Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00040/04.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ARTº 83º DO CIRC
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
AUDIÇÃO
VIOLAÇÃO DE LEI
Sumário:1. Faltando o contribuinte à obrigação de apresentar declaração de rendimentos para efeitos de IRC, a liquidação faz-se ou com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, ou, na sua falta, tendo por base os elementos d (art.º83.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC).
2. Procedendo a Administração fiscal à liquidação oficiosa com base nos elementos de que disponha sobre a situação tributária do contribuinte, deve assegurar a este o direito de audição antes da liquidação, previsto no art.º60.º, da Lei Geral Tributária.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
1 – RELATÓRIO
L..., Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º8310029979, referente ao exercício de 1998.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1.- A douta sentença omitiu pronúncia de questões colocadas na petição da ora recorrente.

2.- A liquidação do IRC teria que ser efectuada com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrava determinado e que era o de 1997 (mesmo negativo).

3.- Relativamente ao exercício de 1998, não havia nenhuma disposição legal que permitisse que a fixação da matéria colectável se operasse pela aplicação de 20% sobre o volume de negócios.

4.- Houve violação das regras do procedimento e formas de liquidação do IRC.

5.- Houve violação legal por não ter havido fixação da matéria colectável nem fundamentação.

6.- Houve exagero da matéria colectável

7.- Houve omissão de pronúncia na douta sentença

8.- A douta sentença omitiu o facto de não ter havido lugar à notificação do direito de audição antes da fixação da matéria colectável.

9.- Foi também omitido o facto de ter havido falta de notificações à recorrente da fixação da matéria colectável.

10.- Foi omitido o facto de que a recorrente não foi notificada para, querendo, requerer a revisão da matéria colectável, nem de lhe ser dada oportunidade para tal, ao abrigo do disposto no art.º 91º da Lei Geral Tributária.

11.- A recorrente havia requerido a produção de prova no sentido da junção aos autos dos rácios aplicáveis ao sector da actividade, para aferir do exagero da tributação, o que não foi objecto de apreciação.

12.- Há contradição de direito e de facto, em que a douta sentença justifica a actuação da A.F. e esta vai contra a lei, transcrita na douta sentença.

13.- Há contradição entre os factos dados como provados em 9º e 10º dos “FACTOS”.

14.- É do conhecimento geral e das regras da experiência que não há nenhuma declaração fiscal modelo 22 do IRC onde não seja apurada a matéria colectável, que pode ser positiva, nula ou negativa.

15.- Há erro na douta sentença e no facto “Nessas declarações não foi apurada matéria colectável”, quando isto não é verdade, nem possível, quando há continuidade.

16.- Esta afirmação vai contra a legislação em vigor – art.º 15º CIRC.

17.- Houve erro na douta sentença no apuramento dos factos e aplicação do Direito relativamente ao procedimento efectuado na liquidação do IRC e sua aplicação legal.

18.- A matéria colectável impugnada foi obtida segundo a aplicação dos métodos indirectos, tudo à margem da recorrente.

19.- A douta sentença não julgou os vícios alegados na impugnação.

20.- A douta sentença errou ao referir que não há vício de falta de fundamentação, pois, além do mais, não há a mínima fundamentação para a aplicação do coeficiente de 20%.

21.- Não há pressupostos para a tributação através dos métodos indirectos.

22.- A impugnante não tinha que se socorrer por não aplicável, ao disposto no art.º 57º CPPT.

23.- Violou a douta sentença, entre o mais, o disposto nos artigos 15º, 71º (antiga redacção) e 83º do CIRC, os artigos 87º e 91º da L.G.T., art.º 668º do CPC e 268º CRP.

TERMOS EM QUE, REVOGANDO A DOUTA DECISÃO, ANULANDO-A OU ALTERANDO-SE FARÁ

JUSTIÇA».

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a impugnação procedente.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (cf. art.º684.º, n.º3, do CPC), são estas as questões que importa resolver: i) Se a sentença enferma de nulidade por omissão pronúncia sobre questões substantivas colocadas na petição de impugnação, nomeadamente, quanto à forma legal de determinar a matéria colectável do IRC relativa ao ano de 1998 e sobre questões de forma, nomeadamente, falta de notificação para audição prévia antes da fixação da matéria colectável e depois da fixação da matéria colectável; ii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, havendo contradição entre os factos levados ao probatório em 9) e 10); iii) Se a sentença incorreu em erro de direito ao dar por suficientemente fundamentada a liquidação, quando não há no processo a mínima justificação para a aplicação de métodos indirectos e do coeficiente de 20% sobre o volume de negócios.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1°) A liquidação ora impugnada, no valor total de 5.631.20 euros, (sendo 5.441,28 euros relativos a IRC e 189.92 euros de juros Compensatórios), foi emitida pelos Serviços Centrais, conforme instruções do oficio circulado n.°35 523 de 01.10.2002 - cfr. doc. de fls.26 a 28 do PA apenso aos autos.
2°) O sujeito passivo (foi notificado para efectuar o pagamento das importâncias referidas) em 30.09.2002 - cfr. doc. de fls.29 do PA apenso aos autos.
3°) O prazo de pagamento voluntário terminou em 30.10.2002.
4°) O ora impugnante apresentou reclamação graciosa, contra a liquidação n.°83 10029979 de IRC do exercício de 1998, nos termos do art.66° do Código de Procedimento e de Processo Tributário em 21.02.2003 - cfr. carimbo de fls.2 do Processo de Reclamação apenso aos autos.
5°) Foi notificado do projecto de despacho no âmbito do Proc. de reclamação graciosa por si apresentado e para o exercício do direito de audição - cfr. fls. 14 a 16 dos autos.
6°) Em 5 de Fevereiro de 2004 foi notificado do despacho de indeferimento da Reclamação e da respectiva fundamentação - cfr. docs. de fls.33 e 34 do PA apenso aos autos.
7°) A liquidação oficiosa impugnada foi emitida em 13.09.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
8°) A liquidação oficiosa foi notificada à impugnante em 01.10.2002 cfr. doc.25 do P.A. apenso aos autos.
9°) Nessa data, o sujeito passivo apenas tinha apresentado a declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1996, em 02/06/1 997 e a declaração respeitante ao ano de 1997 em 26.04.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
10°) Nessas declarações não foi apurada matéria colectável - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
11º) O ora impugnante só apresentou a declaração modelo 22 correspondente ao exercício de 1998 em 03.01.2003 - cfr. doc. de fls.26 do PA.
12°) A Administração Fiscal, por consulta do sistema informático constatou a falta da entrega da declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 1998 por parte do sujeito passivo ora impugnante.
13°) A Direcção de Serviços de IRC, face a esta situação e de acordo com o disposto na alínea e) do n.°1 do art.83° do CIRC, procedeu à liquidação do imposto com base nos elementos de que dispunha - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
14°) O apuramento da matéria colectável por parte dos Serviços Centrais teve por base a aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do IVA declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997.
15°) Em 17 de Fevereiro de 2004 foi apresentada impugnação da referida liquidação».

Mais se deixou consignado o seguinte:

«B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Nulidade da sentença

Invoca o Recorrente nulidade da sentença por ter omitido pronúncia sobre questões colocadas na petição inicial e que se reconduzem a duas: omissão de pronúncia quanto ao apuramento da matéria colectável do IRC por aplicação do coeficiente de 20% sobre o volume de negócios; omissão de pronúncia sobre a falta de notificação para audição prévia no procedimento que conduziu ao apuramento daquela matéria colectável.

A enumeração das causas de nulidade da sentença é taxativa e consta do disposto no art.º615.º do CPC, na linha do anterior art.º668.º do CPC.

Como decorre do disposto no n.º1 alínea d) (1ª parte) daquele art.º615.º do CPC, é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.

A nulidade ali prevista "está directamente relacionada com o comando que se contém no n.º2 do art.º660º do CPC («o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras») servindo de cominação ao seu desrespeito" – cf. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, Lisboa, 1972, pág. 247.

Como se deixou consignado no Acórdão do STJ, de 19/03/2002, proferido no proc.º537/02,
“Quanto à nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º, está a mesma directamente relacionada com postulado no nº2 do artigo 660º do mesmo diploma - dever o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Não devem, porém, confundir-se "questões" a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido”.

Segue-se indagar se os autos revelam que as “questões temática centrais” que o Recorrente refere terão ficado por resolver na sentença.

No que respeita à omissão de pronúncia quanto ao apuramento da matéria colectável do IRC por aplicação do coeficiente de 20% sobre o volume de negócios, deixou-se consignado na sentença recorrida, depois de enunciar assim os fundamentos da impugnação “erro quanto aos pressupostos da tributação”, “falta de fundamentação”:
«Entende a Fazenda Pública que a liquidação oficiosa de IRC, aqui controvertida, foi elaborada pela administração fiscal, ao abrigo do preceituado no art.83° do CIRC, na sequência da constatação de falta de entrega de Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 1998, por parte da impugnante.
E que verificada a inexistência do apuramento de qualquer matéria colectável nas declarações, cujo exercício se encontrava mais próximo do ano de 1998, a A.F procedeu à liquidação oficiosa do TRC, para o ano de 1998, com base nos elementos que a própria administração fiscal dispunha, ou seja, com base na aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do IVA declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997.
Resulta do art.83°, n.°1 al.b) do CIRC, na Redacção do Decreto-lei n.°198/2001 de 3 de Julho, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.°60-A/2005, de 30/12 que: “Na falta de apresentação da declaração a que se refere o art.1 12°, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.°2 do referido artigo, até ao fim do 6° mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
Por outro lado dispõe a al. c) do mesmo normativo que “ Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos que a administração fiscal disponha”.
A questão jurídica em análise nos autos prende-se com os pressupostos da liquidação de IRC efectuada ao abrigo do art.83°, n.°1 al, c) do CTRC, na Redacção do Decreto-Lei 198/2001 de 3 de Julho.
Na petição, a impugnante alegou vícios de violação de lei, nomeadamente erro quanto aos pressupostos da tributação e de forma, nomeadamente a falta de fundamentação.
Quando foi emitida em 13 de Setembro de 2002 a liquidação em crise, já o contribuinte tinha apresentado em 26.04.2002 a Declaração modelo 22 do exercício de 1997.
Assim, a liquidação relativa ao exercício de 1998 devia ter tido por base a totalidade da matéria colectável do exercício de 1997, exercício este que era o mais próximo que se encontrava determinado - art.83°, n.°1 b) do CIRC.
Só na sua falta, é que a liquidação devia ter tido por base os elementos de que a administração fiscal dispunha
Acontece que, de acordo com a informação de fls.78 dos autos prestada pela Divisão de Liquidação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na declaração apresentada pela impugnante em 26.04.2002 respeitante ao exercício de 1997 não foi apurada qualquer matéria colectável.
Verificada a inexistência do apuramento de qualquer matéria colectável nas declarações, cujo exercício se encontrava mais próximo do ano de 1998, a administração fiscal procedeu à liquidação oficiosa do IRC, para o ano de 1998, com base nos elementos que a própria A.F. dispunha, ou seja, com base na aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do IVA declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997.
Assim, parece encontrar-se justificada a actuação da A.F. que à primeira vista se mostra contrária ao disposto nas supra referidas disposições legais.
O despacho que determinou que a liquidação fosse emitida nos termos que foram impugnados não padece de vício de falta de fundamentação.
O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no art.268° da Constituição da República.
Para efeitos do art. 120° do CPA, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo das normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Nos termos do art.123° da referida disposição legal, devem sempre constar do acto administrativo a enunciação dos factos ou actos que lhes deram origem, quando relevantes e a fundamentação, quando exigível.
Todas essas menções, entre outras, devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa de modo a poder determinar-se inequivocamente o seu sentido, alcance e os efeitos jurídicos do acto administrativo
Nos termos do art.125°, n.°1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante o respectivo acto
A fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
De acordo com o teor do acórdão proferido pelo TCAS em 21 de Novembro de 2006, no âmbito do processo 264/04, “no domínio fiscal, dispõe o art.77°, n.°1 da LGT, que a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres... incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária. . . acrescentando o seu n.°2 que a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as deposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Para cumprir a função legal, a fundamentação deve ser suficiente, clara e congruente.
É suficiente quando abarca todos os elementos escolhidos pela administração de forma a permitir a reconstituição do iter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final.
É clara quando é inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal que na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão.
E é congruente quando exprime consonância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo”...».

No que concerne à omissão de pronúncia sobre a falta de notificação para audição prévia no procedimento que conduziu ao apuramento daquela matéria colectável, deixou-se consignado na sentença, o seguinte:
«Ficou provado que a impugnante foi notificada da liquidação oficiosa em 01.10.2002, e por esta não foi apresentado qualquer pedido de esclarecimento à A.F. nos termos do art.57° do CPPT.
A existir tal vício o mesmo considera-se sanado.
Tanto mais, que por esta foi apresentada reclamação graciosa».

Como se vê, a sentença não deixou de se pronunciar nem sobre a legalidade do apuramento da matéria colectável pela alínea c) do n.º1 do art.º83.º do Código do IRC (no fundo, aqui a controvérsia centra-se na verificação, ou não, dos pressupostos da alínea b) do n.º1 daquele art.º83.º, do CIRC, isto é, na existência, ou não, de matéria colectável apurada no exercício precedente de 1997 que devesse ser tomada em consideração no apuramento da matéria colectável de 1998, afastando-se a aplicação da alínea c), o que poderá relevar em sede de erro de julgamento, que não de nulidade por omissão de pronúncia), nem sobre a falta de audição prévia no procedimento (tendo concluído embora pela sanação do vício, porque não foi apresentado pelo sujeito passivo qualquer pedido de esclarecimento à AF no seguimento da notificação da liquidação oficiosa e por ter sido apresentada reclamação graciosa dessa liquidação, posição com que o Recorrente discorda, mas as razões dessa discordância poderão relevar em sede de erro de julgamento, não inquinando a sentença de nulidade por omissão de pronúncia).

Do que se conclui que nenhuma das "questões temáticas centrais" ficou por abordar na sentença, pelo que não padece a mesma da concreta causa de nulidade invocada, improcedendo este fundamento do recurso.

Contradição entre os factos 9.º e 10.º do probatório

Invoca também o Recorrente contradição entre os factos assentes nos pontos 9.º e 10º. do probatório, nos quais se deixou consignado: «9°) Nessa data [da liquidação oficiosa], o sujeito passivo apenas tinha apresentado a declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1996, em 02/06/1997 e a declaração respeitante ao ano de 1997 em 26.04.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos»; «10°) Nessas declarações não foi apurada matéria colectável - cfr. doc. de fls.78 dos autos».

Segundo o Ac. da Relação de Évora, de 06/10/88, BMJ 380.º/559, citado por Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a pág.249, “a contradição…implica a existência de «colisão» entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas, ou então com a factualidade provada, no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja contrária da outra”.

Sucede, porém, que o conceito de matéria colectável é jurídico, o que significa que foi erradamente assumida como matéria de facto, pura matéria de direito.

Dispunha o n.º4 do art.º646.º, do CPC que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito …”.

Embora não tenha sido aproveitada para o CPC vigente tal disposição, salienta Abrantes Geraldes, ob. cit., a pag.249, o seguinte: «…a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito, devendo abandonar-se um critério formal que, relativamente a outras asserções, pretensamente visava demarcar com rigidez o que constituía matéria de facto e matéria de direito».

Tratando-se a “matéria colectável” de um conceito jurídico, a sua inserção no ponto 10.º da matéria de facto provada não pode manter-se, considerando-se não escrita, embora não por contradição entre factos, como alega o Recorrente, mas por integrar matéria de direito.

Ao abrigo do disposto no n.º1 do art.º662.º, do CPC, do ponto 10.º da matéria de facto passa a constar o seguinte: “Consta da informação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, veiculada por ofício n.º30585, de 11/12/2006, a fls.78 dos autos, que nas declarações referidas no anterior ponto 9.º não foi apurada matéria colectável”.

Erro de julgamento

Como acima se disse, a indagação quanto aos pressupostos da aplicação do disposto na alínea c) do n.º1 do art.º83.º do CIRC tem de fazer-se em sede de apreciação de eventual erro de julgamento da sentença, não constituindo nulidade da mesma por omissão de pronúncia, posto que a sentença, bem ou mal, pronunciou-se sobre tal questão colocada na petição inicial.

Comecemos pela questão substantiva, uma vez que a eventual procedência da violação de lei propicia ao interessado uma tutela mais estável e eficaz dos interesses ofendidos do que a procedência do vício formal de falta de audição prévia – cf. art.º124.º, do CPPT.

Na óptica do Recorrente que não estão reunidos, “in casu”, os pressupostos da aplicação da alínea c) do n.º1 do art.º83.º, uma vez que declarou matéria colectável para efeitos de IRC, no precedente ano de 1997, embora tenha declarado matéria colectável negativa.

Na redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, de 3 de Julho, dispunha o art.83.º, do CIRC:

«1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha».

Sustenta o Recorrente que contrariamente ao que foi entendido na sentença apurou-se matéria colectável no exercício anterior, mas de sentido negativo, o que faz cair por terra o argumento da Fazenda Pública que a sentença sufragou. Será assim?

Estabelece o n.º1 do art.17.º, do Código do IRC que “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Por outro lado, preceitua o n.º1 alínea a) do art.º15.º daquele Código:

«Para efeitos deste Código:

a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17º e seguintes, dos montantes correspondentes a:

1) Prejuízos fiscais, nos termos do artigo 47º;

2) Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro;».

Ora, salvo devido respeito, a lei não comporta, em sede de IRC, o conceito de matéria colectável negativa. O que poderá haver é resultado líquido negativo por via de resultados correntes negativos ou, havendo variações patrimoniais positivas ou negativas não reflectidas naquele resultado (cf. artigos 21.º e 24.º do IRC), se apure valor absoluto negativo depois de somadas ao resultado corrente as variações patrimoniais positivas e subtraídas as negativas, assim se achando o resultado antes de impostos.

Se este resultado antes de impostos for negativo, não há lucro tributável, há prejuízo fiscal.

A determinação da matéria colectável só tem lugar havendo lucro tributável, ao qual se deduzem os prejuízos fiscais reportáveis e os benefícios fiscais que consistam em deduções ao lucro tributável (cf. art.º15.º, n.º1 alínea a), do CIRC).

Resultando dos autos e admitindo o Recorrente que apurou prejuízo fiscal no ano de 1997 (cf. declaração a fls.4/5 do apenso de reclamação graciosa), não pode pretender que, na falta de apresentação da declaração reportada ao ano em causa de 1998, fosse efectuada liquidação oficiosa nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º83.º, do CIRC, isto é, “com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.

Exactamente porque não apurou qualquer matéria colectável no ano de 1997, o que apurou foi prejuízo fiscal, tal como sustenta a Administração fiscal, entendimento que a sentença sufragou, sem erro de julgamento neste segmento.

Questão diversa prende-se com o (também) alegado erro de julgamento da sentença quanto à preterição do direito de audição prévia.

Consagra-se no n.º1 alínea a) do art.º60.º da Lei Geral Tributária o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito através do direito de audição antes da liquidação.

Não se mostra controvertido que a Recorrente não foi notificada para audição prévia no procedimento da liquidação oficiosa, sendo certo que a liquidação se não efectuou com base na declaração, antes teve por base “…uma matéria colectável apurada pela aplicação do coeficiente de 20% à base tributável do IVA do ano de 1996” (cf. fls.12 do apenso de reclamação).

Ora, da intervenção do contribuinte no procedimento da liquidação oficiosa sempre poderia, neste caso, resultar uma alteração dos termos em que matéria colectável foi determinada pela Administração fiscal.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/07/2003, proferido no proc.º0684/03, «É certo que pode parecer que o contribuinte, ao faltar ao seu dever de declaração, se desinteressa de participar na definição da sua situação tributária. Mas só aparentemente assim é: por um lado, a ausência de apresentação da declaração imposta pela lei não pode interpretar-se com tal sentido, pois outras razões pode haver, nomeadamente, de força maior, justificativas da falta; por outro lado, nada permite afirmar que o contribuinte que se absteve de entregar a sua declaração não quer exercer o seu direito a participar na formação da decisão que, assente nessa omissão, a Administração venha a tomar».

Sufragando tal entendimento pode ver-se ainda o Acórdão do mesmo alto tribunal de 23/04/2008, proferido no proc.º022/08, onde se refere que na falta de apresentação pelo contribuinte da declaração dos seus rendimentos para efeitos de IRC, a Administração Tributária procederá à sua liquidação, nos termos do disposto no art.º83.º do CIRC, impondo-se que, nesse caso, se faculte ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do art.º60.º, da Lei Geral Tributária.

A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no art.º60, n.º1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão final que vier a ser tomada.

O entendimento da sentença de que a ter existido preterição da audição prévia tal vício considera-se sanado por a Recorrente não ter lançado mão do disposto no art.º57.º do CPPT e ter sido apresentada reclamação graciosa, com o devido respeito, não é aceitável.

Tal preceito respeita ao procedimento das informações vinculativas previstas no art.º68.º, da Lei Geral Tributária.

E pressupõem um pedido de esclarecimento sobre a situação tributária, o que obviamente não pode ter lugar no contexto de uma liquidação já praticada, definida que ficou por via desse acto de liquidação, a concreta situação tributária do contribuinte.

Já a existência de um procedimento de segundo grau, no caso, reclamação graciosa, não sana necessariamente os vícios formais do procedimento do acto de liquidação reclamado.

Tal só seria defensável na eventualidade de a Recorrente ter tido oportunidade de pronunciar-se na reclamação sobre as questões relativamente às quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.

Que não foi o caso, porque o objecto da reclamação graciosa se centrou unicamente na possibilidade de serem atendidos na liquidação de IRC de 1998 os valores que o contribuinte veio a declarar (em 03/01/2003) já depois de determinada a matéria colectável e liquidado oficiosamente o imposto (em 30/09/2002), nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º83.º, do Código do IRC – cf. apenso de reclamação, fls.2 e 17 - , pretensão que lhe foi indeferida.

Contra o que agora o Recorrente se insurge é contra a falta de audição no apuramento da matéria colectável do IRC que lhe foi efectuado oficiosamente.

Incorreu, pois, a sentença em erro de julgamento de direito ao dar por não verificado e, em todo o caso, sanado, o vício forma por preterição da audição prévia no procedimento da liquidação oficiosa impugnada, não podendo manter-se na ordem jurídica por este fundamento.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões processuais (fundamentação do acto de liquidação) uma vez que a sua apreciação não propicia ao interessado qualquer tutela mais estável e eficaz.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas pela Recorrida em 1ª instância.

Porto, 30 de Outubro de 2014

Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro