Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00352/07.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/10/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:SENTENÇA INEXISTENTE
Sumário:1- É inexistente a sentença que não tem por objecto a matéria da causa, o que acontece se na petição inicial está indicado como acto impugnado a liquidação do IVA dos anos de 2003 e 2004 e a sentença aprecia a legalidade da liquidação do IRC dos anos de 2003 e 3004.
2- A inexistência da sentença é do conhecimento oficioso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Declarada inexistente a sentença.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
J…, LDA, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente aos exercícios de 2003 e 2004, interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª) Após o julgamento a que se procedeu no processo que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, aí registado sob o n° 381/05.0IDBRG, foi proferida sentença, em 27/11/2008, já transitada em julgado, na qual, entre outros, foram julgados não provados os seguintes factos:
- Que as facturas referidas nos factos provados não corresponderam a serviços efectivamente prestados pela sociedade «D...-Soc. Construções, Unipessoal, Lda.», nem pela «C... Construção Civil, Lda.» à sociedade «J... Construções Unipessoal, Lda.».
- Que o arguido J..., em local que não foi possível precisar, em data não concretamente apurada, porém situada nos anos de 2003 e 2004, contactou os arguidos F... e J..., propondo-lhes que fingissem a existência de contrato entre eles, facturando prestações de serviços inexistentes, em que as sociedades «D...-Soc. Construções, Unipessoal, Lda.» e «C... Construção Civil, Lda.» figurariam como prestadoras de serviços da sociedade «J... Construções Unipessoal, Lda», como cliente de tais serviços e pagadora pelos respectivos preços.
- Que jamais o arguido J... contratara com os arguidos F... e J... ou com alguém em nome das sociedades «D...-Soc. Construções, Unipessoal, Lda.» ou da «C... Construção Civil, Lda.» a prestação dos serviços descritos nas facturas, jamais estas sociedades lhos prestaram ou receberam do arguido J... as importâncias facturadas.
- Que a sociedade «J... Construções Unipessoal, Lda.» deduziu indevidamente IVA nos montantes de 9.291 Furos no primeiro trimestre de 2003; 7.404,30 euros no segundo trimestre de 2003; 16266,28 Furos no terceiro trimestre de 2003; 14.975,80 Furos no quarto trimestre de 2003; 15.955,25 Furos no primeiro trimestre de 2004; 16.195,60 Furos no segundo trimestre de 2004; 16.236,45 Furos no terceiro trimestre de 2004; 11.019,05 euros no quarto trimestre de 2004, tendo obtido vantagem ilegítima nesses montantes.
- Que J... bem sabia que fazia constar das suas declarações de rendimento estas facturas, as quais não titulavam qualquer transacção real, com o intuito de obter quantias indevidas a título de IVA, acima identificadas, e evitar o pagamento de IRC, imposto que era por si devido, e sua consequente não entrega ao estado, para assim obter vantagem de ordem patrimonial, em beneficio da sociedade «J... Construções Unipessoal, Lda.», que, sabia, no global, iria ser superior a 15.000 Euros, através da dedução indevida de IVA, à qual não tinha direito, e que assim lesaria a Fazenda Nacional, mas ainda assim, utilizou-as.
2ª) Daí que, os ali arguidos J... e J... Construções Unipessoal, Lda. foram absolvidos da prática do crime de fraude fiscal qualificada.
3ª) A impugnante entende que, nestes autos, deveriam ter sido julgados não provados aqueles factos.
4ª) O Código de Processo Civil constitui direito subsidiário e, por isso, é de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário nos casos omissos (artigo 2° alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
5ª Os depoimentos produzidos num processo podem ser invocados noutro processo (artigo 522° n° 1 do Código de Processo Civil).
6ª) Por outro lado, a decisão penal transitada em julgado que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui presunção legal da inexistência desses factos (artigo 674°-B nº 1 do Código de Processo Civil).
7ª) In casu, o tribunal a quo ignorou de todo a sentença proferida no processo crime que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, aí registado sob o n° 381/05.0IDBRG, sendo que deveriam ter sido julgados não provados os factos que aí foram considerados como tal e que acima foram elencados.
8ª) Essa omissão de pronúncia acarreta a nulidade da sentença (artigo 668° n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil), que deverá ser declarada pelo tribunal ad quem.
9ª) Refere o artigo 712° n° 1 do Código de Processo Civil que “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690°-A, a decisão com base neles proferida (…)”.
10ª) In casu, foi produzida prova (constante da sentença do processo crime) nos termos da qual deveriam ter sido julgados não provados os factos acima referidos.
11ª) A alteração da decisão da matéria de facto proferida, nos termos vindos de referir, implica forçosamente uma alteração da decisão de direito, devendo a impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, anulados os correspondentes actos tributários.
12ª) A decisão recorrida violou, entre outras, as normas dos artigos 655° n° 1 e 668° n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, declarar-se nula a decisão recorrida ou, se assim se não entender, deverá alterar-se a decisão da matéria de facto nos termos acima indicados e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que determine a procedência da impugnação e, por isso, a anulação dos actos tributários em causa,
Isto para que uma vez mais se faça JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:
- Saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia
- Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não ter dado como não provado os factos que não ficaram provados na sentença proferida no processo crime que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, aí registado sob o n° 381/05.0IDBRG, e consequentemente, erro de julgamento de direito.

II– FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como assente a seguinte factualidade (que se transcreve):

«1 - As liquidações impugnadas resultam de correcções à matéria tributável, de natureza meramente aritmética, efectuadas na sequência de um procedimento inspectivo, cuja credencial foi a ordem de serviço que, com o n.° 01200500959, foi emitida em 30/06/05.

2 - A acção de inspecção foi iniciada em 12 de Julho de 2005 e concluída em 07 de Outubro de 2005.

3 - As correcções efectuadas pela AT são as seguintes:

a. Ano de 2003

i. IRC

1. Declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo: -84.567,17€

2. Correcções efectuadas pela Administração Tributária: 123.770,00€

3. Lucro tributável: 39.202,83 €

ii. IVA: Dedução indevida: 47.937,38€

b. Ano de 2004

i. IRC

1. Declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo: - 245.988,28 €

2. Correcções efectuadas pela Administração Tributária: 362.665,00€

3. Lucro tributável: 116.676,72€

c. IVA: Dedução indevida: 59.406,35€

4 - Os actos tributários ora impugnados têm por fundamento, quanto ao IVA, a não aceitação do direito à dedução do imposto suportado em facturas constantes da contabilidade da impugnante, nos termos do disposto no art. 19°, n.° 3 do CIVA; e, quanto ao IRC, a não consideração como custos, nos termos do disposto no art. 23° do CIRC.

5 - A Administração Tributária considerou que, relativamente às facturas emitidas pelas pretensas sociedades fornecedoras da ora impugnante (“D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Ldª” - facturas 757, 746, e 954, de 2003 - e “C… - Construção Civil Ldª” - facturas 352, 355, 407 e 409, de 2003, e 423, 424, 471, 472, 496, 498, 530 e 531, de 2004), se estava perante documentos que não correspondiam a reais operações tributáveis praticadas por aquele sujeito passivo e que, consequentemente, não poderia a impugnante ter, por um lado, considerado como custo fiscalmente dedutível e, por outro lado, ter deduzido o imposto nelas mencionado.

6 - Todos os documentos dessa sociedades referidos possuem a denominação social e a sede bem como o destinatário ou adquirente e os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação, da taxa aplicável, o preço, liquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável e as taxas aplicáveis e o montante do imposto devido.

7 - Todavia, a Inspecção Tributária (IT) detectou, quanto à pretensa fornecedora “D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Ldª”:

a. Apesar de ter declarado o início de actividade em 25.07.2001, à data do procedimento inspectivo apenas havia apresentado declaração de rendimentos (DR) de IRC para o exercício de 2001 e declarações periódicas (DP) de IVA referentes a dois períodos do ano de 2001 (3° e 4° trimestres) e a dois períodos do ano de 2004 (10 e 3° trimestres);

b. Da análise das empresas ‘subcontratadas’ por este pretenso fornecedor da ora impugnante apurou-se que os representantes legais das mesmas afirmaram não ter prestado qualquer serviço àquelas;

c. O local indicado como sendo a sua sede social encontrava-se, à data da inspecção, encerrado e desocupado há longo tempo; tendo o respectivo senhorio intentado acção judicial contra este pretenso fornecedor da impugnante por falta de pagamento, desde Junho de 2002, das rendas devidas;

d. O local indicado pelo sócio e gerente da referida sociedade como sendo o seu domicílio não correspondia à realidade, residindo este sujeito passivo numa habitação camarária sita no concelho de Ermesinde;

e. A referida sociedade não dispunha de no seu quadro de pessoal de trabalhadores que permitissem a realização dos serviços objecto de facturação à ora impugnante;

f. A constituição da referida sociedade comercial nunca foi objecto de registo na competente conservatória do registo comercial;

g. O alvará que permite o acesso à actividade de construção civil é falso;

h. O referido gerente desta sociedade admitiu ter emitido diversas facturas que não correspondiam a verdadeiras operações económicas, recebendo, como contrapartida, uma percentagem do valor de tais “documentos”;

i. A não numeração sequencial das facturas de acordo com as respectivas datas de emissão pela pretensa fornecedora;

j. O pagamento em numerário das “facturas’, quando a própria impugnante efectua vários pagamentos de baixo montante através de cheque;

k. Impossibilidade do pagamento de qualquer quantia - quer em numerário, quer por movimentação de contas bancárias - em virtude de a própria contabilidade da impugnante demonstrar que nas datas respectivas não existiam meios disponíveis para tal;

l. Os valores facturados pela impugnante aos donos das obras são em montante muito inferior ao valor da facturação dos seus “subcontratados”;

m. O facto de a impugnante ter alegado que efectuou o pagamento dos salários dos “trabalhadores” da pretensa sociedade prestadora dos serviços, sendo certo que não existiam quaisquer relações laborais entre aqueles e a impugnante e sendo desconhecido qualquer documento que comprove, por um lado, a realização de tais pagamentos e, por outro lado, que nas relações entre a impugnante e a sua pretensa fornecedora se tenha consumado qualquer compensação ou encontro de contas aquando do pagamento das “facturas” aqui em apreço;

8 - Inspecção Tributária (IT) detectou igualmente quanto à pretensa fornecedora “C... - Construção Civil Lda:

a. Este sujeito passivo esteve colectado entre 11.05.1999 e 31.12.2001, data em que foi cessada oficiosamente a sua actividade;

b. Enviou aos serviços competentes as DP de IVA referentes aos períodos de 9906 a 0006 (2° trimestre de 1999 ao 2° trimestre de 2000), todas elas sem revelar a prática de qualquer facto tributário;

c. Apenas apresentou DR de IRC para o exercício de 1999, na qual igualmente não declarou qualquer actividade;

d. Relativamente a trabalhadores inscritos na Segurança Social a AT apurou que apenas em Agosto de 2001 este pretenso fornecedor declarou a existência de funcionários no total de 5;

e. O local indicado como sendo a sede da sociedade estava, à data da inspecção, desocupado há longo tempo;

f. Não obstante o gerente desta sociedade ser J…, vários livros de facturas foram requisitados por terceiros estranhos à sociedade, a saber:

i. Lemos Vieira: facturas 1 a 150; e

ii. M…; e, J…: facturas 201 a 350.

g. Foram requisitados outros livros de facturas por F…, sendo, por diversas vezes, a numeração requisitada repetida;

h. O referido gerente desta sociedade declarou que:

i. Nunca prestou serviços na qualidade de subempreiteiro, tendo a sua actividade sido desenvolvida, exclusivamente, de forma directa com o dono da obra;

ii. Desde o ano de 2002 se ausentou para Espanha;

iii. Apenas prestou serviços em três obras, não sendo nenhuma delas as referidas pela ora impugnante; e,

iv. As facturas que utilizou no desenrolar da actividade foram impressas nas tipografias “J…” e “E…”, não tendo efectuado qualquer requisição de tais documentos após o ano de 2000.

i. O pagamento em numerário das “facturas”, quando a própria impugnante efectua vários pagamentos de baixo montante através de cheque;

j. Impossibilidade do pagamento de qualquer quantia - quer em numerário, quer por movimentação de contas bancárias - em virtude de a própria contabilidade da impugnante demonstrar que nas datas respectivas não existiam meios disponíveis para tal;

k. Os valores facturados pela impugnante aos donos das obras são em montante muito inferior ao valor da facturação dos seus “subcontratados”:

i. Em Vagos:

1. Valor facturado pela impugnante: 119.987,69€

2. Valor dos “subcontratos”: 171.283,40€

ii. Em Ílhavo:

1. Valor facturado pela impugnante: 60.517,81 €

2. Valor dos “subcontratos”: 164.432,00€

l. O valor de metros - referentes ao volume de serviços prestados - facturado pelos “subcontratados” da impugnante (7.899,30 m.) ser cerca de quatro vezes mais do que o valor facturado pela impugnante ao dono da obra (1.934,63 m.).

m. A impugnante ter alegou que efectuou o pagamento dos salários dos ‘trabalhadores” da pretensa sociedade prestadora dos serviços, sendo certo que não existiam quaisquer relações laborais entre aqueles e a impugnante e sendo desconhecido qualquer documento que comprove, por um lado, a realização de tais pagamentos e, por outro lado, que nas relações entre a impugnante e a sua pretensa fornecedora se tenha consumado qualquer compensação ou encontro de contas aquando do pagamento das “facturas” aqui em apreço.

9 - Mais detectou a Inspecção Tributária a contabilização dos seguintes ‘empréstimos” do sócio J... à ora impugnante:

i. Ano de 2003: 130.000,00€;

ii. Ano de 2004: 198.000,00€

10 - Os rendimentos declarados por aquele sócio e gerente declarados para efeitos de tributação em sede de IRS nos seis anos anteriores foram os seguintes

Ano
Rendimento Tributável
Colecta
2003
10.845,07
561,98
2002
11.423,81
649.24
2001
11.551,53
743,94
2000
5.163,06
337,90
1999
5.430,50
536,74
1998
4.646,95
277,75
Total
49.060,92€
3.107,55€
Matéria de facto não provada:

1 - Não é hoje nem foi no passado, do conhecimento da impugnante qualquer forma de incumprimento das obrigações fiscais por parte de qualquer sociedades que lhe prestavam serviços, nomeadamente a “D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Lda” e “C... - Construção Civil, Lda”.

2 - Os próprios alvarás dessas sociedades foram adquiridos pela impugnante que neles não detectou quaisquer indícios de irregularidades.

3- Nas obras trabalhou pessoal daquelas empresas, que de facto, faz obra.

4- A impugnante constrói em regime de “adjudicação completa” e precisa de recorrer às artes, que não tem no seu quadro de pessoal, sendo a sua principal “arte” a “construção do grosso”, ou seja, a edificação e fundações, e as restantes artes sub contratadas localmente.

5- Os pagamentos sob a forma de “saídas de caixa “ foi uma necessidade circunstancial, pois tratando-se de obras em Vagos, Ílhavo e Aveiro, foram aí detectadas diferentes constituições geológicas, passando inclusivamente pelo facto de parte dos solos se encontrarem preenchidos por areia, o que implicou um maior investimento, acrescido de um aumento de trabalho, exigindo inesperado subcontratar de pessoal, face à dificuldade em obter em tempo útil trabalhadores para a execução desses soube que as empresas em causa tinham salário em atraso, e os trabalhadores exigiram que, caso não fossem liquidados de pronto e directamente aos próprios trabalhadores, os valores com as entidades patronais, abandonavam as obras, por recearem que os pagamentos pela impugnante efectuados pudessem ter outros destinos.

6- Houve obras em que o orçamento foi manifestamente insuficiente face ás despesas efectivas, ao que os clientes da impugnante são, contudo, alheios, já que a obra lhe foi adjudicada por base o preço mais baixo, de construção por m2 das diferentes artes face à restante concorrência, mas daí resultaram quer custos acima do previsto quer trabalhos acima do estimado, para além da necessidade de ao valor facturado se fazer acrescer o valor dos produtos e trabalhos em curso que já estavam realizados e com custos suportados pela impugnante.

7- Os pagamentos em numerário são prática corrente no tipo de subcontratos celebrado pela impugnante, e mais especificamente neste caso em que era importante salvaguardar a continuidade dos trabalhadores em obra;

8- O valor dos suprimentos indicados na conta 23 do Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-lei n°410789, não corresponde à realidade porque foram contabilizados na conta 26 - Outros devedores e credores na medida em que diziam respeito a pagamentos que não deveriam ser considerados como empréstimos, mas sim como um adiantamento que seria liquidado à medida a que a facturação fosse efectuada e liquidada pelos clientes.


II.2. DE DIREITO
O ora recorrente insurgiu-se contra a sentença proferida nos presentes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que teve como objecto, tal como é identificado no seu intróito, as liquidações de IRC dos anos de 2003 e 2004, no montante global de 107.344,10 €, as quais resultaram da correcção à matéria tributável daqueles exercícios por não terem sido aceites os custos titulados pelas facturas emitidas por “D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Ldª” e C... - Construção Civil Ldª”, por a administração tributária ter concluído que as facturas não correspondiam a transacções reais.
A recorrente não se conforma com o julgamento efectuado, imputando à sentença o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 668.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), dizendo que “o tribunal a quo ignorou de todo a sentença proferida no processo crime que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, aí registado sob o n.º 381/05.0IDBRG” e que “deveriam ter sido julgados não provados os factos que aí foram considerados como tal e que acima foram elencados.
Defende ainda a recorrente a existência de erro de julgamento de facto, na medida em que os factos não provados no processo-crime deveriam ter sido dados também como não provados nestes autos e, consequentemente, a existência de erro de julgamento de direito quanto à falsidade das facturas.

Acontece que, compulsados os autos verifica-se que na petição inicial o acto tributário impugnado é o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 2003 e 2004. Se bem que a liquidação do IVA tenha tido origem na mesma acção de fiscalização que veio a originar as correcções à matéria tributável que estão na base das liquidações do IRC, o certo é que as liquidações do IRC e as liquidações do IVA não se confundem, são actos tributários distintos.
Pois bem, apesar de a impugnante indicar na petição inicial que pretende impugnar a liquidação do IVA de 2003 e 2004, a sentença recorrida apreciou a legalidade das liquidações de IRC.
E tendo o IVA impugnado resultado de imposto considerado pela administração fiscal indevidamente deduzido, invocando a impugnante a violação do artigo 19.º do Código do IVA, a sentença recorrida ao mencionar o direito convocou não as normas daquele Código, mas as normas do Código do IRC.
É certo que a apreciação da legalidade das liquidações do IVA e do IRC, no caso, passam por se se saber se as transacções mencionadas nas facturas são ou não verdadeiras. Se a resposta for negativa, como o foi na sentença recorrida, então temos IVA indevidamente deduzido ou custos fiscalmente não aceites, conforme esteja em causa a liquidação de um ou do outro imposto. Mas não é por as liquidações assentarem nos mesmos pressupostos de facto (mas não de direito) que perdem a sua identidade.
A sentença alheou-se daquilo que era pedido na petição inicial, pelo que é nula por natureza, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2002, recurso n.º 26387.
O artigo 156.º, n.º 2 do CPC define a sentença como o acto pelo qual o juiz decide a causa principal. No caso o Tribunal recorrido não decidiu a causa, apreciou a legalidade de um acto que não estava em discussão nos autos.

Ainda que a nossa lei não faça referência às sentenças inexistentes não pode deixar de se considerar a autonomia e relevância deste vício.
Como ensinava Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 113, «sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença. A sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença, mas absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia de sentença».
No caso que tratámos a sentença não julgou a matéria em causa nos autos, não compôs o litígio que lhe foi presente. E é por isso inexistente.

A sentença inexistente é ineficaz, não produz qualquer efeito quanto ao objecto do processo e demonstrado em qualquer altura que existe um vício que corresponde à inexistência jurídica, tudo se passa como se nunca tivesse sido proferida.
E, porque a inexistência constitui uma invalidade mais grave que as nulidades principais, deve aplicar-se-lhe, pelo menos, o regime destas, sendo o seu conhecimento oficioso – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18-01-2005, processo n.º 984/03.
Verificada a inexistência da sentença, haverá que a declarar, anulando-se os actos processuais que lhe seguiram, devendo os autos regressar ao Tribunal de 1ª Instância para aí se proferida sentença que conheça do objecto do processo, ficando prejudicado o conhecimento do recurso.

Sumariando:
1- É inexistente a sentença que não tem por objecto a matéria da causa, o que acontece se na petição inicial está indicado como acto impugnado a liquidação do IVA dos anos de 2003 e 2004 e a sentença aprecia a legalidade da liquidação do IRC dos anos de 2003 e 3004.

2- A inexistência da sentença é do conhecimento oficioso.

III – DECISÃO
Em conformidade como exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em declarar inexistente a sentença e, por conseguinte, anulam o processado posterior, declaram prejudicado o recurso e determinam que o Tribunal de 1.ª Instância profira sentença a conhecer do objecto da causa.

Sem custas.
Porto, 10 de Outubro de 2013
Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Aragão Seia