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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02434/14.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:EXECUTADO.
PENHORA DE BENS QUE NÃO LHE PERTENCEM.
RECLAMAÇÃO.
ILEGITIMIDADE PROCESSUAL.
Sumário:1. O executado não tem legitimidade processual (art.º30.º, do CPC) para reclamar da penhora efectuada em bens que não lhe pertencem;
2. O art.º276.º, do CPPT, assegura ao próprio terceiro atingido pela diligência considerada ilegal legitimidade processual para intervir por si na execução fiscal em defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

J..., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade e absolveu a Fazenda Pública da instância de reclamação judicial por ele deduzida do acto do Sr. Chefe do Serviço de Finanças que no processo n.º3387200001002325, em que é executado, procedeu à penhora de saldo de conta bancária de terceiro.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1- A penhora sub judice incide sobre o saldo bancário da cunhada do executado, L....
2- Todos os depósitos realizados na supra referida conta bancária são propriedade, exclusiva, de L..., sendo a sua proveniência da pensão de reforma da sua titular.
3- Face ao estado de saúde de L..., resultante da vetustez da sua idade, e face à incapacidade desta em gerir autonomamente vários aspectos do seu quotidiano, as suas contas bancárias são co-tituladas com a sua irmã, cônjuge do ora recorrente.
4- Certo é que nem ao cônjuge do recorrente pertencem materialmente, quaisquer valores, seja a que título for, pois a segunda titularidade que aquela possui na referida conta existe, apenas, por cortesia e assistência à sua irmã idosa e impossibilitada.
5- A penhora efectuada ao incidir sobre um bem de terceiro, bens que não respondem pela dívida exequenda, está ferida de ilegalidade.
6- O Tribunal a quo, fundamentou-se no conceito de ilegitimidade do ora recorrente à luz do direito processual civil, reduzindo a legitimidade processual em Direito Fiscal ao interesse em agir.
7- A administração tributária está vinculada aos princípios do direito tributário, tendo o procedimento e processo respectivos de respeitar os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, exercendo as suas atribuições na prossecução do interesse público, nos termos do artigo 55º da LGT.
8- O artigo 2º do CPPT hierarquiza as fontes subsidiárias de direito, estando o CPTA, o ETAF e o CPA em primazia em relação ao CPC, devendo a legitimidade processual deve ser aferida ao abrigo do artigo 9º do CPTA.
9- Dispõe o artigo 9º nº 2 do CPTA que “qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.”
10- A ratio legis do artigo 276º CPPT é a de reclamar de actos que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro.
11- Direito de propriedade é absoluto, erga omnes e constitucionalmente protegido.
12- A penhora efectuada é ilegal, afecta um direito absoluto de um terceiro, violando o princípio da legalidade, sendo contrária ao interesse público.
13- A manutenção de um acto ilegal na ordem jurídica, como é o caso da penhora sub judice, viola os princípios da legalidade e da justiça.
14- O recorrente pretende, maxime, a defesa do interesse público, impedindo que um acto ilegal se perpetue e se consolide.
15- Como corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva e à luz dos princípios orientadores do Direito da Administrativo, bem como dos princípios basilares do procedimento e do processo tributário, deverá ser reconhecida a legitimidade processual do ora recorrente, de forma a por termo à ilegalidade decorrente da violação de um direito absoluto de terceiro.
16- Foram violadas as normas constantes dos artigos 9º e 276º do CPPT, 55º da LGT, bem como o artigo 268º nº4 da CRP.
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, ORDENANDO-SE O LEVANTAMENTO DA PENHORA DO SALDO BANCÁRIO DA CONTA DE L...».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, a questão a decidir reconduz-se, nuclearmente, em indagar se o executado, considerando terem sido penhorados bens de terceiro, pode reclamar da penhora.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deram-se por provados os seguintes factos:

«1. O Processo de Execução Fiscal 3387200001002325, corre termos no Serviço de Finanças do Porto – 4, contra o Reclamante J... e sua mulher M..., visando a cobrança coerciva de €19 384, 06 a que acrescem juros e encargos processuais, referentes a dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 – cfr. informação elaborada pelo Serviço de Finanças do Porto – 4 a fls. 29 dos autos, para a qual se remete;
2. No âmbito do Processo de Execução Fiscal id. em 1., foi realizada a penhora n.º 3387 2014 126, em nome de M... e incidindo sobre a conta de depósito a prazo n.º1650471160010 – cfr. informação elaborada pelo Serviço de Finanças do Porto – 4 a fls. 29 dos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. A presente Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal deu entrada no Serviço de Finanças do Porto – 4 em 15.11.2013 – cfr. carimbo aposto no rosto da Petição Inicial a fls. 1 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«A convicção do Tribunal estribou-se na análise dos documentos que se encontram juntos aos autos, pela credibilidade que encerram bem como pelo facto de terem sido aceites pelas partes».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Como acima dissemos, a questão que importa resolver reconduz-se a saber se o executado tem legitimidade para reclamar da penhora efectuada em bem de terceiro.

Prevê o art.º278.º, n.º3, do CPPT, que a reclamação pode ter por fundamentos, entre outras, as seguintes ilegalidades:

«a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;

b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;

c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;

d) (…)».

Tal como salienta Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4ª edição (2003), a págs.1048, as situações que se prevêem nas alíneas a) a c), correspondem exactamente aos fundamentos de oposição à penhora previstos no art.º863.º-A, do CPC.

Àquele artigo 863.º-A do CPC corresponde o actual art.º784.º, que no segmento relevante para os autos, tem a seguinte redacção:
«Artigo 784.º
Fundamentos da oposição
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 – (…)».

Como ressalta manifesto do corpo do n.º1 do citado normativo – sendo que as regras do processo civil são de aplicação subsidiária no processo tributário ex vi do disposto no art.º2.º alínea e) do CPPT - , o incidente de oposição à penhora nele previsto tem como requisito fundamental terem sido penhorados ‘bens do executado’, o que permitirá que este se oponha a tal penhora por um dos fundamentos previstos nas suas alíneas a) a c).

O art.º863º-A do CPC, que corresponde ao actual art.º784.º, foi introduzido no sistema jurídico-processual português pelo Dec. Lei nº329-A/95, de 12 de Dezembro, justificando-o o legislador expressamente, na parte preambular, da seguinte forma:

«Institui-se, por outro lado – na perspectiva da tutela dos interesses legítimos do sujeito passivo da execução –, uma forma específica de oposição incidental do executado à penhora ilegalmente efectuada, pondo termo ao actual sistema que, não prevendo, em termos genéricos, tal possibilidade, vem suscitando dúvidas na doutrina sobre qual a forma adequada de reagir contra uma penhora ilegal, fora das hipóteses em que o próprio executado é qualificado como terceiro, para efeitos de dedução dos respectivos embargos. Assim, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência – quer pela inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda –, pode este opor-se ao acto e requerer o levantamento, suscitando quaisquer questões que não hajam sido apreciadas e decididas no despacho que ordenou a penhora (já que, se o foram, é manifesto que deverá necessariamente recorrer de tal despacho, de modo a obstar que sobre ele passe a recair força de caso julgado formal)» (cf. “CPC Anotado”, de Abílio Neto, Ediforum, 16.ª edição, Fev./2001, pág.33) (sublinhado nosso).

Como afirma J. Rodrigues Bastos [Notas ao CPC, vol. IV, 2ª ed., pág. 95], «...Os artigos 863º-A e 863º-B foram aditados a este Código pelo Dec. Lei nº 329-A/95, criando, assim, um incidente processual, que designou por ‘oposição à penhora’, o qual permite ao executado obter o levantamento da penhora que tenha incidido sobre bens seus, quando se verifiquem certas ofensas à lei, que este preceito indica como fundamentos da oposição» (sublinhado nosso).

Descendo aos autos, verifica-se que aquilo que o executado, reclamante e ora Recorrente pretende é reclamar da penhora que recaiu sobre bem que não lhe pertence (cf. ponto 2 do probatório).

Ora, não se antevendo razões para em processo de execução fiscal nos apartarmos do preceituado no processo civil para as execuções comuns, resulta manifesto que com o fundamento indicado – ilegalidade da penhora incidente sobre bem de terceiro - , o executado/ Recorrente não podia deduzir a reclamação judicial.

Contrariamente à leitura que o Recorrente faz, o disposto no art.º276.º, do CPPT, não lhe assegura legitimidade para reclamar de actos que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro.

Como salienta Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., em anotação ao referido artigo, «Não é, porém, apenas relativamente ao executado que é necessário assegurar a possibilidade de impugnação das decisões proferidas por autoridades no processo de execução fiscal (…).
Na verdade é constitucionalmente garantido a qualquer pessoa o direito de impugnação contenciosa de quaisquer actos da administração que lesem os seus direitos e interesses legítimos (art.º268.º, n.º4, da CRP) pelo que esta possibilidade de impugnação terá de ser admitida a todos os que se sintam lesados.
Por outro lado, é também esse o alcance do art.º103.º, n.º2, da LGT, em que se admite a quaisquer interessados, e não apenas ao executado, a possibilidade de impugnação dos actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal».

Ou seja e ao que agora importa, a lei assegura ao próprio terceiro atingido pela diligência ilegal, legitimidade processual para intervir por si na execução fiscal em defesa dos seus direitos e interesses legítimos (cf. art.º30.º, do CPC).

A solução a dar à questão colocada não podia, por conseguinte, deixar de ser aquela que foi dada pela decisão recorrida, isto é, que não assiste ao executado legitimidade processual para reclamar da ilegalidade da penhora, quando estejam em causa bens que não lhe pertencem, por manifesta falta de interesse em agir.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 12 de Março de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro