Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00402/05.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
EMPRESA
PRESUNÇÕES
Sumário:I- Resulta da interpretação do n.º1 do art.º 53.º do CIRC que o regime simplificado era aplicável aos sujeitos passivos (de IRC) residentes que exercessem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com exceção dos que se encontrassem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentassem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (149 639,37 €) e que não optassem pelo regime geral de determinação do lucro tributável.
II- Por força do n.º 7 do art.º 53.º do CIRC a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos: na declaração de início de actividade: na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
III- O n.º4 do art.º 53.º do CIRC estabelece uma presunção de incidência.
IV- O art.º 74.º da LGT permite com efeito que “[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
V- O n.º3 do art.º 53.º CIRC é uma presunção que influencia a determinação da matéria pelo que face ao art.º 73.º da LGT é suscetível de ser ilidida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Estação de Serviço...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
… - ESTAÇÃO DE SERVIÇO, S.A., melhor identificado nos autos, recorre da sentença proferida em 18.12.2009 a qual julgou improcedente a impugnação do IRC do ano de 2003 e respetivos juros moratórios, no valor de € 15 712.98.
A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)Em conclusão:

1. Ao dispensar a produção de prova, o Meritíssimo Juiz a quo, deveria ter considerado assente, por se tratar de facto público e notório, que a margem de lucro no sector do comércio a retalho de combustíveis é inferior a 10%.
2. Caso entendesse que tal facto carecia de prova, não deveria ler dispensado a fase de produção de prova. Deveria, ao invés, ter determinado a produção de prova, antes da prolacção da sentença recorrida.
3. A recorrente deve ter direito a ser tributada pelo regime da contabilidade organizada, em substituição da tributação pelo regime simplificado, apesar de não ter exercido a respectiva opção, por resultar da tribulação do regime simplificado um manifesto, injusto e iníquo excesso de tributação.
4. Deveria, assim, a liquidação impugnada ser anulada.
5. Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação e violação as disposições contidas nos artigos 103°, n.° 2 e 104°, n.° 2, ambos da CRP, 73° da LGT e 3°, n.° 1, a), e 17°, n.° 1, a), do CIRC.
Termos em que,
- Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial, com efeitos na anulação da liquidação impugnada e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.
.(…)”

1.2. A recorrida não apresentou contra alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da declaração de incompetência deste tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer o presente recurso, por o mesmo ter por fundamento matéria exclusivamente de direito, atendendo que a Recorrente não questiona quaisquer factos ou circunstâncias que não hajam sido aí apreciadas e valoradas, bem como não tece quaisquer considerandos sobre as questões/ e ou diligências de prova.
Requereu assim, se declare incompetente em razão da hierarquia o TCAN devendo a competência para a decisão ser atribuída ao Supremo Tribunal Administrativo.
Notificadas as partes veio a Recorrente alegar que tem por fundamento erro do julgamento de facto por não considerar assente a margem do lucro e que o TCAN é competente em razão da hierarquia.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJCTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR


Cumpre apreciar e decidir a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia do TCAN e a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pelas conclusões das respectivas alegações, sendo a de saber se sentença violou os art.º 103°, n.° 2 e 104°, n.° 2, ambos da CRP, 73° da LGT e 3°, n.° 1, a), e 17°, n.° 1, a), do CIRC.


3.JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)II I Factos provados
A) A Impugnante … Estação de Serviço, LDA. é uma sociedade que exerce a actividade de comércio a retalho de combustível para veículos a motor, CAE 50 500, estes factos resultam dos autos considerados na sua globalidade (não são objecto de litigio entre as Partes; pelo contrário resultam admitidos nos articulados que apresentaram);

B) No ano de 2002 não ultrapassou, ao nível dos proveitos, o montante de 149 639,37€ e não fez a opção pelo regime geral de tributação, estes factos resultam também dos autos. Há uma divergência entre as Partes sobre o referido no início desta alínea pois que a Impugnante refere que não exerceu actividade enquanto que a Administração Fiscal refere ter o valor dos proveitos sido inferior ao montante supra aludido. Mas bem atentando na referida divergência, se a considerarmos perante o que nestes autos cumpre apreciar entendemos, como na fundamentação melhor se explicará, que ela é irrelevante;

C) Entregou, via internet, a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2003, de acordo com o regime geral de tributação dos rendimentos, cfr. fls. 7 a 9 dos autos apensos de reclamação graciosa;

D) Notificada da existência de erros na declaração referida em C) porque “ ASSINALADO REG. GERAL E SUJ. PASSIVO ENQUADRADO NO REG SIMPLIFICADO”, procedeu à entrega de declaração de rendimentos Modelo 22 já de acordo com o regime simplificado de tributação, vide docs. de fls. 10, 5 e 6 d já referida Reclamação Graciosa;

E) A declaração referida em D) originou a liquidação impugnada, liquidação nº 2004 2310366599, cfr. docs. de fls. 24 destes autos e fls. 5 e 6 dos autos apensos;

F) Não concordando com a sua tributação de acordo com o regime simplificado, defendendo a substituição pelo regime geral, a Impugnante apresentou reclamação graciosa esgrimindo argumentos similares aos apresentados nestes autos, vide fls. 1 a 4 dos autos apensos;

G) Reclamação graciosa que foi indeferida, indeferimento notificado à Impugnante em 24-02-2005, cfr. fls. 40 a 51 dos autos apensos;

H) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada, via correio electrónico, em 9 de Março de 2005, vide carimbo aposto na 2ª folha dos presentes autos;

II II Factos não provados
Não se provaram factos que estejam em contradição com a factualidade provada, ou outros (…)”

3.1. Como vista ao julgamento do presente recurso impõem-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo art.º 662.º do CPC Civil aditar ao probatório os pontos as alínea l), J) e k) nos termos seguinte:
I) Em 17.10.2006 foi proferido pelo Mmº Juiz despacho no qual considerava que a questão em, litigio era uma questão de direito e como tal não carecia de produção de prova testemunhal e entendeu não se justificar a notificação das partes para produzirem alegações escritas. (fls.76 dos autos).
J) A Recorrente e a Recorrida foram notificadas do presente despacho por ofício datado de 23.10.2006 (fls.77 e 78 dos autos).
K) Em 18.12.2009 foi proferida a sentença recorrida (fls.85 a 87 dos autos)

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1 Assente a factualidade apurada cumpre, agora, antes de mais, entrar na análise da exceção suscitada.
A questão (prévia) que cumpre apreciar e decidir é a da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo que esta questão assume carácter prioritário relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13.º do CPTA aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c), do CPPT, porquanto a sua eventual procedência prejudicará o conhecimento de qualquer outra questão.
Resulta do disposto no artigo 26º, alínea b) e do artigo 38º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que ao Tribunal Central Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, compete conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, exceto quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, situação em que a competência será da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que ponderar as conclusões da alegação do recurso e verificar se, as questões controvertidas se resolvem mediante a exclusiva aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja porque discorda das ilações de facto que deles se retiraram, porque invoca factos que não foram dados como provados e que, em abstrato, podem não ser indiferentes para o julgamento da causa.
Da leitura das conclusões de recurso, que acima ficaram transcritas e que delimitam o âmbito e o objeto do presente recurso, consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação de lei.
A resposta a esta questão tem por base um silogismo jurídico com base nas ilações de facto e de apuramento de factos, para além, da Recorrente ter alegado na conclusão n.º 1 que o Tribunal a quo deveria dar como provado que por se tratar de facto público e notório, que a margem de lucro no sector do comércio a retalho de combustíveis é inferior a 10%.
Nesta conformidade a questão fundamental embora tenha por base por matéria de direito, a Recorrente questiona os factos dado como provados.
Nesta perspetiva, afigura-se-nos que a competência para conhecer o objeto do presente recurso, com o devido respeito por opinião contrária, a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, uma vez que não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, mas também, matéria de facto e/ou ilações de facto.
Pelo que julga-se este Tribunal Central Administrativo Norte competente em razão da hierarquia, para dirimir o litígio.

4.2. Do confronto da petição inicial resulta que a Recorrente pugna pela interpretação que no exercício de 2003, apesar de não ter optado pelo regime geral de tributação, a determinação da matéria tributável deveria ter sido seguido o regime geral de tributação, e não lhe ser aplicada a presunção do n.º4 do art.º 53.º do CIRC.
Refere que o lucro real das empresas é apurado anualmente e que a atividade da Recorrente consistia na venda a retalho de combustíveis.
E que neste setor de atividade, as margens de lucro bruto são manifestamente inferiores a 10% sobre as vendas, como é público e notório, o que levou inclusive à criação de uma fórmula de cálculo específica para a determinação do Pagamento Especial por Conta (PEC) relacionado com o Imposto Especial sobre o Consumo (IEC).
E que é inadmissível a tributação pela aplicação do n.º4 do art.º 53.º do CIRC – regime simplificado – com uma margem de lucro líquido de 20% sobre o montantes de vendas.
Em sede de recurso, a Recorrente alega que ao dispensar a produção de prova, o Meritíssimo Juiz a quo, deveria ter considerado assente, por se tratar de facto público e notório, que a margem de lucro no sector do comércio a retalho de combustíveis é inferior a 10%.
E caso entendesse que tal facto carecia de prova, não deveria ter dispensado a fase de produção de prova, deveria, ao invés, ter determinado a produção de prova, antes da prolação da sentença recorrida.
Vejamos:
A primeira questão que importa decidir é a de saber se o tribunal, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por não considerar assente que a margem de lucro no sector do comércio a retalho de combustíveis é inferior a 10% ou ter dispensado a produção de prova testemunhal.
Como supra se referiu na petição inicial – artigos 17.º a 27.º - setor de atividade, as margens de lucro bruto são manifestamente inferiores a 10% sobre as vendas.
O que nos reconduz a averiguar se a prova oferecida tinha a virtualidade de poder elidir a presunção contida n.º4 do art.º 53.º do CIRC.
A Recorrente – art.º 19.º a 28.º da petição inicial- refere que a nos termos do art.º 73º da LGT todas as normas de incidência admitem prova em contrário e o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por não ter dado como assente na matéria provada que a margem de lucro da Recorrente, por se integrar no setor de venda de combustíveis a retalho, é inferior a 10%.
A Recorrente arrolou 2 testemunhas e requereu ainda a realização de prova pericial.
Em 17.10.2006 foi proferido pelo Mmº Juiz despacho no qual considerava que a questão e, litigio era uma questão de direito e como carecia de produção de prova testemunhal e entendeu não se justificar a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
A Recorrente e a Recorrida foram notificadas do presente despacho por ofício datado de 23.10.2006.

Importa traze à colação o art.º 54º n.º3 do CIRC preceitua que1 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30.000.000$00 (€ 149 639,37) e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
2 –(…)
4 - Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no n.º 11, é o resultante da aplicação do coeficiente 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação de produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual a € 6250 (Lei 32-B/02, de 30.12).
5 (...).
7 - A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
8 –(…) ”
Resulta da interpretação do n.º1 do art.º 53.º do CIRC que o regime simplificado era aplicável aos sujeitos passivos (de IRC) residentes que exercessem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com exceção dos que se encontrassem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentassem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (149 639,37 €) e que não optassem pelo regime geral de determinação do lucro tributável.
Por força do n.º 7 do art.º 53.º do CIRC a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos: na declaração de início de actividade: na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
E nos termos do n.º 8 do art.º 53.º do CIRC opção referida no número anterior é válida por um determinado período.
Da prova produzida nos autos e da existente não se compreende bem qual a situação da Recorrente em que data a iniciou a atividade e a razão pela qual foi enquadrada em 2003 no regime simplificado de rendimentos, factos que importa esclarecer.
A sentença recorrida considerou que “[o] comportamento da impugnante significou uma opção pelo regime simplificado dado não ter optado, tempestivamente, pelo regime geral. Aquele regime, salvaguardado que foi a possibilidade de Impugnante optar por outo….. não é violador dos princípios constitucionais.”
Como refere o parecer do Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal, [a]pesar de ser inquestionável o acerto decisório de que, in casu, é válida a tributação pelo regime simplificado, por se mostrarem preenchidos os pressupostos legais da tributação, não se pode olvidar a doutrina emanada do recente acórdão do STA, de 4.11.2009, no sentido de que o valor mínimo constante do n.º4 do art. 53.º do CIRC …. sempre deverá ser entendido como mera presunção ilidível, por força do disposto no art.º 73.º da LGT. (…)”.
Reportando-mos a aos presentes autos a Recorrente entende que o sector em que está enquadrada as margens de lucro são 10% sobre as vendas e que o n.º 4 do art.º 53.º do CIRC - o regime de simplificado de determinação da matéria tributável- aplica a margem de lucro líquido de 20% sobre o montante de vendas.
Com efeito, o n.º4 do art.º 53.º do CIRC estabelece uma presunção de incidência.
O art.º 74.º da LGT permite com efeito que “[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
No citado acórdão do STA n.º 0553/09 de 04.11.2009 com a qual concordamos consta que “(…) Ora, dispõe o artigo 1.º do Código do IRC, sob a epígrafe pressuposto do imposto, que tem aqui o sentido de facto constitutivo da respectiva relação jurídica de IRC (cfr. SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 187), que:
«O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código» (sublinhados nossos).
Segue-se a norma relativa à incidência subjectiva (artigo 2.º, Sujeitos passivos), entre os quais se contam as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRC), cuja base do imposto, de acordo com o artigo 3.º do CIRC, é constituído pelo respectivo lucro, quando exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRC).
Parece certo, em face das normas de incidência subjectiva do IRC, que a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois que mantém a sua existência jurídica não obstante o não exercício do objecto social (embora a personalidade jurídica não seja, sequer, pressuposto da sua potencial sujeição – cfr. a alínea b) do n.º 1, do artigo 2.º do CIRC) e pode ter obtido outros rendimentos tributáveis. Sucede, contudo, que tal só sucederá verificado que seja o pressuposto do imposto, ou seja, que tenha obtido rendimentos, mesmo que provenientes de actos ilícitos (artigo 1.º do CIRC), pois que não basta que possa ser sujeito passivo, necessário é também que se verifique o facto constitutivo da relação jurídica de IRC.

É a esta luz que se há-de interpretar o n.º 4 do artigo 53.º do CIRC, que dispõe, sob a epígrafe regime simplificado de determinação do lucro tributável:
«Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no n.º 11, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação de produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado».

No caso dos autos, perante a declaração de rendimentos nulos, deve o IRC ser liquidado assumindo-se como lucro tributável o valor correspondente ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado?
Entender que sim, como faz a sentença recorrida, significaria assumir que, no âmbito do regime simplificado, o pressuposto do imposto pode ser ficcionado, pois que não há quaisquer indícios de terem sido obtidos rendimentos pelo sujeito passivo em causa, sendo, aliás, todos os indícios em sentido inverso.
Não nos parece, contudo, ser esse o sentido da norma.
A norma em causa, respeitante à determinação do lucro tributável, só se aplica havendo rendimentos, pois que só havendo rendimentos, ou seja, só verificado que seja o pressuposto do imposto, nasce a respectiva relação jurídica.
Mesmo nesse caso, ou seja havendo rendimentos, o valor mínimo constante da referida norma legal terá de ser entendido como mera presunção de rendimento, e como tal ilidível, ex vi do 73.º da Lei Geral Tributária, cuja regra não parece aplicável apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também a todas as normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação). É este, parece, o alcance do advérbio «sempre» utilizado no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, que arvora esta regra em princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva, como ensina CASALTA NABAIS (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 443 e ss.) (…)”

A Recorrente não concorda com a liquidação do imposto, por determinação da matéria coletável com base na presunção estabelecida no n.º3 do art.º 53.º CIRC, propondo-se fazer prova que neste setor as margens de lucro bruta do são inferiores a 10% sobre as vendas.
Assim, o n.º3 do art.º 53.º CIRC é uma presunção que influencia a determinação da matéria pelo que face ao art.º 73.º da LGT é suscetível de ser ilidida.
Propondo a Recorrente na petição inicial a fazer prova de que a quantificação do lucro tributável era inferior ao valor fixado no n.º4 do art.º 53.º do CIRC mal andou o tribunal a quo quando dispensou a inquirição de testemunhas.
Incorreu em erro de em erro de julgamento da matéria de facto, a sentença recorrida pelo que se impõem a sua anulação nos termos da alínea c) do art.º 662.º do CPC ordenando-se a baixa dos autos à 1.º instância para ampliação da matéria de facto, após a inquirição de testemunhas e eventual realização de perícia se assim o considerar necessário.
E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I- Resulta da interpretação do n.º1 do art.º 53.º do CIRC que o regime simplificado era aplicável aos sujeitos passivos (de IRC) residentes que exercessem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com exceção dos que se encontrassem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentassem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (149 639,37 €) e que não optassem pelo regime geral de determinação do lucro tributável.
II- Por força do n.º 7 do art.º 53.º do CIRC a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos: na declaração de início de actividade: na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
III- O n.º4 do art.º 53.º do CIRC estabelece uma presunção de incidência.
IV- O art.º 74.º da LGT permite com efeito que “[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
V- O n.º3 do art.º 53.º CIRC é uma presunção que influencia a determinação da matéria pelo que face ao art.º 73.º da LGT é suscetível de ser ilidida.

6. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, anulando a sentença recorrida e ordenando a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para ampliação da matéria de facto.

Sem custas nesta instância.
Porto, 12 de fevereiro de 2015
Ass. Paula Teixeira

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Bento