Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02513/17.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL; FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Sumário:
I-Decorre do Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao DL 59/2015, de 21 de abril, que o Fundo de Garantia Salarial é dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira e goza de capacidade judiciária, sendo o seu funcionamento assegurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) e sendo o Presidente do seu Conselho de Gestão o Presidente do IGFSS;
I.1-à luz destes normativos resulta que estando em causa nos autos um acto praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial dispõe de legitimidade o Fundo de Garantia Salarial (que detém personalidade jurídica e personalidade judiciária);
I.2-a conduta omissiva do Autor/Recorrente não habilitava o Tribunal recorrido a pronunciar-se sobre a falta de suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade passiva de modo diverso;
I.3-a entidade a demandar encontra-se correctamente determinada conforme a comunicação que foi dirigida ao Recorrente, o que necessariamente afasta a previsão do artº 10º/4 do CPTA;
I.4-o facto do Recorrente nada ter dito quanto ao despacho de convite ao aperfeiçoamento (enquanto mera decisão preparatória de eventual decisão final) e de não ter apresentado nova petição tempestivamente, conduziu ao indeferimento da petição inicial, para o que foi expressamente advertido. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:IMSP
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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RELATÓRIO
IMSP instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação deste no pagamento das quantias peticionadas no seu requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi indeferida liminarmente a acção administrativa.
Desta vem interposto recurso.
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Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso é interposto por se considerar que o Tribunal a quo, não fez um correcto enquadramento jurídico ao julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva.
2.ª Do documento junto sob o n.º 1 com a petição inicial houve um entendimento por parte do Recorrente de que a entidade competente seria o Instituto de Segurança Social, uma vez que foi utilizado o timbre daquele Instituto e o documento mostra-se assinado pelo Diretor da Segurança Social.
3.ª Por força do disposto nos artigos 7.º e 10.º n.º 4 do CPTA e artigo 6.º n.º 2 do CPC, e princípio da economia processual, impunha-se que se considerasse sanada a irregularidade, considerando a acção regularmente proposta contra o Fundo de Garantia Salarial.
4.ª Pelo que se pode concluir que o Tribunal a quo tinha o dever de sanação ex lege, nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 4 do CPTA, devendo ter considerado a acção regularmente proposta contra o Fundo de Garantia Salarial.
5.ª Em face do exposto deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra considere a acção regularmente proposta contra o Fundo de Garantia Salarial.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA.
Tudo com as legais consequências.
DECIDINDO DESTE MODO, FARÃO JUSTIÇA
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O Réu contra-alegou, concluindo:
1.ª – Contrariamente ao alegado no presente recurso, o Senhor Juiz fez correcta aplicação do disposto no art.º 87º, nº 1, alínea a), e nº 7, do CPTA.
2.ª – Na verdade, o indeferimento liminar da petição inicial foi determinado por motivo única e exclusivamente imputável ao Recorrente, o qual, apesar de notificado por duas vezes, a última das quais sob cominação de rejeição liminar, para suprir a excepção de ilegitimidade passiva da entidade aqui recorrida, nada fez.
3.ª – Ao proferir o despacho de 08 de Novembro de 2017, o Senhor Juiz evitou a prática de actos inúteis nos autos em questão, por desde logo se evidenciar a ilegitimidade da entidade demandada, à luz do pedido e da causa de pedir em que se alicerça a p.i.
4.ª – Também contrariamente ao alegado pelo Recorrente, os despachos de 08 de Novembro de 2017 e de 19 de Fevereiro de 2018, consubstanciam adequada aplicação do princípio da promoção do acesso à justiça, consagrado no art.º 7º do CPTA.
5.ª – Com efeito, tais despachos criaram efectivamente as necessárias condições para que o Tribunal a quo pudesse vir a conhecer do mérito da acção, ao que o Recorrente de todo não correspondeu, omitindo o suprimento da excepção de ilegitimidade passiva da entidade demandada, conforme lhe foi determinado.
6.ª – O nº 4 do art.º 10º do CPTA não é aplicável ao caso sub judice, não permitindo a “sanação ex lege” reclamada na Conclusão 4.ª das alegações de recurso.
7.ª – Como se evidencia na petição inicial, o Recorrente não indicou como parte demandada um órgão pertencente à pessoa colectiva de direito público que deve ser demandada, conforme prevê a norma invocada;
8.ª – Pois que demandado nos presentes autos sempre teria de ser o Fundo de Garantia Salarial, enquanto entidade que, nos termos legais, é dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira, gozando de capacidade judiciária;
9.ª – Sendo certo que aquele Fundo não se integra na estrutura orgânica da entidade recorrida, estando, pois, correcta a apreciação feita pelo Senhor Juiz, a respeito do disposto nos artigos 15º, 19º e 20º, nº 2, al. a), do regime jurídico aprovado em anexo ao D.L. nº 59/2015, de 21/04.
10.ª – Acresce que o ofício através do qual o Recorrente tomou conhecimento do acto impugnado identifica esse mesmo acto – despacho de 12 de Julho de 2017, e o seu autor – Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se a sentença recorrida.
Assim se fará JUSTIÇA!
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO/DE DIREITO
Está posto em causa o despacho que ostenta este discurso fundamentador:
O A. foi notificado para suprir a exceção de ilegitimidade passiva do Instituto de Segurança Social, I.P., apresentando petição dirigida contra o Fundo de Garantia Salarial, e, bem assim, indicar o valor da causa.
O A. nada fez.
Notificado novamente, sob cominação de rejeição liminar o A. nada fez.
(….)
A presente ação tem por objeto o despacho de 12.7.2017 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial foi instaurada contra o Instituto de Segurança Social, I.P..
Dispõe o n.º 2 do art. 10.º do CPTA que “Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”, sendo que o n.º 4 estabelece que “O disposto nos nºs 2 e 3 não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados”.
Decorre do Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que o Fundo de Garantia Salarial é dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira e goza de capacidade judiciária (art. 15.º), sendo o seu funcionamento assegurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) (art. 19.º) e sendo o Presidente do seu Conselho de Gestão o Presidente do IGFSS (art. 20.º, n.º 2 al. a)).
À luz dos normativos supra citados decorre que estando em causa nos autos um ato praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial dispõe de legitimidade o Fundo de Garantia Salarial (que detém personalidade jurídica e judiciária).
Por aplicação subsidiária do disposto no art. 87.º, n.º 7 do CPTA, com as necessárias adaptações resultantes da fase liminar em que nos encontramos) o A., notificado para suprir a exceção nada fez.
Assim, por falta de suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, impõe-se indeferir liminarmente a presente ação.
X
Na óptica do Recorrente o despacho padece de erro de julgamento de direito; é que, previamente à decisão de rejeição liminar da petição inicial, e ao abrigo do disposto nos artigos 7º-A e 10º/4 do CPTA e 6º/2 do CPC, e princípio da economia processual, devia o Tribunal ter considerado sanada a irregularidade, considerando a acção regularmente proposta contra o Fundo de Garantia Salarial.
Avança-se, já, que carece de razão.
O despacho em crise, como se viu, julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva.
Na verdade, face a todo o processado na acção em referência, não se vislumbra como pudesse o Senhor Juiz proferir decisão diversa.
Senão, vejamos:
Em primeiro lugar, diga-se que o indeferimento liminar da petição inicial foi determinado por motivo única e exclusivamente imputável ao Autor, ora Recorrente. Com efeito, apesar de notificado por duas vezes, a última das quais sob cominação de rejeição liminar, para suprir a excepção de ilegitimidade passiva da entidade aqui Recorrida, o Recorrente nada fez. Ora, dispõe o artº 87º/1/a) do NCPTA, que:
“1-Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:
a)Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;
(…)”.
Por sua vez, acrescenta o nº 7 do mesmo preceito que “[a] falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.”
Segundo o Prof. Mário Aroso “[n]o despacho de aperfeiçoamento, destinado a convidar as partes a corrigir as irregularidades dos articulados, o juiz fixa prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (artigo 87º, nº 2). Caso o autor não proceda ao suprimento ou correcção dentro do prazo que lhe foi fixado para o efeito, há lugar à absolvição da instância (artigo 87º, nº 7).” - em Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª ed., Almedina, pág. 353. Portanto, o Recorrente, tendo ignorado o convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoar o seu articulado - p. i. -, nos termos constantes do despacho de 08 de novembro de 2017, reiterado em novo despacho de 19 de fevereiro de 2018, sujeitou-se, naturalmente, às consequências da cominação legalmente prevista para tal conduta processual.
Nada há, pois, a censurar à decisão recorrida.
Poderia eventualmente objectar-se que o Senhor Juiz deveria ter aguardado pelo termo da fase dos articulados para proferir o despacho pré-saneador previsto na norma supra citada, ordenando a citação da entidade demandada, aqui Recorrida, para contestar, querendo, nos termos e prazo legais.
Todavia, não só o Recorrente não seguiu esta via recursiva como ao proferir o despacho de 08 de novembro de 2017, o Senhor Juiz evitou a prática de actos inúteis nos autos em questão - nomeadamente, a citação da entidade Recorrida e subsequente contestação -, por desde logo se evidenciar a ilegitimidade da entidade demandada, à luz do pedido e da causa de pedir em que se alicerça a petição inicial.
Logo, forçoso é concluir que o Tribunal a quo fez correcta aplicação do disposto no artº 87º/1/a) e 7 do CPTA.
E mais:
Contrariamente ao alegado no presente recurso, os despachos de 08 de novembro de 2017 e de 19 de fevereiro de 2018, consubstanciam adequada aplicação do princípio da promoção do acesso à justiça consagrado no artº 7º do CPTA.
Como observa Mário Aroso em comentário a tal preceito no anterior CPTA, e que se mantém plenamente válido, dado que aquele não foi alterado na versão do NCPTA, “[u]ma das ideias inspiradoras do CPTA é, por isso, a de que a efectividade do direito de acesso à justiça administrativa passa pela criação de condições que promovam a emissão de pronúncias sobre o mérito das causas que são submetidas à apreciação dos tribunais administrativos.” (2ª ed. revista, Almedina, pág. 60).
No caso sub judice não se vislumbra que melhores condições para emissão de pronúncia de mérito poderia o Senhor Juiz criar ao Recorrente, no circunstancialismo dos autos, além da prolação e subsequente notificação dos referidos despachos - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Na verdade, tais condições foram efectivamente criadas; o Recorrente é que as não aproveitou.
Acresce que, ao contrário do que o Recorrente alega, o nº 4 do artº 10º do CPTA não é aplicável ao caso em apreço, não permitindo a sanação ex lege reclamada na conclusão 4ª das alegações. Isto, por uma razão simples: é que o Recorrente não indicou como parte demandada um órgão pertencente à pessoa colectiva de direito público que deve ser demandada, conforme prevê a norma invocada. Com efeito, demandado na acção foi o Instituto da Segurança Social, I.P., pessoa colectiva que não integra na sua estrutura orgânica o Fundo de Garantia Salarial, estando, pois, correcta a apreciação que, no despacho recorrido, se fez do disposto nos artigos 15º, 19º e 20º/2/a) do Regime daquele Fundo, aprovado em anexo ao DL 59/2015, de 21/04.
De facto, estabelece o artº 19º/1, desse diploma que “[o] funcionamento do Fundo é assegurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), que, para efeitos de apoio administrativo e logístico, celebra os protocolos necessários com as instituições de segurança social territorialmente competentes.”
Refira-se, por fim, que o ofício através do qual o Recorrente tomou conhecimento do acto impugnado identifica esse mesmo acto - despacho de 12 de julho de 2017, e o seu autor - Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
Em suma:
-decorre do Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao DL 59/2015, de 21 de abril, que o Fundo de Garantia Salarial é dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira e goza de capacidade judiciária (artº 15º), sendo o seu funcionamento assegurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) (artº 19º) e sendo o Presidente do seu Conselho de Gestão o Presidente do IGFSS (artº 20º/2/a));
-à luz destes normativos resulta que estando em causa nos autos um acto praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial dispõe de legitimidade o Fundo de Garantia Salarial (que detém personalidade jurídica e personalidade judiciária);
-a conduta omissiva do Autor/Recorrente não habilitava o Tribunal recorrido a pronunciar-se sobre a falta de suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade passiva de modo diverso;
-a entidade a demandar encontra-se correctamente determinada conforme a comunicação que foi dirigida ao Recorrente, o que necessariamente afasta a previsão do artº 10º/4 do CPTA - cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 90;
-com efeito, o facto de o Recorrente nada ter dito quanto ao despacho de convite ao aperfeiçoamento (enquanto mera decisão preparatória de eventual decisão final), de 19/02/2018, e de não ter apresentado nova petição inicial tempestivamente, conduziu ao indeferimento da P.I. - para o que, repete-se, foi expressamente advertido -;
-tal equivale a dizer que os autos só poderiam prosseguir conforme a orientação nele propugnada, em ordem a ser demandada a entidade que detém a efectiva legitimidade passiva, à qual o aqui Recorrente não reagiu e sem possibilidade de qualquer suprimento por parte do Tribunal recorrido;
-da peça processual em causa - alegações - ressalta que a Parte não contraria a fundamentação da decisão, o que redunda na improcedência do recurso que se aprecia.
Desatendem-se, pois, as conclusões do Recorrente.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 12/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa