Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00439/14.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRATO DE ESTÁGIO OU DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EQUIPARADO A UM CONTRATO DE TRABALHO; DIREITO AO TRABALHO; ARTIGO 58º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
PORTARIA Nº 204-B/2013; COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DA REGIÃO DÃO/LAFÕES; PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA.
Sumário:1. Não sendo o contrato de estágio ou de formação profissional equiparado a um contrato de trabalho, o potencial contrato de estágio que fosse celebrado entre o Autor e a Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões, não estaria sujeito ao regime jurídico do contrato de trabalho e não configurava uma relação laboral.

2. Acresce que, mesmo sendo o contrato de estágio equiparado ao contrato de formação profissional – a verdade é que o princípio constitucional do direito ao trabalho, não inclui no seu âmbito qualquer obrigação de a referida Comunidade ser obrigada a permitir que o Recorrente frequente um estágio profissional na mesma.

3. O artigo 58º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito ao trabalho como um dos direitos económicos, sociais e culturais constitucionalmente reconhecido. O direito ao trabalho consiste, em primeiro lugar, no direito de obter emprego ou de exercer uma atividade profissional, competindo ao Estado promover tal acesso.

4. Cabendo ainda ao Estado, no âmbito do princípio constitucional do direito ao trabalho, promover “formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores” (cfr. artigo 58º, nº 2, c) da Constituição da República Portuguesa), de modo a facilitar a obtenção de emprego e adaptação de trabalhadores a novas técnicas para permitir a progressão profissional destes. O referido direito constitucional não impõe à Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões a obrigação de esta promover e assegurar a “formação profissional”.
5. Pelo que, a circunstância de a Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões ter anulado a candidatura em causa, não constitui a violação do direito ao trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 58º da Constituição da República Portuguesa.

6. Para além de que não há nenhuma norma da Portaria nº 204-B/2013, nem noutra disposição legal, que imponha à Entidade Demandada a obrigação de promover estágios profissionais. Cabe apenas à Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões, no desenvolvimento das suas atribuições e competências, avaliar da oportunidade ou não de ser promotora de estágios profissionais.

7. Sendo certo que, na situação sub judice, não tendo em momento algum a Recorrida Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões, se auto vinculado, mediante a celebração de um contrato de estágio – que é a conclusão do processo de candidatura à Medida de Estágio Emprego –, não há no caso qualquer violação da boa fé ou da confiança.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:N.
Recorrido 1:Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:
EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

N. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença de 16/04/2012, pela qual foi julgada improcedente, por não provada, a presente acção administrativa comum, que o Recorrente move contra a Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões, tendo a Ré sido absolvida do pedido da sua condenação no pagamento a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a importância total de € 13.650,02 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até ao seu efectivo e integral pagamento.
*
Invoca, para tanto e em síntese, que a sentença recorrida é nula por se verificarem contradições entre os factos provados e não provados, contradições entre os factos provados e não provados e a motivação da decisão factual e obscuridade e ambiguidade da referida sentença e pugna pela verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual da Ré.

A Recorrida apresenta contra-alegações, pugnando pela não verificação das arguidas nulidades da sentença recorrida e pela manutenção da mesma.

O Mmº Juiz a quo sustentou a decisão recorrida, considerando não existirem as nulidades invocadas pelo recorrente.


Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1- O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida a fls. do processo, julgando totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo Autor, tendo como fundamentação o facto de, na convicção do Tribunal, não ver em que é que a actuação da Ré tenha violado o direito ao trabalho patente na CRP, bem ainda os princípios da boa-fé e da confiança considerando in fine não haver responsabilidade civil extracontratual por parte da Ré.
2- A douta sentença padece, ab initio, de nulidade, atento o facto de conter contradições entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados.
3- Acrescenta-se ainda que a factualidade prevista no ponto 19 dos factos provados é matéria conclusiva pois nenhuma prova directa ou indirecta foi efectuada quanto a esse facto.
4- O Mmº Juiz a quo deu como provado no ponto 4 “que as restrições do autor nas visitas ao seu filho tenham derivado directamente do facto do autor não ter rendimentos para pagar a prestação de alimentos ao seu filho menor.”
5- Por sua vez nos pontos 15 e 16 dos factos provados dá como assente que “o autor, por altura da candidatura da ré CIM ao Programa de Estágios, tinha um filho menor de 5 anos de idade, ao qual estava obrigado a prestar uma pensão de alimentos de €100,00 mensais, a qual deixou de prestar por não ter possibilidades económicas de a prestar, tendo-lhe sido instaurado o processo nº 44/11.7TBVIS-E, no qual foi decidido também ficar restringido de ver/visitar o seu filho”.
6- Além das referidas contradições existe ainda contradição entre o ponto 11 dos factos privados e a própria fundamentação da matéria de facto dada como provada bem ainda com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede audiência de discussão e julgamento.
7- Ora, no ponto 11 dos factos provados, o Mmº Juiz a quo dá como provado que “a anulação desta candidatura, conforme tal comunicação, deveu-se ao facto de recentemente terem sido admitidos na entidade ré CIM dois novos postos de trabalho, por via de um procedimento concursal comum, os quais vieram preencher a lacuna do nível de perfil competências para o qual tinham apresentado a sua referida candidatura”.
8- Já na parte da fundamentação da matéria de facto, na página 12, 1º parágrafo, no que à testemunha J. diz respeito refere que a concretização dessa “medida programa-estágio” estava também dependente da estabilidade da candidatura da L., pois, apesar de já contratada a termo resolutivo incerto, estava a decorrer ainda o seu período experimental”.
9- Daqui se retira que, a anulação da referida candidatura ao programa estágio emprego não se prendeu com o facto de terem sido preenchidos os postos de trabalho, porque esses aliás até já estavam preenchidos anteriormente ao envio da aceitação da candidatura por parte da Ré mas sim pela verificação por parte da entidade ré se a referida L. executava bem as suas funções durante o período experimental.
10- Tal factualidade foi confirmada por ambas as testemunhas no seu depoimento.
11- Por fim, existe ainda a contradição entre o ponto 21 dos factos provados e o depoimento da testemunha L..
12- No ponto 21 refere-se que “A Entidade ré CIM apenas decidiu em 14 de Janeiro de 2014 a anulação/desistência do referido estágio do autor em causa porque, devido à nova composição do Conselho Intermunicipal da Ré, decorrente das eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013 e, assim, também por o secretário executivo da Ré, apenas ter tomados posse em 16 de Dezembro de 2013.
13- Ora, foi o próprio secretário executivo da ré que admitiu que além dele havia outrem que poderia ter anulado a referida candidatura a estágio, até porque aquele actua com delegação de poderes do presidente da Ré, delegação essa que nunca fora junta aos autos sequer por parte da Ré por forma a comprovar a data ou validade da mesma.
14- Destarte, são várias as contradições existentes na douta sentença, quer materializadas na própria sentença e os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, depoimentos esses que o Mmº Juiz a quo não poderia não considerar.
15- In casu, as contradições evidenciadas supra colocam em causa toda a motivação da douta sentença, pelo que a mesma deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, por ser ininteligível e contrária à prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento bem ainda contrária à prova documental levada aos autos que demonstram que ambos os concursos foram iniciados anteriormente ao envio da candidatura ao programa estágio por parte da Ré.
16- No entendimento do Mmº Juiz a quo não foi violado o direito ao trabalho atento o facto de a candidatura do autor ser para realização de estágio profissional não se tratando assim de uma relação laboral.
17- Ora o artigo 58º nº 1 da CRP indica que “Todos têm direito ao trabalho” sendo que o nº 3 refere que “incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho, assegurando:
c) a formação cultural, técnica e profissional dos trabalhadores.
18- Sendo que no que concerne à formação profissional tem “em vista evitar que através da falta de formação cultural, técnica e profissional se restrinjam as possibilidades de emprego dos trabalhadores. Isto num duplo sentido: primeiro facilitar a obtenção de emprego; depois, propiciar carreira profissional, cfr. anotação ao artigo 58º, pág. 316 da CRP Anotada, 3ª edição de J.J. Canotilho e Vital Moreira.
19- Desta forma e a contrario da convicção do Mmº Juiz a quo, existe de facto violação do direito ao trabalho, na vertente de acesso a uma formação profissional, conforme exposto supra, violação essa que aconteceu quando a ré deliberadamente e sem justificação plausível anulou a candidatura ao programa estágio emprego, impedindo assim o autor de frequentar o referido estágio, frustrando as suas expectativas.
20- Aliás a própria medida estágio emprego foi criada com o objectivo através de experiência pratica em contexto laboral, melhorar o respetivo perfil de empregabilidade e promover a respetiva inserção profissional, conforme consta do introito da portaria que regula a referida medida bem ainda no seu artigo 2º.
21- Sendo que em termos qualificativos, os contratos de estágios são equiparados aos contratos de formação profissional a nível jurisprudencial.
22- Pelo que e em conclusão, o respectivo princípio legal de direito ao trabalho também se aplicará aos mesmos (art. 58º nº 3 alínea c) da CRP) pelo que se deverá concluir que houve violação deste princípio na vertente indicada.
23- Além disso, a ré desiste/anula a candidatura ao programa estágio emprego com a justificação que já não necessita do estagiário pois foram preenchidos dois postos de trabalho que preenchiam a lacuna laboral que a ré tinha.
24- Ora, além de ir contra os objectivos da própria medida conforme anteriormente demonstrado, o artigo 1º da Portaria nº 204-B/2013, de 18 de Junho que regula a medida estágio emprego refere que ”entende-se por estágio e desenvolvimento uma experiência prática em contexto de trabalho com o objectivo de promover a inserção de jovens no mercado de trabalho ou a reconversão profissional de desempregados, não podendo consistir na ocupação de postos de trabalho”.
25- Nestes termos, e atenta a referida proibição legal verifica-se, desde logo, que a portaria faz clara distinção e separação entre os postos de trabalho e os estágios iniciados ao abrigo da referida medida, não podendo um substituir o outro, logo o facto de terem sido preenchidos dois postos de trabalho na entidade ré em nada impedia ou podia impedir a continuação do estágio per si.
26- No que concerne aos princípios da boa-fé e da confiança, foi entendimento do douto tribunal a que os mesmos não foram violados, primeiro porque a Ré não se vinculou perante o autor e pelo facto de considerar que a expectativa do autor integrar o estágio não passou de uma mera expectativa e portanto sem qualquer protecção jurídica.
27- Atento o plasmado na sentença recorrida refere-se que uma das refracções deste princípio é em relação a actos de administração, a tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos.
28- No entanto, apesar de considerar que de facto houve expectativa por parte do autor em integrar o estágio na ré, expectativa essa que foi frustrada propositadamente, o Mmº Juiz a quo entendeu que não fora violado o referido princípio atento o facto de a Ré a nada se ter vinculado ou contratado perante o autor.
29- Não obstante os documentos juntos aos autos denotam uma realidade diversa tal como o próprio depoimento da testemunha L. e por último a própria legislação que regula a medida estágio emprego.
30- O documento nº 2 junto com a petição inicial, designadamente o envio ao centro de emprego da decisão de aprovação e do termo de aceitação da decisão de aprovação devidamente assinado pela entidade ré, refere expressamente que a entidade declara que “tomou conhecimento da decisão de aprovação da candidatura nº 412618 e que a mesma é aceite nos seus precisos termos, obrigando-se, por esta via, ao seu integral cumprimento e ao respeito por todas as disposições legislativas e regulamentares aplicáveis.
31- Mais refere na alínea c) que a entidade declara “que se celebrará, após confirmação da aceitação de estagiário por parte do serviço de emprego da área de realização do estágio, um contrato estágio com cada estagiário, o qual se cumprirá integralmente.
32- Atendendo ainda ao regulamento da medida estágio emprego disponível no site do IEFP a mesma refere que a desistência por parte da entidade pode ser efectuada antes de proferida a decisão de aprovação e depois menciona unicamente a possibilidade de desistência já no decurso do referido estágio, não havendo qualquer norma ou disposição legal que regulamente a desistência da entidade entre o lapso temporal que medeia o envio da aceitação e o início do estágio, pelo que se presume que a mesma de facto não existe.
33- Depreende-se da portaria e do regulamento da mesma que a instabilidade da candidatura só se mantém até à aceitação não da mesma, posteriormente só faltará a celebração e envio do contrato de estágio.
34- Tendo, pelo menos, violado o disposto nas obrigações constantes do termo de aceitação, alínea c) conforme supra referenciado.
35- Mesmo que houvesse violação de norma, o que só por mero dever de patrocínio se concede, houve clara violação do princípio da boa-fé por parte da entidade em anular a candidatura ao estágio enquanto violação de regras de conduta e respeito por outrem, quando mantiveram a candidatura activa até Janeiro de 2014 unicamente com o intuito de verificar se a funcionária L. Marques iria executar devidamente as suas funções, confissão esta efectuada por ambas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, dando-se aqui por reproduzidos os seus depoimentos, referidos no início deste articulado.
36- É o próprio Mmº Juiz a quo que refere que “na responsabilidade civil extracontratual do Estado e da Administração verifica-se a inversão do ónus da prova, protegendo-se o lesado da prova dos factos e operações que não domina, não controla e desconhece ou não é obrigado a conhecer, pois dificilmente poderá conhecer as medidas adequadas ao dever de vigilância a cargo da administração.”
37- Não obstante a Ré não conseguiu fazer prova da licitude da anulação da candidatura à medida estágio emprego pelo contrário reforçou essa conduta ilícita ao declarar em sede de audiência que a mesma esteve sempre dependente da estabilidade da colocação da Srª L. e do preenchimento por parte desta das suas funções, violando os princípios atrás referidos e as normas mencionadas.
38- Não se colocando quaisquer dúvidas que os restantes requisitos se encontram preenchidos, pois há nexo de causalidade entre a anulação e os danos provocados ao autor e a culpa da ré.
39- Também não se coloca em causa a expectativa que o autor criou de integrar o estágio sendo tal mencionado especificamente na douta sentença, no entanto há que diferenciar esta expectativa da mera expectativa (propugnada pelo Mmº Juiz a quo) e ainda do instituto da perda de chance.
40- De acordo com o AC STJ, de 22/10/2009 “Na natureza dos factos a provar e respetiva exigência de prova podem-se incluir, não só aqueles que ninguém presenciou e não deixavam vestígios como aqueles que não tiveram, efectivamente, lugar.
41- In casu, também terá de feito tal raciocínio lógico-dedutivo, sendo que, temos ainda o valor indicativo do quantum mensal que o autor iria auferir que facilita dos cálculos a efectuar.
42- Trata-se de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.
43- Posto que, tendo-se dado como assente na sentença que de facto o autor teve expectativa de integrar o estágio tendo a mesma sido frustrada deve o mesmo ser ressarcido, quer pela expectativa per si, que quanto a nós se afigura como verdadeira expectativa jurídica, ou caso assim não entenda enquanto dano indemnizável a título de perda de chance, o que se requer.
*

II –Matéria de facto.

1. Da nulidade da sentença recorrida:
a) Das contradições entre os factos provados e não provados
Alega o Recorrente que o 4º facto dado como não provado entra em directa contradição com os 15º e 16º factos dados como provados.
Reproduz-se o 4º facto dado como não provado:
“4. Que as restrições do autor nas visitas ao seu filho tenham derivado directamente do facto de o autor não ter rendimentos para pagar a prestação mensal de alimentos ao seu filho menor e cujo montante havia sido fixado pelo respectivo Tribunal de Família e Menores de Viseu, no âmbito do processo nº 44/11.7TBVIS-E.
Reproduzem-se os 15º e 16º factos dados como provados:
15. O autor, por altura da candidatura da ré CIM ao referido Programa de Estágios, tinha um filho menor de 5 anos de idade, ao qual estava obrigado a prestar uma pensão de alimentos de € 100,00 mensais, a qual deixou de prestar por não ter possibilidades económicas de a prestar, sendo certo que se tivesse sido integrado na ré CIM no referido estágio, teria possibilidades de pagar a referida pensão de alimentos ao seu filho menor;
16. Porém, por o autor não ter pago a pensão de alimentos ao seu filho menor, mencionada em 15. precedente e, bem assim, por não ter comunicado ao respectivo Tribunal que a fixou e/ou à mãe do mesmo menor a sua impossibilidade económica de a prestar, foi-lhe instaurado o processo n.º 44/11.7TBVIS-E, que correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, por incumprimento daquela sua obrigação parental de pagamento da referida pensão ao filho menor e, consequentemente, no qual foi decidido também ficar restringido de ver/visitar o seu filho.”
Sem razão. Essa contradição não existe. Com efeito, o recorrente não explica, nem identifica o que está em contradição, nem conseguiria fazê-lo porque ela não existe.

b) Nas suas conclusões o Recorrente sustenta que o ponto 19 dos factos provados é matéria conclusiva porquanto nenhuma prova foi produzida sobre este ponto.
Não assiste razão ao Recorrente.
Reproduz-se o ponto 19 dos factos dados como provados:
Sendo certo, porém, que nada impedia o autor, durante o período de tempo que mediou entre a candidatura da ré CIM à referida “Medida/Programa Estágio Emprego” de procurar emprego e/ou aceitar efetuar qualquer outro estágio profissional como o mencionado em 18. precedente.”
A matéria de facto considerada como provada no referido ponto é um facto, alegado pela Recorrente nos artigos 29º, 30º, 31º e 32º da p.i. - e é um facto que é do conhecimento de todos.
Todos sabem, incluindo naturalmente o Mmo. Juiz que, durante o período de tempo que mediou entre a candidatura da Recorrida e até à sua conclusão, o Recorrente não estava impedido de procurar emprego ou aceitar e realizar outro estágio profissional. Trata-se de um facto notório, do conhecimento de todos e naturalmente também do conhecimento do Mmo. Juiz que o conhece e como tal, colocado na posição de um cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos, conhece e sabe. Como facto notório que é, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 1 do CPC, ex. vi. art.º 1º do CPTA, não carece de prova nem de alegações.
Sendo certo que, esse facto até está implícito na Lei porquanto só podem ser destinatários a um estágio no âmbito da Medida Estágio Emprego quem esteja inscrito como “desempregado” no Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (cfr. art.º 3º da Portaria nº 204-B/2013, de 18 de junho).

c) Contradição entre o 11º facto dado como provado e a própria fundamentação da matéria de facto dada como provada e com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
Reproduz-se o 11º facto dado como provado:
11. A anulação desta candidatura, conforme tal comunicação, deveu-se ao facto de recentemente terem sido admitidos na Entidade ré CIM, dois novos postos de trabalho, por via de um procedimento concursal comum, os quais vieram preencher a lacuna ao nível do perfil de competências para o qual tinham apresentado a sua referida candidatura.”
Reproduz-se parcialmente a fundamentação de facto na parte que respeita ao depoimento de J.:
J., funcionário da Ré desde princípios de 2013 até ao presente, ao abrigo do procedimento concursal comum mencionado nos autos, tendo contrato de trabalho por tempo indeterminado, referindo ter conhecimento da candidatura da ré CIM à “medida Programa Estágio”, no âmbito do IEFP, e que o seu período experimental foi concluído em Setembro de 2013, tendo a ré aceitado a aprovação desse estágio onde estava indicado como estagiário o autor, sendo certo que o autor não foi sujeito a uma entrevista e à qual deveria ter sido após a aprovação e aceitação pela ré dessa “Medida Programa Estágio”, o que nunca veio a suceder. Referiu ainda que a concretização dessa “Medida Programa Estágio” estava também dependente da estabilidade da candidatura da L. pois, apesar de já contratada a termo resolutivo incerto, estava a decorrer ainda o seu período experimental, pois as funções desta L. eram idênticas às que eventualmente fossem ou viessem a ser exercidas pelo autor, como estagiário. Mais referindo ainda que as funções do autor, se entrasse como estagiário na ré seriam idênticas à da referida contratada L. Maria Santos Marques, seja de assistente técnico administrativo, tendo conhecimento que uma das razões da desistência de tal estágio relativo ao autor foi o facto de as suas funções já terem sido preenchidas e/ou estarem a ser exercidas pela referida L..”
Desta fundamentação resulta confirmada a verificação do facto 11º dado como provado, ao contrário do que conclui, erradamente, o Recorrente.
Do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência também resulta a prova desse referido facto.
Assim, o mesmo, foi, correctamente, dado como provado.

d) Contradição entre o 21º facto dado como provado e o depoimento da testemunha L..
Reproduz-se o 21º facto dado como provado:
21. A Entidade ré CIM, apenas decidiu em 14 de Janeiro de 2014 a anulação/desistência do referido estágio do autor em causa porque, devido à nova composição do Conselho Intermunicipal da ré, decorrente das eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013 e, assim, também por o secretário executivo da ré, também um cargo/lugar electivo e resultante da eleição dos novos elementos que compõem aquele Conselho Intermunicipal e, também, a respectiva Assembleia Intermunicipal da ré, apenas terem tomado posse ou terem sido instalados em 31 de Outubro e, bem assim, o seu secretário executivo apenas ter tomado posse em 16 de Dezembro de 2013, estando este, desde aquelas eleições autárquicas referidas, em funções de gestão corrente e, por isso, nessas suas funções entendeu que a decisão quanto ao estágio em causa, seria da competência do novo secretário executivo eleito sendo que, aliás, o eleito veio a ser o mesmo secretário executivo, L..”

Do teor do depoimento desta testemunha resulta a confirmação dos factos narrados no 21º facto dado como provado e não o contrário, como pretende, erradamente, o recorrente.

e) Da ambiguidade e obscuridade da sentença recorrida – art. 615º nº 1 alª c) do CPC
Alega o recorrente que as contradições evidenciadas supra colocam em causa toda a motivação da sentença, pelo que a mesma deverá ser considerada nula, por ser ininteligível e contrária à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem ainda contrária à prova documental levada aos autos que demonstram que ambos os concursos foram iniciados anteriormente ao envio da candidatura ao programa estágio por parte da ré.
Já decidimos que não se verificavam as contradições invocadas pelo recorrente e o facto que o recorrente pretende ver provado já consta do oitavo facto dado como provado na sentença recorrida, pelo que nada há a alterar ou a acrescentar.
Indefere-se, por isso, in totum todas as nulidades arguidas por aquele.

Considera-se, como tal, provada toda a matéria de facto constante da decisão recorrida e que é a seguinte:
1.O autor, N., tem a formação profissional de técnico de contabilidade, formação essa que obteve na Escola Profissional Fundação (...), num curso profissional que na mesma frequentou, estando desempregado e inscrito no IEFP (Centro de Emprego de (...)), como desempregado, desde 27/06/2012, pelo menos até 30/01/2015;
2.Ao abrigo da Portaria n.º 204-B/2013, de 18/06, a Ré apresentou a sua candidatura à “Medida Estágios Emprego”, à qual foi atribuída o n.º 0106/EE/13, indicando como estagiário o autor N., o qual duraria normalmente 12 meses e, também, nessa candidatura, indicou que o autor exerceria as funções de assistente técnico administrativo, incluindo, nomeadamente, o apoio a toda a actividade administrativa da ré, também incluindo o processamento de documentos de receita e despesa e quaisquer documentos de suporte à sua contabilidade;
3.Por ofício de 4 de Outubro de 2013, recebido na ré CIM a 9 de Outubro de 2013, o IEFP (Centro de Emprego de Dão-Lafões, Tondela), notificou a CIM da aprovação da sua candidatura em 4 de Outubro de 2013;
4.Nessa comunicação, o IEFP solicitou à ré CIM, designadamente:
“(i) a subscrição e a devolução do Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação (que acompanhava a notificação), (ii) a informação do início efectivo do estágio e (iii) o contrato de estágio (que deve ser celebrado entre a entidade promotora e o estagiário, de acordo com o modelo definido no regulamento específico da Medida, nos termos do artigo 7.º da referida Portaria n.º 204-B/2013)”;
5.A Entidade ré aceitou a decisão de aprovação em 18 de Outubro de 2013, sem que, no entanto, tivesse celebrado o contrato de estágio com o estagiário proposto, o aqui autor e, bem assim, não informou o IEFP do início do estágio;
6.Porém, na sequência das eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013, o Conselho Intermunicipal da Entidade ré, iria sofrer profunda alteração na sua composição em virtude da alteração das presidências dos municípios que a integram (a ré CIM), o qual veio a ser instalado em 31 de Outubro de 2013;
7.Também decorrente da referida alteração da composição do conselho intermunicipal, o secretário executivo, a quem incumbe a gestão corrente da CIM, colocou o seu lugar à disposição do novo Conselho Intermunicipal e da nova Assembleia Intermunicipal, por ser um cargo/lugar electivo, o qual viria a ser reeleito e a tomar posse na Assembleia Intermunicipal realizada em 16 de Dezembro de 2013;
8.Pelo Aviso n.º 9310/2012, publicado no DR, II série, n.º 131, de 9 de Julho de 2012, foi aberto o procedimento concursal comum para a constituição de relação jurídica de emprego em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, para preenchimento de dois postos de trabalho da carreira de Técnico Superior, do mapa de pessoal da Entidade ré, Comunidade Intermunicipal da Região Dão Lafões, tendo no âmbito deste concurso sido contratados os trabalhadores Sandra Isabel Nunes Carvalho e J., cujo período experimental foi homologado com sucesso e publicado pelo Aviso n.º 12444/2013, no DR, II série, n.º 194, de 8 de Outubro de 2013;
9.A Entidade ré CIM, celebrou dois contratos de trabalho, na sequência de prévio procedimento concursal comum para constituição de relação jurídica de emprego em contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto para preenchimento de dois postos de trabalho, um na carreira de técnico superior, da categoria geral de técnico superior, e outro na carreira de assistentes técnico, da categoria geral de assistente técnico, aberto por aviso publicado no DR, 2.ª série, n.º 13477/2012, de 10 de Outubro, e contratos esses celebrados respectivamente com L., M. e com M-., os quais se iniciaram respectivamente em 14 de Outubro de 2013 e 30 de Dezembro de 2013, e respectivamente na carreira de assistente técnico e na carreira e categoria de técnico superior, tendo a homologação da lista definitiva deste concurso sido homologada pelo Presidente do Conselho Intermunicipal de ré em 27 de Setembro de 2013;
10.Em 14 de Janeiro de 2014, a Entidade ré CIM, comunicou ao IEFP (Centro de Emprego de Dão-Lafões, em Tondela) a anulação da sua candidatura n.º 412618 que havia feito ao Programa de Estágios, e no âmbito da qual seria estagiário o autor N.;
11.A anulação desta candidatura, conforme tal comunicação, deveu-se ao facto de recentemente terem sido admitidos na Entidade ré CIM, dois novos postos de trabalho, por via de um procedimento concursal comum, os quais vieram preencher a lacuna ao nível do perfil de competências para o qual tinham apresentado a sua referida candidatura;
12.Os dois novos postos de trabalho mencionados em 11. precedente e que foram justificativos para a anulação da candidatura da ré CIM ao referido Programa de Estágios, foram os mencionados em 9. precedente;
13.O autor, após tomar conhecimento da candidatura da Entidade ré CIM ao referido programa de Estágios “Medida” no âmbito do IEFP (Centro de Emprego de Dão Lafões), e maxime após a sua aprovação pelo IEFP e subsequente aceitação pela ré, ficou confiante que seria efectivamente integrado como estagiário na mesma ré, pelo menos a partir da data da aprovação da referida candidatura pelo IEFP (Centro de Emprego Dão Lafões) e, consequentemente, de que iria receber a retribuição mensal de cerca de € 637,51, a partir da data em que iniciasse esse estágio e durante um (1) ano;
14.Com a anulação/desistência da candidatura da ré CIM ao mencionado Programa de Estágios, o autor ficou frustrado nas suas expectativas de realizar o referido estágio e, bem assim, de auferir a correspondente remuneração;
15.O autor, por altura da candidatura da ré CIM ao referido Programa de Estágios, tinha um filho menor de 5 anos de idade, ao qual estava obrigado a prestar uma pensão de alimentos de € 100,00 mensais, a qual deixou de prestar por não ter possibilidades económicas de a prestar, sendo certo que se tivesse sido integrado na ré CIM no referido estágio, teria possibilidades de pagar a referida pensão de alimentos ao seu filho menor;
16.Porém, por o autor não ter pago a pensão de alimentos ao seu filho menor, mencionada 15. precedente e, bem assim, por não ter comunicado ao respectivo Tribunal que a fixou e/ou à mãe do mesmo menor a sua impossibilidade económica de a prestar, foi-lhe instaurado o processo n.º 44/11.7TBVIS-E, que correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, por incumprimento daquela sua obrigação parental de pagamento da referida pensão ao filho menor e, consequentemente, no qual foi decidido também ficar restringido de ver/visitar o seu filho;
17.Com a referida restrição de ver/visitar o seu filho menor, o autor ficou emocionalmente fragilizado, pois esteve vários períodos de tempo impedido e sem poder ver/visitar o seu filho menor, e situação esta de fragilidade emocional que se agravou pelo facto de ter falecido uma sua tia, em meados de Novembro de 2013, com a qual vivia e o ajudava no seu sustento, pois a mesma lhes prestava voluntariamente auxílio económico para as suas necessidades básicas;
18.Devido às expectativas de ser integrado no “Programa Estágio” na Entidade ré, o autor, deixou de procurar emprego e inclusive não aceitou efectuar um estágio profissional numa oficina mecânica, sita em Carregal do Sal, embora continuasse inscrito, como desempregado, o IEFP (Centro de Emprego Dão Lafões);
19.Sendo certo, porém, que nada impedia o autor, durante o período de tempo que mediou entre a candidatura da ré CIM à referida “Medida/Programa Estágios Emprego” de procurar emprego e/ou aceitar efectuar qualquer outro estágio profissional como o mencionado em 18. precedente;
20.Com o contrato de trabalho a termo resolutivo incerto com a trabalhadora L. M., na carreira de assistente técnico, cujas funções iniciou na CIM em 14 de Outubro de 2013, e também com o contrato de trabalhado a termo incerto que também celebrou com a trabalhadora M-., cujas funções iniciou em 30 de Dezembro de 2013, a ré CIM deixou de ter necessidade do autor para trabalhar como estagiário e o qual, caso iniciasse tais funções de estagiário, exerceria funções administrativas na mesma Entidade ré;
21.A Entidade ré CIM, apenas decidiu em 14 de Janeiro de 2014 a anulação/desistência do referido estágio do autor em causa porque, devido à nova composição do Conselho Intermunicipal da ré, decorrente das eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013 e, assim, também por o secretário executivo da ré, também um cargo/lugar electivo e resultante da eleição dos novos elementos que compõem aquele Conselho Intermunicipal e, também, a respectiva Assembleia Intermunicipal da ré, apenas terem tomado posse ou terem sido instalados em 31 de Outubro e, bem assim, o seu secretário executivo apenas ter tomado posse em 16 de Dezembro de 2013, estando este, desde aquelas eleições autárquicas referidas, em funções de gestão corrente e, por isso, nessas suas funções entendeu que a decisão quanto ao estágio em causa, seria da competência do novo secretário executivo eleito sendo que, aliás, o eleito veio a ser o mesmo secretário executivo, L.;
22.O autor recebeu subsídio social de inserção no valor mensal de € 178,15, nos períodos de Janeiro a Junho de 2013 e de Outubro de 2014 a Fevereiro de 2015.
*
III - Enquadramento jurídico.
1. Da violação do princípio constitucional do direito ao trabalho.

O Recorrente entende que o Mmo. Juiz a quo incorreu em erro por considerar que a Recorrida não teve um comportamento ilícito na medida em que entendeu que a actuação da Recorrida não violou o princípio constitucional do direito ao trabalho.
No entendimento do Recorrente, a Recorrida quando anulou a candidatura ao programa de estágio de emprego, que seria frequentado pelo Recorrente, violou o princípio do direito ao trabalho, na vertente de acesso a uma formação profissional.
Porquanto no seu entendimento os contratos de estágios são equiparados aos contratos de formação profissional e, por isso, aplica-se a estes o princípio do direito ao trabalho previsto na al. c), do n.º 2 do art.º 58º da CRP.
Sem razão.
Determina o art. 58º nº 2 alª c) da CRP que para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.
Antes de mais, na apreciação deste ponto é necessário ter presente os factos provados e, em concreto, os factos provados nos pontos 2 e 5, factos esses que estão assentes e aceites pelas partes, não tendo o Recorrente recorrido dos mesmos.
Está provado que: “2. Ao abrigo da Portaria nº 204-B/2013, de 18/06, a Ré apresentou a sua candidatura à “Medida Estágios Emprego”, à qual foi atribuída o n.º 0106/EE/13, indicando como estagiário o autor N., o qual duraria normalmente 12 meses (…)”; 5. A entidade ré aceitou a decisão de aprovação em 18 de Outubro de 2013, sem que, no entanto tivesse celebrado o contrato de estágio com o estagiário proposto, o aqui autor e, bem assim, não informou o IEFP do inicio do estágio.”
Resulta dos factos provados que a Recorrente, enquanto entidade promotora apresentou a sua candidatura à Medida Estágios Emprego tendo indicado como potencial estagiário o Recorrente, mas que não chegou a ser celebrado, entre o Recorrente e a Recorrida, qualquer contrato de estágio.
Nos termos do disposto no art. 7º da Portaria nº 204-B/2013, de 18 de Junho, que criou e regulamenta a Medida Estágio Emprego, o processo de seleção do estagiário/da candidatura à Medida Estágio Emprego termina com a celebração do contrato de estágio, reduzido a escrito e nos termos do modelo definido em regulamento específico aprovado pelo IEFP, entre a entidade promotora e o estagiário.
Ora, na presente situação não houve a conclusão da candidatura à Medida Estágio Emprego – não houve a celebração do contrato de estágio.
O que significa que entre o Recorrente e a Recorrida não houve a formalização de qualquer contrato – em momento algum a Recorrida se vinculou, se comprometeu, se obrigou a deixar o Recorrente frequentar um estágio em contexto de trabalho na Recorrida. Mas mesmo que tivesse sido celebrado o contrato de estágio a verdade é que entendemos que o contrato de estágio, não é qualificado, como um contrato de trabalho ou de aprendizagem nem a bolsa de formação paga ao aprendiz se confunde com o conceito de retribuição.
Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Ac. de 08/06/2011, proc. 2924/06.TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt, que apreciando uma situação que tinha por base um contrato de estágio profissional vem dizer o seguinte: “Nunca os contratos de formação profissional ou de estágio geram relações de trabalho subordinado”.
Mais recentemente, no âmbito da Medida “contrato emprego-inserção+”, regulada pela Portaria n.º 14/2011, de 18 de Abril, e que visa que os desempregados inscritos no centros de emprego – medida essa de todo semelhante à Medida Estágio Emprego, objeto do presente processo - o Tribunal da Relação de Évora também entendeu que: “atento ao escopo desses contratos, e celebrado, nessa conformidade, um contrato entre a Autora, beneficiária do rendimento social de inserção, e a Ré, «entidade promotora«, não pode o mesmo ser qualificado como de trabalho para efeitos de reparação prevista na LAT”. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/11/2015, proc. nº 503/13.7T2SNS-A.E1, in www.dgsi.pt).
Também apreciando uma situação que tinha por base um contrato celebrado no âmbito da Medida “contrato emprego-inserção”, o Tribunal da Relação de Évora concluiu o seguinte: “A relação estabelecida entre um trabalhador e uma junta de freguesia, enquanto entidade promotora, ao abrigo de um “contato –emprego inserção+”, não é qualificável como contrato de trabalho”. (cfr. Ac. de 04/12/2014, proc. nº 294/13.1TTEVR.E1, in www.dgsi.pt)
Referindo ainda que: “Tais medidas, (…) são modalidades ao abrigo das quais desempregados inscritos nos centros de emprego, beneficiários de subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego e de rendimento social de inserção, desenvolvem trabalho socialmente necessário, isto é, realizam atividades que satisfaçam necessidades sociais ou coletivas temporárias, prestadas em entidade pública ou privada sem fins lucrativos, que visa, por um lado, promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências socioprofissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho, e fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e atividades (…). Para o efeito, entidades públicas e privadas sem fins lucrativos, designadas por entidades promotoras, candidatam-se junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, aos apoios previstos (…).
Seguidamente, entre a entidade promotora e cada beneficiário selecionado pelo IEFP, IP, é celebrado um contrato que revistará a modalidade de “contrato emprego-inserção” se o beneficiário for um desempregado subsidiado (…) ou de “contrato-emprego-inserção+” se o beneficiário for um desempregado beneficiário de rendimento social de inserção. (…)
Perante o quadro normativo que vimos analisando e que se adequa ao «contrato emprego-inserção+» ao abrigo do qual se estabeleceu a vinculação entre Autor e Ré, impõe-se concluir que entre as partes não existiu uma relação de trabalho subordinado pela qual o Autor se tenha comprometido a prestar sob a direção da Ré uma atividade produtiva mediante o pagamento de uma retribuição; não se configurando que entre as partes tenha existido um contrato de trabalho (…).” (cfr. Ac.de 04/12/2014, proc. nº 294/13.1TTEVR.E1, in www.dgsi.pt).
Ora, não sendo o contrato de estágio ou de formação profissional equiparado a um contrato de trabalho, o potencial contrato de estágio que fosse celebrado entre a Recorrida e o Recorrente não estaria sujeito ao regime jurídico do contrato de trabalho e não configurava uma relação laboral. Acresce que, mesmo sendo o contrato de estágio equiparado ao contrato de formação profissional – a verdade é que o princípio constitucional do direito ao trabalho, não inclui no seu âmbito qualquer obrigação da Recorrida ser obrigada a permitir que o Recorrente frequente um estágio profissional na mesma. O art.º 58 da CRP consagra o direito ao trabalho como um dos direitos económicos, sociais e culturais constitucionalmente reconhecido. O direito ao trabalho consiste, em primeiro lugar, no direito de obter emprego ou de exercer uma atividade profissional, competindo ao Estado promover tal acesso.
Conforme defendido por Jorge Leite: “Direito ao Trabalho – entendido como direito ao exercício remunerado de uma actividade reclamado pela dignidade da pessoa humana e pelo princípio do Estado Social. Trata-se de um direito que tem como lado passivo a obrigação, por parte do Estado, de desenvolver uma acção propiciadora de criação de empregos e de protecção dos empregos existentes. A prestação de subsídio de desemprego é o direito seu sucedâneo” (cfr. Jorge Leite in “Direito do Trabalho”, Vol. I, pp. 121).
Cabendo ainda ao Estado, no âmbito do princípio constitucional do direito ao trabalho, promover “formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores” (cfr. art. 58º, nº 2, c) da CRP), de modo a facilitar a obtenção de emprego e adaptação de trabalhadores a novas técnicas para permitir a progressão profissional destes. O referido direito constitucional não impõe à Recorrida, contrariamente ao que pretende o Recorrente, a obrigação desta promover e assegurar a “formação profissional” do Recorrente – isso compete ao Estado a quem cabe desenvolver políticas e medidas tendentes a assegurar a formação profissional, e cabe depois à entidade empregadora que é obrigada a assegurar aos trabalhadores formação inicial e contínua no âmbito da relação laboral.
Pelo que, a circunstância da Recorrida ter anulado a sua candidatura a promotora no âmbito da Medida Estágio Emprego não constitui a violação do direito ao trabalho constitucionalmente consagrado no art. 58º da CRP. Acresce ainda que, não há nenhuma norma da Portaria nº 204-B/2013, nem noutra disposição legal, que imponha à Recorrida a obrigação de promover estágios profissionais.
Cabe apenas à Recorrida, no desenvolvimento das suas atribuições e competências, avaliar da oportunidade ou não de ser promotora de estágios profissionais. Sendo certo que, na situação sub judice, em momento algum a Recorrida se vinculou, mediante a celebração de um contrato de estágio – que é a conclusão do processo de candidatura à Medida de Estágio Emprego – com o Recorrente no sentido deste poder frequentar um estágio emprego na Recorrida.


2. Da violação dos princípios da boa fé e da confiança.

O Recorrente discorda também do entendimento acolhido pela sentença recorrida de que não foram violados os princípios da boa fé e da confiança.
Na perspectiva do Recorrente havia a “expectativa” deste frequentar o estágio na Recorrida e na sua versão dos factos a Recorrida vinculou-se perante o Recorrente.
Entende ainda o Recorrente – sem, contudo, o fundamentar e demonstrar preenchidos os respetivos pressupostos– que ocorreu uma ação de venire contra factum proprium por parte da Recorrida. Mais alega que estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por parte da Recorrida, referindo que o Recorrente teve a expectativa de integrar o estágio e por isso essa expectativa deve ser ressarcida ou ser indemnizável a titulo de “perda de chance”.

Vejamos:
O princípio da boa-fé está consagrado no art.º 266º da CRP e no art.º 10º do CPA (art.6º-A do CPA na redação dada pelo DL nº 442/91, 15 de Dezembro) e está diretamente relacionado com actos, direitos e obrigações jurídicas e pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior. Estabelecendo o nº 2 do referido art.º 10º do CPA que: “No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objetivo a alcançar com a actuação empreendida”.
O princípio da boa fé circunscreve-se à vertente do subprincípio da tutela da confiança, e conforme resulta da Jurisprudência do STA (num Acórdão em que o Supremo Tribunal Administrativo apreciou precisamente o princípio da boa fé e o seu subprincípio da confiança e a “expectativa” juridicamente tutelada), pressupõe: “cinco circunstâncias jurídicas para a sua verificação:
a) a actuação dum sujeito de direito que crie a confiança;
b) a situação de confiança mostrar-se justificada por elementos objectivos idóneos a produzir uma crença plausível;
c) a existência dum investimento de confiança;
d) o nexo de causalidade/imputação entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança e entre esta e o investimento de confiança;
e) a frustração de confiança por parte do sujeito jurídico que a criou.” (cfr. Ac. do STA de 25-02-2016, proc. nº 036/15, in www.dgsi.pt)
Continuando, o citado Acórdão refere que a tutela da confiança para ser validamente invocada: “é necessário que o interessado não pretenda alicerçar apenas na sua mera convocação psicológica e subjectiva, antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança, ou seja, a necessidade do particular ter razões sérias para crer na validade dos actos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua actuação”.
Referindo ainda o citado Acórdão que: “É, assim, que o princípio da protecção e da segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantido e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica. Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.”
Ora, na situação sub judice, não resultou provado qualquer circunstância que determina a tutela da confiança do Recorrente.
Efectivamente, não ficou demonstrado que a situação de confiança do Recorrente – de que a Recorrida iria concluir a candidatura à Medida Estágio Emprego e permitir que este frequentasse um estágio profissional com contrato de estágio celebrado com a Recorrida – fosse justificada, ou seja, que objetivamente tivesse apoio em factos que permitissem tirar tal conclusão, nem resulta que essa situação de confiança invocada pela Recorrente fosse imputável à Recorrida. Alias, conforme resulta expressamente dos factos provados, nomeadamente dos pontos 2, 3, 4, 5, 10 e 11 – a Recorrida, perante o Recorrente, nunca se vinculou a nada. Não foi assinado qualquer contrato de estágio.
A Recorrida nunca chamou o Recorrente para uma conversa/entrevista.
A Recorrida nunca enviou ao Recorrente qualquer comunicação referente à candidatura à Medida Estágio Emprego.
Todos os contactos referentes à Medida Estágio Emprego foram tidos entre a Recorrida e o IEFP – Centro de Emprego Dão-Lafões, Tondela.

Também a atuação da Recorrida não pode ser qualificada como de “venire contra factum proprium”, como incorrectamente refere o Recorrente.
Conforme entende a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores: “Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se as condutas dos pretensos abusantes foram no sentido de criar, razoavelmente, uma expectativa factual, sólida, que poderia não conduzir à celebração do contrato definitivo, através da execução do contrato promessa. “Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
Não se procura o “animus nocendi”, mas, e como acima se disse, somente um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele”. Para o Prof. Menezes Cordeiro, “o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium– é, porém, contrariado pelo segundo.” (cfr. Ac. do STJ de 28-06-2007, processo nº 07B1964 in www.dgsi.pt) O abuso de direito, na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com as suas condutas, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado, tendo assentado a sua expectativa relativamente ao comportamento do outro, em que confiou.
A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo, determina que alguém exerça o seu direito contrariando uma anterior conduta sua. Podemos assim enumerar como pressupostos do abuso de direito por “venire contra factum proprium” os seguintes:
• a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança;
• a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao mesmo agente;
• a boa fé do lesado;
• a existência dum "investimento de confiança", traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium;
• o nexo causal entre a situação objetiva da confiança e o "investimento" que nela assentou.
Na situação sub judice nenhum dos pressupostos se verifica.
Aliás, conforme já se referiu, entre a Recorrida e o Recorrente nunca houve qualquer comunicação, conversa ou contacto – todos os contactos foram entre o Recorrido e o IEFP. Dos factos provados não resulta qualquer atuação da Recorrida perante o Recorrente que fosse contraditória com anteriores condutas desta, até porque, perante o Recorrente, a Recorrida não teve qualquer comportamento.
Nenhuma conduta da Recorrida podia ter conduzido a que o Recorrente acreditasse ou sequer confiasse que a Recorrida iria concluir a sua candidatura à Medida Estágio Emprego e celebrar com este um contrato de estágio.
Pelo que, perante os factos provados e do exposto, é seguro concluirmos que, em momento algum, a Recorrida transmitiu ou teve qualquer comportamento que podia sequer instituir no recorrente a confiança de que iria celebrar com este um contrato de estágio. Dos factos provados apenas resulta que o Recorrido criou a expectativa - meramente psicológica e subjetiva - de vir a ser integrado no Programa de estágio emprego – pontos 13, 14 e 18 dos factos provados.
Trata-se de uma mera expectativa de facto – mera esperança psicológica de vir a celebrar o contrato de estágio com a Recorrida, que não tem qualquer relevância jurídica. “A expectativa de facto traduz-se numa mera aspiração ou previsão de um certo facto ou efeito jurídico. A expectativa de facto corresponde ao sentido vulgar da palavra e não beneficia de qualquer protecção jurídica. Por exemplo, têm uma expectativa de facto, os presuntivos herdeiros não legitimários, os sócios em relação a futuras distribuições de lucros, o proponente no que concerne à eventual celebração do contrato. Todos estes indivíduos «contratam», «esperam» vir a ser investidos numa determinada posição. No entanto essa sua aspiração não encontra meios jurídicos destinados a consolidar a probabilidade da investidura desejada.” (cfr. Maria Raquel Aleixo Antunes Reio, in “Da Expectativa Jurídica”)
Ora, a expectativa de facto do Recorrente é uma mera posição de expectação à qual o direito não confere protecção – o Recorrente não é titular de uma expectativa jurídica, não é titular de qualquer direito subjectivo que imponha à Recorrida a obrigação de concluir a sua candidatura à Medida Estágio Emprego e assinar com o Recorrente um contrato de estágio e por isso não violou os princípios da boa fé e da confiança. Conforme entende o STA: “o princípio da confiança pressupõe, efectivamente, uma ideia de protecção da confiança que implique sempre um mínimo de certeza e segurança que não se basta com expectativas meramente psicológicas ou subjectivas, sem suporte factual. As expectativas para serem tuteláveis terão de ser consistentes e baseadas em elementos objectivos idóneos” (cfr. Ac. do STA de 25-02-2016, proc. nº 036/15, in www.dgsi.pt). Aliás, conforme corretamente decidiu a douta Sentença: “Ora, verificamos que in casu, e em primeiro lugar, nada o réu contratou ou se vinculou para com o autor, pois, como demonstrado, nem sequer celebrou com o mesmo o necessário contrato de estágio. Por outro lado, embora o autor tivesse eventualmente tido alguma expectativa de poder vir a integrar-se no estágio na ré e para o qual esta se havia candidatado, todavia tal não passou de uma mera expectativa que, entendemos, não ser suficiente para que mereça a tutela do direito, maxime a nível de fundamento em que o autor possa responsabilizar a Entidade ré no sentido da obrigação de indemnização que peticiona e pretende.
Ou seja ainda, não se vê, face aos factos provados, que se possa considerar a conduta da ré como violadora dos alegados princípios da confiança e da boa fé desta, que o Autor invoca como fundamento da ilicitude da conduta da mesma ré.
Aliás, realce-se ainda que com a situação descrita o autor não adquiriu qualquer direito que a lei lhe possa conferir ou conferiu, quando muito, como referido, tal não constituiu mais do que uma mera expectativa do autor em poder vir a integrar-se no alegado estágio na ré e para qual se havia candidatado.
Porém, e como demonstrado, nada vinculava a ré, pelo menos perante o autor, a efectuar ou concretizar essa mesma candidatura ao referido estágio e, assim, dadas as circunstancias descritas, isto é, o facto de alteração na composição dos órgãos da ré, ocorrido após a mencionadas eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013, entendeu a ré, com os seus novos dirigentes, certamente alterar de alguma forma a gestão da ré, nomeadamente ao nível dos recursos humanos, e tanto assim, face ao facto de as eventuais funções a que se destinaria o estágio do autor e anteriormente pretendidas preencher com esse lugar de estagiário, resolveu, ainda face ao facto das contratações das suas trabalhadoras referidas, e entendeu ser desnecessária essa candidatura e, consequentemente, o lugar de estágio previsto para ai integrar o autor, precisamente porque com aquelas contratações a termo incerto, preencheria as necessidades ocupacionais para o desenvolvimento das suas actividades e, assim, razão, que cremos ser bastante justificada e fundamentada para aquela anulação ou desistência da candidatura em causa.
Tudo o exposto significa que não se vislumbra no comportamento da ré CIM qualquer violação da lei ou de qualquer princípio geral de direito, nomeadamente os invocados pelo autor, no caso os princípios da confiança e da boa fé e, por isso, não está demonstrada a ilicitude do comportamento da mesma ré.” (cfr. página 23 e 24 da sentença recorrida).
Assim, conforme correctamente decidiu a referida sentença não se verifica a violação do princípio da boa fé, no seu subprincípio da confiança, nem ocorreu qualquer situação de “venire contra factum proprium”.

Pelo que, nenhum reparo merece a sentença recorrida.

3. A responsabilidade extracontratual.

A Recorrida não praticou qualquer facto ilícito suscetível de ser responsabilizada em sede de responsabilidade civil extracontratual.

O art.º 7º, nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro estabelece que: “O Estado e as demais pessoas colectivas são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
A referida disposição legal consagra responsabilidade civil por danos resultantes da função administrativa decorrente da prática de actos ou omissões ilícitas.
Estabelecendo o nº 1 do art.º 9º do referido diploma legal que: “consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infringem regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Da referida disposição legal decorre que o acto ou omissão dos órgãos tem que ser ilícito – o que significa que a ilicitude do acto tem que se verificar para podermos estar perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual. E nos termos do citado nº 1 do art.º 9º a ilicitude comporta uma lesão antijurídica, que se traduz na:
• violação de normas e princípios jurídicos ou regras de ordem técnica; e
• violação de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Na presente situação o Recorrente não imputou à atuação da Recorrida – nem em sede de petição inicial, nem agora em sede de recurso – a violação de qualquer norma jurídica. Conforme refere a sentença recorrida: “não vislumbramos que a actuação da ré CIM tenha infringido qualquer norma legal e/ou regulamentar e, assim, possa tal comportamento da ré CIM ser considerada ilegal, por ilícito. Aliás, nem o próprio autor imputa à ré qualquer violação de norma legal especifica donde se possa extrair aquela actuação ilícita.
Daí que, por essa via, não se verifica qualquer facto gerador de responsabilidade civil extracontratual.
No que respeita à invocada indemnização pela perda de chance, porque inserida nessa pretensão do Autor, tendo os mesmos fundamentos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da ré, alegando o Recorrente que configura dano indemnizável, dado que não se verifica a ilicitude da conduta/comportamento da ré CIM, como acima se viu, fica prejudicada a apreciação do invocado dano.

Improcede, pois, o recurso, impondo-se manter, no seu todo, a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
*

Porto, 18.09.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco