Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02969/14.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA; CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO; SUPRIMENTO
Sumário:
1 – O poder inquisitório do juiz, aconselhará a que se adote uma interpretação que não possa vir a penalizar o Autor em decorrência de um lapso do seu mandatário, viabilizando-se que o “dever” de boa gestão processual, permita o aperfeiçoamento da Petição, quanto à identificação da entidade demandada, em homenagem ao principio “Pro Actione, adotando-se assim “mecanismos de simplificação e agilização processual”, com vista a, em “prazo razoável”, o tribunal decidir da “justa composição do litigio”, por forma a que o Autor não possa ficar sem tutela.
O convite ao aperfeiçoamento só não será admissível, havendo lugar a decisão de absolvição da instância, quando estejamos em presença da exceção dilatória insuprível que não consinta a renovação da instância [v.g., a inimpugnabilidade do ato, a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito de ação, a litispendência, o caso julgado].
Para além das enunciadas exemplificativamente no art. 89.º, n.º 3 CPTA contam-se, nomeadamente, entre as situações passíveis de suprimento ou correção a ilegitimidade passiva do demandado, a coligação ilegal, a falta identificação dos contrainteressados em preterição de litisconsórcio necessário passivo e a cumulação ilegal pretensões.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JAGA
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
JAGA, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra o Ministério da Educação e Ciência, peticionou:
«a) ser reconhecido o direito do Autor a que os contratos a termo que sucessivamente celebrou com o Réu se converteram – designadamente por força da aplicação da Diretiva 1990/70/CE, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNIPE e CEEP – num contrato de trabalho sem termo;
b) ser o Réu condenado a considerar a relação laboral do Autor, com fundamento nos alegados contratos a termo, como uma relação laboral em funções públicas por tempo indeterminado/sem termo com as devidas consequências daí resultantes, designadamente para a estabilidade no emprego, antiguidade e remuneração do Autor de acordo com o seu tempo de serviço;
c) ser o Réu condenado a proceder ao pagamento ao Autor das diferenças salariais entre o valor do vencimento que efetivamente auferiu e continuará a auferir enquanto professor contratado e o valor que foi e continuará a ser pago a um professor com vinculo por tempo indeterminado com o mesmo tempo de serviço do Autor até à data em que essa situação deixar de se verificar.”
Subsidiariamente,
d) caso assim não se entendesse, sempre se devia condenar o Réu a proceder ao pagamento da remuneração do Autor de acordo com o seu tempo de serviço em paridade com os professores com vínculo por tempo indeterminado;
e) devendo o Réu ser condenado a pagar as diferenças salariais entre o valor do vencimento que efetivamente auferiu e continuará a auferir enquanto professor contratado e o valor que foi e continuará a ser pago a um professor com vinculo por tempo indeterminado com o mesmo tempo de serviço do Autor até à data em que essa situação deixar de se verificar.”

Inconformado com a decisão proferida em 16/12/2016 no TAF de Braga, que julgou procedente a exceção de falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação e Ciência, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 30 de janeiro de 2017, (Cfr. fls. 237v a 239v Procº físico), aí concluindo:

“1. Na presente ação foi julgada procedente a exceção da falta de personalidade judiciária do Réu Ministério da Educação e Ciência e, em consequência, absolvido da instância.
2. O A. não concorda com a douta sentença, pois entende que, nos termos em que configurou a presente ação, o R Ministério da Educação e Ciência tem personalidade judiciária.
3. Entre outros pedidos, o A. pede que o R. seja condenado a reconhecer-lhe o direito a que os diversos contratos celebrados com ele se convertam num contrato sem termo.
4. A legitimidade passiva vem regulada no art.º 10.º do CPTA
5. Em princípio, a atribuição de capacidade judiciária faz-se por um critério de coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária, mas
6. Também através da extensão de personalidade judiciária a entes administrativos sem personalidade jurídica, nomeadamente, aos ministérios.
7. Assim, os ministérios têm personalidade judiciária, nas ações administrativas comuns para reconhecimento de direitos, bem como nas ações de condenação à adoção ou abstenção de comportamento.
8. Ora, como acima se disse, o principal pedido pende-se com o reconhecimento de um direito, pelo que o R. tem personalidade judiciária.
9. No presente caso, encontram-se violadas, entre outras, as normas constantes do art.º 25.º, 26.º do CPC, art.º 4.º e 10.º do CPTA.
Termos em que, julgando procedente por provado o presente recurso e, em consequência, ordenando a baixa dos autos ao tribunal a quo, para prosseguimento dos autos com a sua ulterior tramitação processual, farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.

O Ministério da Educação veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 2 de março de 2017, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 254v e 254 Procº físico):
“I. A sentença recorrida deve ser mantida na sua plenitude, atenta a sua correta interpretação das normas jurídicas aplicadas.
II. Relativamente a ações ou omissões de órgãos estaduais, a legitimidade passiva na ação comum cabe, em princípio aos ministérios em que tais órgãos se integrem, salvo se se tratar de uma ação relativa a contratos ou responsabilidade, caso em que a ação deve ser proposta contra o Estado, o qual é representado pelo Ministério Público.
III. Mesmo que se quisesse considerar o Ministério da Educação como parte legítima para o pedido formulado na alínea b) do petitório final, a verdade é que, a cumulação de pedidos das alíneas a) e b) é meramente aparente.
IV. Pois que, o pedido da alínea b), decorre obrigatória e necessariamente da conversão dos contratos a termo em «contratos de duração indeterminada».
V. É esse deferimento da conversão da conversão dos contratos a termo em «contratos de duração indeterminada», que define a situação individual e concreta do Ministério da Educação, e não qualquer outro ato a praticar pelo Ministério da Educação, que, nestes termos, nunca se poderia considerar ato administrativo.
VI. E, por isso, as alíneas a) e b) do petitório final não configuram uma cumulação real de pedidos, pelo que não existe qualquer pedido para o qual o Ministério da Educação tenha legitimidade ou mesmo personalidade judiciária.
VII. Resta, ainda, chamar à colação, para esgotamento definitivo de fundamentação, o recente Acórdão do STA, datado de 04-02-2016, proferido no processo n.º 01300/14, e para dois outros Acórdão da mesma instância nele referidos.
Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por VV. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada Justiça.”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 7 de março de 2017 (Cfr. fls. 260 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal veio a proferir Parecer em 28 de março de 2017, concluindo que “deverá … ser negado provimento ao recurso sub judice e, daí, ser inteiramente mantido o douto despacho saneador recorrido” (Cfr. fls. 268 a 270 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa predominantemente verificar da existência dos invocados erros de julgamento, no que concerne à decidida absolvição da instância, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Do Direito
No que aqui releva, expendeu-se em 1ª instância:
Em matéria de personalidade judiciária, sobre a epígrafe de “Conceito e medida da personalidade judiciária” estabelece o artº 5º do CPC, aplicável ao Contencioso Administrativo por força da remissão contida no artº 1º do CPTA, que “1. A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte. 2. Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
A personalidade jurídica é a aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas.
Os Ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do respetivo órgão central Governo, constituindo posição unânime da jurisprudência serem os Ministérios destituídos de personalidade e capacidade judiciárias.
Não sendo pessoa coletiva, antes órgão da pessoa coletiva Estado, não possui o Ministério da Educação e Ciência personalidade judiciária.
Contrariamente ao que sucede relativamente aos conceitos de personalidade e de capacidade judiciárias, em sede de legitimidade processual, o CPTA dispõe, entre outros, nos seus arts. 9º e 10º, de regras próprias.
Assim, no que diz respeito à legitimidade processual passiva, dispõe o artº 10º do CPTA, que “1 – Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 – Quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 – Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença. (...)”
Por outro lado, no que tange aos conceitos de Patrocínio judiciário e de Representação em juízo, estabelece o art. 11º do mesmo Código que: “1 – Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.
2 – Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.(...)”.
De tal enquadramento legal, resulta que a regra geral em matéria de legitimidade processual passiva é a que consta do art. 10º, n.º 1 e que a regra constante do nº 2 desse mesmo preceito legal corresponde às situações de legitimidade processual passiva no que concerne, por um lado, aos processos que seguem a forma da ação administrativa especial, e, por outro lado, aos processos que seguem a forma da ação administrativa comum, com ressalva daqueles que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, caso em que, de acordo com a regra que se extrai do art. 11º, n.º 2, as ações devem ser interpostas contra o Estado, que se deve fazer representar em juízo pelo Ministério Público (neste sentido Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pp. 46 e segs.; e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pp. 69 e segs.).
Em sentido semelhante já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, nomeadamente nos Acórdãos de 19/07/2007 (Proc. n.º 805/05.6BEPRT), de 24/05/2007 (Proc. n.º 184/05.1BEPRT) e de 11/01/2007 (Proc. n.º 534/04.8BEPNF) e 30/10/08 (Proc. nº 1170/05BEBRG), todos in www.dgsi.pt.
Assim, e em suma, conclui-se que nas ações administrativas comuns em que se pretenda efetivar a responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) a legitimidade passiva, enquanto pressuposto processual de apreciação subsequente à personalidade, continua a pertencer à pessoa coletiva Estado e não aos ministérios.
A presente ação tem por objeto relações contratuais, centrando-se a discussão na natureza da relação contratual estabelecida com o autor.
Sobre situação semelhante à dos autos pronunciou-se recentemente o Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 04.03.2016, proferido no âmbito do processo 00991/14.4BEAVR e disponível para consulta em www.dgsi.pt), nos seguintes termos:
I) – É ação que tem por objeto - relações contratuais e de responsabilidade, a que tem em vista a conversão de contratos a termo antes celebrados numa relação de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, vindo subsidiariamente peticionada a responsabilidade civil por não transposição da Diretiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP.
II) – Pelo que a legitimidade passiva recai sobre o Estado.
Fundando-se a pretensão do Autor em relações contratuais, o Réu Ministério da Educação e Ciência não detém quer personalidade judiciária, pelo que a ação deveria ter sido proposta contra o Estado, representado pelo Ministério Público.
E não se subsumindo o caso ao âmbito de aplicação do disposto no art º 8º do CPC, a falta de personalidade judiciária não se configura como sanável. E não sendo sanável, tal exceção dilatória não pode ser objeto de suprimento nos termos do disposto no art. 508º, nº1, al. a) do CPC.
Conclui-se, pois, pela verificação da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária do Réu que conduz à absolvição da presente instância - cfr. alínea c) do art. 577º, 1ª parte do nº 2 do art. 576º, art. 578º, 1º parte da al. c), do nº 1 do art. 278º, todos do
C.P.C., ex vi art. 1º do C.P.T.A.”

Refira-se desde já que se acompanha o entendimento adotado em 1ª instância no que concerne à ilegitimidade passiva do Ministério da Educação na presente Ação, ainda que discordemos da solução final, ao não ter sido dada a oportunidade ao Autor de sanar a detetada irregularidade.

Importa assim analisar e decidir o suscitado, atentas até as significativas alterações neste aspeto introduzidas no CPC em 2013.

Desde logo, e por forma a enquadrar a questão do ponto de vista normativo, refere-se no Artº 6º CPC:
“Dever de gestão processual
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
A este propósito anota este artigo o Conselheiro António Martins, no seu CPC anotado (Almedina 2013):
“Embora corresponda, no essencial, aos nºs 1 e 2 do Artº 265º do CPC revogado, a simples alteração da epigrafe do preceito, que anteriormente era “Poder de direção do processo e principio do inquisitório”, não pode deixar de se interpretar como significativa no sentido de que, mais do que um “poder” de direção do processo, do que se trata é de um “dever” de boa gestão processual. Ou seja, mais do que um “poder”, com a consequente disponibilidade do seu exercício ou não, caberá ao juiz um verdadeiro “dever” de, além do mais, providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis, de garantir o resultado do “andamento célere” do processo, se for o caso adotando “mecanismos de simplificação e agilização processual”, com vista a, em “prazo razoável”, o tribunal decidir da “justa composição do litigio”.

Por outro lado, refere-se no Artº 547º do mesmo CPC, o seguinte:
“Adequação formal
“O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”

Como refere igualmente o Juiz Conselheiro António Martins em anotação a este artigo no seu referido CPC anotado, “(…) consagrou-se agora expressamente que a adequação formal visa assegurar um processo equitativo, ou seja um processo justo. Não ignorando o legislador que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) estabelece nesta matéria, ou seja, o direito de qualquer pessoa a que a causa seja examinada e decidida de forma “equitativa”, por um tribunal independente e imparcial (Artº 6º nº 1 daquela Convenção, aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78 de 13/10), assim como não desconhecendo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), nesta matéria, creio que é adequado poder concluir que o legislador quis expressamente vincular o juiz português à interpretação do principio da adequação formal em conformidade com aquele normativo internacional a esta jurisprudência do TEDH”

Aqui chegados, está pois em causa o facto do Ministério da Educação ter sido absolvido da instância em decorrência da sua declarada falta de personalidade judiciária.

Importará assim e desde logo verificar se o Ministério Público, em representação do Estado, não deveria ter sido “chamado” a “tomar o lugar” do Ministério da Educação, em face do facto de estarmos perante uma Ação Administrativa Comum relativa a relações contratuais.

Em conformidade com o Acórdão deste TCAN nº 00748/12.7BEAVR, de 13/06/2014, refira-se que o artigo 10.º, n.º 1 do CPTA nos indica, um critério para aferirmos da legitimidade, in casu, passiva, afirmando que “cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos autores”.

Já o n.º 2 daquele normativo prevê, por sua vez, que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”, dele não resultando, a nosso ver, um critério de legitimidade passiva, mas antes a atribuição de personalidade judiciária.

Por outro lado, no n.º 2 o artigo 11.º do CPTA estabelece-se que “sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representadas em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte», existindo firme e abundante jurisprudência, que dele fazem decorrer a atribuição de personalidade judiciária, unicamente ao Estado, para intervir como parte demandada no âmbito de tais ações.

Note-se, porém, que a jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição tem reiteradamente afirmado que o regime legal inserto no n.º 2 do art. 10.º do CPTA se reporta à disciplina ou definição da legitimidade processual passiva nas ações administrativas que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública- [cfr. Ac. STA de 03.03.2010 - Proc. n.º 0278/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. TCA Norte de 11.01.2007 - Proc. n.º 0534/04.8BEPNF, de 24.05.2007 - Proc. n.º 00184/05.1BEPRT, de 19.07.2007 - Proc. n.º 00805/05.6BEPRT, de 11.11.2011 - Proc. n.º 00161/07.8BEBRG, de 25.11.2011 - Proc. n.º 03586/10.8BEPRT.

Tal regime apenas respeita às ações administrativas especiais [impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA] e, bem assim, às ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], deixando de fora do seu âmbito de aplicação as ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, o que é aqui o caso.

No tocante a tais ações, a jurisprudência é unânime em afirmar que, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do CPTA, quando estejam em causa ações relativas a relações contratuais ou de responsabilidade, parte demandada é o Estado, que deve ser representado, nessas ações, pelo Ministério Público.

Assim, a instauração de uma ação administrativa comum que tenha por objeto uma relação contratual ou de responsabilidade, no âmbito da pessoa coletiva Estado, contra um seu ministério ou órgão, poderá determinar a absolvição da instância da entidade demandada com fundamento na falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, no caso da situação não ser sanável e sanada.

Acresce ao referido o entendimento de M. Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 85/86 e M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo nos Tribunais Administrativos … - Anotado”, vol. I, pág. 167.
Não dispondo o CPTA, de nenhuma norma que proceda à definição do pressuposto processual da personalidade judiciária, importa chamar à colação a definição legal constante do artigo 5º do “anterior” CPC (atual Artº 11.º do CPC), aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, que sob a epígrafe “Conceito e medida da personalidade judiciária”, dispõe, no seu n.º 1, que “A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte”, o mesmo é dizer, de solicitar ou de contra si ser solicitada, em seu nome próprio [ou seja, como titular autónomo de relações jurídicas, máxime, de direitos e deveres, legais ou contratuais] qualquer uma das providências de tutela jurisdicional previstas na Lei.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito [antigo art.º 5º e atual Artº 11.º do CPC] “Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”, pelo que, em regra, a personalidade judiciária afere-se pela personalidade jurídica, o mesmo é dizer, a atribuição de personalidade judiciária, em processo civil, opera segundo o “critério da coincidência”.

Tal não significa, porém, que o inverso seja verdadeiro, posto que situações existem em que a lei atribui personalidade judiciária a quem não detém personalidade jurídica.

No que concerne à capacidade judiciária, dispõe o n.º 1 do artigo 15.º do CPC/2013 (anterior Artº 9º CPC) que a mesma «consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo», consagrando-se no n.º 2 desse preceito, que a mesma tem «por base e por medida a capacidade de exercício de direitos».

Em suma, resulta do exposto, que quer a personalidade, quer a capacidade judiciárias, à semelhança da personalidade e capacidades jurídicas, são “qualidades pessoais das partes”, ou no dizer de Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 131 “requisitos abstrata ou genericamente exigidos para que a pessoa ou a organização possa estar em juízo ou possa atuar autonomamente em relação à generalidade das ações ou a certa categoria de ações”.

Já no que concerne à legitimidade processual a mesma mais não é do que a “suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1997, pág. 136 e ss) e tal pressuposto tem em vista garantir “a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, conduzem o processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai diretamente produzir a sua eficácia” (cfr. Carlos Lopes do Rego, “ Legitimidade das partes e interesse em intervir em processo civil”, in Revista do Ministério Público, Ano 11, n.º 41, 37-86,40.

No tocante, concretamente, à legitimidade passiva e personalidade judiciária das entidades públicas, é incontornável que o CPTA adotou uma nova conceção do processo administrativo como um “processo de partes”, o que “permite perspetivar a questão da legitimidade passiva, não a partir do ato, para depois chegar ao seu autor, mas antes encará-la do ponto de vista do sujeito processual e da sua relação com o objeto do processo. E quando nos centramos no sujeito, logo nos surgem, a par da legitimidade, os demais atributos que processualmente são exigidos à entidade pública demandada para que possa estar em juízo” – cfr. Esperança Mealha, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”.

Decorre do quadro legal definido pelo CPTA que, para as ações que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, se estabeleceu, como regra geral, o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária, segundo o qual têm personalidade judiciária as pessoas coletivas públicas (art.º 10.º, n.º2, primeira parte do CPTA).

Neste sentido, veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Ed. Revista, Coimbra, Almedina, 201º, pág. 110, onde salientam que o CPTA elegeu a pessoa coletiva de direito público como sujeito principal do processo administrativo e, assim, “rompeu com o princípio tradicional de atribuir personalidade e capacidade judiciária aos órgãos administrativos”.

Também FREITAS DO AMARAL, in “Curso de Direito Administrativo”, 2.ª edição, Vol. I, pág. 221, refere de forma elucidativa que “…apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una”, frisando que “Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direções-gerais não têm personalidade jurídica. Cada órgão do Estado - cada Ministro, cada diretor-geral,…, cada chefe de repartição, vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço…”.

Sucede porém que, o legislador, ciente da complexidade e heterogeneidade das pessoas coletivas de direito público, mormente do Estado, sobre quem recai uma vastidão de atribuições que são prosseguidas através de uma multiplicidade de órgãos e serviços administrativos, no seio dos quais se incluem os Ministérios, estabeleceu, na segunda parte do n.º 2 do art.º 10.º do CPTA uma importante restrição ao princípio da coincidência, “dele retirando a pessoa coletiva Estado, e colocando os ministérios ao lado das pessoas coletivas públicas como sujeitos do processo administrativo”.

Também Vasco Pereira da Silva, in “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2005”, pág. 251, conclui que “a noção de pessoa coletiva parece não estar mais em condições de poder continuar a funcionar como único sujeito de imputação de condutas administrativas, em razão da complexidade da organização administrativa e da natureza multifacetada das modernas relações administrativas multilaterais”.

Embora pareça resultar do art.º 10.º, n.º 2 do CPTA que o mesmo atribui legitimidade passiva aos ministérios, para o que, em muito contribui, a própria epígrafe do artigo, do que se trata, e em face das considerações tecidas, designadamente do conceito de personalidade judiciaria versus legitimidade passiva, é que nesse normativo, do que se cuida é antes da atribuição de personalidade judiciária a tais “departamentos da administração central do Estado dirigidos pelos Ministros respetivos”, que por carecerem de “personalidade jurídica”, não deteriam, à partida, a suscetibilidade de ser parte, relevando apenas o pressuposto da legitimidade processual, neste âmbito, para aferir qual o concreto Ministério que tem interesse direto em contradizer a ação.
Em idêntico sentido, veja-se, Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4.ª Ed., Almedina, pág.255, que no seu dizer, a partir do momento em que se constrói o processo administrativo como «processo de partes», passam a ser sujeitos processuais as pessoas coletivas públicas a que pertencem os autores dos atos ou normas, sem deixar porém aquele autor de notar que «No entanto, há ainda a considerar a posição especial já referida do Ministério Público, enquanto parte principal no âmbito da ação pública, bem como a circunstância específica de ser atribuída personalidade judiciária aos Ministérios (artigo 10.º, n.º2, do CPTA) e, embora agora só excecionalmente, a órgãos administrativos, no caso especial dos litígios entre órgãos administrativos (artigo 10.º, n.º6)”.

Aqui chegados, importa agora apurar em que medida o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do CPTA sobre a representação orgânica do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, interfere com os critérios de atribuição de personalidade judiciária aos Ministérios, constantes do n.º 2 do art.º 10.º do CPTA.

Como se disse já, a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa tem sido unânime no entendimento segundo o qual o regime inserto no n.º 2 do art.º 10.º do CPTA, vale apenas para as ações administrativas especiais de impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas [cfr. arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA] e, bem assim, para as ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], não sendo aplicável às ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais ou de responsabilidade civil do Estado, situação em que apenas pode ser demandado como réu o Estado, por só este deter personalidade judiciária, uma vez que o artigo 11.º, n.º 2 do CPTA, pelos seus termos, não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no âmbito das referidas ações.

Tendo em conta que as ações administrativas comuns cujo objeto se prenda com relações contratuais e de responsabilidade, têm de ser instauradas contra o Estado, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do CPTA e artigo 11.º, n.º 1 do CPC (Anterior Artº 5º CPC) e que a sua instauração contra os Ministérios constitui exceção dilatória por falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, a questão que ora se importa concluir, resume-se em saber se na ação instaurada pelo ora Recorrente, lhe deverá ser dada a oportunidade de corrigir, designadamente, o demandado da Ação.

Efetivamente, trata-se de uma daquelas situações que se encontram abrangidas pelo campo de aplicação do artigo 11.º, n.º 2 do CPTA.

Em concreto, estamos perante um pedido de reconhecimento, designadamente, do contrato do Recorrente, como contrato de trabalho sem termo.

Recorda-se que ficou decidido em 1ª Instância, absolver da instância o Ministério da Educação, por falta de personalidade judiciária deste.

Vejamos então mais em pormenor.
Nos termos dos artigos 577.º/e) e 578.º do CPC/2013, a ilegitimidade, enquanto exceção dilatória, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

Sendo a ilegitimidade passíva do Ministério da Educação inquestionável, o que importa agora verificar é se a mesma suprível.

As regras do processo civil em matéria de ilegitimidade (passiva) não podem ser transpostas, sem mais, para o processo administrativo, sem prejuízo de tudo quanto se disse já.

Não se poderá afirmar, mesmo em sede de Ações Administrativas Comuns, sem mais, que a ilegitimidade do demandado é insanável e que a mesma tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância, podendo-se determinar que o tribunal exerça previamente o seu novel dever de direção e gestão Processual (Artº 6º CPC), convidando ao aperfeiçoamento da petição, em homenagem também ao pré-existente principio pro actione (Artº 7º CPTA).

É certo que a referida sanação obrigará à repetição do ato de citação, não deixando, no entanto, de se estar perante a mesma pretensão, com o mesmo pedido e causa de pedir, permitindo-se o aproveitamento da petição inicial com a correção do demandado.

Não se desconhecendo alguma pretérita jurisprudência divergente, em qualquer caso, atento o novel Artº 6º CPC e Artº 7º CPTA, entende-se que o poder inquisitório do juiz, aconselhará a que se adote uma interpretação que não possa vir a penalizar o Autor em decorrência de um lapso do seu mandatário, viabilizando-se que o “dever” de boa gestão processual, permita o aperfeiçoamento da Petição, quanto à identificação da entidade demandada, em homenagem ao principio “Pro Actione, adotando-se assim “mecanismos de simplificação e agilização processual”, com vista a, em “prazo razoável”, o tribunal decidir da “justa composição do litigio”, por forma a que o Autor não possa ficar sem tutela.

O entendimento acima exposto não é novo, nem está isolado.

Igualmente versando situações de errada identificação da entidade pública demandada, ainda na vigência do CPC anterior a 2013, alguma jurisprudência foi entendendo, ainda que, como se disse, sem unanimidade, que tal obstáculo é suprível e que o tribunal deve proferir despacho que convide ao aperfeiçoamento da petição (Cfr. vg, entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10.

Efetivamente, o convite ao aperfeiçoamento só não será admissível, havendo lugar a decisão de absolvição da instância, quando estejamos em presença da exceção dilatória insuprível que não consinta a renovação da instância [v.g., a inimpugnabilidade do ato, a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito de ação, a litispendência, o caso julgado].

A regularização da instância neste quadro não está dependente de qualquer juízo sobre a desculpabilidade ou não do erro cometido.

Neste quadro legal, assim interpretado, impunha-se ao tribunal a quo que, previamente à decisão de absolvição da instância, tivesse sido convidado o autor a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial.

Não o tendo feito incorreu em erro de julgamento com consequente revogação da decisão judicial em crise.

Como conclusão de tudo quanto precedentemente se expendeu, e no que aqui releva, sumariou-se no acórdão deste TCAN nº 01505/09.3BEBRG, de 25/05/2012, que “Para além das enunciadas exemplificativamente no art. 89.º, n.º 3 CPTA contam-se, nomeadamente, entre as situações passíveis de suprimento ou correção a ilegitimidade passiva do demandado, a coligação ilegal, a falta identificação dos contrainteressados em preterição de litisconsórcio necessário passivo e a cumulação ilegal pretensões.”

Neste mesmo sentido se pronunciam M. Aroso Almeida e Carlos A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 584/585.

Assim, o tribunal a quo deveria ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, o que desde logo, ao não ter sido feito, constitui, designadamente, violação do princípio Pro Actione (Artº 7º do CPTA).

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância, para prosseguimento da sua tramitação, com o convite ao aperfeiçoamento da PI, designadamente no que concerne à identificação da Entidade Demandada.

Custas pelo Recorrido

Porto, 14 de julho de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia (Voto vencido)
Voto vencido, em parte, considerando, em síntese (à luz do CPTA 2004):
- a presença de exceção dilatória não suprível; pelo que também no caso confirmaria a absolvição da instância.
Porto, 14/07/2017.
[Luís Migueis Garcia]