Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00044/16.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/06/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO; DISPENSA APLICAÇÃO DE COIMA; RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE
Sumário:
I. A atenuação especial da coima prevista no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT exige a verificação cumulativa de dois requisitos: i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator e ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
II. A lei não indica os modos por que poderá demonstrar-se a verificação daquele primeiro pressuposto, contudo, pode o mesmo ser tido como evidenciado a partir dos atos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir.
III. Evidencia o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator o pagamento do imposto devido e da coima reduzida, sem discutir a existência da infração. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CJA & Filhas, Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença na parte recorrida
Condenar a recorrente na coima especialmente atenuada
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela procedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. CJA & Filhas, Lda, devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 05/05/2016, que julgou totalmente improcedente o recurso de contraordenação e manteve a decisão de aplicação de coima no valor de € 3.250,00.
1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A) A ora Recorrente vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente improcedente o recurso de contra-ordenação, onde invocava a ilegalidade da coima fixada e, caso assim se não entendesse, a atenuação especial da coima, nos termos do n.º 2 do artigo 32º do RGIT.
B) A Recorrente apenas põe em causa, na decisão ora recorrida, a apreciação da questão da atenuação especial da coima.
C) Logo à partida, aponta à douta sentença em apreço, o vício de violação de lei, designadamente do disposto mo artigo 125º n.º 1, conjugado com o n.º 2 do artigo 123º, ambos do CPPT, e artigo 607º n.º 4 e 615º do CPC, aplicável por força do artigo 2º, al. e) do CPPT, quando é feita a transcrição da decisão de fixação da coima sem mais, isto é, sem que se tenha realizado qualquer análise crítica dos elementos e sem que daí se retirem os factos considerados relevantes para a boa decisão da causa;
D) Também não é feita qualquer apreciação relativamente aos factos invocados pela ora Recorrente, e dados como provados em D) e E), designadamente o tocante à questão de ter procedido ao pagamento do montante de € 812,50, em sede de redução de coima, no mesmo mês em que foi notificada para o efeito;
E) Imputa ainda à sentença, a Recorrente, erro de julgamento, por errada apreciação dos factos e consequente erro na aplicação da lei.
F) Na verdade, a Recorrente considera que, para a boa decisão da questão em litígio, era mister terem sido considerados provados os seguintes factos, alegados e devidamente comprovados pela Recorrente na petição inicial (artigos 4º a 7º da p.i., que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos):
1. Em 02.01.2012, a recorrente foi notificada, para efeitos de caducidade da isenção do artigo 7º do CIMT, para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento do IMT devido, no valor de € 16.250,00, e juros compensatórios, no valor de € 591,00,relativo à compra do prédio urbano destinado a terreno de construção, inscrito na matriz predial da freguesia de F…, do concelho de Esposende, sob o artigo 2420, aquisição que havia beneficiado da referida isenção;
2. Na sequência da referida notificação, e em 04.01.2012, a recorrente procedeu ao pagamento do IMT em causa, bem como dos respetivos juros compensatórios.
G) Uma vez que, no tocante à matéria ora em questão, a lei não prevê por que forma poderá ser feito o reconhecimento da responsabilidade, por parte do infractor, e, não tendo a Recorrente, na sua defesa invocado factos que a desresponsabilizem da omissão ocorrida no pagamento do imposto, a regularização da dívida, bem como o pagamento da coima reduzida, ainda que, inconscientemente e negligentemente, 7 dias para além do prazo, claramente constituem, aqui, actos demonstrativos do sentido de reconhecimento e responsabilização da Recorrente perante o incumprimento fiscal;
H) Perante a factualidade que estava ao dispor do Tribunal a quo, mas que este não curou de apreciar devidamente, impunha-se outra conclusão, que não a de considerar que “nem da factualidade que foi julgada provada nem de quaisquer outros elementos dos autos (…) se evidencia aquele requisito (reconhecimento da responsabilidade, por parte da infractora).”
I) Ao decidir no sentido em que o fez, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo olvidou dar como provados factos que evidenciavam o reconhecimento da responsabilidade por parte da infractora, e que, no entender da Recorrente, levariam à procedência da sua pretensão, da atenuação especial da coima nos termos do nº 2 do artigo 32º do RGIT.
J) Uma vez que não foram considerados factos que, no entender da Recorrente, eram relevantes à boa decisão do pleito, a douta sentença em recurso fica inquinada de ilegalidade, e como tal deverá ser anulada, por errada apreciação dos factos e consequente aplicação da lei.
Nestes termos, e nos demais em Direito permitidos, deverão Vossas Excelências, venerandos Desembargadores, proferir douto acórdão que conceda provimento ao presente recurso, e nessa sequência declare nula da sentença recorrida, nos termos do artigo 125º do CPPT, ou, caso assim não entendam, se ordene a anulação da sentença em apreço, por ilegal, e, em substituição acordar no deferimento da pretensão da ora Recorrente, designadamente considerando estarem verificados os pressupostos para a atenuação especial da coima em causa nos presentes autos, pois só assim será feita inteira Justiça.».
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1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
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1.4. Os autos foram com vista ao DMMP que, no seu douto parecer de fls. 92 a 96 do suporte físico dos autos, concluiu pela procedência do presente recurso porquanto e em resumida síntese, «(…) a regularização da dívida e o pagamento da coima reduzida ainda que já fora de prazo por deficiente contagem do mesmo, constituem atos de reconhecimento da sua responsabilização», pelo que «(…) se verificam cumulativamente os dois pressupostos, p. no artº 32º, nº2 do RGIT: reconhecimento, por parte do infrator, da sua responsabilidade e a regularização da situação tributária até à decisão do pleito».
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Nos termos do artigo 75º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aplicável ex vi, da alínea b), do artigo 3.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por força do artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
No caso, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber a sentença recorrida padece de erro de julgamento por não ter fixado a factualidade pertinente à apreciação do pedido e por não concluir estarem verificados os pressupostos legais para a atenuação especial da coima.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«A) Em 12-04-2012 a AT, no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 0396201206012990, proferiu decisão de fixação de coima, contra a aqui recorrente que a condenou no pagamento de uma coima no valor de € 3.250,00, acrescida de custas, pela infracção prevista pelo art. 36.º do CIMT, e n.º 5 do art. 11.º do mesmo código, e punida pelo n.º 2 do art. 114.º e n.º 4 do art. 26.º do RGIT;
B) Na sequência de recurso judicial apresentado contra a decisão mencionada na al. anterior foi a mesma anulada por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 912/12BEBRG;
C) Em 20-10-2015, visando dar cumprimento à sentença mencionada na al. anterior, a AT proferiu nova decisão de fixação de coima, destacando-se aqui o seguinte:
[imagem indisponível]
Mais se provou que:
D) Em 06-03-2012, a recorrente foi notificada no âmbito do processo de redução de coima, para pagar o montante de € 812,50, nos termos do disposto nas als a), b) e c) do art. 29.º do RGIT – cf. doc. n.º 3 junto com a PI;
E) Em 27-03-2012, a recorrente efectuou o pagamento de € 812,50, na sequência da notificação mencionada na al. anterior – cf. doc. n.º 4 junto com a PI;
F) Em 27-03-2012 foi levantado o auto de notícia n.º 322/2012 contra a ora recorrente, dando origem ao processo de contra-ordenação identificado na al. A..».
3.1.2. Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 612.º, n.º 1, alínea a), do CPC e porque os autos reúnem os elementos necessários para o efeito, procedemos à alteração da matéria de facto provada, nos termos seguintes:
G) A coberto do ofício n.º 0001, de 2012-01-02, o Serviço de Finanças de Esposende notificou a ora Recorrente para «(…) no prazo de 30 (trinta) dias, após a recepção da presente notificação, proceder ao pagamento do IMT devido no valor de € 16.250,00 e juros compensatórios no valor de € 591,23, (…) com relação à aquisição, por escritura pública de compra e venda, outorgada (…) em 11 de Dezembro de 2007, (…)» - cfr. fls. 17 do suporte físico dos autos.
H) A Recorrente procedeu ao pagamento do IMT e juros compensatórios mencionados na alínea antecedente, no dia 04.01.2012 – cfr. fls. 18 do suporte físico dos autos.
Estabilizada nestes termos a factualidade assente, importa apreciar o mérito do recurso.
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3.2. De Direito
3.2.1. Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente o recurso de contraordenação, na parte em que considerou não verificado o requisito do “reconhecimento da responsabilidade” para efeitos de atenuação especial da coima.
Decorre dos autos que a Recorrente não procedeu, ilicitamente, ao pagamento do IMT devido pela aquisição de um imóvel, ocorrida em 11/12/2007. Notificada, a coberto de ofício datado de 02/01/2012, para proceder ao pagamento do IMT devido e respetivos juros compensatórios, procedeu a tal pagamento no dia 04/01/2012. Tendo sido, depois, notificada para pagamento da coima reduzida no valor de € 812,50, igualmente a pagou, embora intempestivamente, por erro na contagem do atinente prazo. Notificada da decisão (datada de 14/04/2012 e, na sequência de decisão judicial, reformada em 20/10/2015) pela qual lhe foi aplicada, pela mesma infração, a coima de €3.250,00, interpôs recurso alegando a ilegalidade da coima fixada, pois, a seu ver, não devia ter sido levantado auto de notícia e instaurado processo de contraordenação, já que a coima reduzida foi paga nos 15 dias úteis posteriores à notificação para o efeito e requerendo a atenuação especial da coima.
A Meritíssima Juíza a quo julgou o recurso improcedente por entender que a coima reduzida foi intempestivamente paga, em virtude de o prazo de 15 dias ser contínuo, e por julgar que não estava verificado o requisito do reconhecimento da responsabilidade por parte da infratora, para efeitos de atenuação especial da coima. Como já foi mencionado, é nesta parte que a Recorrente não se conforma.
Vejamos então se em face da factualidade provada nos autos assiste razão à Recorrente.
Sob a epígrafe “Dispensa e atenuação especial das coimas”, dispõe o artigo 32.º do RGIT o seguinte:
«1- Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2- Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo».
A atenuação especial da coima prevista no n.º 2 deste normativo exige, pois, a verificação cumulativa de dois requisitos: i) o reconhecimento, por parte do infrator, da sua responsabilidade e ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
No caso, a decisão de aplicação de coima (tanto a inicial, datada de 12/04/2012, como a reformada, com data de 20/10/2015) foi proferida após a regularização a situação tributária, que se verificou em 04/01/2012.
Verificado o pressuposto da “regularização da situação tributária até à decisão do pleito” importa analisar se também está presente o pressuposto do “reconhecimento da responsabilidade”.
É certo que a lei não indica os modos por que poderá demonstrar-se a verificação deste pressuposto. Contudo, como se aduz no acórdão do STA de 2/7/2008, rec. nº 0331/08, “na doutrina, João Ricardo Catarino e Nuno Victorino (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, Vislis, 2002, anotação 7 ao art. 32º, p. 192) entendem que esse requisito se poderá ser tido como evidenciado «a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir»”.
No caso, como bem salienta o DMMP, o requisito em questão (reconhecimento da responsabilidade por parte da infratora), resulta evidenciado do facto de a Recorrente ter, prontamente, regularizado a sua situação tributária (sem que haja indícios de ter colocado em causa a legalidade da dívida) tendo também pago a coima reduzida (ainda que intempestivamente, por erro na contagem do prazo de que dispunha para esse efeito).
Ademais, a Recorrente jamais questionou a existência da infração, sendo que, mesmo no presente processo, se limitou a recorrer da decisão de aplicação de coima, não por inexistir infração, mas por ser ilegal o levantamento do auto de notícia e a aplicação de coima em virtude de ter procedido, a seu ver tempestivamente, ao pagamento da coima reduzida.
Verificados que estão os pressupostos da atenuação especial a coima, cumpre agora fixar o respetivo montante.
Os termos da atenuação especial da coima são os fixados no n.º 3 do artigo 18.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias – cfr. entre outros, os Acórdãos do STA de 13/10/2010, rec. n.º 0670/10 e de 25/10/2017, rec. n.º 0371/17 -, e traduzem-se na redução para metade dos limites máximo e mínimo da coima.
No caso dos autos, de acordo com a decisão de aplicação da coima a que se refere o ponto A) do probatório fixado, foi aplicada ao arguido coima no valor de €3.250,00, tendo por referência a moldura sancionatória estabelecida nos artigos 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do RGIT - cujo limite mínimo era de 30% e o máximo de 100% do imposto em falta (€16.250,00), ou seja, como consta daquela decisão, entre €3250,00 e €16.250,00. Portanto, foi aplicada ao arguido coima de valor correspondente ao mínimo legal.
Procedendo à respetiva atenuação especial, os concretos limites da coima passam agora a situar-se entre o mínimo de €1.625,00 e o máximo de €8.125,00.
Não vislumbramos razão para que a coima especialmente atenuada não seja igualmente fixada no mínimo legal, razão pela qual se decide sancionar a infração praticada com uma coima especialmente atenuada no valor de €1.625,00.
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E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. A atenuação especial da coima prevista no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT exige a verificação cumulativa de dois requisitos: i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator e ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
II. A lei não indica os modos por que poderá demonstrar-se a verificação daquele primeiro pressuposto, contudo, pode o mesmo ser tido como evidenciado a partir dos atos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir.
III. Evidencia o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator o pagamento do imposto devido e da coima reduzida, sem discutir a existência da infração.
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4. Decisão
Em face do exposto acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a decisão na parte recorrida e, conhecendo em substituição, condenar a Recorrente na coima especialmente atenuada no montante de €1.625,00.
Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
Porto, 6 de junho de 2019
Ass. Maria do Rosário Pais
Ass. Cristina da Nova
Ass. Ana Paula Santos