Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02205/22.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL; PREÇOS ANORMALMENTE BAIXOS;
PREÇOS INSUFICIENTES PARA O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES NORMATIVAS EM MATÉRIA SOCIAL E LABORAL;
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
EMP01..., Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n° ..., com sede na Avenida ..., ... ..., instaurou acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra o Município ..., com sede na Praça ..., ..., formulando os seguintes pedidos:
“..., deve a presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual ser julgada procedente, por provada, devendo ser invalidados (declarados nulos ou, pelo menos, anulados):
(i) o ato de adjudicação à 1ª Contrainteressada e conexamente, o ato de não exclusão (ou seja, de admissão) da proposta da 1ª Contrainteressada,
(ii) o ato de não exclusão da proposta da 2ª Contrainteressada,
(iii) o contrato celebrado, a 25.10.2022, entre o Demandado e a 1ª Contrainteressada.
Devendo, com a recomposição da ordenação final, a adjudicação recair sobre a proposta da Autora, com consequente celebração do contrato entre o Demandado e a Autora.”
Indicou, na qualidade de 1ª e 2ª Contrainteressadas, respectivamente, EMP02..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ... e EMP03... Unipessoal, Lda, com sede na Avenida ..., ... ....

Por Sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
Termos em que, pelos fundamentos supra expostos, julgo a presente acção de contencioso pré-contratual parcialmente procedente e, em consequência:
a) Anulo o acto de adjudicação em causa nos autos, mais determinando a exclusão da proposta apresentada pela EMP02..., S.A.;
b) Consequentemente, anulo o contrato relativo ao procedimento em causa, entretanto celebrado;
c) Anulo o acto de admissão da proposta apresentada pela EMP03... Unipessoal, Ida, mais determinando a exclusão da sua proposta;
d) Absolvo a entidade demandada quanto ao pedido de condenação na adjudicação à proposta da Autora.
Desta vem interposto recurso pelo Réu/Município.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª A Recorrida imputou ao acto impugnado três ilegalidades, tendo duas delas sido julgadas improcedentes e uma procedente, concretamente por violação do disposto nos artigos 1º-A/nº 2 e 70º/nº 2 f) do CCP e, por apresentação de preço anormalmente baixo, quanto à 1ª CI, e quanto à 2ª CI por violação do disposto nos artigos 1º-A/nº 2 e 70º/nº 2 f) do CCP.
2ª Em relação à proposta da 1ª CI a sentença recorrida conclui que a remuneração do trabalho nocturno e do trabalho em dia feriado a pagar pela 1ª CI aos seus trabalhadores não cumpre com a regras laborais, nem cumpre com as contribuições para os fundos de compensação do trabalho e para alcançar estas conclusões o Tribunal “a quo” procedeu a uma verdadeira análise (parcial) da proposta.

3ª No presente procedimento está em causa a aquisição de serviços de vigilância pelo período de 549 dias consecutivos, que totalizam 6079 horas (fls. 23 e 24 do PA) e, como consta do ponto 9 do programa de concurso (fls.40), os concorrentes tinham de apresentar as suas propostas de preço seguindo um modelo previamente definido (fls. 29 e 30 do PA), o qual tem por referência a apresentação de preços globais mensais, baseados em preços unitários a indicar pelos concorrentes.

4ª A 1ª CI adjudicatária cumpriu o imposto pelo programa de concurso, apresentando o seu preço global e preços parcelares, não tendo o Recorrente conseguido retirar da proposta apresentada a violação de normas legais (o exercício efectuado na sentença recorrida, como é parcial e não abrange toda a proposta, é necessariamente falível).

5ª A matéria respeitante aos serviços de segurança privada tem sido amplamente analisada pela jurisprudência e no sentido defendido pelo Recorrente (veja-se, a título de exemplo, os acórdãos do TCAN de 06.12.2013 proferido no proc. nº 02363/12, do STA de 28.01.2016 proferido no proc. nº 01255/15 e do TCAN de 04.10.2017 proferido no proc. nº 00259/17.4BEBRG), ou seja, não cabe ao Recorrente obrigar os concorrentes a revelarem o que constitui segredo comercial.

6ª A totalidade da informação constante da proposta da 1ª CI não permite ao Recorrente retirar a conclusão sólida e inabalável que não são cumpridas regras legais, motivo pelo qual ao decidir como decidiu a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente quantos aos artigos 1º-A/nº 2 e 70º/nº 2 f) do CCP.

7ª Face ao facto provado 6, não é possível ao Tribunal “a quo” decidir que a proposta da 1ª CI apresenta um preço anormalmente baixo, sendo que este juízo traduz, ainda, uma violação do princípio constitucional da separação de poderes, pois se a entidade adjudicante não fixou critério para a determinação de preço anormalmente baixo, não pode o Tribunal vir agora fazê-lo.

8ª A sentença recorrida violou o princípio constitucional da separação de poderes, consagrado no artigo 2º e 111º/nº 1 da CRP.

9ª Quanto à proposta da 2ª CI a sentença recorrida aponta o mesmo tipo de invalidade que apontou à 1ª CI, pelo que a argumentação jurídica que se apresentou aplica-se, mutatis mutandis, à 2ª CI, concluindo-se que ao decidir como decidiu incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento de Direito, concretamente quanto aos artigos 1º-A/nº 2 e 70º/nº 2 f), ambos do CC.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente.

A Autora apresentou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:

Termos em que,
Com o suprimento, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e a Sentença recorrida mantida nos segmentos impugnados pelo Recorrente.


O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) Através de anúncio de procedimento n° ...22, publicado no Diário da República, 2ª Série, n° 155, de 11.08.2022, foi publicitada a abertura de concurso público, lançado pelo Réu, para celebração do contrato de “Aquisição de serviços de vigilância para o Centro Coordenador de Transportes de ...”, pelo preço base de € 66.869,00 e com um prazo de execução de 17 meses – págs. 54 e 55 do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
2) Do Programa do Procedimento do referido concurso constam, além do mais, os seguintes artigos:
“ (...)
9. Documentos que constituem a proposta
a) Declaração elaborada conforme o modelo constante do Anexo I do presente programa de concurso;
b) Proposta com indicação do preço hora diurno e do preço hora noturno, o preço hora diurno fim de semana, preço de hora noturno fim de semana, e preço total da proposta, de acordo com as quantidades de horas estimadas, conforme Anexo III, o qual deverá ser indicado em algarismos e por extenso, referindo expressamente que não inclui o IVA;
c) Alvará para o exercício dos serviços prestados na alínea a), do nº 1, do artigo 3º, da Lei nº 46/19, de 8 de julho (altera o regime do exercício da atividade de segurança e portais complementares aquele novo regime, bem como outros documentos de habilitação, legalmente exigidos para a prestação de serviços em apreço).”
(...)
19. Critério de adjudicação
1. A adjudicação será feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais
vantajosa, determinada através da modalidade:
a) Monofator, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 74° do CCP, de acordo com o qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, neste caso o preço como único aspeto da execução do contrato a celebrar.
b) Para efeitos do número anterior, será considerada mais vantajosa a proposta que apresente o menor preço total. (...)” – págs. 34 a 42 do p.a. junto, doc. nº ...04 do SITAF;
3) O Anexo III ao Programa do Procedimento tem o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- -

- págs. 29 e 30 do p.a. junto, doc. nº ...04 do SITAF;
4) Do Caderno de Encargos da aquisição de serviços em questão, constam, além do mais, os seguintes artigos:
“(...)
2. Prazo do contrato
1. O contrato mantém-se em vigor até 31 de dezembro de 2023, ou durante este período, até à prestação integral dos serviços, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato, salvo se se verificarem casos de força maior que impeçam a execução do contrato, podendo, neste caso, a entidade adjudicante prorrogar o prazo de validade do contrato.
(...)
4. Preço contratual
1. Pelo objeto do contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente caderno de encargos, a entidade adjudicante deve pagar ao adjudicatário o preço constante da proposta adjudicada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido.
2. O preço referido no número anterior, não pode, em qualquer caso, ser superior a 66.869,00 € (valor sem IVA).
3. O preço referido no número 1 inclui todos os custos, encargos e despesas cuja responsabilidade não esteja expressamente atribuída a entidade adjudicante, incluindo, ou nomeadamente as despesas de alojamento, alimentação e deslocação de meios humanos, bem como quaisquer encargos decorrentes da utilização de marcas registadas, patentes ou licenças.
a) O preço a que se refere o nº 2 é dividido pelo nº de horas consumidas, multiplicado pelo preço unitário por hora da proposta vencedora, definidos na cláusula das especificações técnicas do presente caderno de encargos. (...)” – págs. 23 a 28 do p.a. junto, doc. nº ...04 do SITAF;
5) Decorre das especificações técnicas do Caderno de Encargos (Parte II – Cláusulas Especiais), o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

“ (...)



(…)

- pág. 23 do p.a. junto, doc. nº ...04 do SITAF;
6) Não consta do Programa do Procedimento do concurso em questão, nem de qualquer outra peça do procedimento, a fixação de um critério de identificação de preço anormalmente baixo – facto não controvertido;
7) Com data de 05.08.2022 foi elaborada pela técnica superior, AA, informação relativa ao procedimento em causa (CP/16/22/DCP) de onde consta, entre o mais, a seguinte proposta para aprovação:
“ (...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)

- pág. 42 verso a 44 do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
8) A proposta referida no ponto anterior foi, entre outras, aprovada por despacho do Presidente do órgão executivo do Município Réu, de 11.08.2022 – pág. 44 do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
9) Na mesma data, AA subscreveu declaração de inexistência de conflito de interesses, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 18do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
10) No dia 23.08.2022 o júri do concurso procedeu ao acto de abertura das propostas, tendo sido registadas 9 propostas, incluindo a proposta da Autora e das Contrainteressadas, com a seguinte ordem de submissão:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 209 do p.a. junto, doc. n° ...03 do SITAF e pág. 239 verso do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
11) Do Anexo III ao Programa do Procedimento (modelo de declaração do preço) que integra a proposta da 1ª Contrainteressada EMP02..., S.A. consta, além do mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

“(…)


- págs. 194 e 195 do p.a. junto, doc. nº ...03 do SITAF;
12) Do Anexo III ao Programa do Procedimento (modelo de declaração do preço) que integra a proposta da Autora consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 117 do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
13) Do Anexo III ao Programa do Procedimento (modelo de declaração do preço) que integra a proposta da 2a Contrainteressada EMP03... Unipessoal, Ida consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- págs. 59 e 60 do p.a. junto, doc. n° ...04 do SITAF;
14) Em 30.08.2022 o júri do concurso em questão elaborou o Relatório Preliminar, no qual foi proposta a admissão de todas as propostas apresentadas e a sua ordenação nos seguintes termos:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- págs. 214 a 216 do p.a. junto, doc. n° ...03 do SITAF;
15) No Relatório Preliminar foi fixado um prazo de cinco dias úteis para os concorrentes se pronunciarem por escrito em sede de audiência prévia – pág. 214 verso do p.a. junto, doc. n° ...03 do SITAF;
16) Em 06.09.2022, a Autora apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




- págs. 230 a 235 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
17) Em 14.09.2022 o júri do concurso elaborou o 2° Relatório Preliminar de onde consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]





(...)” – págs. 240 verso a 243 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
18) Através de requerimento de 22.09.2022, a Autora apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, relativamente ao 2° Relatório Preliminar, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- págs. 249 a 253 verso do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
19) Através de requerimento de 22.09.2022, igualmente apresentou pronúncia em sede de audiência prévia a EMP03... Unipessoal, Lda., aqui 2ª Contrainteressada, relativamente ao 2° Relatório Preliminar, pugnando pela exclusão da proposta da concorrente EMP02..., S.A. (1ª Contrainteressada) e requerendo a graduação da sua proposta em primeiro lugar, nos seguintes termos:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]





(...)” - págs. 244 a 247 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
20) Apresentou ainda pronúncia em sede de audiência prévia a concorrente EMP04..., Lda. - págs. 247 verso a 248 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
21) No seguimento das pronúncias apresentadas em sede de audiência prévia, relativamente ao 2ª Relatório Preliminar, o júri do concurso elaborou, em 28.09.2022, o Relatório Final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“ (...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)". - págs. 277 verso a 279 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
22) Neste seguimento e na mesma data foi elaborada pela técnica superior, AA, informação relativa ao procedimento em questão (CP/16/22/DCP) de onde consta, entre o mais, o seguinte:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)

(...)” – págs. 281 verso a 283 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
23) Em 29.09.2022 a Chefe da Divisão de Contratação Pública proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a informação que antecede:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)” - pág. 283 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
24) Em 29.09.2022 o Presidente do órgão executivo do Município Réu proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a mesma informação:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)” - pág. 283 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
25) A decisão que antecede foi comunicada à Autora no mesmo dia (29.09.2022) – pág. 311 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
26) Em 30.09.2022 a Autora apresentou impugnação administrativa (reclamação administrativa), tendo sustentado a preterição do direito de audiência prévia e a verificação de vícios de violação de lei, peticionando a anulação do acto de admissão das propostas das Contrainteressadas, a anulação da adjudicação à 1ª Contrainteressada e a prática do acto de adjudicação a seu favor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – págs. 304 a 311 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
27) Em 03.10.2022, a impugnação administrativa identificada no ponto que antecede, foi comunicada à 1ª e à 2ª Contrainteressadas, nos seguintes termos:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- pág. 313 do p.a junto, doc. n° ...60 do SITAF;
28) Neste seguimento, a 1ª Contrainteressada EMP02..., S.A., apresentou nota justificativa do preço, datada de 04.10.2022, de onde se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 315 e 316 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
29) Posteriormente, em 10.10.2022 foi apresentada pela 1ª Contrainteressada EMP02..., S.A., nova nota justificativa de preços, nos seguintes termos:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 314 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
30) Do documento referido no ponto anterior, subordinado ao assunto “Resposta ao pedido de esclarecimentos” consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- pág. 317 e 318 do p.a. junto, doc. nº ...60 do SITAF;
31) Em 17.10.2022 foi prestada informação subscrita pela técnica superior, AA, relativa ao procedimento CP/16/22/DCP, de onde se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)

- pág. 319 a 322 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
32) Na mesma data o Presidente do órgão executivo do Município Réu proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a informação mencionada no ponto anterior: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- pág. 322 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
33) Em 25.10.2022 foi celebrado o contrato n° ...2... entre o Réu e a 1ª Contrainteressada – pág. 327 a 328 do p.a. junto, doc. n° ...60 do SITAF;
34) A 1ª Contrainteressada é subscritora do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança e a Associação Sindical de Segurança Privada (AESIRF), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - facto não controvertido;
35) A 2ª Contrainteressada está sujeita, por via de Portaria de extensão n° 152, ao Contrato Colectivo celebrado entre a Associação de Empresas de Segurança (AES) e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (STAD), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – facto não controvertido;
36) Os custos mínimos dos preços unitários por hora, por tipificação de horários, para o ano de 2022 para associados da AESIRF, são os seguintes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- facto não controvertido;
37) Os custos mínimos dos preços unitários por hora, por tipificação de horários, para o ano de 2022 para a AES/STAD, são os seguintes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- facto não controvertido.

O Tribunal consignou:
Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.

DE DIREITO
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
Enquadramento -
As Contrainteressadas não contestaram a ação aqui em apreço e também não recorreram da sentença proferida, a 26.01.2023, pelo Tribunal a quo.
Por seu turno, o Demandado contestou a ação e, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, recorreu da mesma – assumindo, assim, a posição de Recorrente.
Porém, tal recurso está votado ao insucesso: a referida sentença é sólida, bem estruturada e fundamentada e, como tal, será a final mantida na ordem jurídica.
Lidas as alegações de recurso e as respetivas conclusões, constata-se que, na verdade, o Recorrente nem sequer enfrenta o decisório, limitando-se, mormente, a promover afirmações conclusivas e a citar jurisprudência hoje superada.
Aliás, quanto ao contrato invalidado pela sentença recorrida nem uma palavra integra o recurso interposto, tendo tal decisório transitado em julgado, o mesmo valendo para o julgamento quanto à matéria de facto, que assim se encontra cristalizado.
A tese central do Recorrente é esta: “(...) o Recorrente, tal como o Tribunal “a quo”, não conhecem o negócio da 1ª CI: não conhecem a estrutura de custos, não conhecem o número de trabalhadores e tipos de vínculos, não conhecem o volume de negócios, etc. Ou seja, tudo quanto explica porque há diferenças nos preços de mercado (e há-as todos os dias em todos os negócios), o Recorrente não conhece (e, diga-se, não tem de conhecer)” (cf. a p. 2 das alegações de recurso jurisdicional).
E, assim sendo, as causas de exclusão das alíneas f) e e) do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) não podiam ser aplicadas por júris concursais, por órgãos decisores, nem por órgãos jurisdicionais.
Seria – imagine-se – letra morta.
A total improcedência da argumentação do Recorrente é uma constante: “(...) não cabe ao Recorrente obrigar os concorrentes a revelarem o que constitui segredo comercial” (cf. o segmento final da conclusão 5.ª).
Ora, não está, obviamente, em causa a revelação de matéria que constitui segredo profissional.
O que está em causa é, aliás, simples: apurar (i) se as propostas apresentadas pelas Contrainteressadas violam a normatividade aplicável e (ii) se se está diante de preços anormalmente baixos (injustificados), precisamente por se revelarem insuficientes para o cumprimento de obrigações normativas em matéria social e laboral.
Ora, conforme decidido pelo Tribunal a quo, a resposta é positiva, logo as propostas apresentadas pelas Contrainteressadas deviam ter sido excluídas, o que não sucedeu, tendo sido praticados dois atos de admissão (e, em sentido estrito, um ato de adjudicação) inválidos – em rigor, anuláveis.
Ao não contestarem a ação, as Contrainteressadas reconheceram isso mesmo.
Assim, vejamos,
Do ato de adjudicação da proposta da 1.ª Contrainteressada (e do ato de admissão da mesma proposta): do vício de violação de lei dos atos impugnados, por preterição do disposto nos artigos 1.°-A, n.° 2 e 70.°, n.° 2, alíneas e) e f) do CCP -
O ato de adjudicação (e o ato de não exclusão) da proposta da 1.ª Contrainteressada incorreu num vício de violação de lei, com diversas faces, não sendo a proposta apresentada pela 1.ª Contrainteressada suficiente para cumprir com as obrigações normativas de índole social e laboral quanto ao serviço pretendido.
Efetivamente, tal como decidido pelo Tribunal a quo:
“(...) o valor apresentado pela 1ª Contrainteressada adjudicatária, não é suficiente para cumprir as obrigações legais, quer de natureza social, quer de natureza laboral inerentes ao próprio contrato, pelo que a mesma não devia ter sido admitida ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 2, alínea f) do CCP, conjugado com o artigo 1º-A, nº 2 do mesmo diploma. Em consequência, tendo por base a inversão da prática admitida antes da revisão do CCP de 2017, cuja jurisprudência, à qual aderimos in totum, deixamos amplamente explanada, cabe concluir pela anulação do acto de adjudicação à 1ª Contrainteressada e do respectivo acto de admissão, determinando a exclusão da referida proposta.”
Comecemos, tal como consta (da ordem sistemática) da sentença recorrida, pelo acréscimo devido pelo trabalho noturno.
A este nível, a 1.ª Contrainteressada viola a normatividade laboral quando refere que o valor do trabalho noturno é de 311,00 €, por mês.
Efetivamente, estando em causa 9 horas, no período noturno (das 20h00 às 07h00 TDA), o valor é bem diferente (cf. a alínea 36 da matéria assente):
9 h X 365 dias = 3.285 horas/ano : 12 meses = 274 horas X ( 4,71 € X 25% ) = 1,18€
= 274 horas X 1,18 € X 23.75% TSU X 14 meses : 12 meses = 466,73 €/mês (e não 311,00 €/mês).
Acresce que a 1.ª Contrainteressada não aplicou o Contrato Coletivo de Trabalho (doravante “CCT”) de que é subscritora (cf. a alínea 34 da matéria assente), cuja cláusula 41.º, n.º 5 determina o seguinte: “O acréscimo médio mensal resultante do pagamento de trabalho noturno é incluído na retribuição de férias, bem como no pagamento de subsídio de férias e de subsídio de Natal”.
O Tribunal a quo decidiu, pois, e bem:
“Desde logo, tendo em atenção a remuneração mínima mensal prevista no referido CCT (€ 816,21, a partir de 1 de janeiro de 2022) e considerando que, de acordo com o previsto na cláusula 32ª, no 3 do CCT, o apuramento do valor hora de trabalho normal obedece à fórmula aí prevista, temos que o valor horário é de € 4,71.
Adiciona-se a este valor o acréscimo devido pelo trabalho nocturno.
A respeito do trabalho nocturno, decorre da cláusula 41º, no 1, 4 e 5 do CCT que, “1 - Considera-se trabalho noturno, o prestado no período que medeia entre as 21 horas de um dia e as 06 horas do dia seguinte.”, “4 – O trabalho noturno é pago com o acréscimo de 25% do valor hora de trabalho normal relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado no período diurno.”, “5 – O acréscimo médio mensal resultante do pagamento de trabalho noturno é incluído na retribuição de férias, bem como no pagamento de subsídio de férias e de subsídio de Natal.”
Assim, o valor a pagar por cada hora nocturna é de € 1,18.
Da nota justificativa do preço apresentada pela 1ª Contrainteressada em 10.10.2022 (factos provados nos 29 e 30) é possível extrai[r] o seguinte: “Remuneração do trabalho nocturno (25% X 14 meses: 12 + TSU) - € 311,00”.
A este respeito, considera a Autora que tal valor viola a normatividade laboral, sendo que o valor correcto de € 466,73/mês.
Cremos que assiste razão à Autora.
De facto, tendo em conta que o número de horas de serviço nocturno será de 274, como aliás é reconhecido pela Contrainteressada na nota justificativa apresentada, não se compreende o valor alcançado de € 311,00/mês. - 274 horas de serviço nocturno/mês (9 horas/dia x 365 dias: 12 meses)
- 274 x (€ 4,71 x 25%) = 274 x € 1,18 x 23,75% TSU x 14 meses: 12 meses = € 466,73/mês. Logo, o total a suportar pelo adjudicatário por mês de contrato a título de horas nocturnas será de € 466,73.
Aliás não deixa de ser curioso o valor apresentado pela Contrainteressada na nota justificativa (€ 311,00), tendo em conta que o número de vigilantes que considera necessários à execução do serviço (1,7).
Na verdade, partindo do pressuposto de que seriam necessários para cumprir o serviço em causa 1,7 vigilantes por mês, o valor a apresentar seria ainda mais elevado, concretamente € 528,70.
Por outro lado, considerando que cada trabalhador pode prestar 40 horas semanais de trabalho, tal como decorre do mencionado CCT, pelo que, no máximo, trabalhará 2080 horas por ano (52 semanas x 40 horas) e retirando a essas horas as férias (22 dias x 8 horas), ou seja 176 horas, o número de horas anual que um vigilante pode trabalhar legalmente é de 1904.
Assim, tendo em conta o total de horas de serviço/ano, 4015 (11 x 365), temos que serão necessários para cumprir o serviço em causa 2,1 vigilantes por mês e não 1,7 como referido pela Contrainteressada na nota justificativa.
Tudo sem olvidar que das 11 horas diárias previstas para a execução do contrato, 9 são nocturnas e 2 diurnas.
O que mensalmente dará uma média de 274 horas nocturnas e 61 diurnas.
Seja como for, em qualquer das situações, o valor apresentado pela 1ª Contrainteressada para a remuneração do trabalho nocturno fica aquém do valor legalmente devido.
De referir ainda que, não se vislumbra no âmbito da nota justificativa do preço apresentada pela Contrainteressada o cumprimento do disposto na cláusula 41°, n° 5 do CCT.”
Passemos, agora, ao trabalho prestado em dia feriado que, de acordo com a cláusula 42.º, n.º 2 do CCT aplicável à 1.ª Contrainteressada (cf. a alínea 34 da matéria assente), deve ser remunerado com um acréscimo de 100%.
Quanto a este ponto, os preços unitários referentes a “Outras necessidades” (cf. a alínea 11 da matéria assente) estão claramente abaixo do preço do custo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Como é possível, em face dos encargos laborais acrescidos em dias de feriado – como é o caso –, serem asseguradas treze horas de serviço, em dias de feriado, por 104,00 €?
É objetivamente impossível, face aos referidos encargos; só violando ostensivamente a lei, como sucedeu, in casu.
É que, de acordo com o CCT ao qual a 1.ª Contrainteressada está vinculada (cf. a alínea 34 da matéria assente), o valor hora é de 4,71 €, mas há que ter presente que se está diante de dias feriado, logo, esse custo é, naturalmente, superior:
4,71€ X (100% o pagamento em dia feriado) = 9,42 € X 23,75% TSU = 11,66 € X 13 horas diurnas = 151,54 €
Eis o valor dos custos mínimos diretos, por 13 horas diurnas em dias feriado, sem incluir o subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivo de turnos de 8 horas, representando um valor diário de 6,18 €.
Em síntese, a proposta da 1.ª Contrainteressada violou, de modo ostensivo, o bloco de legalidade, apresentando, inclusivamente, preços anormalmente baixos, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP, não tendo tal concorrente, em sede de procedimento de primeiro grau, apresentado qualquer documento contendo uma tentativa de fundamentação e justificação para o efeito.
Só em sede de procedimento de segundo grau – desde logo, mediante comunicação de 10.10.2022 (cf. as alíneas 29 e 30 da matéria assente) –, veio a 1.ª Contrainteressada procurar justificar os preços apresentados, mas o resultado desse exercício é o seguinte: nada se justificou.
O documento apresentado é, aliás, uma verdadeira peça de estudo.
Quanto aos dias de feriado, na Nota (alegadamente justificativa) apresentada no concurso público aqui relevante – apresentada, recorde-se, apenas em sede de procedimento de segundo grau, e em retificação de um documento apresentado a 04.10.2022 (cf. a alínea 28 da matéria assente) –, refere-se unicamente 13 dias desse tipo, para o cumprimento dos 16 meses de execução contratual, quando deviam ter sido salvaguardados 14 feriados, pois existe, naturalmente, um feriado municipal – conforme decidiu o Tribunal a quo.
A 1.ª Contrainteressada viola a normatividade laboral quando refere que a remuneração do trabalho em dia feriado é de 56,12 €.
Tal valor é muito superior (74,80 €):
11 horas X 14 dias de trabalho em dia de feriados X 23,75 da TSU
4,71€ X 11 horas X 14 dias X 23.75% = 897,61€: 12 meses = 74,80 €
A 1.ª Contrainteressada não refere – o que equivale a dizer que não reflete – na Nota em apreço, os preços respeitantes a “Outras Necessidades” (correspondentes a 13 horas dia em determinados dias de feriado, a saber, os seguintes 3 dias feriados nacionais: 25.12.2022, 01.01.2023, 25.04.2023, que, na sua proposta, perfaziam 312,00 € (104,00 € + 104,00 € + 104,00 €).
Referiu tal montante na proposta apresentada, mas na Nota eclipsou-se.
Dada a factualidade alegada e dada como provada e o quadro jurídico efetivamente aplicável, bem andou o Tribunal a quo ao decidir nos seguintes termos:
“Na situação em apreço devem ser considerados 14 dias de trabalho em dia de feriados (13 nacionais e o feriado municipal), bem como no que respeita a três dos feriados nacionais (25.12.2022, 01.01.2023 e 25.04.2023), a proposta de preço deve considerar mais 13 horas diurnas.
Ora, compulsada a nota justificativa em apreço constata-se que da mesma apenas constam 13 feriados em vez dos 14 a ser considerados, bem como não constam as 13 horas diurnas a prestar nos três dias feriados discriminados no Anexo III do Programa do Procedimento, preços respeitantes a “Outras Necessidades”, concretamente o dia 25.12.2022, 01.01.2023 e 25.04.2023.
Da mencionada nota apenas é possível extrair, quanto ao número de horas de serviço em dia feriado/mês – 12 horas (11 horas/dia x 13 feriados/ano: 12 meses).
De referir ainda que, como supra já se salientou, pelo menos nos três dias feriados acima identificados, a vigilância pretendida será nas 24 horas (11+13 – das 20h às 07h e das 07h às 20h), cobrindo todo o dia, pelo que sendo a jornada de trabalho de, no máximo 8 horas, tal significa que pelo menos três trabalhadores terão que exercer funções nesses dias feriados, com o natural acréscimo do valor em questão.
Assim, tendo em conta as referidas circunstâncias, vejamos o que se extrai da nota justificativa apresentada pela 1ª Contrainteressada, quanto à remuneração do trabalho em dia feriado:
“Remuneração do trabalho em dia feriado (acréscimo de 100% x 13: 12 + TSU) - € 56,12.” A este respeito, considera a Autora que tal valor viola a normatividade laboral, sendo que o valor correcto muito superior, € 74,80.
Entendemos que, uma vez mais, lhe assiste razão. Efectivamente,
11 horas x 14 dias de trabalho em dia feriado x 23,75% TSU
€ 4,71 x 11 horas x 14 dias x 23,75% TSU = € 897,61: 12 meses = € 74,80.
Consequentemente, tendo em conta os encargos laborais acrescidos em dias de feriado, nunca as 13 horas diurnas de serviços identificadas na parcela “Outras necessidades”, que como se referiu não se encontram reflectidas na nota justificativa do preço mas apenas na proposta apresentada, poderão implicar um custo de apenas € 104,00 por cada um dos dias, sendo o mesmo, claramente, superior.
€ 4,71 x (100% o pagamento em dia feriado) = 9,42 x 23,75% TSU = € 11,66 x 13 horas diurnas = € 151,54.””.
A 1.ª Contrainteressada não refere – o que equivale a dizer que não reflete –, na Nota em apreço, o valor relativo ao Banco de Horas: 5.464,00 €.
Eis a verificação de outro “eclipse”.
Neste ponto também a sentença recorrida decidiu com acerto:
Igualmente é notório, como salienta a Autora, a omissão na nota justificativa do valor relativo ao Banco de Horas (€ 5.464,00), valor que constava da proposta apresentada pela Contrainteressada, concretamente do seu Anexo III (facto provado no 10)”.
O mesmo sucedendo quanto aos custos relativos às contribuições para a segurança social e para os fundos de compensação do trabalho:
“De acordo com o artigo 53° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, quanto à contribuição devida para a segurança social, cabe ao empregador suportar 23,75% da taxa contributiva global. Mais resulta do artigo 46° do mesmo diploma, quais as prestações que integram a base de incidência contributiva, designadamente os valores referentes à remuneração base, a remuneração do período de férias, os subsídios de férias e de Natal, a remuneração pelo trabalho nocturno e a remuneração pelo trabalho prestado em dia feriado.
Decorre da nota justificativa do preço apresentada pela Contrainteressada que o “Custo mensal do Vigilante, acrescido da Taxa Social Única” é de € 1.103,03.
Ora, tal valor, como bem refere a Autora, viola a normatividade laboral pois que o mesmo é de € 1.178,40.
Ou seja: € 816,21 x 14 meses: 12 meses = € 952,25/mês x 23,75 TSU = € 1.178,40.
Por último, cabe ainda dar nota do estabelecido nos artigos 8°, 12° e 13° da Lei no 70/2013, de 30.08, diploma que estabelece os regimes jurídicos do fundo de compensação do trabalho, do mecanismo equivalente e do fundo de garantia de compensação do trabalho.
Nos termos do mencionado artigo 8°, n° 1 o empregador é obrigado a aderir ao FCT, operando a adesão ao FGCT de modo automático, com a adesão do empregador ao FCT. Quanto ao montante das entregas, determina o artigo 12° que os fundos em causa incidem sobre a remuneração de base equivalendo a 0,925% e 0,075% (1%) respectivamente para o FCT e FGCT, sendo as mesmas pagas 12 vezes por ano, mensalmente, nos termos do artigo 13o, no 2 do mesmo diploma.
Fazendo o cálculo, teríamos: € 816,21 x 1% = € 8,16/mês x 12 = € 97,92 anuais por cada vigilante.
Valor que necessariamente seria superior, considerando o número de vigilantes necessários à execução do serviço que, no caso, entendemos ser de 2,1.
Não obstante, nenhum valor se encontra previsto na nota para os referidos fundos de compensação do trabalho.”
Em aditamento, note-se igualmente no que consta da proposta em apreço da 1.ª Contrainteressada, em matéria de preços unitários por hora (cf. a alínea 11 da matéria assente):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Em face dos valores em apreço, constata-se que a 1.ª Contrainteressada nem sequer diferencia o preço da hora diurna do preço da hora noturna.
É evidente que os custos são diferentes no período diurno, face ao noturno, o mesmo valendo para o período diurno ao fim de semana face ao período noturno ao fim de semana.
O desrespeito dos custos com os trabalhadores afetos à execução do contrato é, assim, uma realidade, que sai reforçada quando se atende ao segmento em alusão da proposta da 1.ª Contrainteressada.
Sabendo-se qual é o CCT que a vincula (cf. a alínea 34 da matéria assente, relevando, ainda, em complemento, a alínea 36, também da matéria assente), os preços indicados na respetiva proposta são patentemente ilegais, improcedendo in totum as conclusões do recurso do Recorrente, desde logo, a 6.ª conclusão.
A apresentação de uma proposta, por parte da 1.ª Contrainteressada, cujo contrato a celebrar implicaria a violação de vinculações normativas aplicáveis é muito clara, tendo ainda sido apresentado um preço anormalmente baixo, não tendo sequer sido apresentados, na fase própria, esclarecimentos justificativos – que, mesmo que tivessem sido apresentados, nunca permitiriam salvar a proposta.
Como ficou provado (cf. as alíneas 28 a 30 do probatório), a procura infrutífera de apresentação de justificações apenas ocorreu em sede de procedimento de segundo grau e a verdade é que os documentos apresentados pela 1.ª Contrainteressada só vieram evidenciar, como se viu, uma insuficiência notória no que se refere ao cumprimento de obrigações normativas em matéria social e laboral.
O Acórdão proferido por este TCAN, a 29.04.2022, no processo n.º 339/21.1CBR, referenciado na sentença recorrida, é muito elucidativo, o mesmo valendo para a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que também foi devidamente tida em conta pelo Tribunal a quo (cf. o Acórdão de 22.09.2022, proferido no mesmo processo).
Nada há, pois, a apontar ao decisório expresso na sentença recorrida, quanto à invalidade do ato de admissão da proposta da 1.ª Contrainteressada e quanto à invalidade do ato de adjudicação propriamente dito:
Assim, considerando a ligação existente entre as duas causas de exclusão das propostas (alíneas e) e f) do no 2 do artigo 70° do CCP) num primeiro momento por força do disposto na alínea g) do no 4 do artigo 71° do CCP (introduzido pelo D.L. n° 111-B/2017) e posteriormente sedimentada pelo n° 2 do artigo 71° do CCP (na redacção dada pela Lei no 30/2021), igualmente procede a alegação da Autora no sentido da exclusão da proposta da 1ª Contrainteressada com fundamento na apresentação de preço anormalmente baixo, com a consequente anulação da adjudicação e do respectivo acto de admissão.”
A finalizar, é de referir que a alegada preterição do princípio da separação de poderes, por parte do Tribunal a quo, é totalmente improcedente.
Para o Recorrente, “[s]e a entidade adjudicante não fixou critério para a determinação de preço anormalmente baixo, não pode o Tribunal vir agora fazê-lo, mais ainda quando o procedimento administrativo já se extinguiu, pois as regras concursais aplicam-se a todos os concorrentes e têm obrigatoriamente de ser conhecidas antes da abertura das propostas” (cf. a p. 8 das alegações de recurso e as conclusões 7.ª e 8.ª).
Ora, o Tribunal a quo não definiu um preço anormalmente baixo.
Conforme resulta da sentença, o preço apresentado pela 1.ª Contrainteressada é anormalmente baixo porque se revela insuficiente para o cumprimento de obrigações normativas em matéria social e laboral, não consubstanciando tal juízo decisório, naturalmente, uma definição de preço anormalmente baixo.
Assim, improcede a apontada violação, pela sentença recorrida, do princípio da separação de poderes, ou, face ao que ficou explanado, do disposto nos artigos 1.°-A, n.° 2 e 70.°, n.° 2, alíneas e) e f) do CCP.
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN de 01/10/2010, proc. nº 00514/08.4BEPNF:
I. O princípio da divisão ou da separação de poderes não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração.
II. Tal princípio implica tão-só uma proibição funcional do juiz afectar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, não pode ofender a autonomia do poder administrativo [o núcleo essencial da sua discricionariedade], enquanto medida definida pela lei daquilo que são os poderes próprios de apreciação ou decisão conferidos aos órgãos da Administração.
III. Os poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da actuação da Administração, mormente o controlo actuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art. 266.º, n.º 2 da CRP.
IV. Não haverá invasão dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa ou sequer violação do princípio da separação de poderes quando os tribunais, no exercício da sua função, apreciem da conformidade dos requisitos formais dos actos administrativos, inclusivamente da competência do ente que decidiu, ou se foi observado o procedimento legal adequado, ou se ainda correspondem à realidade os pressupostos de facto em que os mesmos assentaram, bem como se ocorreu desvio de poder ou violação dos princípios gerais de direito (v.g., da justiça, da proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade, etc.).
V. Também não se nos afigura ocorrer qualquer ilegalidade/invasão no controlo feito pelo tribunal relativamente aos actos administrativos praticados ou omitidos na sequência ou ao abrigo de regras/princípios definidos pela Administração, no uso dos seus poderes, em concretização ou explicitação dos espaços de discricionariedade de que goza ou mesmo de conceitos indeterminados legalmente fixados.
VI. (….)
Ademais, no caso concreto o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação na adjudicação à proposta da Autora, limitando-se, face à exclusão das propostas apresentadas pelas Contrainteressadas, a determinar à Entidade Adjudicante o retomar do procedimento e a proceder à reordenação dos candidatos em conformidade com as referidas exclusões.


Do ato de admissão da proposta da 2.ª Contrainteressada: do vício de violação de lei do ato impugnado, por preterição do disposto nos artigos 1.°-A, n.° 2 e 70.°, n.° 2, alíneas e) e f) do CCP -
A proposta da 2.ª Contrainteressada (cf. a alínea 13 da matéria assente) é reveladora.

Quanto às “Outras necessidades”, a apresentação de uma proposta de preço total mensal diferente para o dia 25.04.2023, quando comparado com a proposta apresentada para os dias 25.12.2022 e 01.01.2023, não faz o mínimo de sentido, quando o número de horas é exatamente idêntico (13 horas) (cf. a alínea 13 da matéria assente):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Qual a razão para tal diferenciação? Razão legal ou regulamentar não existe certamente.
Precisamente quanto aos preços unitários apresentados pela 2.ª Contrainteressada, por referência às “Outras necessidades”, há que expressar o seguinte: estão claramente abaixo do custo, pois, como é público e notório, os encargos laborais são, em dia de feriado, muito superiores, sem que tenham sido sequer apresentadas quaisquer justificações para tais valores.
Não há razões/justificações para tal.
Como explicar um valor de 8,38 €, por hora em dia de feriado (cf. a alínea 13 da matéria assente)?
Em comparação com a 1.ª Contrainteressada, os preços unitários apresentados pela 2.ª Contrainteressada, em sede de proposta, são inferiores.
Efetivamente, o preço hora diurno é de apenas 7,45 € e o preço hora fim de semana diurna, é de apenas de 7,90 € (cf. a alínea 13 da matéria assente) – valores que, como se referiu, são inferiores aos da 1ª Contrainteressada (cf. a alínea 11 da matéria assente).
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Se se atender ao preço hora em dia de feriado apresentado em “Outras necessidades”, é de 8,38 €, cada hora em dia de feriado diurno (cf. a alínea 11 da matéria assente).
Para a 2.ª Contrainteressada, os custos são exatamente os mesmos no caso do preço hora noturna (8,38 €) e o preço hora fim de semana noturna é superior, tendo apresentado um valor de 8.70 € (cf. a alínea 13 da matéria assente).
Ou seja, para 2.ª Contrainteressada, o valor hora em dia de feriado é sempre igual ou inferior ao dos dias em trabalho noturno aos fins de semana.
Note-se que, como ficou provado (cf. a alínea 35 da matéria assente), por via da Portaria (de extensão) n.º 152/2021, de 16 de julho [cf. o artigo 1.º, n.º 1, alínea a) da referida Portaria de extensão], a 2.ª Contrainteressada está sujeita ao CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – STAD, na versão revista, designadamente em matéria salarial, e publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 4, de 29.01.2021,
O que significa que, para os vigilantes, a partir de 01.01.2022, vale a seguinte retribuição mínima mensal: 812,17 € (cf. a p. 307:
... ).
Os custos mínimos decorrentes do cumprimento do referido CCT são os que se seguem (cf. a alínea 37 da matéria assente):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Fica, pois, clarividente a ilegalidade da proposta da 2.ª Contrainteressada, integrando preços que contrariam ostensivamente o bloco de legalidade.
Não foram prestados esclarecimentos, e a verdade é que a prestação de esclarecimentos jamais poderia salvar a proposta, como a jurisprudência administrativa superior – referenciada pelo Tribunal a quo – tem entendido.
Foi, assim, preterido o disposto nos artigos 70.º, n.º 2, alíneas e) e f), e 146.º, n.º 2, alínea o), do CCP, logo, não merece censura a Sentença recorrida ao invalidar o ato de admissão da proposta da 2.ª Contrainteressada:
“Cabe assim verificar se a proposta apresentada pela 2ª Contrainteressada contraria o bloco de legalidade, concretamente, como alega a Autora, se o preço unitário aferido em função da rubrica, “Outras necessidades”, está claramente abaixo do custo, uma vez que os encargos laborais em dia de feriado são muito superiores.
Entendemos que, também neste ponto, assiste razão à Autora.
Decorre da factualidade apurada (facto provado n° 13) que a 2º Contrainteressada fez acompanhar a sua proposta pelo Anexo III ao Programa do Procedimento, identificado como modelo de declaração do preço.
Do referido documento, parcialmente reproduzido no ponto 13 da matéria assente, é possível extrair, entre o mais, o seguinte:
Mais resulta da factualidade assente que a 2º Contrainteressada, por via do artigo 1°, no 1, alínea a) da referida Portaria (de extensão) no 152/2021, de 16 de julho, está sujeita ao Contrato Colectivo celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – STAD.
De acordo com o referido CC, a remuneração mínima mensal para os vigilantes, a partir de 01.01.2022, é de € 812,17.
Logo, de acordo com a fórmula estabelecida no artigo 32°, n° 3 do mesmo CC, o valor hora de trabalho normal é de € 4,69.
Estamos assim, no que concerne à 2ª Contrainteressada, perante um custo de natureza laboral, a que se referem os artigos 1°-A, n° 2 e 70°, n° 2, alínea f) do CCP, concretamente quanto ao trabalho prestado em dia feriado.
Relativamente ao trabalho prestado em dia feriado, como já tivemos oportunidade de salientar, o acréscimo remuneratório é de 100%.
Ora, compulsada a proposta aqui em análise, constata-se que da mesma, pese embora no item relativo a “Outras necessidades” o número de horas/dia e horas/mês seja sempre o mesmo em qualquer dos feriados aí referidos (25.12.2022, 01.01.2023 e 25.04.2023), é possível extrair duas propostas diferentes em relação ao preço total mês.
Diferença que, não só não encontra apoio em qualquer justificação como, desde logo, denuncia o incumprimento por parte da proposta em questão, quanto aos encargos laborais em dia de feriado.
Tal como se esclareceu em relação à 1ª Contrainteressada, tendo em conta os encargos laborais acrescidos em dia feriado (100%), nunca as 13 horas diurnas referentes aos três feriados identificados na parcela “Outras necessidades”, poderiam implicar um custo de € 108,94 e muito menos de € 96,85, sendo o mesmo, claramente, superior.
Assim, teríamos:
4,69 x (100% o pagamento em dia feriado) = 9,38 x 23,75% TSU = € 11,61 x 13 horas diurnas = € 150,93.
Acresce, como resulta do ponto 9 do Programa do Procedimento, que era exigido aos concorrentes que as propostas fossem instruídas com “proposta com indicação de preço de hora diurno e do preço de hora noturno, o preço de hora diurno fim de semana, preço de hora noturno fim de semana, e preço total da proposta, de acordo com as quantidades de horas estimadas, conforme Anexo III, o qual deverá ser indicado em algarismos e por extenso, referindo expressamente que não inclui o IVA”. – facto provado n° 2.
Ora, analisada mais uma vez a proposta apresentada pela 2º Contrainteressada, concretamente o modelo de declaração do preço parcialmente reproduzido no ponto no 13 da matéria de facto provada, constata-se que, tal como verificado em relação à 1º Contrainteressada, a mesma indica o preço hora diurnas, o preço hora noturnas, o preço hora fim de semana diurnas, o preço hora de fim de semana noturnas, bem como o preço total da proposta em conformidade com o exigido no Programa do Procedimento.
Não obstante, os valores unitários propostos (preço/hora) para as tipologias previamente indicadas, não atendem aos custos mínimos decorrentes do cumprimento do contrato colectivo, a que se encontra sujeita por força da supra mencionada portaria de extensão (Portaria n° 152/2021, de 16 de Julho – artigo 1°, n° 1, alínea a)).
Para o efeito, basta atender aos custos mínimos decorrentes do cumprimento do contrato colectivo em questão, tal como se extrai do ponto 37 da factualidade assente.
(...)
Na verdade, basta atender à circunstância de o preço apresentado pela 2ª Contrainteressada ter o mesmo valor hora em caso de dia de feriado e para o trabalho nocturno para facilmente se verificar que não se cumprem os referidos custos mínimos, necessários ao cumprimento das obrigações sociais e laborais em questão,
Ante o exposto, também a proposta da 2º Contrainteressada EMP03..., não devia ter sido admitida ao abrigo do disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 70° do CCP, conjugado com o artigo 1º-A, no 2 do mesmo diploma, padecendo o acto de admissão em crise de invalidade (anulabilidade), determinando a exclusão da proposta.”
Em suma,
-Como sentenciado, nada obsta ao anteriormente decidido no sentido da anulação da decisão de adjudicação, da decisão de admissão das propostas das Contrainteressadas, condenando-se a entidade demandada a excluir as propostas graduadas nos dois primeiros lugares.
Já no que concerne à anulação do contrato entretanto celebrado, encontram-se preenchidos os pressupostos para anular o contrato, na medida em que ocorre modificação subjectiva do contrato celebrado, não se verificando qualquer razão para afastar esse efeito anulatório, ao abrigo do disposto do n° 4 do artigo 283° do CCP.
De facto, estando em causa apenas a substituição de um adjudicatário por outro, não se vislumbra existir qualquer desproporcionalidade na afectação dos interesses envolvidos, nem a anulação se pode reputar de contrária à boa-fé.
Repare-se que a entidade demandada não nega o incumprimento dos encargos legais (laborais e sociais) por parte das propostas das Contrainteressadas, apenas se limitando a dizer que improcede o terceiro vício invocado pela Autora, dado desconhecer o negócio da adjudicatária, não lhe competindo averiguar se são pagos salários abaixo da lei.
Alegações que, face à jurisprudência acima veiculada, se encontram ultrapassadas face às alterações que o CCP sofreu nas referidas matérias.

Sucumbem, assim, as conclusões do Recorrente.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 21/04/2023


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro