tendo a RECORRENTE invocado na contestação a questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido da sua aplicação imediata, por se considerar que a mesma colidia com as obrigações anteriores decorrentes dos contratos de concessão de gás, concretamente, com o direito de repercussão da TOS sobre os consumidores finais, em flagrante violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da CRP e do artigo 105.º, n.º 2 da CRP que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato e, bem assim, do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança na atuação do Estado conforme artigos 2.º, 111.º, 128.º e 266.º, n.º 2, da CRP , impunha-se que na factualidade dada como provada o Tribunal a quo tivesse considerado que a repercussão da TOS emerge dos contratos de concessão de gás, celebrados entre o Estado e os operadores das redes de distribuição de gás e que se considerasse que a RECORRENTE é uma entidade comercializadora de gás natural.
ix. Acresce que, para a análise das exceções do erro na forma do processo e de ilegitimidade e para a análise da entidade obrigada a suportar a TOS era necessário que fosse fixado nos factos que a RECORRENTE é uma entidade comercializadora de gás natural e que a [SCom03...] S.A. é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ...
x. Face à factualidade alegada e à prova produzida deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades [SCom04...], S.A.; [SCom05...], S. A.; [SCom06...], S.A.; [SCom07...], S.A.; [SCom08...], S.A. e [SCom09...], S.A., que em 2016 alterou a sua designação para [SCom10...], S.A. e desde outubro de 2017 opera, sob a designação social de [SCom03...], S.A. (cf. Documento n.º 1 da contestação)
b) A [SCom03...] S.A. (anteriormente designada de [SCom10...], S.A.) é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ... (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 03 de abril, junto como Documento n.º 1 da contestação e artigo 3.º da petição inicial).
c) A [SCom01...] entidade comercializadora de gás natural, encontra-se registada junto da ERSE (Entidade Reguladora do Sector Energético - cf., Documento n.º 1 junto com a petição inicial e documento n.º 2 e 3 juntos com a contestação).
d) As operadoras das redes de distribuição de gás, concessionárias nos contratos de concessão relativos à distribuição de gás celebrados com o Estado, têm o direito de repercutir sobre os consumidores finais o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão, de acordo com os critérios a definidos pela ERSE (cf. ponto n.º 8 e 9 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril e cláusula 7.ª n.º 2 de cada uma das minutas de concessão – junta como documento n.º 1 da contestação, ponto 1.3 do Manual de Procedimentos para a Repercussão das Taxas de Ocupação do Subsolo, aprovado pela Diretiva n.º 12/2014, de 14 de julho, da ERSE e artigo 53.º do Regulamento n.º 416/2016, relativo à aprovação do Regulamento de relações comerciais do setor do gás natural).
e) A fatura n.º ...79, emitida em 10 de dezembro de 2019 pela [SCom01...], através da qual é exigido à [SCom02...] o pagamento da TOS no valor de € 9.517,87, tem como data limite de pagamento o dia 09.01.2020 (cf. documento n.º 1 da petição de impugnação).
f) A [SCom02...] não concordando com a TOS incluída na sua fatura de fornecimento de gás, dirigiu ao EXMO. SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL ..., em 8 de janeiro de 2020, reclamação graciosa contra o ato de liquidação da TOS, relativa ao mês de novembro de 2019 e à fatura n.º ...79, de 10 de dezembro de 2019, junto da CÂMARA MUNICIPAL ..., ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (cf. documento n.º 3 da petição de impugnação).
g) Nessa reclamação graciosa a [SCom02...] peticiona a “declaração de nulidade ou, sem conceder e no limite, a revogação do ato de liquidação da taxa de ocupação do subsolo referente ao mês de novembro de 2019” por considerar que “[o] ato de liquidação da taxa municipal de ocupação do subsolo ora reclamado, constante da fatura ...79:
a) É inválido por ter sido praticado sem base legal, contrariando expressamente o disposto no:
d. artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro;
e. artigo 4.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro; e no
f. artigo 9.º, nº 2, da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro.
b) É nulo por violação do disposto no artigo 4º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de novembro.
(cf. documento n.º 3 da petição de impugnação).
h) Em 24 de abril de 2020, a [SCom02...] deduziu impugnação judicial na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a qual correu os seus trâmites sob o n.º 933/20.8 BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cf. documentos n.ºs. 4-A e 5 da petição de impugnação).
i) Do comprovativo de entrega da petição inicial que dá origem ao processo n.º 933/20.8BEPRT, emitido pelo SITAF, resulta que a mesma tem por objeto o “Indeferimento total ou parcial das reclamações graciosa dos atos tributários” (cf. documento n.º 4-A da petição de impugnação).
j) Na indicada petição de impugnação é peticionada a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa e a anulação da repercussão incluída na fatura n.º fatura n.º ...79, sendo o pedido formulado nos seguintes termos:
Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exa. Mui doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. que declare a ilegalidade do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa supra identificada e, bem assim:
(I) Anule a repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...79 por violação do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso; ou Subsidiariamente e caso assim não se considere:
(II) Deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da repercussão da TOS por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.os 2 e 3, da CRP, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.” (cf. documento n.º 4-A da petição de impugnação).
k) O processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, culminou com a prolação de uma sentença na qual o Tribunal considera que o ato de repercussão da TOS não é imputável ao Município ... e, por isso, conclui que “(…) o Município ... carece de legitimidade processual passiva para ser demandado (…) [julgando] verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Impugnado, e em conformidade [absolveu] o Município ... da instância” (cf. Doc. 5, junto com a petição inicial).
l) No dia 8 de janeiro de 2021, na sequência da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, a [SCom02...] apresentou nova petição inicial, que deu origem à presente impugnação judicial e, tem por objeto “(…) a repercussão ilegal da TOS à IMPUGNANTE (…)” (cf. artigo 1.º da petição inicial).
xi. No caso em apreço, como vimos, o Tribunal a quo não fixou a matéria factual relevante/essencial para a análise das questões jurídicas colocadas pelas partes, pelo que, em face do exposto e atenta a prova produzida nos autos, supra identificada, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada aditando aos factos julgados provados os factos supra identificados.
xii. Acresce que a sentença recorrida enferma também de erro de julgamento quanto à matéria de Direito.
xiii. Relativamente à exceção da ilegitimidade passiva, a apreciação do Tribunal a quo, que considera a RECORRENTE parte legítima, assentou numa errada interpretação do disposto no artigo 9.º do CPPT, que é a norma que fixa a legitimidade para intervir nos procedimentos e nos processos judiciais tributários (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 14.10.2020, no processo n.º 0506/17.2BEALM, disponível em www.dgsi.pt ).
xiv. De acordo com o artigo 9.º do CPPT têm legitimidade no processo tributário: (i) a administração tributária; (ii) os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido e (iii) o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.
xv. Sendo a RECORRENTE uma sociedade comercial de direito privado, sem quaisquer poderes para cobrar receitas tributárias que não surge, também, na qualidade de contribuinte, não integra quaisquer das previsões da norma.
xvi. É o operador das redes de distribuição de gás que, enquanto sujeito passivo da TOS tem direito a repercutir sobre os consumidores finais o valor da TOS que lhes é cobrado pelos municípios (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e cláusula 7.ª das minutas dos contratos de concessão e artigo 53.º, n.º 2 do Regulamento n.º 416/2016, relativo à aprovação do Regulamento de relações comerciais do setor do gás natural)
xvii. Do Ponto 1.3 do Manual de Procedimentos para a Repercussão das TOS, aprovado pela Diretiva n.º 12/2014, de 14 de julho, da ERSE, resulta que a metodologia de cálculo para a repercussão das TOS, aprovadas por cada Município, se aplica “aos montantes pagos pelos Operadores da Rede de Distribuição aos Municípios, que são transferidos, através dos comercializadores de gás natural, para os consumidores de gás natural localizados no território municipal onde estas taxas vigoram”.
xviii. Atendendo a que a RECORRENTE se limita a transferir o montante da taxa pago pelo operador das redes de distribuição, não se reconduz a quaisquer dos atores aos quais o artigo 9.º do Código do Procedimento Tributário reconhece legitimidade para intervir no processo tributário, e atendendo a que no quadro do regime jurídico em apreço não é nem sujeito passivo nem a entidade que deve suportar o encargo económico da taxa em apreciação (e, portanto não é a entidade que deve reembolsar o valor repercutido), a RECORRENTE é, em qualquer caso parte ilegítima no presente processo.
xix. Refira-se, ainda, que a posição adotada pelo Tribunal a quo de que no processo de impugnação judicial a determinação da legitimidade processual deverá ser efetuada através do recurso aos critérios previstos no artigo 30.º do CPC, é oposta à posição já assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 14.10.2020, proferido no processo n.º 0506/17.2BEALM, em que analisou a legitimidade processual passiva de uma entidade pública – o município (cf. disponível em www.dgsi.pt ).
xx. Para o Supremo Tribunal Administrativo os critérios de determinação da legitimidade processual contidos no artigo 30.º da CPC, “(…) não são adaptáveis aos processos de impugnação que se reconduzam a um pedido de anulação ou de declaração de nulidade de nulidade de um ato. Seja porque os processos impugnatórios não têm tipicamente, por objeto mediato uma relação material que se converta no processo, mas a legalidade do próprio ato” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 14.10.2020, no âmbito do processo n.º 0506/17.2BEALM, disponível em www.dgsi.pt ).
xxi. Assim, após afastar a aplicabilidade do artigo 30.º do CPC, o Supremo Tribunal Administrativo recorre ao artigo 10.º, n.º 2 do CPTA por estar em causa uma entidade pública – o município.
xxii. No presente processo de impugnação judicial não se pode recorrer ao critério fixado, o n.º 2 do artigo 10.º do CPTA trata-se de uma norma que regula a legitimidade processual passiva das entidades públicas, como decorre expressamente do seu teor e, por isso, não deverá ser transponível para o caso concreto, na medida em que a RECORRENTE é uma sociedade comercial de direito privado, que não atua no exercício de poderes públicos.
xxiii. Mesmo que se considerasse, o que por mera cautela de patrocínio se admite, que por via da aplicação do critério constante do n.º 2 do artigo 10.º do CPTA, tem legitimidade processual passiva a entidade a quem seja imputável o ato impugnado, importa ter presente, como já aflorado, que ao abrigo do regime aplicável, nomeadamente em função do determinado nas minutas contratuais aprovadas em Conselho de Ministros e nos regulamentos e manuais da entidade reguladora – a ERSE-, a repercussão constitui um direito dos operadores das redes de distribuição de gás, limitando-se os comercializadores, através das suas faturas, a transferir o valor da TOS para os consumidores finais.
xxiv. Caso fosse determinada a ilegalidade dessa repercussão – o que por mera cautela de patrocínio se admite – são estes operadores que veem negado um direito que lhes foi reconhecido nos contratos que celebraram enquanto concessionários das redes de distribuição, direito este posteriormente regulado nos Regulamentos e Manuais da ERSE, logo será a [SCom03...], S.A que terá que promover o reembolso daqueles valores e, por consequência, é, como também já avançado, a entidade que tem interesse em contradizer.
xxv. Em face do exposto, a sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito quando considera que a RECORRENTE é parte legitima no presente processo de impugnação judicial, o que deverá determinar a sua revogação, com base nos fundamentos supra expostos.
xxvi. No que respeita à exceção dilatória de erro na forma do processo, a RECORRENTE entende que a apreciação do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação das normas jurídicas relativas ao objeto do processo de impugnação judicial, quando conclui que a repercussão da TOS é suscetível de impugnação através do processo de impugnação judicial.
xxvii. Resulta do artigo 97.º do CPPT que o processo de impugnação judicial é o meio processual próprio para impugnar o ato de liquidação ou um ato em matéria tributária que comporte a apreciação da legalidade do ato de liquidação, podendo, ainda, ser utilizado para impugnar outros tipos de atos desde que para fazer referência ao meio processual a utilizar, a lei use o termo de impugnação.
xxviii. No artigo 97.º do CPPT, nem em outra qualquer norma do ordenamento jurídico tributário, não é feita qualquer referência à possibilidade de impugnação da ilegalidade do ato de repercussão do tributo.
xxix. Em virtude das características próprias do regime em apreciação, o ato de liquidação da TOS e a repercussão são atos independentes, na medida em que a repercussão não resulta do regulamento municipal que instituiu a TOS, são emitidos por diferentes entidades, em momentos dissociados no tempo. xxx. Sobre a Taxa de Ocupação do Subsolo tem sido emitida diversa jurisprudência em que se analisa a legitimidade passiva dos Municípios e as decisões proferidas têm por pressuposto, precisamente, que o ato de liquidação e o ato de repercussão são atos distintos (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020 e de 28.10.2020, proferidos nos processos n.º 506/17.2BEALM e 581/17.0BEALM, respetivamente, disponíveis em www.dgsi.pt ).
xxxi. Sendo dois atos distintos, o ato de repercussão não integra o ato de liquidação, nem sequer pode ser considerado um elemento da TOS.
xxxii. Também não se poderá considerar que da alínea a), do n.º 4, do artigo 18.º da LGT, contrariamente ao que é sustentado na sentença recorrida, resulta a possibilidade de deduzir impugnação judicial contra o ato de repercussão, na medida em que o Supremo Tribunal Administrativo já veio entender que esta disposição protege o interesse do repercutido para impugnar a liquidação e não para impugnar a repercussão (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020 e de 28.10.2020, proferidos nos processos n.º 506/17.2BEALM e 581/17.0BEALM, respetivamente, disponíveis em www.dgsi.pt )
xxxiii. Não constituindo o ato de repercussão da TOS um ato suscetível de impugnação judicial nos termos do artigo 97.º do CPPT, nem por via do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, a sentença recorrida que julgou improcedente a exceção dilatória de erro na forma de processo não poderá manter-se na ordem jurídica por padecer de erro de julgamento quanto à matéria de direito, concretamente por violação do disposto no artigo 97.º do CPPT e do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, devendo, em consequência ser anulada.
xxxiv. Relativamente à exceção da intempestividade da impugnação judicial, entende o Tribunal a quo que a mesma não se verifica por considerar que a RECORRIDA poderia beneficiar do mecanismo da renovação da instância previsto no artigo 87.º, n.º 8 do CPTA, por entender que o processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT e a presente impugnação têm o mesmo objeto.
xxxv. A petição inicial dos presentes foi apresentada na sequência da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no processo n.º 933/20.8BEPRT, e na sua apresentação a IMPUGNANTE pretende beneficiar do regime de renovação da instância estabelecido no artigo 87.º, n.º 8 do CPTA e, concomitantemente, do prazo de apresentação da petição inicial do referido processo n.º 933/20.8BEPRT.
xxxvi. No caso em apreço, admitindo-se que a exceção de ilegitimidade passiva é suscetível de suprimento, através da apresentação de nova petição, para que ocorra a renovação da instância e o aproveitamento do prazo da apresentação da primeira petição, prevista no n.º 8 do artigo 87.º CPTA, é necessário que a nova petição tenha o mesmo objeto da primeira (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 18.05.2017, no processo n.º 298/16.2BELLE e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 13.03.2019, no âmbito do processo n.º 0215/17.2BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
xxxvii. Para se compreender o objeto da impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, torna-se necessário recuar até à reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação da TOS e perceber-se o que foi peticionado na mesma, uma vez que nesta impugnação judicial é pedida a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito daquela reclamação graciosa.
xxxviii. Na reclamação foi invocada da invalidade do ato de liquidação da TOS, por ter sido praticado sem base legal, contrariando expressamente o disposto no artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, no artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, e no artigo 4.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, e por violar princípio da equivalência jurídica (valor cobrado ser desproporcional ao custo da atividade pública do município), invocando-se ainda a nulidade deste ato de liquidação por violação do disposto no artigo 4.º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de novembro, tendo a IMPUGNANTE peticionado a declaração de nulidade ou, sem conceder, a revogação do ato de liquidação da TOS (cf. Documento n.º 3 da petição inicial).
xxxix. Já no processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, peticionou-se a declaração da ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa, e adicionalmente, a [SCom02...] peticionou, também, a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...79, por violação do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento de Estado de 2017, aprovada pela Lei n.º 42/2016, de 28.12 e, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS.
xl. O processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, teve como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e como objeto mediato o ato de liquidação da TOS, relativamente ao qual foi apresentada a reclamação graciosa.
xli. Na presente impugnação judicial apenas é peticionada a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...79, por violação do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento de Estado de 2017, aprovada pela Lei n.º 42/2016, de 28.12 e, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS, facilmente se conclui que a mesma somente tem por objeto o ato de repercussão da TOS, subjacente à fatura n.º ...79, emitida pela [SCom01...].
xlii. É evidente que o processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT e a presente impugnação judicial não têm o mesmo objeto.
xliii. Decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que “[s]e a nova ação tiver por objeto um novo ato, impugnável, estaremos face a uma nova ação, caso em que não se tratará de renovação da instância e não pode o autor beneficiar do regime de aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 13.03.2019, no âmbito do processo n.º 0215/17.2BEPRT disponível em www.dgsi.pt).
xliv. Face ao exposto, não deverá ser admitida a renovação da instância, nos termos do artigo 87.º, n.º 8 do CPTA, não podendo, em consequência a IMPUGNANTE beneficiar do regime de aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância.
xlv. No presente processo de impugnação judicial a RECORRIDA indica como objeto o ato de repercussão da TOS e não o ato de liquidação da TOS contra o qual foi deduzida a reclamação graciosa, cuja formação da presunção de indeferimento tácito, permitiu a abertura judicial do processo 933/20.8BERPT, cuja instância se pretende renovar com a instauração da presente impugnação judicial.
xlvi. O objeto da reclamação graciosa que abriu a via judicial não é o mesmo que o objeto da subsequente impugnação judicial, pelo que não se pode admitir que para efeitos de tempestividade sejam aproveitados os efeitos da reclamação graciosa.
xlvii. Não é possível na subsequente impugnação judicial apresentada na sequência da formação do indeferimento tácito de uma reclamação graciosa incluir no objeto da impugnação um ato distinto daquele que constituía objeto da reclamação graciosa.
xlviii. Pelo que, a sentença recorrida que entendeu que o processo n.º 933/20.8BEPRT e a presente impugnação têm o mesmo objeto e, por isso, considerou admissível a renovação da instância, não poderá manter-se na ordem jurídica por padecer de erro de julgamento quanto à matéria de direito, concretamente por violação do disposto no referido artigo 87.º, n.º 8 do CPTA devendo, em consequência ser revogada.
xlix. Do artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, decorre que o prazo de impugnação é de 3 meses contados do termo do prazo para pagamento voluntário.
1. No caso dos autos, foi através da fatura n.º ...79, emitida em 10 de dezembro de 2019 pela [SCom01...], que se exigiu à IMPUGNANTE o pagamento da TOS no valor de € 9.517,87, tendo na mesma sido indicado como data limite de pagamento o dia 9 de janeiro de 2020.
li. Atendendo a que na data da apresentação da presente impugnação judicial – 8 de janeiro de 2021 - o referido prazo de 3 meses, contado da data limite de pagamento da fatura, já se encontrava esgotado, é por demais evidente que a mesma se afigura extemporânea.
lii. Face ao exposto, a sentença recorrida que julgou a presente ação tempestiva deverá ser revogada.
liii. No que respeita à legalidade da repercussão da TOS, entende a RECORRENTE que a apreciação do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação das normas jurídicas referentes ao quadro legal da repercussão TOS, designadamente do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 e do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março, que estabeleceu as normas de execução do OE para 2017, por concluir que a proibição da repercussão da TOS sobre os consumidores finais prevista no artigo 85.º, n.º 3 da Lei do OE para 2017 é imediatamente aplicável.
liv. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos novos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural, os quais preveem que as concessionárias de distribuição de gás natural têm o direito de repercutir, para os consumidores finais, “(…) o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão”, competindo à ERSE definir a metodologia da repercussão sobre os consumidores das TOS aprovadas pelos municípios (cf. Ponto 8 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 de 3 de abril e cláusula 7.ª das minutas dos contratos de concessão).
lv. Nos termos da regulamentação estabelecida pela ERSE, as TOS são repercutidas sobre os consumidores de gás natural dos municípios que as criaram e cobraram, sendo o valor identificado expressamente, de forma autónoma, na fatura do consumidor (cf. Regulamentos tarifários do setor do gás natural, tendo o último sido aprovado em 2021 e o Manual de Procedimentos de Repercussão das Taxas de Ocupação do Subsolo, aprovado pela Diretiva n.º 12/2014, de 14 de julho).
lvi. A Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, veio iniciar um processo de alteração do regime da Taxa de Ocupação do Subsolo e da Taxa de Direitos de Passagem assente na comunicação do cadastro das redes das empresas operadoras de infraestruturas no território dos diferentes municípios e não, como é sustentado na sentença recorrida implementar de forma imediata a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais.
lvii. A obrigação de comunicação prevista na Lei do OE para 2017, tinha desde logo como objetivo permitir que as entidades reguladoras setoriais pudessem analisar a informação recolhida e avaliar as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras das infraestruturas da introdução do princípio orientador de que a TOS seria paga pelas empresas operadoras de infraestruturas e deixaria de poder ser refletida na fatura dos consumidores, fixado no artigo 85.º, n.º 3 da Lei do OE para 2017.
lviii. O Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março, que estabeleceu as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2017, veio nos nºs 1 a 3 do seu artigo 70.º concretizar os termos desta obrigação de comunicação e no seu n.º 5 estabelecer que tendo em conta a avaliação feita pelas entidades reguladoras sectoriais “(…) o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores
lix. O artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental regula quer a comunicação do cadastro das redes, como a avaliação a realizar pelas entidades reguladoras setoriais das consequências no equilíbrio económicofinanceiro das empresas operadoras de infraestruturas e, a subsequente alteração do quadro legal a ser promovida pelo Governo.
lx. A integração sistemática do n.º 3 do artigo 85.º da LOE demonstra, só por si, que esta norma não é imediatamente operativa, isto é, que a diretiva nela contida não é suscetível de ser concretizada no plano dos factos pela mera entrada em vigor da lei em que se insere (cf. artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil).
lxi. Na medida em que se limitam a clarificar o caráter não exequível do n.º 3 do indicado artigo 85.º– o qual, como se viu, já resultava da interpretação deste preceito – as disposições do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017 assumemse como normas interpretativas.
lxii. Enferma, assim, de manifesto erro sobre os pressuposto de direito a conclusão da sentença recorrida de que a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, a partir de 1 de janeiro de 2017, quando resulta, claro, da interpretação conjugada do artigo 85.º da Lei do OE com o artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental que a alteração do quadro legal, nomeadamente, em matéria de taxas, seria ainda promovido pelo Governo, após levantamento do cadastro das redes e avaliação do impacto da medida pelas entidades reguladoras setoriais, o que ainda não se verificou.
lxiii. Toda a atuação da ERSE vai no sentido de que, enquanto não ocorrer a alteração do quadro legal da TOS, a repercussão da mesma nos consumidores finais é admissível.
lxiv. Mas mais o n.º 3 do artigo 85.º da Lei do EO para 2017 não dispõe sobre matéria de natureza financeira ou orçamental, pelo que é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 105.º, n.ºs 1 a 4 e 106.º, n.º 1 da CRP e, bem assim, ilegal por violação do n.º 2, do artigo 41.º da Lei de Enquadramento Orçamental.
lxv. Tendo o n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março sido aprovado e publicado após a da Lei do Orçamento do Estado para 2017 há que aplicar-se o princípio que lei posterior prevalece sobre lei anterior, projetando sobre a primeira os seus efeitos jurídicos.
lxvi. É ainda de salientar que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 nunca poderia ser imediatamente operativa por não reunir as condições necessárias para projetar os seus efeitos na realidade pois a “desregulação pura e simples da TOS através da proibição expressa dos mecanismos da repercussão directa e indirecta do seu valor sobre os utentes, como até aqui estava legal e contratualmente estipulado, teria não apenas efeitos fácticos desastrosos, pelo que não pode ser esse o sentido a atribuir à norma enquanto produto de um legislador razoável – ou relativamente ao qual, pelo menos, se deve presumir que actua segundo os parâmetros da razoabilidade (adequação global das decisões que toma) – o que equivale a dizer que não pode um intérprete que utilize correctamente os cânones metodológicos concluir que aquele preceito é imediatamente operativo, como ainda afrontaria directamente a regulação contratual, que, neste tipo de contratos-regulatórios consubstancia um nível equiparável ao da normação paralegal” (destacado nosso - cf. https://www.erse.pt/media/uyndiklu/temas-de-energia-tos.pdf – Documento n.º 4 da contestação).
lxvii. Mas mais resulta do disposto no n.º 2 do artigo 105.º da CRP que o Orçamento é elaborado “de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato”, esta disposição é um verdadeiro corolário do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP.
lxviii. A natureza da imposição decorrente do n.º 3, do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, proposta pelo próprio Governo, não podia deixar de ficar dependente de normas de execução que garantissem o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas, que por contrato com o Estado tinham garantido o direito à repercussão.
lxix. Se a norma do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017, fosse exequível por si mesma, consubstanciaria uma violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração (artigos 2.º, 111.º e 128.º, da Constituição).
lxx. A aplicabilidade imediata daquela norma seria, ademais, uma violação da tutela da confiança na atuação do Estado (artigos 2.º e 266.º, n.º 2, da CRP).
lxxi. A interpretação preconizada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, de que o n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 é imediatamente exequível sem qualquer preocupação de respeito pelas obrigações anteriormente assumidas pelo Estado e sem que o equilíbrio económico-financeiro das operações fosse garantido, significa que aquela disposição legal está em flagrante violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa, violação do princípio contido no artigo 105.º, n.º 2, da Constituição, e, bem assim, em violação estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança na atuação do Estado (artigos 2.º, 111.º, 128.º e 266.º, n.º 2, da CRP), o que se invoca.
lxxii. Ora, resulta uma interpretação muito mais razoável e conforme à Constituição que o legislador, consciente do impacto das alterações que visava introduzir, tivesse em sede de Decreto-Lei de Execução Orçamental regulado os vários passos necessários para que o princípio da não repercussão pudesse ser aplicado, sem pôr em causa as obrigações assumidas pelo Estado nos contratos celebrados com as titulares das infraestruturas.
lxiii. Foi neste contexto que, em maio de 2018, a ERSE efetuou a sua análise sobre a TOS e concluiu que “[a] não repercussão das TOS nas faturas dos clientes poderá levar, a médio prazo, ao desequilíbrio económico-financeiro de vários ORD [Operadores de Redes de Distribuição]” (cf. Estudo da ERSE sobre a TOS, de maio 2018, pág. 39, disponível em https://www.erse.pt/media/fcqdd1wh/estudo-tos_maio2018.pdf Documento n.º 5 da contestação).
lxxiv. Não tendo o Governo procedido à alteração do quadro legal referente à TOS, em matéria de repercussão, os Regulamentos Tarifários do Sector do Gás, aprovados pela ERSE continuam a prever a “estrutura geral das taxas de ocupação do subsolo” e o “valor integral das taxas de ocupação do subsolo a repercutir nos consumidores dos Municípios” e, bem assim, a determinar que “a informação a fornecer à ERSE pelos operadores da rede de distribuição de gás, pelos Comercializadores e pelos Comercializadores de último recurso retalhistas é definida de acordo com as disposições do Manual de Procedimentos para a repercussão de taxas de ocupação do subsolo” (cf. Regulamentos n.º 415/2016, de 29.04, n.º 225/2018, de 16.04, n.º 361/2019, de 23.04 e n.º 368/2021, de 2021).
lxxv. Na Lei do Orçamento do Estado para 2019, aprovada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro foi determinado que “O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores., especificando-se que, “A alteração legislativa prevista no número anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP(menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação.” (cf. números 1 e 2, do artigo 246.º da Lei n.º 71/2018 de 31 de dezembro).
lxxvi. Já na Lei do Orçamento do Estado de 2021, aprovada pela Lei n.º 75-B/2021, determinou-se que “A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores” acrescentando-se que, “[n]o primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º 1”, ou seja, enquanto não ocorrer a alteração do quadro legislativo, a TOS pode ser cobrada consumidores (cf. números 1 e 2 do artigo 133.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).
lxxvii. Em 11 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 6, o Despacho n.º 315/2021 dos Gabinetes do Ministro de Estado e das Finanças, da Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, que determina a constituição de um grupo de trabalho com o objetivo de alterar o quadro legal da taxa municipal de ocupação do subsolo atualmente em vigor, por forma a pôr fim à repercussão da TOS na fatura dos consumidores. O mandato deste grupo de trabalho foi prorrogado pelo Despacho n.º 5983/2021, de 1 de junho, dos Gabinetes do Ministro de Estado e das Finanças, da Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 117, de 18 de junho de 2021.
lxxviii. De acordo com a posição assumida pelo Tribunal a quo a repercussão da TOS está proibida desde a entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3 da Lei do OE para 2017.
lxxix. Ora, se assim é, não se compreende por que motivo o legislador através do artigo 133.º, n.º 1 da Lei do Orçamento do Estado para 2021, viria ainda proibir a repercussão da TOS.
lxxx. Pois, se essa proibição de repercussão já existisse, não seria necessário ao legislador determinar novamente essa proibição, com a ressalva de que apenas se concretizará após as alterações legislativas que serão promovidas pelo Governo. Mas, mais, o legislador não teria previsto no Regime do cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor, aprovado pela Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, a obrigação de fazer constar da fatura periódica de gás natural as “Taxas discriminadas, incluindo a taxa de ocupação do subsolo repercutida nos clientes de gás natural, bem como o município a que se destina e o ano a que a mesma diz respeito” (cf. artigo 9.º, número 1, alínea h) da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro).
lxxxi. Caso a repercussão estivesse efetivamente proibida a partir de 1 de janeiro de 2017, o legislador não consagraria, mais de dois anos depois, a obrigação dos comercializadores de gás natural identificarem na fatura o valor da taxa de ocupação do subsolo repercutida nos clientes de gás natural.
lxxxii. Face ao exposto, é por demais evidente que, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, o n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 não é imediatamente aplicável, pelo que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por decisão que em conformidade com o supra exposto que determine a manutenção da repercussão da TOS, incluída na fatura n.º ...79.
lxxxiii. A sentença recorrida padece ainda de erro de julgamento ao condenar a RECORRENTE ao reembolso do montante repercutido, com fundamento no disposto no n.º 3, do artigo 85.º da Lei em apreciação, quando esta disposição determina que as taxas “de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas”, quando a ora RECORRENTE não é uma empresa de infraestruturas, mas antes a entidade comercializadora de gás natural, que se limita a transferir, via as faturas que emite ao consumidor final, o valor repercutido pela operadora de infraestruturas, ou seja, pela [SCom03...] S.A., entidade que em conformidade com o decidido na sentença recorrida deve suportar o encargo da TOS.
lxxxiv. O que significa que a condenação da [SCom01...] no reembolso do valor correspondente à taxa resulta sempre numa violação do disposto no n.º 3, do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado de 2017, pelo que a sentença recorrida enferma em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que deverão, sem prejuízo do demais exposto, determinar, por si só, a revogação da sentença recorrida.
lxxxv. Em suma, a Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, por condenação em objeto diverso do pedido, tendo, também incorrido em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, devendo, portanto, ser revogada e substituída por outra que julgue verificadas as exceções dilatórias invocadas pelo RECORRENTE e considere totalmente improcedente a impugnação deduzida pela RECORRIDA.
lxxxvi. Relativamente à condenação da RECORRENTE no pagamento de juros indemnizatórios, considera a RECORRENTE que a apreciação do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação do disposto no artigo 43.º da LGT, do qual decorre que o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à Autoridade Tributária.
lxxxvii. Face a esta norma, a jurisprudência tem entendido que compete ao lesado fazer a prova, no âmbito desses meios de reação, da culpa do autor da lesão (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.11.2017, proferido no âmbito do Processo n.º 1388/15.4BELRS, disponível em www.dgsi.pt ).
lxxxviii. Nesse sentido, impunha-se que a RECORRIDA, enquanto lesada, tivesse formulado e demonstrado um juízo de censura à atuação (a título de dolo ou negligência) da RECORRENTE, o que não foi feito.
lxxxix. No caso em apreço, face ao quadro legislativo que se descreveu e à circunstância de a ERSE continuar a determinar a repercussão da TOS sobre os consumidores finais na sua regulamentação aprovada depois da entrada em vigor da Lei do OE para 2017 e para 2021, e à circunstância do Regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor, aprovado pela Lei n.º 5/2019, obrigar à menção da TOS repercutida nos consumidores finais na fatura de gás natural emitida pelos comercializadores , é por demais evidente que a atuação da RECORRENTE que se conformou com as determinações emitidas pela entidade reguladora do setor energético não poderá merecer qualquer censura que justifique a sua condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
xc. Em face do exposto, a sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito quando condena a RECORRENTE no pagamento de juros indemnizatórios, o que deverá determinar a sua revogação, com base nos fundamentos supra expostos.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DETERMINE A PROCEDÊNCIA DAS EXCEÇÕES DILATÓRIAS INVOCADAS PELO RECORRENTE E JULGUE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TOTALMENTE IMPROCEDENTE.».
1.2. A Recorrida ([SCom02...], SA), notificada da apresentação do presente recurso, contra alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
E. Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a circunstância de o Tribunal a quo não ter apreciado da inconstitucionalidade do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 quando interpretado no sentido de ser imediatamente exequível, não constitui causa de nulidade da sentença com o fundamento alegado.
F. Repare-se que o Tribunal a quo decidiu do mérito, tendo interpretado a norma acima referida em sentido oposto ao da Recorrente. A circunstância de o Tribunal não ter julgado tal como a Recorrente pretendia não constitui uma omissão de pronúncia.
G. Salienta-se que o Tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, porém, não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as suas posições.
H. Neste sentido, tem-se pronunciado a jurisprudência dos tribunais comuns, nomeadamente, no Tribunal da Relação de Lisboa: “[a] sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3, de 8 de maio de 2019).
I. Nem se compreenderia que sempre que o Tribunal decidisse em sentido contrário a uma das partes estaria a furtar-se ao seu dever de decidir.
J. A Recorrente invoca, ainda, a nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC nos casos: (i) de oposição entre os fundamentos e a decisão; ou (ii) quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
K. Ao contrário do sustentado pela Recorrente nas suas alegações, a condenação da Recorrente na devolução do montante correspondente à taxa alicerça-se no entendimento de que a TOS não pode ser repercutida no consumidor final à luz da lei que, in casu, é a Recorrida.
L. Nesse sentido, a Recorrente cobrou e arrecadou indevidamente a taxa à Recorrida, pelo que terá de ser aquela a responsável pelo respetivo reembolso, independentemente, de quem deva legalmente suportar o encargo económico da TOS o que estava fora do objeto da ação.
M. Adicionalmente, a Recorrente alega que “o Tribunal a quo não fixou a matéria factual relevante/essencial para a análise das questões jurídicas colocadas pelas partes, pelo que, em face do exposto e atenta a prova produzida nos autos, supra identificada, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada aditando aos factos julgados provados os factos supra identificados.” (cfr. Conclusão xi. das Alegações de Recurso).
N. Mais uma vez, a Recorrida discorda da Recorrente já que o Juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria invocada pelas partes. O Juiz tem, isso sim, o dever de selecionar tão-só a matéria de facto que interessa para a decisão, atendendo, naturalmente, à causa de pedir que fundamenta o pedido da Impugnante/Autora.
O. O Tribunal assenta a sua decisão nas provas produzidas segundo o princípio da livre apreciação da prova, formando a sua convicção a partir da análise e avaliação das provas que são carreadas para os autos.
P. Pelo que se afigura que não é de acolher a posição defendida pela Recorrente no sentido de que existem factos com relevo para a decisão da causa que não foram objeto de apreciação, posto que o objeto da presente ação não se centra no facto de a Recorrente atuar enquanto comercializadora ou operadora, mas sim enquanto entidade que repercutiu e cobrou indevidamente a TOS à Recorrida.
Q. No caso dos autos foi suscitada a exceção da ilegitimidade passiva que o Tribunal a quo julgou, segundo a Recorrente, erradamente improcedente. No essencial, a Recorrente sustenta que nos termos do artigo 9.º do CPPT, a Impugnada não tem legitimidade para intervir nos processos tributários dado que não integra a Administração Tributária nem atua na qualidade de contribuinte, de substituto ou responsável tributário, acrescentando que não é nem sujeito ativo nem sujeito passivo nos termos do artigo 18.º da LGT.
R. O que está em discussão nos presentes autos é um elemento de uma taxa municipal – a TOS – cuja relação tributária tem como sujeito ativo o Município e como sujeito passivo a concessionária, tendo a taxa sido ilegalmente repercutida no consumidor final – a [SCom02...] – pela comercializadora, ora Recorrente.
S. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do CPTA e do artigo 30.º do CPC, da procedência da presente ação pode resultar um prejuízo para a [SCom01...], S.A., que advém do reembolso do tributo indevidamente repercutido e que justifica, ademais, a sua legitimidade processual passiva.
T. Sem prejuízo de a situação em análise traduzir alguma singularidade – já que está em causa a legalidade de um tributo que é notificado à Recorrida (entidade privada), pelo comercializador de gás natural, outra entidade privada –, esta decorre inteiramente das opções legislativas nas quais as partes não intervêm.
U. Referem a este respeito JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO que a “(…) legitimidade é, no campo do direito material, um conceito de relação – relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico.”, acrescentando os referidos autores que “(…) esta titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica (…)” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 51-52).
V. Ora, da aplicação do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017, decorre inequivocamente que a TOS não pode ser repercutida no consumidor final que, in casu, é a Impugnante, ora Recorrida.
W. Pelo que é de meridiana clareza que a Recorrente é parte legítima no presente processo. Aliás, essa é a consequência natural de o STA ter decidido (contra aquilo que sustentava a impugnante do processo n.º 506/17.2BEALM, que se insere no mesmo grupo económico que a Recorrida) que o Município – aquele que lança o tributo – não é parte legítima. Se quem lança o tributo não é parte legítima então só resta como possível parte legítima quem o cobrou à Recorrida.
X. Conclui-se, deste modo, que a sentença recorrida andou bem ao decidir que a Recorrente é parte legítima no presente litígio.
Y. A Recorrente sustenta erro na forma de processo, alegando que o ato de repercussão da TOS não pode constituir objeto de um processo de impugnação judicial. Uma vez mais discorda-se do alegado pela Recorrente, pois ao abrigo do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, ao repercutido é-lhe conferido o direito de impugnar.
Z. Não se compreende como é que a posição da Recorrente se articula com o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) acima transcrito que confere expressamente ao repercutido o direito a impugnar. Naturalmente que o direito a impugnar se prende com a repercussão de um tributo. Se assim não fosse não se compreenderia qual seria o efeito útil e prático do referido preceito que confere garantias ao repercutido, entre elas, a de impugnar.
AA. O facto de o artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT consagrar o direito do repercutido à reclamação, recurso hierárquico, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral “nos termos das leis tributárias”, bem como com o disposto nos artigos 70.º, 66.º, 97.º e 99.º do CPPT e 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, demonstra que a repercussão é ainda um elemento da liquidação de um tributo, dado que os referidos meios contenciosos apenas permitem reagir contra a liquidação de tributos.
BB. No que respeita à alegada ilegalidade da TOS, a Recorrente entende que a sentença a quo padece de erro na aplicação do direito na medida em que concluiu pela ilegalidade da repercussão da TOS.
CC. A TOS é liquidada pelo Município ... ao distribuidor de gás natural (in casu, a [SCom10...], S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º ...79, da [SCom01...], S.A., emitida a 10 de dezembro de 2019.
DD. No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).
EE. Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
FF. Desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.
GG. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.
HH. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.
II. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a CÂMARA MUNICIPAL ... liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural, que é repercutida ao comercializador (a [SCom01...], S.A.) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.
JJ. Do quadro descrito resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.
KK. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).
LL. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida deriva do facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.
MM. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.
NN. A impugnante e aqui Recorrida compreende que o resultado prático do regime legal - tal como está em vigor hoje e esteva a partir de 2017 - possa ser injusto para a Recorrente e até causar-lhe prejuízo financeiro, mas essa circunstância não afasta o facto insofismável e bem patente na lei (i.e., no artigo 85.º n.º 3 da LOE 2017) de que a repercussão da TOS sobre a Recorrida é proibida.
OO. Se à Recorrente se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrente insurgir-se e acionar o Estado como entender. O que não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida.
PP. Entender de outro modo é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República – não esqueçamos que estamos perante uma norma constante de um diploma aprovado pelo Parlamento – e respetiva eficácia à conveniência de que se revistam relativamente à atividade dos sujeitos inseridos no âmbito de aplicação pessoal da legislação adotada.
QQ. O segmento final do artigo 85.º, n.º 3 da LOE 2017 é imediatamente constitutivo de direitos para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional,
RR. Sendo tais direitos independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o encargo da TOS.
SS. O facto é o de que determinação legal – clara, precisa e incondicional – o encargo não pode ser suportado pelo consumidor, i.e., a Recorrida.
TT. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor – a aqui Recorrida - e deve ser dirimida em sede própria se os visados assim entenderem;
UU. Mas tendo a Recorrente ignorado a lei expressa, que proibia a cobrança de TOS à Recorrida, deve devolver os montantes que lhe foram entregues, INDEPENDENTEMENTE de poder ou não vir a recuperá-los junto de outras entidades.
VV. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte do Supremo Tribunal Administrativo em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.
WW. Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.
XX. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.
YY. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
ZZ. O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.
AAA. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
BBB. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
CCC. Salienta-se, porém, que através da referida norma, o legislador não revogou o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.
DDD. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.
EEE. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.
FFF. Um Decreto-Lei de Execução Orçamental, seja ele qual for, deve respeitar e desenvolver o Orçamento do Estado a que corresponde e não obstar à sua aplicação.
GGG. Entendimento diverso permitiria considerar legítimo que o Governo pudesse, através de Decreto-Lei e sem qualquer autorização legislativa específica, alterar, ou obstaculizar, o decidido pela Assembleia da República em matéria orçamental,.
HHH. Uma interpretação do artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-lei n.º 25/2017, de 3 de março, segundo a qual tal norma tem o poder de impedir a aplicação imediata do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 torna aquela primeira norma inconstitucional, por violação do princípio da fixação de competência legislativa conexo com o princípio da separação de poderes, que deriva da conjugação dos artigos 111.º, 112.º n.º 3, 161.º, n.º 1, alínea g) e 198.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os legais efeitos
III. É manifesto que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental aprovado pelo Governo não pode impedir a aplicação de uma norma constante do Orçamento do Estado, que é de valor reforçado nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição e é emanada pela Assembleia da República no âmbito da sua reserva legislativa [artigo 161.º, n.º l, alínea g)] , sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
JJJ. Passe a redundância, ignorar esta circunstância é atribuir ao Governo o poder de ignorar a Assembleia da República, bastando, para tal, que o Governo refira – como faz no decreto-lei em causa – agir no contexto de competência legislativa concorrencial, ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
KKK. Pelo que não deve tal interpretação colher, reconhecendo-se, ao invés, que não pode admitir-se que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental impeça a aplicação de uma norma constante da lei de valor reforçado – a Lei do Orçamento do Estado – que sustenta e habilita a própria vigência do decreto de execução.
LLL. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
MMM. A Recorrida desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrida de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).
NNN. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
OOO. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.
PPP. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
QQQ. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
RRR. Adicionalmente, a Recorrente entende que o n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 não dispõe sobre matéria de natureza financeira ou orçamental, pelo que é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 105.º, n.os 1 a 4, e 106.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
SSS. O entendimento da Recorrente não está, no entanto, em linha com a jurisprudência e a doutrina que têm vindo a considerar que as normas que não versem sobre matéria financeira ou orçamental são compatíveis com a Constituição.
TTT. Esta norma é, à semelhança das demais normas constantes do articulado das Leis Orçamentais, uma norma cuja vigência não está circunscrita ao período de 1 ano.
UUU. Repare-se que a prática comum de elaboração de Leis Orçamentais inclui, frequentemente, exemplos de cavaleiros fiscais, designadamente: “as alterações directas aos códigos fiscais, não incidentes nas respectivas taxas, isenções e outros benefícios; acumulações no exercício profissional de certas actividades verificadas no quadro da função pública; autorizações legislativas no sentido de o Governo alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços da Administração, com eventual definição de competências e de responsabilidades;” (CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, 1998, p. 810).
VVV. A tese da Recorrente deitaria por terra centenas de normas anualmente, cuja vigência nunca ninguém se lembrou de questionar.
WWW. Pelo exposto, conclui a Recorrida que a norma ínsita no artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, não viola os artigos 105.º, n.ºs 1 a 4, e 106.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
XXX. Discorda-se igualmente da Recorrente na parte em que defende a improcedência do pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Recorrida.
YYY. Os juros indemnizatórios revestem “uma função reparadora dos prejuízos causados ao contribuinte pelo facto de ter ficado privado ilicitamente durante certo período, de uma quantia. O reconhecimento destes juros visa repor a situação que se verificaria se o contribuinte não tivesse procedido ao pagamento indevido do tributo. Pelo contrário, não corresponde à punição de quem cometeu o erro do qual resultou aquele pagamento indevido.” (CARLA CASTELO TRINDADE E SERENA CABRITA NETO, Contencioso Tributário, Vol. I – Procedimentos, Princípios e Garantias, Edições Almedina, 2017, p. 216).
ZZZ. Atendendo ao caso em apreço, tendo a ora Recorrente repercutido ilegalmente a TOS na Recorrida, esta viu-se privada, ilicitamente, há mais de um ano, de uma quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada.
AAAA. Não obstante a [SCom01...], S.A., não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos, é ela que indevidamente repercutiu o tributo à Impugnante, ora Recorrida.
BBBB. Ao cobrar a TOS à Recorrida em violação de lei expressa, a Recorrente cobra um tributo que não é devido pela Recorrente, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua.
CCCC. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da tesouraria da Impugnante, ora Recorrida, e num enriquecimento da tesouraria da [SCom01...], S.A.
DDDD. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrida, [SCom02...], é independente do eventual direito de regresso que a Recorrente possa ter sobre outras entidades.
EEEE. Salienta-se, igualmente, que na esmagadora maioria da jurisprudência respeitante à ilegalidade da repercussão da TOS os Tribunais têm decidido consistentemente pela condenação ao pagamento de juros indemnizatórios pelas comercializadoras – [SCom11...], S.A. - Sucursal Portugal, [SCom01...], S.A., e [SCom12...] S.A. – Sucursal em Portugal.
FFFF. Assim, a decisão recorrida deverá ser mantida quanto à anulação da repercussão efetuada pela ora Recorrente e restituído o montante pago a título de TOS acrescido de juros indemnizatórios, por ser conforme ao Direito.
GGGG. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.
HHHH. Sem prejuízo, a Mm.ª Juíza a quo não se pronunciou especificamente sobre o pedido subsidiário de declaração de inconstitucionalidade orgânica da norma que impõe/possibilita a repercussão da TOS, por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Lei Fundamental, nem sobre os fundamentos que lhe subjazem, na medida em que considerou procedente o pedido principal aduzido pela impugnante, ora Recorrida.
IIII. De onde, para o caso de entenderem V. Exas. ser de julgar procedente o recurso apresentado – o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona - desde já se requer, ao abrigo dos artigos 665º., n.º 2 e 679.º do Código de Processo Civil, a baixa do processo ao douto Tribunal a quo, a fim de ser apreciado o pedido subsidiário aduzido pela impugnante, aqui Recorrida.
JJJJ. Em função do ali peticionado, deve julgar-se a impugnação procedente e ser declarada a inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei Fundamental.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, em face da fundamentação exposta, porque a sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso apresentado. Por mera cautela de patrocínio, subsidiariamente, para o caso de assim não se atender, deve ser ordenada a baixa dos autos ao douto tribunal a quo para conhecimento do pedido subsidiário deduzido pela impugnante, ora Recorrida, e afinal, ser dado provimento à impugnação.»
1.3. Na sequência do despacho de 13 de junho de 2022, através do qual o Tribunal a quo se pronunciou sobre as nulidades por omissão de pronúncia e por oposição dos fundamentos com a decisão, que a Recorrente ([SCom01...]) assacara à sentença, aquela ao abrigo do artigo 617.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, veio apresentar aditamento às suas alegações de recurso, de que constam as seguintes conclusões:
«(...)
ii. A RECORRENTE invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por considerar que o Tribunal a quo se absteve de se pronunciar sobre a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 invocada nos artigos 240.º a 246.º da contestação (cf. Conclusão v) das alegações de recurso da Recorrente).
iii. Decorre do n.º 1 do artigo 613.° do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT que proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, com exceção da retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença (cf. artigos 614.º, 615.° e 616.° do Código de Processo Civil e artigo 125.° do CPPT).
iv. A decisão que seja proferida depois de esgotado o poder jurisdicional e fora dos casos em que é permitido ao juiz alterar a decisão, considera-se juridicamente inexistente (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.10.2017, proferido no âmbito do processo n.º 034/16, disponível em www.dgsi.pt ).
v. Sob pretexto de suprir esta nulidade o Tribunal a quo através do seu despacho vem adicionar à sentença recorrida fundamentação referente à ilegalidade da repercussão da TOS e relativamente à qual o seu poder jurisdicional já se encontrava esgotado, nos termos do artigo 613.º do Código de Processo Civil, pelo que nesta parte deverá considerar-se a sentença juridicamente inexistente.
vi. No despacho proferido o Tribunal a quo não se pronuncia sobre a questão da inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável e que havia sido suscita pela RECORRENTE na contestação, não abordando a violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade
1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1416 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.5. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma das nulidades por omissão de pronúncia [das questões suscitadas de da incompetência material do tribunal, à intempestividade da apresentação do presente processo de impugnação, à exceção da cumulação ilegal de pedidos e, ainda, quanto à omissão da apreciação da questão da ilegalidade e inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do art.º 85.º da Lei do Orçamento de Estado para 2017] e por oposição dos fundamentos com a decisão, dos erros de julgamento quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito invocados. Caberá, ainda, em caso de procedência do recurso, a apreciação da questão suscitada pela Recorrida em sede de ampliação do objeto do recurso.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada e não impugnada, encontra-se assente por provada a seguinte factualidade:
1. A [SCom01...], S. A., emitiu em 10.12.2019 a factura n.º ...79 em nome da Impugnante, [SCom02...], S.A., do período de fornecimento de 01.11.2019 a 30.11.2019 de onde decorre, além do mais, o seguinte:
“(…) Descrição
Taxa de ocupação do Subsolo componente fixa N.º dias (…) …..……79,85 Eur
Taxa de ocupação do Subsolo componente variável (KWh) (…).......9.438,02Eur (…)
– cf. Doc. 1 junto com a petição inicial constante do processo digital, referência 007616134do Sitaf, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. A Impugnante efetuou, em 07.01.2020, o pagamento integral da factura descrita em 1. – cf. print do pagamento doc. 2 junto com a petição inicial constante do processo digital, cf. referência 007616135 do sitaf, para qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Factos Não Provados
Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.»
2.1.2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
3. Da fatura n.º ...79, a que alude o item 1. do probatório, consta como data limite de pagamento o dia 09/01/2020 (cf. documento de fls. 59 do processo SITAF).
4. Em 24 de abril de 2020, a [SCom02...] deduziu impugnação judicial na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a qual correu os seus trâmites sob o n.º 933/20.8 BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cf. documentos fls. 81 a 180 do processo SITAF para qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
5. Na petição de impugnação a que se alude em 5. apresenta pedido formulado nos seguintes termos: “Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exa. Mui doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. que declare a ilegalidade do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa supra identificada e, bem assim:
(I) Anule a repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...79 por violação do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso; ou Subsidiariamente e caso assim não se considere:
(II) Deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da repercussão da TOS por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.os 2 e 3, da CRP, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.” (cf. documento n.º 4-A da petição, fls. 81 e ss. do SITAF).
6. O processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, culminou com a prolação da sentença consultada via SITAF e constante dequeles autos a fls. 230 a 246 SITAF, na qual consta “Destarte, e ante os termos em que vem configurada a presente Impugnação pela Impugnante na petição inicial, há que concluir que o Município ..., não é sujeito da relação material controvertida nos presentes autos, dado não ter qualquer interesse em contradizer a presente demanda, face à inexistência de qualquer prejuízo que para si sobrevenha da procedência da ação.
Ante o exposto, impõe-se concluir que o Município ... carece de legitimidade processual passiva para ser demandado na presente impugnação, o que determina a sua absolvição da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e), todos do CPC aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Sendo certo que a referida ilegitimidade singular não constitui uma exceção dilatória passível de suprimento, razão pela qual não há lugar ao requerido convite da Impugnante para aperfeiçoamento do seu articulado, no sentido de identificar a entidade com legitimidade processual passiva.
(...) Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Impugnado, e em conformidade, absolvo o Município ... da instância.”
7. No dia 8 de janeiro de 2021, foi apresentada a petição inicial, que deu origem à presente impugnação judicial (cf. fls. 1 SITAF).
2.2. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pela Recorrida ([SCom02...], S.A.), intentada contra o acto de repercussão da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) repercutida pela [SCom01...], S.A. àquela.
Concretizando, a sentença sob recurso deu provimento à impugnação, anulando a repercussão da taxa de ocupação de subsolo constante da factura nº ...79 (2019) emitida pela [SCom01...], S. A., com todas as consequências legais, designadamente a restituição da quantia que o Impugnante pagou a esse título bem como os juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento até à data de emissão da nota de crédito.
Em sede de petição inicial a impugnante alegou, em súmula, a ilegalidade e inconstitucionalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo.
A ora Recorrente, em sede de contestação, defendeu-se por excepção alegando (i) da incompetência material; (ii) da sua ilegitimidade passiva; (iii) do erro na forma de processo e, por impugnação, na perspectiva da correcta interpretação a dar ao disposto no n.º 3 do artigo 85º da LOE de 2017 (artigos 158º a 286º da contestação) e refutando a irrepercutibilidade da TOS defendida pela Autora (artigos 287º a 325º da contestação).
O tribunal a quo, elencou enquanto questões a decidir as seguintes «Da ilegitimidade passiva da impugnada; Do erro na forma do processo; Da tempestividade da impugnação; Da legalidade da repercussão Da constitucionalidade da repercussão», conhecendo das excepções a fls. 3 a 10 da sentença, conclui pela improcedência das mesmas e, após a fixação dos factos, conheceu “Da ilegalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo” concluindo, pela procedência da impugnação.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença enferma das nulidades que lhe são imputadas e, bem assim, se padece de erro de julgamento de facto e de direito.
As questões suscitadas nestes autos são, em ampla medida, idênticas – até por estarmos perante as mesmas partes e pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recentíssimo acórdão deste TCAN, proferido no processo n.º 864/22.7BEPRT, em 23/11/2023.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Sessão (acórdão esse que subscrevemos na qualidade de 1ª adjunta), proferido no processo n.º 864/22.7BEPRT. Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos [a qual foi igualmente sufragada em recentes acórdãos deste TCA Norte, nomeadamente de 27.04.2023, 11.05.2023, 25.05.2023, e de 25.02.2024, proferidos no âmbito dos processos n.º 1528/21.4BEPRT, n.º 1798/20.5BEPRT, nº 2309/21.0BEPRT e nº 298/22.3BEPRT], passaremos a transcrever a fundamentação de tal aresto, incluindo a identificação das questões a apreciar, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise, com a devida interrupção da transcrição, sempre que a mesma se justificar.
2.2.1. « IV.1 – Das nulidades invocadas pela Apelante.
IV.1.1. – Da nulidade por omissão de pronúncia.
A Recorrente começa por invocar que a sentença recorrida enferma de nulidade uma vez que naquela se terá omitido a pronúncia sobre a eventual inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no n.º 3 do art.º 85.º da Lei do Orçamento de Estado para 2017.
A propósito da nulidade supra referida relatou-se no acórdão deste TCA de 11.02.2021 proferido no processo n.º 479/16.9BEAVR (in www.dgsi.pt) que:
“[…] Já a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando «d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)» - cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT. Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608.º n.º 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não haja resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras. Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).
[…]”.
Ora, a omissão de pronúncia também encontra respaldo normativo no disposto no art.º 125.º do CPPT e na norma supra citada do CPC
Na presente situação, após a prolação da sentença recorrida veio a ser proferido despacho pelo Julgador de primeira instância, datado de 23.05.2023, pelo qual, na sequência do recurso aqui em questão, se vieram a apreciar pela primeira vez, a apontada ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação das normas contidas no nº 3 do artigo 85º da Lei do OE para 2017 e no n.º 1 do artigo 133.º da Lei do OE para 2021. Assim, ao invés do invocado pela Recorrente, tendo em conta o teor do mencionado despacho, podemos concluir que não só as sobreditas questões são no mesmo equacionadas, como são objeto de decisão expressa com fundamento e adesão a jurisprudência do colendo STA que naquele despacho vai citada.
Por isso, entendemos que não persistiu a apontada nulidade, ao contrário do invocado no recurso alargado movido pela ora Recorrente.»
Ora, in casu, ciente da inconstitucionalidade alegada em sede de defesa pela Recorrrente na sua contestação, o Tribunal a quo expressamente discorre sobre a mesma, nos seguintes termos “Mais se dirá, ainda, considerando o alegado relativamente à inconstitucionalidade decorrente da aplicabilidade direta da norma do n.º3 do art. 87º da LOE de 2017, bem como à problemática relativa aos contratos de concessão que protegem a pretensão do Recorrente que, sendo certo que o art.º 70º do DL 25.2017, de 3 de março (que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017), não afastou tal proibição de repercussão da TOS aos consumidores finais, prevendo, nos seus n.º 4 e 5, que as entidades reguladoras setoriais avaliavam a informação recolhida (pelos municípios) e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e que, tendo em conta essa avaliação, o Governo procedia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores. (...) “
E, no seu despacho de sustentação vai mais longe, e contrapõem que:
No que concerne à alegada nulidade por omissão de pronúncia consubstanciada na falta de apreciação da alegada inconstitucionalidade da norma do n.º3 do art. 87º da LOE de 2017, quando interpretada no sentido de ser diretamente aplicável.
Considerando o que já foi dito na decisão recorrida, cuja fundamentação termina com a afirmação que, a partir 01.01.2017 a taxa de ocupação de subsolo deixou de poder ser repercutida ao consumidor final, sendo encargo a suportar pelas operadoras de infraestruturas.
Mais ali se diz que: “No caso em concreto e como resulta da factualidade assente, facto provado n.º1, a taxa de ocupação de subsolo do período compreendido entre 01.11.2019 e 30.11.2019, no montante total de €9.517,87 foi repercutida à aqui Impugnante. (…)
Assim, e tendo em conta o supra expendido é notório que a repercussão aqui em causa, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12, é ilegal, não podendo ser repercutida a taxa de ocupação de subsolo a partir de 01.01.2017.”.
Ora, considerando o alegado relativamente à inconstitucionalidade decorrente da aplicabilidade direta da norma do n.º3 do art. 87º da LOE de 2017, bem como à problemática relativa aos contratos de concessão que protegem a pretensão do Recorrente, à fundamentação que consta, já da decisão recorrida, suprindo a nulidade alegada, deverá acrescer:
Sendo certo que o art.º 70º do DL 25.2017, de 3 de março (que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017), não afastou tal proibição de repercussão da TOS aos consumidores finais, prevendo, nos seus n.º 4 e 5, que as entidades reguladoras setoriais avaliavam a informação recolhida (pelos municípios) e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e que, tendo em conta essa avaliação, o Governo procedia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.
Com efeito, um Decreto-Lei de execução orçamental não tem a virtualidade de afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado, sendo que o referido art.º 85º, n.º 3, não estabelece qualquer requisito ou limitação à sua aplicação imediata (leia-se, a partir de 01.01.2017), sendo claro ao afirmar que a TOS é paga pelas empresas operadoras de infraestruturas e que não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
De facto, o art.º 70º, n.º 5 do DL 25.2017, de 3 de março, limita-se a deixar aberta a possibilidade de o legislador, em face da avaliação das consequências no equilíbrio económicofinanceiro das empresas operadoras de infraestruturas, alterar a proibição de repercussão constante do art.º 85º, n.º 3, da Lei n.º 42.2016, de 28 de dezembro.
Na verdade, se o referido Decreto-Lei de execução orçamental contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, não se afigura plausível que estabeleça regras incompatíveis ou impeditivas da aplicação das normas imperativas previstas nesse Orçamento.
Por conseguinte, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional, a repercussão da TOS aos consumidores finais passou a ser ilegal.
A este propósito, atente-se no voto de vencido apresentado pelo Conselheiro Gustavo Courinha no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento fáctico-jurídico), quando refere que: “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.”
Neste enquadramento, mantendo-se o já decidido, tendo ficado provado que a Impugnada, através da fatura n.º ...79, emitida em 10.12.2019, repercutiu à Impugnante, consumidora final, a TOS do período de novembro de 2019, é de concluir que tal repercussão enferma de ilegalidade, por violação do art.º 85º, n.º 3, da Lei n.º 42.2016, de 28.12, o que determina a sua anulação e a obrigação de a Impugnada restituir à Impugnante a taxa paga.
Fica, ainda, desta forma, prejudicada a apreciação da questão, alegada a título subsidiário, da inconstitucionalidade da repercussão da TOS.
Por todo o exposto, nos termos consignados pelo art. 617 do Código de Processo Civil, suprindo a nulidade de omissão de pronúncia assacada à sentença por nós proferida nos autos, considerando não enfermar de inconstitucionalidade a interpretação da norma do art. 87º, n.º3 da LOE de 2017 no sentido de ser imediatamente aplicável, mantém-se, quanto ao mais a decisão constante dos autos, passando a constar da mesma o despacho que antecede, como seu complemento e parte integrante.
Registe (como parte integrante da decisão de 15.03.2022 nos termos do n.º2 do art. 617º do Código de Processo Civil) e notifique.” (enxerto do despacho de sustentação, constante dos autos, datado de 13.06.2022.
Cumpre referir que falecem os argumentos alocados pela Recorrente no seu aditamento recursivo apresentado a fls. 1393 e ss. do SITAF de abalar o assim julgado, pois se bem que não tenha sido utilizada a melhor prática jurídica que determinaria a prolacção de nova decisão, certo é que foi expressamente determinado que o mesmo faz parte da sentença, que o integra, e notificado às partes, assim é por nós considerado como parte integrante da decisão.
Perante a referência na sentença, a que acresce a presente fundamentação, que dela faz parte, o tribunal a quo não incorreu de todo em omissão de pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 identificada na conclusão v. das alegações de recurso.
Volvendo ao acórdão em transcrição:
«IV.1.2 – Da nulidade por oposição dos fundamentos com a correspetiva decisão.
Em segundo lugar, a Apelante invoca que há uma contradição lógica na sentença recorrida na medida em que concluiu que o encargo relativo à TOS deve ser suportado pela [SCom03...], S.A. e, ao mesmo tempo, concluiu que deverá ser a Recorrente a devolver o encargo relativo a tal taxa. Mais refere em sede de alargamento de recurso que tal questão não foi ponderada e decidida no despacho de 23.05.2023 acima referido.
Ora, está correta a afirmação feita pela Recorrente no que diz respeito a sobredita questão não ter sido objeto de apreciação no dito despacho agora recorrido, tendo esta sido invocada em sede recursiva. Por isso, impõe-se analisar se a sentença recorrida enferma da nulidade cuja apreciação foi obnubilada no despacho supra mencionado.
Ora, convém desde logo salientar que na sentença recorrida não se faz qualquer referência concreta a que o encargo da TOS tivesse que ser suportada pela sociedade indicada pela ora Recorrente (mais concretamente a [SCom03...], S.A.). Por outro lado, na sentença recorrida delimita-se e decide-se a questão como sendo a da repercussão da TOS pela ora Apelante à Recorrida e, nessa medida, se condena aquela à devolução da taxa aqui em questão.
Por isso, não há aqui qualquer contradição entre os fundamentos da decisão jurisdicional recorrida e o seu sentido decisório, ao invés do que é referido pela ora Recorrente, pelo que não se consumou a apontada nulidade.»
A apreciação transcrita é transponível para os presentes autos, cumprindo tão só ressalvar que in casu ocorreu pronúncia expressa pelo Tribunal a quo no seu despacho de sustentação datado de 13.06.2022, do seguinte teor:
“Atentemos, agora, na alegada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão propriamente dita, a oposição entre o fundamento e o decidido, que condena a recorrente/impugnada, no reembolso do valor correspondente ao encargo correspondente à TOS.
No que concerne a esta alegada nulidade, entendemos não assistir razão à Recorrente (impugnada), uma vez que, o objeto da presente ação resulta da caraterização da relação jurídico-tributária controvertida, tal como configurada pela impugnante. Nessa conformidade, temos que a presente impugnação vida a anulação de um ato de repercussão praticado pela impugnada (recorrente), senão observemos a fatura identificada no facto provado n.º1, a qual foi emitida pela “[SCom01...]”.
Mais, da análise da Petição Inicial verificamos que o facto relevante é a repercussão em si, sendo irrelevante o facto da sociedade que praticou tal ato assumir um papel de comercializadora ou operadora, releva apenas o facto desta ser a entidade que repercutiu a TOS liquidada, cobrando-a à impugnante (recorrida), que naquela relação comercial assume o papel de consumidora final.
Os factos relevantes na decisão de uma determinada situação concreta resultam, essencialmente, da análise da relação material controvertida, tal como configurada pelas partes, pelo que, no caso, considerando tanto a referida relação como o pedido feito ao tribunal, que se consubstancia única e exclusivamente, na anulação da repercussão, os factos fixados e a fundamentação, que serve de base à decisão proferida encontram-se numa relação lógica pelo que, consideramos, não enferma, a sentença proferida nos autos, da alegada nulidade.”
Assim, aqui como ali, cumpre determinar a improcedência da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão (vide conclusão vi. das alegações de recurso).
2.2.2. Do erro de julgamento de facto
A Recorrente, alega que “(...) não foram carreados para o probatório todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito. Para que o Tribunal a quo pudesse decidir cabalmente sobre a exceção dilatória da intempestividade da impugnação judicial, impunha-se que na matéria de facto da sentença recorrida tivesse considerado factos que permitissem aferir, desde logo, o objeto da impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT que está na origem da renovação da instância pretendida pela [SCom02...], o que implicaria, por sua vez, a inclusão de factos referentes ao objeto da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação da TOS, uma vez que a impugnação judicial que deu origem ao indicado processo n.º 933/20.8BEPRT foi apresentada na sequência da decisão de indeferimento tácito desta reclamação, impondo-se, também., que na factualidade assente da sentença recorrida fosse incluída informação sobre a data limite do pagamento voluntário da TOS, por forma a aferir-se da tempestividade da impugnação à luz do artigo 102.º do CPPT.”
Para além disso (...), impunha-se que na factualidade dada como provada o Tribunal a quo tivesse considerado que a repercussão da TOS emerge dos contratos de concessão de gás, celebrados entre o Estado e os operadores das redes de distribuição de gás e que se considerasse que a RECORRENTE é uma entidade comercializadora de gás natural.” e que a [SCom03...] S.A. é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ..., para aferir da questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido da sua aplicação imediata, e, ainda, para a análise das exceções do erro na forma do processo e de ilegitimidade (vide conclusões vii. a xi. das alegações de recurso).
Com o assim alegado, pretende a Recorrente o aditamento de determinados factos, que como alega permitem um julgamento correcto e cabal, a saber, pretende ver incluindo:
a) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades [SCom04...], S.A.; [SCom05...], S. A.; [SCom06...], S.A.; [SCom07...], S.A.; [SCom08...], S.A. e [SCom09...], S.A., que em 2016 alterou a sua designação para [SCom10...], S.A. e desde outubro de 2017 opera, sob a designação social de [SCom03...], S.A. (cf. Documento n.º 1 da contestação)
b) A [SCom03...] S.A. (anteriormente designada de [SCom10...], S.A.) é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ... (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 03 de abril, junto como Documento n.º 1 da contestação e artigo 3.º da petição inicial).
c) A [SCom01...] entidade comercializadora de gás natural, encontra-se registada junto da ERSE (Entidade Reguladora do Sector Energético - cf., Documento n.º 1 junto com a petição inicial e documento n.º 2 e 3 juntos com a contestação).
d) As operadoras das redes de distribuição de gás, concessionárias nos contratos de concessão relativos à distribuição de gás celebrados com o Estado, têm o direito de repercutir sobre os consumidores finais o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão, de acordo com os critérios a definidos pela ERSE (cf. ponto n.º 8 e 9 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril e cláusula 7.ª n.º 2 de cada uma das minutas de concessão – junta como documento n.º 1 da contestação, ponto 1.3 do Manual de Procedimentos para a Repercussão das Taxas de Ocupação do Subsolo, aprovado pela Diretiva n.º 12/2014, de 14 de julho, da ERSE e artigo 53.º do Regulamento n.º 416/2016, relativo à aprovação do Regulamento de relações comerciais do setor do gás natural).
e) A fatura n.º ...79, emitida em 10 de dezembro de 2019 pela [SCom01...], através da qual é exigido à [SCom02...] o pagamento da TOS no valor de € 9.517,87, tem como data limite de pagamento o dia 09.01.2020 (cf. documento n.º 1 da petição de impugnação).
f) A [SCom02...] não concordando com a TOS incluída na sua fatura de fornecimento de gás, dirigiu ao EXMO. SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL ..., em 8 de janeiro de 2020, reclamação graciosa contra o ato de liquidação da TOS, relativa ao mês de novembro de 2019 e à fatura n.º ...79, de 10 de dezembro de 2019, junto da CÂMARA MUNICIPAL ..., ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (cf. documento n.º 3 da petição de impugnação).
g) Nessa reclamação graciosa a [SCom02...] peticiona a “declaração de nulidade ou, sem conceder e no limite, a revogação do ato de liquidação da taxa de ocupação do subsolo referente ao mês de novembro de 2019” por considerar que “[o] ato de liquidação da taxa municipal de ocupação do subsolo ora reclamado, constante da fatura ...79:
a) É inválido por ter sido praticado sem base legal, contrariando expressamente o disposto no:
d. artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro;
e. artigo 4.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro; e no
f. artigo 9.º, nº 2, da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro.
b) É nulo por violação do disposto no artigo 4º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de novembro.
(cf. documento n.º 3 da petição de impugnação).
h) Em 24 de abril de 2020, a [SCom02...] deduziu impugnação judicial na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a qual correu os seus trâmites sob o n.º 933/20.8 BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cf. documentos n.ºs. 4-A e 5 da petição de impugnação).
i) Do comprovativo de entrega da petição inicial que dá origem ao processo n.º 933/20.8BEPRT, emitido pelo SITAF, resulta que a mesma tem por objeto o “Indeferimento total ou parcial das reclamações graciosa dos atos tributários” (cf. documento n.º 4-A da petição de impugnação).
j) Na indicada petição de impugnação é peticionada a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa e a anulação da repercussão incluída na fatura n.º fatura n.º ...79, sendo o pedido formulado nos seguintes termos:
Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exa. Mui doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. que declare a ilegalidade do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa supra identificada e, bem assim:
(I) Anule a repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...79 por violação do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso; ou Subsidiariamente e caso assim não se considere:
(II) Deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da repercussão da TOS por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.os 2 e 3, da CRP, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.” (cf. documento n.º 4-A da petição de impugnação).
k) O processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, culminou com a prolação de uma sentença na qual o Tribunal considera que o ato de repercussão da TOS não é imputável ao Município ... e, por isso, conclui que “(…) o Município ... carece de legitimidade processual passiva para ser demandado (…) [julgando] verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Impugnado, e em conformidade [absolveu] o Município ... da instância” (cf. Doc. 5, junto com a petição inicial).
l) No dia 8 de janeiro de 2021, na sequência da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BEPRT, a [SCom02...] apresentou nova petição inicial, que deu origem à presente impugnação judicial e, tem por objeto “(…) a repercussão ilegal da TOS à IMPUGNANTE (…)” (cf. artigo 1.º da petição inicial). “
Importa, desde logo, salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA.
Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver ser o caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Aqui chegados, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se o aditamento que nos é proposto é constituído por matéria conclusiva ou que possa ser considerada como sendo matéria de direito, o que, a ocorrer, impede a sua recondução ao probatório.
Munidos dos presentes considerandos do decidido e da matéria controvertida no presente recurso, temos que a matéria que a Recorrente almeja aditar ao julgado e que vai referida nas alíneas a) e b) supra indicadas, não constitui verdadeira matéria factual, mas, antes, trata-se de matéria de contornos de natureza legal, uma vez que faz alusão a um diploma resolutivo do Governo e ao que dele constará.
Já no que concerne à matéria vertida na alínea d), ao contrário do que é sugerido pela Recorrente, a mesma não assume qualquer natureza factual, antes se traduzindo em matéria de direito e conclusiva.
No que tange à adição do vertido na alínea c), f) e g) supra transcritos, em rigor e apesar de se reconhecer os seus contornos factuais e o estarem devidamente alicerçados em prova documental cumprindo as exigências legais, aquela matéria factual não releva para a apreciação da presente contenda. Com efeito, não é questionada o perfil da ora Recorrente e a legitimidade legal da sua atuação no mercado em que a mesma se insere, pelo que a consideração destas é aqui, de todo, irrelevante e, em sede de intempestividade releva o objecto e a sorte dos autos n. 933/20.8BEPRT, o que, como veremos, já se mostra devidamente acautelado.
Por isso, quanto às supra citadas alíneas a), b), c), d), f) e g) da matéria que a Recorrente reputa por factual e imprescindível aos desfecho da causa, terá que improceder o presente recurso.
Relativamente à pretendida inserção pela Recorrente do que supra vai vertido nas alíneas e) e h) a l), temos que considerar que aquela cumpre os ónus processuais de impugnação da matéria de facto vertidos no artigo 640.º do CPC aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT e a mesma se mostra pertinente.
Ora, expurgando-se alguma da matéria conclusiva e de direito que vai mesclada no alegado nas alíneas supra enunciadas, podemos concluir que atenta à matéria factual aditada por esta instância oficiosamente, torna-se inútil aferir da sua inclusão, uma vez que aquela absorve a pretensão da Recorrente.
Assim sendo, indefere-se o peticionado aditamento, sendo que parcialmente por via da inserção factual aditada oficiosamente por esta instância, nessa exacta medida, o mesmo revela-se inútil, dando-se por estabilizada a decisão da matéria de facto.

2.2.3. Do erro de julgamento de direito
Recapitulando, vem o presente recurso interposto pela Recorrente [SCom01...] da decisão proferida pelo TAF do Porto, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida [SCom02...], S.A. contra a aplicação da taxa municipal de ocupação de subsolo (TOS), incluída na factura n.º ...79, emitida pela Recorrente em 10.12.2019 (fornecimento de novembro de 2019), no valor de € 9.517.87.
Afastadas as nulidades assacadas à decisão sob recurso, estabilizada a matéria de facto, cumpre apreciar e decidir dos fundamentos invocados em sede de erro de julgamento de direito ao julgado, sendo que das vastas conclusões e alegações apresentadas podemos concluir que as mesmas colocam as seguintes questões: se a decisão vertida na sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não ter considerado verificada a excepção da ilegitimidade passiva (conclusões xiii a xxv), no que respeita à exceção dilatória de erro na forma do processo (conclusões xxvi a xxxiii), relativamente à exceção da intempestividade da impugnação judicial (conclusões xxxiv a lii), por errónea interpretação e aplicação do disposto do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (LOE) para 2017, quanto à legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo aos consumidores finais e se a mesma carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos (conclusões liii a lxviii); se a TOS é inconstitucional (conclusões lxix a lxxviii), da condenação em juros indemnizatórios (conclusões lxxxvi a lxxxix).
Como já referenciamos supra, as questões aqui tratadas são, em ampla medida, idênticas – até pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recentíssimo acórdão deste TCAN de 23.11.2023, processo 864/22.7BEPRT, também ele assente em parte em jurisprudência emanada em acórdão deste Tribunal ad quem de 27.04.2023, proferido no processo n.º 1528/21.4BEPRT e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo ali referenciada.
Razão pela qual prosseguimos na sua transcrição e adesão, com as devidas e necessárias adaptações que se venham a mostrar relevantes.
«IV.3 – Dos erros de julgamento alegados.
Cabe agora analisar as questões que a Recorrente coloca quanto aos erros de julgamento que imputa à sentença recorrida.
Antes de mais, convém referir que não perfilhamos o entendimento prosseguido pela Recorrente quanto aos erros de julgamento atinentes à consideração como não verificadas as exceções (...) da ilegitimidade passiva e do erro na forma do processo.
(...)
Por outro lado, quanto ao erro na forma de processo, desde já adiantamos que estamos de acordo com o decidido em primeira instância, na medida em que da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT decorre a possibilidade do repercutido poder impugnar, nos termos das leis tributárias, o imposto em si mesmo considerado, o que, por maioria de razão, terá que incluir o próprio ato de repercussão enquanto ato definidor da relação jurídica tributária. Acresce, ainda, que a abertura dada pela redação do artigo 99.º do CPPT lida à luz do princípio ínsito no art.º 20.º da CRP, impõe tal entendimento sob pena de se poder frustrar o direito de acesso à justiça aqui consignado e se poder arruinar a lógica do sistema assente na proposição lógica que o processo de impugnação se destina a discutir, em geral, a validade de atos tributários o que inclui a sua cobrança ainda que pela via da repercussão (como é aqui o caso presente, não se quedando a questão suscitada no domínio da eficácia de atos, na medida em que aqui se questiona a própria relação jurídica tributária subjacente, na vertente da definição de quem são os seus sujeitos passivos). Acresce que, como se afirma no acórdão do STA de 29.03.2023, proferido no proc. nº 817/20.0BEALM (in www.dgsi.pt):
“[…] Em suma, o pagamento da TOS, por via do acto de repercussão, representa ainda a cobrança de uma receita coactiva e não a mera satisfação, por parte do cliente final, de uma obrigação privada assumida no âmbito de um contrato sinalagmático que tem como contraparte a sociedade recorrida. Interpretação que, se bem vemos, encontra respaldo no artº.18, nº.1, da L.G.T., norma que consagra uma noção ampla de sujeito activo da relação tributária, nela se incluindo a figura do representante, entendendo-se ser nesta última figura que se integra o concessionário/comercializador do serviço público de gás natural, a funcionar na arrecadação da TOS como um substituto "ex lege", assim promovendo a cobrança do tributo por meio da respectiva repercussão. Também chamadas entidades de direito público por atribuição e constituindo sujeitos activos da relação jurídica tributária de natureza complexa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/02/2023, rec.2/21.3BEALM; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/03/2023, rec.267/21.0BEALM; Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.74 e seg.). …”.
[…]”.
Já no que concerne à legitimidade da ora Recorrente, perfilhamos o entendimento vertido na sentença recorrida quanto a esta matéria, devidamente apoiada na jurisprudência do STA ali e aqui acima citada, para a qual aqui remetemos e que tem a nossa adesão e na qual se conclui que “na impugnação judicial do acto de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o acto impugnado”, ou seja, in casu, à Recorrente.»
Abrimos aqui um parêntesis, pois ali não foi apreciado o aqui invocado erro de direito no julgamento que recaiu sobre a excepção da intempestividade da impugnação judicial.
Em relação àquela excepção, foi a seguinte a apreciação e decisão proferida pela 1.ª Instância, que aqui transcrevemos:
“Sustenta a impugnada a que a presente impugnação foi apresentada depois de decorrido o prazo legal para o efeito.
Entende que, para que ocorra renovação da instância prevista no art. 87º, n.º 8 do CPTA a nova petição tem de ter o mesmo objeto da primeira. Nesse sentido, alega ter necessariamente de se concluir que o processo de impugnação 933.20.8BEPRT teve como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e como objeto mediato o ato de liquidação da TOS, enquanto que, nos presentes autos é peticionada a anulação da repercussão daquela taxa incluída na fatura n.º ...79, por violação do disposto no art. 85º, n.º3 da LOE de 2017 – Lei 42.2016 de 28.12 e, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS.
O que significa que a presente impugnação tem apenas por objeto o ato de repercussão da TOS, com referência à fatura n.º ...79, emitida pela [SCom01...] e não o ato de liquidação contra o qual foi deduzida a Reclamação Graciosa, cuja formação de presunção de indeferimento tácito permitiu o recurso à via judicial, com a instauração da impugnação 933.20.8BEPRT.
Conclui assim que o processo de impugnação 933.20.8BEPRT e os presentes autos não têm o mesmo objeto pelo que não deve ser admitida a renovação da instância nos termos do art. 87º, n.º8 CPTA, não podendo a Autora beneficiar do regime do aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância.
Sendo o prazo de instauração da impugnação de 3 meses, art. 102º, n.º1 a) do CPPT, uma vez que a factura em causa foi emitida em 10.12.2019, com data limite de pagamento voluntário em 09.01.2020, o prazo de instauração da impugnação havia já expirado quando, em 08.01.2021 foi instaurada a presente ação.
Ainda que assim não fosse, sustenta ainda que o prazo de 3 meses, contado da data limite do pagamento voluntário em 09.01.2020 estava já expirado aquando da instauração da presente impugnação.
Entende, pelo exposto, ser manifesto que a presente impugnação é extemporânea, nos termos do disposto pelo art. 102º, n.º1 a) do CPPT o que invoca, com todas as legais consequências.
Vejamos.
Analisada a decisão proferida no processo de impugnação 933.20.8BEPRT, junta aos autos, cf. processo digital, verificamos ter sido alegada a ilegalidade da repercussão da TOS, por violação do disposto no art.º 85º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, de 28/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que proíbe expressamente a repercussão da taxa em causa aos consumidores finais; e ainda que a repercussão sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, decorrente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), já que não foi aprovada por lei ou decreto-lei autorizado.
Pediu a anulação da repercussão da TOS e o seu reembolso, acrescido de juros indemnizatórios e, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS.
Na fundamentação da decisão que viria a proferir, diz-se, ainda:
“De referir ainda que, embora a Impugnante faça alusão à reclamação necessária apresentada em 08/01/2020 junto do Município ... (cfr. ponto 4) do probatório) e invoque no artigo 14.º da petição inicial, a impugnação judicial do indeferimento tácito dessa reclamação, a verdade é que nos presentes autos não é impugnada a decisão (tácita) daquele procedimento, na medida em que, e como deriva do petitório de reclamação junto aos autos, o procedimento de reclamação apresentado tinha como objeto o ato de liquidação da TOS relativa ao mês de novembro de 2019 (cfr. ponto 4) do probatório), enquanto a presente impugnação tem por objeto o ato de cobrança do valor correspondente, que foi incluído da fatura emitida pela [SCom01...], S. A.”
Ou seja, enquanto que na reclamação, a Impugnante invocou a invalidade da liquidação da taxa, por ter sido praticado sem base legal, contrariando, como alega, o disposto nos artigos 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, 4.º e 9.º, n.º 2 da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro e 4.º, n.º 2 da Lei 73/2013, de 03 de setembro, onde peticionou a declaração de nulidade ou revogação do ato de liquidação da TOS (cfr. ponto 4) do probatório), na presente Impugnação, invoca a ilegalidade da repercussão do valor dessa taxa, porque a sua repercussão aos consumidores finais é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento de Estado para 2017, ou ainda, inconstitucional a repercussão da TOS, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, onde peticiona que repercussão da TOS e, subsidiariamente, que se reconheça a inconstitucionalidade da repercussão da TOS .”
Conclui o tribunal decidindo pela procedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva.
Assim, apresenta a impugnante nova Petição Inicial, o que faz nos termos do disposto pelo art. 87º, n. º8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dentro do prazo ali estabelecido, pelo que a impugnação é tempestiva, improcedendo, assim a alegada exceção.”
A sentença discreteou de modo a não merecer reparo quando afirma a tempestividade da impugnação, pelo que aqui acompanhamos o seu julgamento.
Prosseguindo, «Ora, no demais, as questões de fundo a apreciar no presente recurso já foram objeto de resposta por parte desta instância no recente acórdão datado de 27.04.2023, proferido no processo n.º 1528/21.4BEPRT, a cujos fundamentos e conclusões aderimos e que julgamos serem de transpor para decisão do presente recurso Denote-se, igualmente, que a recente jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 576/2003, datado de 27.0.2023, proferido no processo n.º 378/22, não colide com a orientação jurisprudencial aqui prosseguida no que concerne à apreciação do recurso movido pela Recorrente.. Deste modo, no aresto desta instância supra citado, discorreu-se que:
«[…] Ora sobre esta questão há vários acórdãos do STA que decidiram que a repercussão do TOS é ilegal [Entre outros, o acórdão de 02/21.3BEALM, 118/21.6BEPRT e 217/21.4BEALM, todos disponíveis em www.dgsi.pt ] «(…) O artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2017 possui o seguinte teor: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.».
Para bem compreendermos o teor desta norma (abstraímo-nos, por ora, de aludir aos seus eventuais efeitos), importa, antes de mais, que façamos uma breve densificação da taxa que aqui está em causa, onde encontra o seu fundamento jurídico, como é determinada ou quantificada e quem é ou, pelo menos, era até 1-1-2017 responsável pelo seu pagamento. Começaremos, assim, por fazer uma excursão sobre os diplomas legais que nos permitirão esclarecer esses aspectos, absolutamente necessária para a contextualização da questão nevrálgica dos autos. Nesse sentido, convoca-se, antes de mais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, Lei que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais (artigo 1.º), na qual se encontra estabelecido que os tributos nela previstos assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 3.º), não devendo o seu valor, fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular (artigo 4.º).
Ainda nos termos deste diploma, a taxa incide, designadamente, sobre a utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal, sendo seu sujeito activo a autarquia local, entidade titular do direito de exigir o tributo e sujeito passivo a pessoa, singular ou colectiva, e outras entidades legalmente equiparadas que, nos termos da presente Lei e dos Regulamentos aprovados pelas autarquias locais, esteja vinculado ao cumprimento da prestação tributária (artigos 6.º e 7.º).
Com a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15 de Fevereiro (Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de Agosto) foram introduzidos na ordem jurídica nacional os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), bem como ao exercício das actividades de recepção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - em conformidade com as regras comuns consagradas na Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (A Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho revogou a Directiva n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.) que tiveram por finalidade o incremento de um mercado livre e concorrencial. Conforme consta do seu preâmbulo, visou-se com este diploma concretizar no plano normativo a linha estratégica da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Outubro, definindo para o sector do gás natural um quadro legislativo coerente e articulado com a referida legislação comunitária e os principais objectivos estratégicos aprovados na referida resolução. No que respeita à exploração das redes de distribuição de gás natural, resulta do artigo 27.º do identificado diploma que «A actividade de distribuição de gás natural é exercida em regime de concessão ou de licença de serviço público, mediante a exploração das respectivas infra-estruturas que, no seu conjunto, integram a exploração da RNDGN» (n.º 1) e que «As concessões da RNDGN são atribuídas mediante contratos outorgados pelo Ministro da Economia e da Inovação, em representação do Estado».
Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, que, desenvolvendo os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de Fevereiro, instituiu o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de transporte, armazenamento subterrâneo, recepção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito, à distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - desta forma se completando a transposição da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. Com particular relevo para o que nos autos nos importa decidir, ficou estabelecido no artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado. E, no seu artigo 70.º, que os contratos de concessão de distribuição regional em vigor tinham que ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no seu Anexo IV, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões.
No Conselho de Ministros de 3 de Abril de 2008, foi aprovada a Resolução n.º 98/2008, de 3 de Abril de 2008 (publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I de 23 de Junho e doravante apenas designada por Resolução) que possui o seguinte teor: «O Decreto-Lei 30/2006, de 15 de Fevereiro, ao estabelecer as bases gerais da organização e do funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) em Portugal, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das várias actividades que integram o SNGN e à organização dos mercados de gás natural, prevê que a distribuição de gás natural é uma actividade exercida em regime de concessão de serviço público. No desenvolvimento dos princípios acima referidos, o artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, dispõe que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado.
O mesmo diploma estabelece ainda no n.º 1 do artigo 70.º que os actuais contratos de concessão de distribuição regional devem ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no anexo iv do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões.
Obtido o acordo de cada uma das concessionárias sobre as alterações introduzidas nos respectivos contratos, encontram-se reunidas as condições para atribuir as concessões de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades C..., S. A., D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G..., S. A., e H..., S. A.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar, sob proposta do Ministro da Economia e da Inovação, as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades C..., S. A., D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G..., S. A., e H..., S. A.
2 - Determinar que os originais dos contratos referidos no número anterior fiquem arquivados na Secretaria-Geral do Ministério da Economia e da Inovação.
3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.».
Em anexo à Resolução constam as minutas dos contratos de concessão, constando do texto da cláusula 7ª que «É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente.”. Direito este que igualmente se mostra reconhecido na cláusula 11.ª do Modelo de Licença para exploração de rede de distribuição local de gás natural (Previsto no anexo III da Portaria n.º 1213/2010, de 2-12, aprovada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 24.° e n.º 3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26-7, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 65/2008, de 9-4.), da qual consta «Assiste também à Licenciada o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais» (n.º 3) e que «Na sequência do estabelecido no número anterior, os valores que vierem a ser pagos pela Licenciada em cada ano civil serão repercutidos sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os anos seguintes, nos termos a definir pela ERSE».
Em suma, até à emissão da Resolução, o pagamento da TOS, enquanto contrapartida pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal pelas redes de distribuição de gás natural, era, por força do preceituado nos artigos 6.º, n.º 1 al. c) e 7.º, n.º 2 do RGTAL, da exclusiva responsabilidade das concessionárias. Após a Resolução, e por força da Resolução, o pagamento da TOS passou a ser passível de imputação ao consumidor final. Em nota final deste enquadramento importa ainda registar que o Decreto-Lei n.º 140/2006 define como cliente final “ o cliente que compra gás natural para consumo próprio” [artigo 3.º, al. g)] (Definição mantida pelo Decreto-Lei n.º 62/20, de 28 de Agosto, que revogou o regime instituído no Decreto-Lei n.º 140/2006, conforme artigos 3.º, al. g) e 160.º, al. b) daquele primeiro diploma legal.) e que a metodologia de repercussão do valor da TOS que cada Município aplica, incluída nas facturas de gás natural, nos termos definidos pela ERSE, depende da extensão da rede de distribuição instalada em cada concelho e que o valor unitário da TOS repercutido é composto por uma componente variável que incide sobre o consumo de gás natural (kWh) e uma componente fixa aplicada sobre o número de dias do período de facturação (como ocorreu no caso, atenta a factualidade apurada). (sublinhado nosso) Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o julgamento de improcedência da acção acompanhou a tese defendida pela Recorrida, louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 1017 não é automaticamente operacional, estando a sua eficácia dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal de repercussão da TOS.
Ou seja, o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 é, para o Tribunal a quo, uma norma programática, substancia um mero objectivo a prosseguir e a concretizar no futuro, como, adianta, resulta do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, e da circunstância de o Governo ter vindo a desenvolver, desde então e até ao ano de 2021, várias iniciativas, de diversa natureza, que comprovam que o quadro legal de repercussão da TOS se mantém inalterado. Antes de demonstramos que assim não é, deixámos consignada uma breve nota relativa a argumento não aflorado na sentença mas que não deixa de ser invocado nas contra-alegações e que ditou que na enunciação da primeira questão tivéssemos incluído a questão da validade da norma e não apenas da sua eficácia.
Efectivamente, como se constata da leitura da conclusão S (das contra-alegações) a Recorrida argumenta que a própria norma cuja eficácia se discute é inconstitucional por constituir um “verdadeiro cavaleiro orçamental”, uma vez que não é possível descortinar qualquer relação entre o seu conteúdo e uma questão de natureza financeira ou orçamental – nem com o Orçamento de Estado, nem com os orçamentos municipais – a não ser o facto de este tributo passar a constituir um encargo para as empresas privadas que explorem redes de distribuição de gás natural em regime de concessão. Desta asserção indica ainda duas consequências: a sua vigência não se esgota com o termo do ano fiscal e, a aplicarem-se os critérios que foram definidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, esta norma deveria ser declarada inconstitucional por não ter qualquer conexão mínima com matéria financeira e orçamental.
Em suma, e se bem interpretamos as suas alegações, para a Recorrida a própria questão da eficácia revela-se irrelevante por a norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 ser inconstitucional.
Vejamos.
A questão da validade dos cavaleiros orçamentais, nome sob o qual a doutrina e a jurisprudência designam as normas incluídas no Orçamento do Estado sem relação directa com matéria financeira ou orçamental, constitui, como é sabido, questão há muito debatida no ordenamento jurídico nacional, onde assume contornos mais problemáticos atenta a inexistência, ainda hoje, e contrariamente ao que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, de resposta expressa na nossa Lei Fundamental.
Sem prejuízo de se ter presente que não existe ainda consenso na doutrina sobre a melhor solução oferecida pelo ordenamento jurídico, e que em abono de uma e outra das teses em confronto são aduzidos argumentos ponderosos, certo é que, ao nível da jurisprudência constitucional, que aqui releva sobremaneira, o entendimento tradicional e maioritário vai no sentido da sua validade, por, não existindo no ordenamento jurídico-constitucional qualquer proibição expressa de inclusão deste tipo de normas (Vide, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 461/87 (processo n.º 176/87), de 16-12-1987; n.º 358/92 (processo n.º 120/92); de 11-11-1992; n.º 141/2002 (processos n.º 198/92 e 62/93), de 9-4-2002; n.º 360/2003 (processo n.º 13/2003), de 8-7-2003; n.º 428/05 (processo n.º 656/05), de 25-8-2005, n.º 396/11 (processo n.º 72/11), de 21-9-2011; ), e pese embora constituir prática “ discutível, e até censurável, seja do ponto de vista doutrinário, seja do da técnica da legislação” se dever concluir que essa censura não encontra fundamento “do ponto de vista jurídico-constitucional” (Acórdão n.º 461/87, proferido no processo n.º 176/87, de 16-12-1987, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html) 7 (A explicação para esta utilização censurável mas historicamente sistemática é-nos explicada de forma clara pela doutrina: «[a] natureza calendarizada da lei do Orçamento explica, em grande parte, a sua utilização para fazer aprovar normas sem direta, nem por vezes indireta, incidência materialmente orçamental. Ao fazer-se incluir uma determinada matéria na lei do Orçamento pretende-se, normalmente, beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que entrará em vigor numa data certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as atenções andarão, previsivelmente, arredadas das normas que aí, mais ou menos, subtilmente, se infiltraram» -Tiago Duarte, A Lei Por Detrás do Orçamento, Almedina, Maio de 2007, página 447.) É verdade, não se olvida, que a posição a que fizemos referência, que se mantém até hoje, tem vindo, ao longo do tempo, a ser acompanhada de um discurso fundamentador em que se realça a existência de uma tese defensora de exigências acrescidas assente na verificação de uma “conexão mínima entre o cavalier e a lei do orçamento (por se considerar inadmissível que se aproveite a lei do orçamento para regular matérias em tudo a ele absolutamente estranhas, como o seriam, por exemplo a regulamentação do regime de bens do casamento, ou do sistema de recursos em processo civil)". (Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html) Porém, mesmo nos casos contados em que tal aconteceu, a mais das vezes em termos abstractos, e, em caso algum, de forma determinante para o juízo de validade da norma, também aí se conclui, depois de se sublinhar que essa conexão mínima até existe, que «o facto de a inclusão deste tipo de normas nos diversos orçamentos do Estado ser uma prática habitual ou reiterada, como aliás disso dão conta os vários acórdãos deste Tribunal que sobre tais matérias têm sido proferidos, com uma ampla tradição remontando ao constitucionalismo monárquico e que não se encontra excluída pelo actual texto constitucional, pelo que deve ser aceite tal inclusão orçamental, nos termos supra expostos. Assim, e independentemente de outras considerações, não se tem por ilegítima a inclusão das normas em causa na lei do orçamento». (Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html) Acresce que, como se diz no Parecer da Procuradoria n.º 6/2018, a propósito de um outro preceito (inserida na LOE2018 e relativa à aplicação da Tarifa Social aos Clientes de Gás Natural) em que a questão da validade da norma também se colocou, «o teor do atual n.º 5 do artigo 165.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de 1989, ao aceitar a existência de autorizações legislativas na Lei do Orçamento em matérias não fiscais apresenta-se como um forte apoio para se admitir os cavaleiros orçamentais no ordenamento jurídico-constitucional português.», e embora o n.º 2 do artigo 31.º prescreva que «[a]s disposições constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado devem limitar-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira» (…) «parece dever concluir-se do seu teor, particularmente do seu último segmento — «para a execução da política orçamental e financeira» —, como ressalta Nazaré da Costa Cabral, que «abre uma infinitude de possibilidades […], qualquer medida que tenha incidência no plano da política orçamental ou da política financeira (e serão a maior parte) parece, portanto, poder ser acolhida na lei do OE». É, de resto, neste contexto, que encontramos explicação para o estudo que integra o Relatório n.º 4/22, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República (UTAO), (Unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe apoio pela elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.) publicado a 17 de Março de 2022, que teve por objecto a elaboração de uma «Reforma do processo legislativo orçamental e reestruturação da UTAO», (Disponível em https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e7064 47567a4c30524255433956564546504c314231596d78705932466a6232567a58325268583156555155387 65548566962476c6a59634f6e7737566c637955794d4737446f32386c4d6a42775a584a7077374e6b61574 e6863793946626e4631595752795957316c626e52764a5449775a47467a4a5449775a6d6c755957374470 32467a4a544977634d4f36596d78705932467a4c31565551553874556d56734c5451744d6a41794d6c394 35957786862734f6e62313968634778705932466a5957396659584a304a5449774e7a55745156394d5255 38756347526d&fich=UTAO-Rel-4-2022_Balan%C3%A7o_aplicacao_art+75-A_LEO.pdf&Inline=true) no qual, no que respeita à reforma do processo legislativo orçamental, se recomenda precisamente que passe a haver uma «Limitação expressiva dos cavaleiros orçamentais» (ponto 1.3.1.9.), propondo-se a instituição de um mecanismo com duas partes: por um lado, a introdução na ordem jurídica nacional de uma norma que não seja passível de ser alterável pela própria Lei do OE que imponha a conformidade da POE com as leis em vigor à data da entrada da POE na Assembleia da República; por outro, segunda parte do mecanismo, propõe-se que fique prevista a possibilidade do Parlamento, durante o debate da LOE, decidir se determinadas normas, situadas numa zona de fronteira quanto à sua qualificação como cavaleiro orçamental, devem ou não ficar integradas na LOE (vide, página 26 do já identificado Relatório).
Diga-se, por fim, tendo presente que a norma cuja validade se aprecia, artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017, está inserida no Capítulo V “Finanças Locais”, altera a conformação legal do âmbito de incidência da TOS e atendendo às repercussões económicas que dessa alteração e das medidas subsequentes podem resultar, não pode dizer-se que seja indiscutível que deva ser excluída do conceito de normas financeiras e, assim sendo, que não tenha, no caso, o mínimo de conexão com o Orçamento que a jurisprudência constitucional vem recentemente exigindo. Concluímos, pois, tendo especialmente por referência a jurisprudência constitucional citada, que o ordenamento jurídico-constitucional português admite as normas designadas por cavaleiros orçamentais e que, mesmo para quem entenda que essa admissão está dependente da existência da citada conexão mínima, há que dizer que, no caso, ela se verifica.
Firmada a validade ou conformidade constitucional do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, e não sendo controvertida a sua vocação intemporal, passamos a adiantar as razões porque julgamos que esta norma é também plenamente eficaz, isto é, porque entendemos que a norma é, per se, sem a intermediação ou complementação de quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela contemplada. Dito de outro modo, enunciemos as razões que ditaram a conclusão que avançamos: a partir da publicação da Lei n.º 142/2016, que entrou em vigor a 1-1-2017, passou a ser legalmente inadmissível que as entidades concessionárias de fornecimento ou distribuição de gás natural repercutam nos seus clientes ou consumidores finais a TOS.
Desde logo, porque a norma assim o diz, de forma clara, directa e incondicional: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores».
E como nem neste normativo, nem em qualquer outro da mesma Lei, se faz depender a proibição consagrada no n.º 3 do transcrito normativo de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento no tempo da sua aplicação, há que concluir que a disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou.
Da leitura da sentença, particularmente da recondução da norma a um mero objectivo que o Estado pretenderia prosseguir, depreende-se que para o Meritíssimo Juiz o n.º 3 do artigo 85.º da LOE não é uma norma exequível - nem à data em que foi consagrada na LOE/2017, nem posteriormente - por não ter ainda sido dada execução ao determinado no artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental, como o revelam as normas proibitivas que foram sendo sucessivamente consagradas nas Leis de Orçamento do Estado posteriores, a emissão de um Despacho emitido pelos Ministros de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ambiente e da Acção Climática a 30 de Dezembro de 2020 e a constituição do grupo de trabalho nele previsto.
Não podemos acolher tal entendimento. Como já dissemos, a proibição da TOS ser reflectida na factura dos consumidores consagrada no artigo 85.º, n.º 3 é clara e incondicional e nada impede que os seus efeitos, tal como está legalmente construída, se produzam de imediato. (sublinhado nosso)
A inexequibilidade da norma ou a sua qualificação como norma inexequível implica necessariamente um juízo de incompletude. São normas não exequíveis as que "por motivos diversos de organização social, política e jurídica” se desdobram: por um lado, um comando que substancialmente fixa certo objectivo, atribui certo direito, prevê certo órgão; e, por outro lado, um segundo comando, implícito ou não, que exige do Estado a realização desse objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos adequados a tal efeito” (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria n.º 36/89, de 12-10-1989, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Maio de 1990, página 5596).) Ora, é esse desdobramento que, salvo o devido respeito, não conseguimos identificar na norma em análise, já que a proibição (estatuição) que encerra se efectiva pela simples eliminação da repercussão da TOS na factura. Ou seja, resultando da Lei e dos contratos à sua luz celebrados e vigentes à data da aprovação da LOE2017, que o pagamento da TOS era da exclusiva responsabilidade das concessionárias, que, no entanto, posteriormente, a podiam repercutir sobre os utilizadores das infra-estruturas, quer se tratassem de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor que a esse título tivessem pago, procedendo-se, para esse efeito, à sua inclusão na factura de facturas de gás natural, nenhum obstáculo se coloca à produção imediata dos efeitos que lhe são inerentes que se concretizam pela singela eliminação da repercussão na factura emitida.
E não se diga que a ser assim carece de sentido quer o preceituado no artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei de Execução Orçamental quer a necessidade de em posteriores Orçamentos se voltar a consagrar a mesma proibição, quer, por fim, o Despacho n.º 315/21, de 30-12-2020 e o grupo de trabalho que neste último está previsto, entretanto constituído. Relativamente ao Decreto-Lei de Execução Orçamental, sublinhamos, antes de mais, que, por natureza e imposição legal, constitui o instrumento onde ficam estabelecidas as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado a que respeita.
Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3 [“O presente decreto-lei estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2017, aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado)]», parece poder concluir-se que a LOE, no caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas, primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela primeira, desta formas se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e execução está cometida ao Governo [artigo 53.º da Lei n.º 15172015, de 11-9 (Lei de Enquadramento Orçamental – LEO e 198.º, n.º 1 a) e 199.º b) da Constituição da Republica Portuguesa (CRP)], não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido pela Assembleia da República, a quem sob proposta do Governo, compete aprovar o Orçamento do Estado (artigo 161.º, g) da CRP).
Neste contexto, atentemos agora no teor do citado artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – integrado no Capítulo III, “ Administração Regional e Local” - o qual, sob a epígrafe «Taxa Municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo» dispõe o seguinte:
“1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.° da Lei do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano, sem prejuízo do disposto no n.° 2 do mesmo artigo.
2 -No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano, conforme o estatuído no referido artigo 85.°
3- Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da informação a que se referem os números anteriores, nos termos por ela definidos.
4-Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
5- Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.».
Na sentença recorrida, ponderando-se a necessária articulação entre os citados artigos 85.º da LOE2017 e 70.º Decreto-Lei de Execução expendeu-se o seguinte:
«Resulta, assim, da análise conjunta do artigo 85.° e do artigo 70.° que vimos analisando, que, no caso da TOS, é necessária a realização de uma avaliação pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) das consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e só perante essa avaliação é que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor, designadamente, do regime jurídico da distribuição de gás natural ou do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto, prevista e autorizada pelo artigo 86.° da referida Lei n.° 42/2016, nomeadamente em matéria de repercussão da TOS na fatura dos consumidores, o que até à presente data, ainda não sucedeu.
Com efeito, nem o artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.° da Lei n.° 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores.
Em bom rigor, não devendo a interpretação da lei cingir-se à sua letra (no caso concreto, à letra do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017), mas sim reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto- Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil, temos que disposto no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017, o qual declara que a TOS não pode ser refletida na fatura dos consumidores, carece da realização de uma alteração do quadro legal vigente, designadamente, do regime geral das taxas das autarquias locais, constatando-se aliás que a alteração do enquadramento legal, em matéria de repercussão da TOS nos consumidores, não foi efetuada até à presente data.
Por outras palavras, em síntese, estamos perante uma norma jurídica de eficácia condicionada, cuja efetiva produção de efeitos jurídicos demanda a criação de outras normas, ainda não existentes.».
(…) Como linearmente resulta do artigo 70.º, o que aí se regulamenta ou desenvolve em termos de execução ou procedimentos são outras normas contidas no artigo 85.º da LOE, mais concretamente, o que ficou disposto nos seus n.º 1 e 2, como, de resto, o legislador não deixou margem para dúvidas ao, com precisão, remeter expressamente para tais disposições legais. Note-se, o que é sobremaneira relevante, que não só do teor do artigo 85.º ou de qualquer outro contido em disposição da LOE2017 não resulta, como já dissemos, qualquer tipo de obstáculo à imediata produção de efeitos do n.º 3 do referido preceito, como o próprio artigo 70.º do Decreto de Execução confirma essa mesma eficácia plena e imediata ao excluir da sua regulamentação ou previsão qualquer referência ao aí determinado (proibido), o que seguramente o legislador teria feito, se fosse essa a sua vontade, bastando para tal ter introduzido um regra condicionando aos demais procedimentos aí regulamentados, a proibição da repercussão da TOS.
Como diz, bem, o Tribunal a quo, a interpretação não deve “cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil». Porém, não só a letra da lei constitui um limite, no sentido de que não pode o julgador alcançar um resultado interpretativo que nela não tenha um mínimo de respaldo, como, a interpretação do artigo 85.º, n.º 3, por si, ou a conjugação desta com o teor do artigo 70.º do Decreto de Execução, não permitem concluir pela falta de eficácia da norma ou pela necessidade, que a sentença não explica, de um quadro legal regulamentador complementar.
Em bom rigor, se bem interpretamos a sentença, conclui-se que o fundamento para a exigibilidade do quadro complementar regulamentador radicará na necessidade de assegurar o cumprimento dos direitos consagrados na cláusula 7.º das minutas contratuais aprovadas pelo Conselho de Ministros que, por via da cláusula proibitiva (n.º 3 do artigo 85.º da LOE) ficou implicitamente revogada e, com ela, eventualmente comprometido o equilíbrio económico-financeiro do acordo celebrado entre o Estado e a Recorrida.
Porém, mais uma vez salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz confunde duas questões distintas, que são, por um lado, a questão de saber se a proibição do artigo 85.º, n.º 3 da LOE217, nos termos em que ficou consagrada, era susceptível de produzir efeitos imediatos à data da sua entrada em vigor e, por outro, a questão de saber quais as repercussões que dessa disposição, produzindo efeitos imediatos, resultam para as empresas operadoras de infraestruturas do ponto de vista financeiro.
Para que estas duas questões pudessem estar correlacionadas e dependentes uma da outra era necessário que o legislador tivesse feito depender a dita proibição do apuramento dessas consequências. O que não fez, limitando-se ou comprometendo-se, como resulta da conjugação dos nºs 1 e 2 do artigo 85.º da LOE e n.º 1 a 5 do artigo 70.º do Decreto de Execução Orçamental, a definir os novos pressupostos de determinação da TOS e a desenvolver os procedimentos necessários à avaliação ou determinação do impacto da proibição no referido equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e, em função do que viesse a ser apurado, alterar o quadro legal em vigor, “nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores." (n.º 5, do artigo 70.º).
Sem deixarmos de sublinhar que o que está em causa nos autos é a interpretação do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, mais concretamente a sua susceptibilidade de produzir efeitos imediatos na esfera jurídica dos consumidores finais, que, em primeira linha, terá sempre que resultar da interpretação desta norma em conformidade com os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, o que, com o devido respeito, ficou já realizado, entendemos adequado, mesmo assim, pronunciarmo-nos sobre as objecções colocadas ao julgamento de eficácia plena da norma que vimos expondo, colocadas pela Recorrida na sua contestação e integralmente vertidas na sentença recorrida, fundadas no teor das sucessivas normas orçamentais, no Despacho n.º 315/2021 e na constituição do grupo de trabalho neste previsto.
Quanto ao que nesta matéria ficou consagrado em orçamentos subsequentes, contrariamente ao entendimento perfilhado na sentença recorrida, os contributos reforçam a interpretação por nós perfilhada de que o legislador apenas “cuidou da (futura) regulação da TOS” (nas palavras da sentença) mas não revogou a proibição de repercussão do seu valor. Assim, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – LOE2018) apenas ficou a constar, no artigo 246.º, sob a epígrafe «Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo» que «1 - O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores» (n.º 1). E que «A alteração legislativa prevista no número anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP (menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação» (n.º 2).
Ou seja, apenas ficou determinado que o Governo iria rever o quadro legal em vigor, integrado pela proibição de repercussão do n.º 3 do artigo 85.º determinada pela LOE2017 (que não revogou), incluindo em matéria de repercussão e que, nesse quadro legal, o critério estrutural incidiria na efectiva ocupação do subsolo, devendo ser assegurar[d] na conformação legal a emitir a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo.
Em suma, não resulta desta norma, nem de qualquer outra da LOE2019 ou do Decreto de Execução respectivo, a revogação, implícita ou explícita, da proibição consagrada no artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017.
Por sua vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021), no artigo 133.º, sob a epígrafe “Taxa municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo”, ficou estabelecido o seguinte: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores (n.º1); «O presente artigo tem caráter imperativo sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento em vigor que o contrarie» (n.º 2) e que «No primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º 1» (n.º 3)
Ou seja, mais uma vez, o legislador de forma clara, directa e incondicional proibiu a repercussão da TOS na factura do consumidor, renovando a imposição de que o seu pagamento fosse suportado pelas empresas operadoras de infraestruturas, sublinhando a natureza imperativa dessa determinação e a sua sobreposição a qualquer outra. E embora seja certo que no n.º 3 do mesmo preceito o legislador condicionou o disposto no seu n.º 1 às alterações legislativas que visse a efectuar (no primeiro semestre de 2021), entendemos que essas alterações se reportam ao modo de determinação da TOS e do seu pagamento pelas operadoras de infraestruturas (designadamente tendo em consideração o equilíbrio económico que o Estado se comprometera a assegurar) e não a um condicionamento directo à proibição de repercussão, sob pena de carecer de sentido o que ficou estabelecido no n.º 2 da mesma norma e diploma.
Por fim, no que respeita ao despacho n.º 315/2021, de 11 de Janeiro, e sem deixarmos de sublinhar que não possui força legal para modificar as normas constantes da Lei do Orçamento do Estado, importa atentar, antes de mais, que nele se reconhece que no artigo 85.º da LOE2017 ficou determinado “que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores» e ficou reconhecido que no artigo 246.º da LOE2019 também já ficara estabelecido que o Governo procederia à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação de subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Ou seja, se bem o interpretamos o despacho em referência, é neste confirmada a leitura que fazemos de que o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 encerra uma proibição efectiva e imediata da repercussão e confirmado que o Governo se comprometeu, na Lei Orçamento de Estado aprovada dois anos depois (LOE2019) a realizar uma revisão do quadro enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor (com as alterações determinadas pela LOE2017,), designadamente em matéria de repercussão da TOS na factura dos consumidores. E foi tendo presente estas premissas que foi determinada a constituição de um grupo de trabalho com «o objectivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-lei n.º 25/17, de 3 de março, e artigo 246.º da lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.»
Sem prejuízo de tudo quanto ficou exposto, não podemos deixar de adiantar ainda o seguinte: toda a argumentação aduzida na sentença recorrida – idêntica à que consta, em geral, em sentenças proferidas em múltiplos processos, nos quais estão igualmente incluídas alegações de conteúdo idêntico ou similar às que constam nos presentes autos, em que é defendido o não reconhecimento de plena eficácia da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 - tem subjacente o entendimento de que a proibição só podia “ ganhar operatividade” ou ser exequível quando fosse alterado todo um quadro regulamentador capaz de assegurar o equilíbrio económico do contrato de concessão. Ou seja, tem subjacente o entendimento de que, sendo a imputação sob a forma de repercussão ao consumidor final uma parte do preço acordado, a sua eliminação, ou os termos em que a mesma se podia efectivar, dependiam de um quadro complementar que reporia o equilíbrio, assim se justificando que a norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 não passasse de uma norma “meramente programática”, um mero objectivo a concretizar.
Acontece, porém, que assim não é. Efectivamente, pelo Decreto – Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, expressamente convocado como fundamento da Resolução, foram estabelecidos os regimes jurídicos aplicáveis às actividades de transporte de gás natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás natural, incluindo as respectivas bases das concessões. As Bases das concessões da actividade de distribuição de gás natural encontram-se plasmadas no ANEXO IV e, neste, no CAPÍTULO VII, que tem por epígrafe “Modificações objectivas e subjectivas da concessão”, consta que «O contrato de concessão pode ser alterado unilateralmente pelo concedente, sem prejuízo da reposição do respectivo equilíbrio económico e financeiro nos termos previstos na base XXXIV» (Base XXXI).
Por sua vez, na Base XXXIV, que tem por epígrafe «Reposição do equilíbrio económico e financeiro» ficou estabelecido o seguinte:«1 - Tendo em atenção a distribuição de riscos estabelecida no contrato de concessão, a concessionária tem direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, nos seguintes casos:
a) Modificação unilateral, imposta pelo concedente, das condições de exploração da concessão, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 da base IV, desde que, em resultado directo da mesma, se verifique, para a concessionária, um determinado aumento de custos ou uma determinada perda de receitas e esta não possa legitimamente proceder a tal reposição por recurso aos meios resultantes de uma correcta e prudente gestão;
b) Alterações legislativas que tenham um impacte directo sobre as receitas ou custos respeitantes às actividades integradas na concessão.
2 - Os parâmetros, termos e critérios da reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão são fixados no contrato de concessão.
3 - Sempre que haja lugar à reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão, tal reposição pode ter lugar através de uma das seguintes modalidades:
a) Prorrogação do prazo da concessão;
b) Revisão do cronograma ou redução das obrigações de investimento previamente aprovadas;
c) Atribuição de compensação directa pelo concedente;
d) Combinação das modalidades anteriores ou qualquer outra forma que seja acordada.».
Resulta, pois, deste diploma, e das referidas bases, convocado na Resolução, que a Lei, antes da emissão da própria Resolução, consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão e consagrou os meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão se deve efectuar se e quando estejam verificadas as condições para que essa reposição tenha lugar. O que significa, pois, que tendo o Governo (Estado), por via da LOE2017, alterado unilateralmente o quadro legal conformador do contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a repercussão no cliente final da TOS, havia que apurar se dessa modificação unilateralmente imposta tinha efectivamente resultado um desequilíbrio financeiro no contrato e, em caso afirmativo, qual a sua amplitude para que fossem adoptadas uma das modalidades de reposição legalmente previstas, sendo neste contexto, a nosso ver, que deve ser interpretado o preceituado no n.º 1 do artigo 85.º da LOE2017 e os desenvolvimentos contidos no artigo 70.º do seu Decreto-Lei de Execução.
Em síntese final: considerando que o artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 proíbe expressamente, de forma directa, clara e incondicional a repercussão da TOS na factura dos consumidores não existe fundamento para que se conclua que a esta não norma não deve ser reconhecida eficácia plena a partir de 2017, ou seja, há que concluir que a norma cuja eficácia avalizamos produziu efeitos desde 1-1-2017.
[…]”.»
Deste modo, em consonância com a jurisprudência do STA, do Tribunal Constitucional [acórdãos n.º 576/2023 e 890/2023, de 27.09.2023 e 19.12.2023, respectivamente] e deste TCA Norte [acórdãos 27.04.2023, 11.05.2023, 25.05.2023, 23.11.2023 e de 25.02.2024, proferidos no âmbito dos processos n.º 1528/21.4BEPRT, n.º 1798/20.5BEPRT, nº 2309/21.0BEPRT, n.º 864/22.7BEPRT e nº 298/22.3BEPRT] andou bem o Tribunal a quo ao considerar o acto de repercussão da TOS impugnada, repercutido na fatura de novembro de 2019 e paga pela recorrida em janeiro de 2020, ilegal.
Aqui chegados vejamos das inconstitucionalidades alegadas.
Antes do mais, denote-se que a recente jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 576/2003, datado de 27.09.2023, proferido no processo n.º 378/22, na sequência de decisão do TAF do Porto (situação análoga a dos presentes autos) considerou que «a repercussão da TOS no consumidor final, que não utiliza, de forma individualizada, o subsolo com os seus tubos e condutas, autorizada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23/06, e pela Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, na cláusula 11.ª do seu anexo III, transmuta a TOS num imposto sobre o consumo, e, dessa forma, ofende o princípio da legalidade tributária consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, porque a criação de impostos constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, al. i), da mesma CRP, que, neste caso, não existe», dissertando numa análise profunda e assertiva sobre o tema considerou a final que:
“(...) uma conclusão parece ter ficado evidente. A validade do ato de repercussão do valor da TOS nos clientes de gás natural, que se funda normativamente na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e na Portaria n.º 1213/2010 e constitui um direito opcional que o Estado-Administração reconheceu às concessionárias como forma de assegurar o respetivo equilíbrio económico-financeiro, pode ser discutida sob diversos pontos de vista. Do ponto de vista da sua conformidade à lei, tendo em conta o disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, tal como interpretado pelo Supremo Tribunal Administrativo (v. supra, o n.º 16). Ou até mesmo do ponto de vista da sua congruência com o regime de proteção do consumidor, tendo designadamente em conta as regras especiais de proteção dos utentes previstas na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, para cujos efeitos o fornecimento de gás natural é considerado um serviço público essencial (artigo 1.º, n.º 2, alínea c)). O que já não parece possível é pretender-se infirmar essa invalidade, como fez a decisão recorrida, com fundamento no princípio da legalidade fiscal. O sentido deste princípio é, como atrás se disse, colocar sob reserva material de lei (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição) e reserva (relativa) de lei da Assembleia da República (alínea i) do nº 1 do artigo 165.º da Constituição) a criação dos impostos, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, o que, por tudo quanto se expôs, manifestamente não deriva da norma sindicada. Como concluiu o Ministério Público nas suas alegações, «a repercussão analisada não beneficia da proteção constitucional do princípio da legalidade tributária consagrado no nº2 do artigo 103º da CRP e artigo 165º, nº 1, al. i), da mesma CRP», pelo que o recurso deverá ser julgado procedente.
E, decidindo declarou “Não julgar inconstitucional a norma que se extraí do n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, com referência ao conteúdo das cláusulas insertas nos pontos 8 e 9 das minutas aprovadas, em conjugação com o artigo 3.º da Portaria n.º 1213/2010, com referência aos pontos 3. e 4. da Cláusula 11.ª do respetivo Anexo III, que faculta à concessionária da atividade de distribuição a possibilidade de repercutir o valor da taxa de ocupação do subsolo que liquidou na entidade comercializadora de gás que, por sua vez, o repercute no consumidor final; e, em consequência, (...)”
Denote-se, que a tal jurisprudência Constitucional não colide com a orientação jurisprudencial firmada pelo STA e aqui prosseguida no que concerne à apreciação do recurso movido pela Recorrente, sendo de salientar a referência expressa que aqui transcrevemos:
«16. A preocupação com a salvaguarda da posição dos consumidores finais teve a sua expressão máxima nas Leis n.ºs 42/2016, de 28 de dezembro, e 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovaram, respetivamente, os Orçamentos de Estado para 2017 e 2021. Dispôs-se nelas que a «taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores» (artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016) ou «cobradas aos consumidores» (artigo 133.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020). No Decreto-Lei n.º 25/2017, que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017, o Governo comprometeu-se a proceder à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, tendo em conta a avaliação das entidades reguladoras, designadamente quanto às consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas (artigo 70.º, n.ºs 4 e 5). Em 2021, foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de alterar o quadro legal da taxa municipal de ocupação do subsolo atualmente em vigor (Despacho n.º 315/2021, publicado no Diário da República n.º 6/2021, Série II, de 11 de janeiro), cujo mandato foi, entretanto, prorrogado (Despacho n.º 5983/2021, publicado no Diário da República n.º 117/2021, Série II, de 18 de junho).
Neste quadro, várias ações com contornos semelhantes à que foi interposta nos presentes autos deram entrada nos tribunais administrativos e fiscais com o propósito de discutir a legalidade do ato de repercussão da TOS em face do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016. Em jurisprudência recente, mas reiterada, o Supremo Tribunal Administrativo veio considerar que, contrariamente ao entendimento seguido pelo Tribunal aqui recorrido (v., supra, o n.º 6), a norma do «artº.85, nº.3, da Lei do OE para 2017», para além de integrar, sem problemas de «validade ou conformidade constitucional», as normas habitualmente designadas de «cavaleiros orçamentais», deve ser «interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou», «plenamente eficaz» «“per se”», o que determina a ilegalidade dessa repercussão, como tal anulável (v., entre outros, o Acórdão de 23 de fevereiro de 2023, proferido no Processo n.º 02/21.3BEALM, bem como os Acórdãos de 8 de março de 2023, proferidos nos Processos n.ºs 035/21.0BEPRT, 039/21.2BEPRT, 0217/21.4BEALM, 0267/21.0BEALM e 0347/21.2BEALM, arestos que consideraram ainda que «os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários»).»
Alega a Recorrente ([SCom01...]) a inconstitucionalidade decorrente da aplicabilidade directa da norma do n. º3 do art. 87º da LOE de 2017, cumpre neste conspecto atentar a vasta fundamentação que escoa da jurisprudência do STA, e de toda a problemática atinente à eficácia de tal normativo e sua aplicabilidade imediata, nomeadamente em contraposição com o artigo 70º, n.º 5 do Decreto lei 25/2017.
Sendo certo que o art.º 70º do DL 25.2017, de 3 de março (que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017), não afastou tal proibição de repercussão da TOS aos consumidores finais, prevendo, nos seus n.º 4 e 5, que as entidades reguladoras setoriais avaliavam a informação recolhida (pelos municípios) e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e que, tendo em conta essa avaliação, o Governo procedia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.
Com efeito, um Decreto-Lei de execução orçamental não tem a virtualidade de afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado, sendo que o referido art.º 85º, n.º 3, não estabelece qualquer requisito ou limitação à sua aplicação imediata (leia-se, a partir de 01.01.2017), sendo claro ao afirmar que a TOS é paga pelas empresas operadoras de infraestruturas e que não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
De facto, o art.º 70º, n.º 5 do DL 25.2017, de 3 de março, limita-se a deixar aberta a possibilidade de o legislador, em face da avaliação das consequências no equilíbrio económico financeiro das empresas operadoras de infraestruturas, alterar a proibição de repercussão constante do art.º 85º, n.º 3, da Lei n.º 42.2016, de 28 de dezembro.
Na verdade, se o referido Decreto-Lei de execução orçamental contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, não se afigura plausível que estabeleça regras incompatíveis ou impeditivas da aplicação das normas imperativas previstas nesse Orçamento.
Por conseguinte, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional, a repercussão da TOS aos consumidores finais passou a ser ilegal.
A este propósito, atente-se no voto de vencido apresentado pelo Conselheiro Gustavo Courinha no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento fáctico-jurídico), quando refere que: “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.”.
Mais alega a Recorrente a inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, por violação do princípio da confiança legitima, da proibição do excesso e ainda da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 18º, n.º 2, 61.º e 62.º da CRP e, do artigo 105.º, n.º 2 que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato.
Dispõe o art.º 2.º da CRP que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.
Por sua vez, o artº. 61.º, n.º 1 da CRP estatui que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” e o art.º 62.º que “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”.
E, o art.º 105.º, n.º 2 consagra que “O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato”.
Ora, não se vislumbra em que medida o entendimento defendido pela jurisprudência e secundado por este Tribunal fere aqueles princípios, na medida em que a norma vinda a referenciar é, per se, sem a intermediação ou complementação de quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela contemplada, pois assim o afirma o legislador de forma clara, directa e incondicional: "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores." E se nem nesta norma, nem em qualquer outra da mesma Lei, se faz depender a proibição consagrada no transcrito normativo de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento no tempo da sua aplicação, assim devendo concluir o aplicador da lei que a disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou, não pode tal norma ser inconstitucional por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada.
Para aferirmos se o princípio da tutela da confiança se mostra violado é necessário o preenchimento de determinados pressupostos.
Desde logo, na sua invocação, exige-se o elemento surpresa, ou seja, o facto de o particular ter sido surpreendido por uma mudança brusca com a qual ele não poderia contar. E ainda, que o Estado lhe tenha oferecido fundadas razões para confiar que o regime normativo anterior continuaria estável.
Portanto, para além da imprevisibilidade, é necessário que o Estado, através de comportamentos concretos, tenha incutido no particular uma expectativa efetiva de que determinado marco normativo seria mantido.
No entanto, o cunho imprevisível, a forma repentina como a mudança tenha ocorrido e a existência de razões objetivas averiguadas pelo comportamento estatal capaz de fazer crer na estabilidade normativa, mesmo que relevantes, só por si, não são suficientes para poder se afirmar que existe uma confiança merecedora de proteção.
É necessário, que ocorra uma mudança expressiva na linha de conduta até ali preconizada pelo Estado, a par da demonstração de que tal agravamento ou situação comporta em si um prejuízo para o particular.
Por fim, ainda no campo dos actos normativos é necessária a realização de uma ponderação entre aquela confiança legítima assim balizada, por um lado, e o interesse público pelo qual a alteração da norma se justifica.
Para Jorge Miranda, devido à relação direta existente entre os cidadãos e a administração pública, é sempre exigível que o ente estatal resguarde as legítimas expectativas dos particulares [cf. Acórdão n. 245/2009, do Supremo Tribunal de Justiça].
In casu, até podemos aceitar que a Recorrente enquanto comercializadora de Gás, e não sendo consumidor final, tenha criado uma real expectativa de que poderia repercutir a TOS ao mesmo. E, certo é que por via da actuação do legislador aquela expectativa foi defraudada ao afirmar de forma clara, directa e incondicional que "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores.". É também certo que este preceito supera o teste do interesse público: no balanceamento ou ponderação a realizar entre os interesses desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração, este último deve prevalecer.
Ocorre que “Os consumidores não pagam a TOS, enquanto sujeitos passivos de uma relação jurídica tributária; pagam sim um valor calculado através da metodologia instituída pela ERSE, referente a uma repercussão dos custos suportados pela concessionária com o pagamento do tributo aos municípios que o fixaram. O pagamento desse valor insere-se no âmbito da obrigação contratual do consumidor de pagamento do preço devido. Este é fixado de acordo com o Regulamento Tarifário do Setor do Gás aprovado pela ERSE ¾ no período a que se reportam os autos, o Regulamento n.º 415/2016, publicado no Diário da República n.º 83/2016, Série II, de 29 de abril, e, atualmente, o Regulamento n.º 825/2023, publicado no Diário da República n.º 146/2023, Série II, de 28 de julho ¾, tendo passado o respetivo valor a poder refletir também ¾ agora segundo o MPTOS e o Regulamento das Relações Comerciais do setor do gás natural igualmente aprovados pela ERSE (v. supra, o n.º 14) ¾ o custo económico do serviço prestado pela concessionária originado pelo encargo que esta suportou com a liquidação da TOS.
22. Aqui chegados, uma conclusão parece ter ficado evidente. A validade do ato de repercussão do valor da TOS nos clientes de gás natural, que se funda normativamente na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e na Portaria n.º 1213/2010 e constitui um direito opcional que o Estado-Administração reconheceu às concessionárias como forma de assegurar o respetivo equilíbrio económico-financeiro, pode ser discutida sob diversos pontos de vista. Do ponto de vista da sua conformidade à lei, tendo em conta o disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, tal como interpretado pelo Supremo Tribunal Administrativo (v. supra, o n.º 16). Ou até mesmo do ponto de vista da sua congruência com o regime de proteção do consumidor, tendo designadamente em conta as regras especiais de proteção dos utentes previstas na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, para cujos efeitos o fornecimento de gás natural é considerado um serviço público essencial (artigo 1.º, n.º 2, alínea c)).” [in acórdão do TC n.º576/2023 de 27 de setembro de 2023].
A disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou, pelo que é forçoso concluir pela improcedência da alegação da Recorrente.
O entendimento defendido pela jurisprudência assinalada é compatível com a exigência constitucional de liberdade de gestão, corolário da liberdade constitucional de iniciativa económica privada mitigada com o princípio civilístico da autonomia privada, pois estes princípios têm de se coadunar com os demais princípios que regem a atividade do Estado-Administração.
Note-se que relativamente à TOS a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do STA, é uniforme no sentido de concluir que os tributos liquidados visando a ocupação de via pública e, mais especificamente, o subsolo, revestem a natureza de taxas e, como tal, trata-se de crédito tributário indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, nos termos do art.º 30.º, n.º 2 da LGT.
Questão distinta é a natureza do acto de repercussão daquela Taxa, como disso se dá nota do acórdão do TC citado.
E, como tal, independentemente da cadeia de transmissão do acto de repercussão em questão nos autos, é certo que a impossibilidade e/ou possibilidade de repercussão da taxa aos consumidores é matéria que não contende com os princípios da iniciativa económica e da propriedade privada.
Ademais, resulta da legislação vinda a referenciar e das bases da concessão (Decreto-Lei 140/2006, de 26/07, e das bases das concessões nele consagradas (anexo IV), convocadas na Resolução 98/2008, de 3 de Abril de 2008) que se consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão, consagrando, ainda, os meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão se deve efectuar, se e quando estejam verificadas as condições para que essa reposição tenha lugar.
Deste modo, por via da LOE2017 foi alterado unilateralmente o quadro legal conformador do contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a repercussão no cliente final da TOS, pelo que o apuramento do desequilíbrio financeiro do contrato e a sua amplitude, bem como a reposição do equilíbrio são questões que não contendem com a plena eficácia da proibição da repercussão da TOS na factura dos consumidores desde 01-01-2017, mas questões a tratar em sede de execução do contrato de concessão, cuja regulamentação prevê mecanismos para repor o equilíbrio, se houver necessidade de tal reposição, mas não impede a imediata entrada em vigor da proibição de repercussão que pretende proteger os consumidores e não se compadece com a demora da resolução das questões relacionadas com a reposição do equilíbrio do contrato de concessão.
Nem pode a Recorrente escudar-se no disposto no artigo 105.º, n.º 2 da CRP segundo o qual o Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato, pois resulta da legislação vinda a referenciar e das bases da concessão que se consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão. Ante o exposto, no entendimento deste Tribunal o normativo em questão da LOE 2017 não contende com os referidos princípios.
Por último, cumpre tão só aquilatar da correção da condenação dos juros indemnizatórios.
Vejamos do consagrado nesta matéria na sentença de 1ª instância:
«Dos juros indemnizatórios
Dispõe o artigo 43.º da Lei Geral Tributária que: “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao devido”.
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária. Tal disposição legal radica na teoria da responsabilidade civil extracontratual da Administração Tributária por factos ilícitos, nos termos do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, constituem requisitos do direito a juros indemnizatórios:
• a existência de um erro num acto de liquidação de um tributo,
• que esse erro seja imputável aos serviços e que seja reconhecido como tal em reclamação graciosa ou impugnação judicial,
• demonstrar-se que foi pago imposto em excesso.
Atendendo ao caso concreto, tendo-se decidido pela procedência dos fundamentos deduzidos e tendo a Impugnante procedido ao pagamento da taxa de ocupação de subsolo controvertida (nesse sentido atente-se no facto provado n. º2), assiste-lhe o direito de ser restituída do montante pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.»
Ora o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou igualmente sobre esta questão de saber se o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao concluir que existe fundamento para o pagamento dos juros indemnizatórios.
Assim, no acórdão de 23 de fevereiro de 2023, tirado no processo n.º 02/21.3BEALM, foi decidido que o ato de repercussão da taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo a que alude aquela norma, efetuado a partir de 1 de janeiro de 2017, é ilegal, tendo em conta que o artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, é uma norma plenamente eficaz desde a entrada em vigor do diploma e dela resulta que a referida taxa não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
E foi decidido a circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, interpretado em conformidade com o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, no contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrente integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado artigo 43º nº 1, o que significa que não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrida o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4% desde a data em que esse pagamento indevido se verificou até efetivo e integral reembolso.
Este entendimento foi reafirmado nos acórdãos de 8 de março de 2023, processos n.ºs 035/21.0BEPRT, 039/21.2BEPRT, 0217/21.4BEALM, 0267/21.0BEALM e 0347/21.2BEALM, em acórdão de 29 do mesmo mês, processo n.º 0847/21.4BEPRT, e nos acórdãos de 12 de abril de 2023, nos processos n.ºs 077/21.5BEALM, 670/20.3BEALM, 0826/10.9BEALM e 0814/20.5BEALM, entre outros. Pelo que estamos seguramente perante entendimento uniformizado da Secção do Contencioso Tributário sobre esta matéria.
Assim, devendo ser assegurada a uniformidade da jurisprudência no julgamento das questões que mereçam tratamento análogo (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), resta apenas fazer aplicação do exposto aos presentes autos e, remetendo para a fundamentação do primeiro dos acórdãos supra indicados, negar provimento e manter a decisão de condenação da Recorrente no pagamento dos juros indemnizatórios.
Em suma, face a tudo o que vem dito e sem necessidade de mais amplas considerações, conclui-se pela improcedência das conclusões e, nessa medida, pelo não provimento do presente recurso jurisdicional e, naturalmente, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Recorrida em sede de ampliação do recurso.

2.3. Conclusões
I. A norma constante do artigo 85º, nº.3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01/01/2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores.
II. A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo.
III. A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do artigo 43º, nº.1, da LGT, interpretado em conformidade com o artigo 22º, da Constituição.
IV. No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado artigo 43º, nº.1, da LGT, em consequência, não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios.
V. A norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 não é inconstitucional, não sendo de desaplicar, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, nem por violação do princípio da confiança legitima, da proibição do excesso e da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente (por vencida).
Porto, 08 de fevereiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Margarida Reis
Conceição Soares