Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02584/22.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/01/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; PRAZO DE UM ANO;
SUSPENSÃO DO PRAZO; ACÇÃO DE INSOLVÊNCIA;
ARTIGO 2º, N.º8 E N.º 9, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL.
Sumário:
Tendo-se esgotado o prazo de um ano a que alude o artigo 2º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, para pedir o pagamento de créditos salariais ao Fundo de Garantia Salarial, não importa averiguar se operou, ou não, a suspensão derivada da interposição da acção de insolvência, nos termos do n.º 9 do artigo 2º do mesmo diploma, pois não se suspende um prazo que já não existe porque se esgotou.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 30.06.2023, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, para anulação do acto que lhe indeferiu o pagamento de crédito salarial reclamado e para condenação da Entidade Demandada a proferir decisão que defira esse pagamento, no valor de 7.834€00.

Invocou para tanto, em síntese, que improcede o fundamento invocado pelo Demandado para indeferimento do requerimento apresentado pela Autora, o da intempestividade, pelo que está o Recorrido obrigado a proferir despacho que determine o pagamento à Recorrente do seu crédito salarial, no montante 7.834,00€, ao contrário do decidido na sentença aqui posta em crise.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Púbico neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Por ter sido despedida pela entidade empregadora em 06/04/2020, a recorrente intentou tempestivamente, em foro laboral, a competente acção de impugnação do despedimento.

2. No âmbito dessa acção, foi efectuada transacção.

3. Por incumprimento por parte da entidade empregadora da obrigação decorrente da transacção, a recorrente apresentou requerimento de execução de decisão condenatória.

4. Entretanto, enquanto era tramitado o procedimento executivo, foi declarada a insolvência da entidade empregadora.

5. Em consequência dessa declaração de insolvência, a acção executiva intentada pela recorrente foi finda por extinção da instância.

6. Importa salientar que a recorrente reclamou tempestivamente os créditos sobre a insolvente, créditos esses que foram reconhecidos pelo Administrador de insolvência.

7. A recorrente reclamou tempestivamente os créditos emergentes de contrato de trabalho junto do requerido.

8. A prescrição suspende-se ou interrompe-se, nos termos fixados nos art.os 318.º a 327.º do C.C..

9. Decorre do acima alegado que a prescrição do prazo aludido no despacho do recorrido foi interrompida pelos procedimentos judiciais que a recorrente legitimamente deitou mão.

10. Acresce ainda que, o recorrido não teve em conta o regime de suspensão de prazos fixado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e suas alterações introduzidas pelas Leis 4-A/2020, de 06 de Abril e 4B/2020, de 06 de Abril e a Lei 4-B/2021, de 01 de Fevereiro.

11. Improcede, por isso, o fundamento invocado pelo recorrido para indeferimento do requerimento apresentado pela requerente.

12. Como tal, improcedendo o fundamento invocado pelo recorrido, este fica obrigado a proferir despacho que determine o pagamento à recorrente do seu crédito salarial, no montante 7.834,00€.

*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A. A Autora foi admitida ao serviço de “[SCom01...]”, NIF ...87, por força de um contrato de trabalho verbal, celebrado no dia 21.07.2018 – facto não controvertido; doc. n.º ... da petição inicial.

B. O contrato de trabalho da Autora cessou em 06.04.2020 – facto não controvertido.

C. A Autora intentou acção judicial de impugnação de despedimento, a que correu os seus termos no Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz ..., sob o n.º 2872/20...., conforme doc. n.º ... da petição inicial.

D. No âmbito do processo referido na alínea anterior, em 31.05.2021, foi elaborado termo de transação, mediante o qual [SCom01...] se obrigou a pagar à Autora a quantia de 16.000,00€, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho – cf. doc. n.º ... da petição inicial.

E. A Autora em 15.09.2021, apresentou requerimento de execução de decisão judicial condenatória, conforme doc. n.º ... da petição inicial.

F. Em 27.01.2022, foi proposta acção de insolvência de [SCom01...], que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ..., sob o n.º 292/22.... – cf. fls. 68 do processo administrativo.

G. Por sentença de 31.05.2022, proferida no processo referido na alínea anterior, [SCom01...] foi declarado insolvente – cf. doc. n.º ... da petição inicial.

H. Em 24.06.2022, a ora Autora reclamou os seus créditos, no valor de 7.834,00€, junto da Administradora de Insolvência – cf. docs. n.ºs ... e ... da petição inicial.

I. A Autora apresentou o seu requerimento no FGS em 12.08.2022, com o seguinte discriminativo:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cf. fls. 1 e 2 do processo administrativo.


J. Por ofício datado de 27.09.2022, remetido pela Entidade Demandada à aqui Autora, foi esta notificada de que, por despacho de 06 de setembro de 2022, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo da Garantia Salarial, o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho foi indeferido, com o seguinte fundamento:

“o requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec. Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril” .
– cf. doc. n.º ... da petição inicial.

*

III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)
Vejamos, então, da concreta pretensão material, o que importa, desde logo, ponderar da validade e legalidade do fundamento de indeferimento invocado: a intempestividade da apresentação do requerimento para pagamento de créditos laborais, nos termos do art. 2.º, n.º 8, do NRFGS.

O regime legal que previa a garantia de que o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não podiam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil era assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial encontrava-se preteritamente vertido no Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, designadamente no Capítulo XXVI, dedicando-se os artigos 317.º a 326.º à regulação da referida matéria. Por efeito da aprovação da Lei n.º 7/2009, foi revogada a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código de Trabalho, bem como a Lei n.º35/2004, de 29 de Julho, que aprovou o Regulamento do Código do Trabalho.

Contudo, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 6, alínea o), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, mantiveram-se em vigor os preceitos legais previstos nos artigos 317.º a 326.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, até terem sido revogados pelo artigo 4.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), cuja entrada em vigor ocorreu em 04-05-2015 (primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, nos termos do disposto no artigo 5.º do referido regime legal).

Comungam todos os citados diplomas legais o propósito de assegurar a transposição da Directiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa a protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

Desta feita, e atendendo à confluência de regimes legais e à pretensão de se introduzir uma nova regulamentação da matéria em consideração, o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial não deixou de versar sobre as regras atinentes à sua aplicação no tempo, prevendo-se, expressamente no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, que, por um lado, aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor aplica-se de imediato o novo regime (cfr. n.º 1), e, concomitantemente, seriam apreciados de acordo com a lei aplicável no momento da sua apresentação os requerimentos apresentados no Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão (cfr. n.º 2), sem prejuízo do determinado para os casos previstos de reapreciação oficiosa, nas situações previstas no artigo 3.º, n.º 3, do referido diploma legal.

O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, conferindo sentido àquela disposição, aprovou o novo regime do FGS. De acordo com o art.º 1.º deste regime:

“1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:

a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização;

Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.”

Mas ainda que se registe alguma destas situações, não é todo e qualquer crédito cujo pagamento é assegurado pelo FGS. Apenas ficam salvaguardados pela intervenção do FGS os créditos que preencham os requisitos consagrados no art.º 2.º do RFGS, que rege do seguinte modo:

“1 - Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
2 - Aos créditos devidos ao trabalhador referidos no número anterior deduzem-se:
a) Os montantes de quotizações para a segurança social, da responsabilidade do trabalhador;
b) Os valores devidos pelo trabalhador correspondentes à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento.
3 - O Fundo entrega às entidades competentes as importâncias referidas no número anterior.
4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
5 - Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.
(…)
8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

Por último, cumpre assinalar que a intervenção do FGS está limitada quantitativamente, como resulta do art.º 3.º do RFGS:

“1 - O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2 - Quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades.”

De acordo com o regime jurídico exposto, pode então dizer-se que são pressupostos para a intervenção do FGS que:
i) O empregador tenha sido judicialmente declarado insolvente, ou haja sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do PER, ou ainda que tenha sido proferido despacho de aceitação pelo IAPMEI, no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas;
ii) Os créditos pedidos tenham natureza laboral, tendo como fonte o contrato de trabalho, sua cessação ou violação;
iii) Esses créditos se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, ou da apresentação do requerimento do PER ou do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, ou após essas datas;
iv) O requerimento tenha sido apresentado no prazo de um ano contado desde a cessação do contrato de trabalho.


Determina o referido nº 8 do artigo 2º do NRFGS que “O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Logo, tendo a requerente cessado o contrato de trabalho em 06.04.2020 e apresentado o requerimento em 12.08.2022, é forçoso concluir que o requerimento não foi apresentado nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec. - Lei n.º 59/2015, mesmo considerando a suspensão do prazo estatuída por força do disposto no n.º 9 do art. 2.º do NRFGS, aditado pela Lei n.º 71/2018 de 31/12 e o regime de suspensão de prazos determinados nos termos da Lei n.º1 -A/2020, de 19 de março e Lei nº13-B/2021, de 05/04, e sucessivas suspensões,.

Com efeito, o art. 7.º da Lei nº1-A/2020, de 19/03, que previa, nos seus nºs. 3 e 4, a suspensão generalizada dos prazos de caducidade e de prescrição, foi revogado pelo art. 8º da Lei nº16/2020, de 29/05, com efeitos a partir de 03/06/2020, pelo que terminou aquela suspensão generalizada e tais prazos devem e tem que ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar (o preceito que a previa deixou de existir do ordenamento jurídico). Mas, por força do disposto no art. 6º da mesma Lei nº16/2020, aqueles prazos devem ser alargados por um período de tempo correspondente ao período da suspensão entre 09/03/2020 e 02/06/2020 (num total de 86 dias).

O art. 5º da Lei nº13-B/2021, de 05/04, dispõe exactamente no mesmo sentido. O art. 6ºB da Lei nº4-B/2021, de 05/04, que previa, nos seus nºs. 3 e 4, a suspensão generalizada dos prazos de caducidade e de prescrição, foi revogado pelo art. 6º da Lei nº13-B/2021, de 05/04, com efeitos a partir de 06/04/2021, pelo que terminou aquela suspensão generalizada e tais prazos devem e tem que ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar (o preceito que a previa deixou de existir do ordenamento jurídico); Por força do disposto no art. 5º da mesma Lei nº13-B/2021, devem ser alargados por um período de tempo correspondente ao período da suspensão entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (num total de 74 dias).

Assim, o prazo de caducidade em causa ficou suspenso durante um período total de 160 dias (86 + 74), mas, mesmo assim, convertido o prazo de um ano em 365 dias, e considerando o aditamento de 160 dias, o que dá 525 dias (365+160), o prazo terminou em 13.09.2021, ou seja, o requerimento foi apresentado intempestivamente.

Ora, o art. 2.º, n.º 8, tem sido entendido tratar-se de um prazo de caducidade (a título de mero exemplo, refere-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 10/05/2018, P. 690/16.2BEALM).

Em sintonia com o disposto no artigo 298.º, n.º 2, do CC- “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”)

– o qual não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine
– artigo 328.º do CC. Desta forma, só obsta à caducidade, a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo.

Ora, o legislador apenas contemplou o art. 2.º, n.º 9, do NRFGS, a suspensão do prazo previsto no art. 2.º, n.º 8, nos seguintes termos: “O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”

Assim, a interposição da acção laboral não suspende nem interrompe o prazo previsto no art. 2.º, n.º 9, do NRFGS.

Conforme se escreveu no Ac. do Tc Norte, proferido no proc. 00055/22.7BEPNF, datado de 20.12.2022

“1. A (Lei do Orçamento de Estado), entrou em vigor em 01.01.2019 (artigo 351º) e nesta data entraram em vigor todas as alterações que introduziu em diplomas das mais diversificadas áreas, incluindo a norma do novo n.º 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial.
2. Tendo o requerimento para pagamento de créditos salariais devidos por empresa insolvente sido enviado ao Fundo de Garantia Salarial por e-mail de 24.06.2021, já depois da entrada em vigor desta norma, e tendo o contrato de trabalho do autor cessado em 20.02.2019, data da sentença homologatória de acordo que pôs termo ao processo para cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito, aplica-se ao caso a norma que resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 8 e 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (Lei n.º 59/2015, de 21.04; Lei 71/2018, de 31.12 - Lei do Orçamento de Estado para 2019).
3. Quando o requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial foi apresentado, em 24.06.2021, já tinha decorrido o prazo de um ano desde a cessação do contrato, ocorrida em 20.02.2019.
4. Não se pode suspender um prazo que já não existe porque já decorreu por completo, pelo que se impõe concluir pela validade do acto que indeferiu o requerimento em apreço, pela respectiva intempestividade.”.

No caso, resulta do probatório coligido que foi interposta acção de insolvência da entidade patronal a 27.01.2022, ou seja, após o término do referido prazo de um ano (convertido em 525 dias, por efeito da suspensão determinada pela leis Covid). Encontrando-se exaurido o prazo, obviamente que nem sequer importa considerar o efeito suspensivo que deriva do nº 9 do artigo 2º do NRFGS (apenas se pode suspender um prazo em curso).
*
Ainda que assim não se verificasse, um outro obstáculo impede a procedência da acção, não podendo o Tribunal condenar a administração a proceder ao pagamento nos termos peticionados.

Como se disse, em face do regime legal aplicável, o trabalhador apenas pode reclamar do FGS o pagamento de créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho se apresentar esse requerimento dentro do prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho e relativamente a créditos salariais vencidos dentro do prazo de referência, a saber, vencidos nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.

Sendo que as datas de vencimento dos créditos laborais aferem-se, em regra, de acordo com as específicas normas constantes da legislação laboral reguladora da prestação de trabalho, tendo presente que a decisão judicial de reconhecimento desses créditos e fixação dos respectivos montantes não tem a virtualidade de alterar a natureza dos créditos laborais em causa, nem as datas dos respetivos vencimentos.

Considerando o exposto, verificando-se nos presentes autos que a acção de insolvência foi proposta em 27.01.2022, o período de referência iniciou-se em 27.07.2021, pelo que os créditos reclamados pela Autora – e cujo pagamento foi indeferido – apenas poderão ser objeto de deferimento e do correspondente pagamento se o seu vencimento ocorrer após aquela data.

Conforme emerge do Ac. do TCA Norte, preferido no proc. 01513/13.0BEBRG, datado de 17.04.2015, “A sentença homologatória de transacção efectuada entre o Recorrente e a sociedade empregadora em acção proposta no Tribunal do Trabalho contra aquela – fundada na prévia resolução do contrato pelo Recorrente, por justa causa, tendente à declaração e reconhecimento dos créditos emergentes da cessação contratual – na qual a empregadora se obrigou a pagar ao trabalhador a quantia peticionada reportada a “crédito referente a compensação global pela cessação do contrato de trabalho”, em prestações iguais, mensais e sucessivas, e no caso de não pagamento atempado de uma das prestações, a pagar a quantia acordada de uma só vez, não tem a virtualidade de alterar a natureza dos créditos laborais em causa, nem as datas dos respectivos vencimentos.
V – Dessa forma contornar-se-ia o regime do FGS cujos pressupostos/exigências de intervenção – mormente a do “prazo” de acesso e a do “período de referência” – visam a assegurar em tempo célere e útil o pagamento de créditos laborais, em sub-rogação do empregador insolvente ou em situação económica difícil.”

Assim, no limite, conclui-se assim que todos os créditos peticionados pela Autora se venceram até à data de cessação do contrato de trabalho, ou seja, até ao dia 06.04.2020. Significa, portanto, que os créditos reclamados pela Autora não se encontram dentro do período de referência a que se referem os n.º 4 e 5 do art.º 5º do NRFGS, pelo que a Autora não tem direito ao seu pagamento por parte da Entidade Demandada.
(…)”.

Com total acerto, sendo certo que a Recorrente se limita a atacar os fundamentos do acto impugnado e não propriamente os fundamentos da decisão recorrida.

Precisamente porque inatacáveis.

Quando o requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial foi apresentado, em 24.06.2021, já tinha decorrido o prazo de um ano a que alude o artigo 2º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, desde a cessação do contrato, ocorrida em 20.02.2019.

E considerando que este prazo de um ano ficou suspenso durante um período total de 160 dias (86 + 74), terminou em 13.09.2021 (365 + 160 dias), ou seja, o requerimento foi apresentado intempestivamente.

Encontrando-se esgotado o prazo em 13.09.2021 não importa averiguar se operou, ou não, a suspensão derivada da interposição da acção de insolvência, 27.01.2022, nos termos do n.º 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, pois não se suspende um prazo que já não existe porque se esgotou.

Em todo o caso, ainda que a decisão recorrida não pudesse subsistir por este fundamento sempre deveria subsistir pelo segundo fundamento apontado e que não foi aqui atacado em sede de recurso jurisdicional.

A acção de insolvência foi proposta em 27.01.2022, pelo que o período de referência a que se referem os n.º 4 e 5 do artigo 5º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, se iniciou em 27.07.2021, sendo forçoso concluir que os créditos reclamados pela Autora – e cujo pagamento foi indeferido – se situam fora desse período de referência, pois todos se venceram até à data de cessação do contrato de trabalho, ou seja, até ao dia 06.04.2020.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

*
Porto, 01.03.2024


Rogério Martins)
Paulo Ferreira de Magalhães, em substituição
Isabel Costa