Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01298/19.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO CONDENATÓRIA; PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA; REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO;
REMESSA DA IMPUGNAÇÃO AO TRIBUNAL; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA; ARTIGO 93.º DO RGCO; ARTIGOS 8.º, N.ºS 7 E 8 DO RCP; NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:1 - Pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, o Governo foi autorizado, entre o mais, a aprovar um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, e para esse efeito, também entre o mais, a revogar o Código das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, assim como todos os diplomas cuja necessidade de modificação daí decorra [Cfr. artigo 1.º, n,º 1 e n.º 2 alínea d) daquela Lei].

2 – O Governo traçou com rigor o âmbito da sua actuação, na decorrência do que era o sentido e extensão daquela autorização legislativa, e que, no que ora importa, estabeleceu o elenco e regime de isenções das custas processuais, unificando esse regime de isenções no Regulamento das Custas Processuais que aprovou, e dessa forma, revogando todos os casos de isenções de custas previstas em leis que o previssem.

3 - Dispondo o artigo 93.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO, que relativamente ao processo de contra ordenação que corra perante as autoridades administrativas, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça, ou seja, que se verifica a sua isenção na pendência da sua fase administrativa, e que também estava isenta de taxa de justiça a Impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas, ou seja, que também se verifica a sua isenção na sua fase judicial, face ao que constituía o sentido e extensão da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, a manutenção em vigor do seu n.º 2 brigava com o propósito da Assembleia da República, pois que, a manter-se este normativo, deixava de estar alcançado o objectivo e propósito por si delineado, de reunir/unificar num só diploma legal, o elenco e regime das isenções de custas processuais.

4 - Foi pelo artigo 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/208, de 26 de fevereiro, que o Governo, ao abrigo daquela autorização legislativa, mormente, na decorrência do seu artigo 1.º, alínea d), revogou “… as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei.”, o que, com referência ao disposto no artigo 93.º, n.º 2 do RGCO, tem-se o mesmo por implicitamente revogado, pois que qualquer isenção de custas tem de ter amparo no regulamento querido unificar pelo legislador, e que se consubstancia no Regulamento das Custas Processuais.

5 - Face do disposto no artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP, é devida a taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, taxa essa que é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária.

6 - Depois de ter sido notificada da decisão condenatória proferida pela Câmara Municipal, e depois de nessa sequência ter apresentado Impugnação judicial, a Recorrente podia ter como certa, uma de duas realidades: ou ser notificada pela entidade administrativa de que a sua decisão tinha sido revogada [Cfr. artigo 62.º, n.º 2 do RGCO], ou ser notificada pelo Tribunal a quo da admissão em juízo da sua pretensão impugnatória, pelo que, tendo sido admitida a Impugnação judicial da aplicação da coima que lhe foi aplicada [Cfr. artigo 63.º, n.º 1 – a contrario - do RGCO], o que foi antecedido da remessa do articulado por si apresentado na Câmara Municipal ao Ministério Público [Cfr. artigos 59.º, n.º 3 e 62.º, n.º 1 ambos do RGCO], de nenhum outro acto tinha a Recorrente de ser notificada, dada a sua não previsão normativa, mas ainda por maioria de razão, porque não se praticou qualquer acto cujo conhecimento devesse ter, em ordem a prover à impugnação.

7 – Tendo subjacente o disposto no artigo 195.º do CPC [normativo aplicável ao processo penal, de harmonia com o disposto no artigo 4.º do CPP, e no artigo 41.º do RGCO], não tendo a Recorrente sido notificada do despacho que determina a sua pronúncia sobre se não se opõe à decisão dos autos por mero despacho, ocorre nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, por preterição de formalidade prescrita na Lei, a que a Sentença recorrida veio a dar cobertura, sendo assim determinante da necessidade de repetição de tudo aquilo que na sua decorrência foi levado a cabo nos autos, por estar absolutamente dependente da prática do acto inquinado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D., Lda
Recorrido 1:Câmara Municipal (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - RELATÓRIO

D., Ld.ª devidamente identificada nos autos -, arguida no processo de contraordenação n.º 105/2019 que correu termos na Câmara Municipal (...), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 03 de setembro de 2020, pelo qual julgou extinto o processo com fundamento em não ter pago a taxa de justiça.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

III. CONCLUSÕES
A) Contrariamente ao que decorre da Sentença recorrida a Recorrente nunca foi notificada para proceder ao pagamento de qualquer taxa de justiça nos presentes autos
B) A ausência de tal notificação teve um impacto decisivo no julgamento da presente causa, razão pela qual a respectiva omissão determina a nulidade da Sentença ou, caso assim não se entenda, constitui irregularidade que deve determinar a anulação da Sentença e a repetição do acto preterido, o que desde já se requer.

C) O artigo 8.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais encontra-se ferido de inconstitucionalidade orgânica porquanto o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro não dispunha de habilitação suficiente para alterar o RGCO, pelo que o mesmo não devia nem podia ter sido aplicado pelo Tribunal a quo, o qual, ao aplica-lo, viola o artigo 204.º da CRP
D) A Sentença viola ainda os artigos 62.º do RGCO e 113.º n.º 9 do CPP porquanto a Recorrente nunca foi notificada da decisão da Recorrida quanto ao seu recurso nem da existência e do teor de acusação proferida pelo Ministério Público, devendo ser anulada, ordenando-se a repetição das notificações ilegalmente omitidas.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis deve ser dado pleno provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulada a Sentença Recorrida, nos termos e com os fundamentos constantes da presente alegação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou Contra alegações [sem conclusões], pelas quais sustentou, em suma, que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida que julgou extinto o presente recurso de contraordenação por não ter sido paga a taxa de justiça devida.
*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido de ser confirmada a Sentença recorrida.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75.º do Regime Geral das Contraordenações [RGCO], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da
reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável
ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGCO], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso, sendo que, em face do que sustenta a Recorrente, a Sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado na Sentença qual a factualidade que teve como provada, para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional, e em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue:

1 – Por ofício datado de 02 de maio de 2019, a Impugnante ora Recorrente foi notificada pela Câmara Municipal (...), de que corria contra si o processo de contra ordenação n.º 105/2019, que tem na sua base a participação n.º 60, datada de 19 de março de 2019 – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

2 – Regularmente notificada, a Impugnante ora Recorrente apresentou a sua defesa com data de 05 de junho de 2019 – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

3 – Por ofício datado de 08 de novembro de 2019, a Impugnante ora Recorrente foi notificada da decisão proferida em 11 de junho de 2019 pela Vereadora da Câmara Municipal (...), pela qual foi condenada no pagamento de coima no valor de €1.500,00 acrescida de €51,00 a título de custas devidas pela instrução do processo – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

4 – Por requerimento datado de 09 de dezembro de 2019, a Impugnante ora Recorrente remeteu à Câmara Municipal (...), recurso de impugnação judicial da decisão condenatória proferida – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

5 – A Impugnante ora Recorrente, tem a sua sede social na rua (…), desde o dia 25 de janeiro de 2017 – Cfr. dos autos, SITAF;

6 – A Impugnante ora Recorrente, outorgou procuração forense a mandatárias judiciais em 20 de outubro de 2019, tendo enunciado nesse documento que tem a sua sede social na rua (…) – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

7 – No dia 19 de dezembro de 2019, o Senhor Procurador da República junto do TAF de Penafiel, tendo subjacente o disposto no artigo 62.º, n.º 1 do RGCO, apresentou no Tribunal a quo o recurso da decisão proferida pela Recorrida Câmara Municipal (...) em 11 de junho de 2019, que foi autuado sob o Processo n.º 1298/19.6BEPNF – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

8 – O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão da impugnação judicial de aplicação de coima em 15 de abril de 2020, tendo ainda nessa data determinado a notificação da Impugnante ora Recorrente e do Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do RGCO, com a cominação de que o seu silencia vale como não oposição – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

9 – No dia 16 de abril de 2020, a Secretaria do Tribunal a quo emitiu a guia n.º 703980076566340, para pagamento pela Impugnante da taxa de justiça no valor de €102,00, liquidada com menção do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do RCP, e com data limite de pagamento até 30 de abril de 2020, constando dessa guia que a depositante/destinatária é “D., SA, Rua (…)” - Cfr. fls. dos autos, SITAF;

10 – Nesse mesmo dia 16 de abril de 2020, a Secretaria do Tribunal expediu notificação dirigida à Impugnante ora Recorrente, para o seguinte endereço postal “D., SA, Rua (…)” - Cfr. fls. dos autos, SITAF;

11 – Por essa notificação datada de 16 de abril de 2020, dela ía constante, entre o mais:
- o teor do despacho de admissão da Impugnação judicial, e para que em 10 dias declarasse se se opunha a que a decisão fosse tomada por despacho;
- para que a Impugnante ora Recorrente autoliquidasse a taxa de justiça, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP, juntando guia DUC para esse efeito no montante de €102,00;
- que a guia foi remetida ao mandatário.

12 – Notificação de igual teor foi remetida por via electrónica à Senhora mandatária R. – Cfr. fls. dos autos, SITAF;

13 – Em 02 de julho de 2020, o Tribunal a quo proferiu o despacho que para aqui se extrai como segue:

Atendendo à falta de oposição, a decisão será proferida por simples despacho.
Todavia, e antes de mais, porque dos autos não resulta que tenha sido paga a coima, notifique a Recorrente para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais, sob pena de não se poder conhecer do objeto do recurso.

14 – Nessa sequência, no dia 03 de julho de 2020, a Secretaria do Tribunal a quo emitiu a guia n.º 703180077354974, para pagamento pela Impugnante da taxa de justiça no valor de €102,00, liquidada nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do RCP, e com data limite de pagamento até 01 de setembro de 2020, constando dessa guia que a depositante é “D., SA”, e a destinatária “R., Rua (…)” - Cfr. fls. dos autos, SITAF;

15 – Nesse mesmo dia 03 de julho de 2020, a Secretaria do Tribunal expediu notificação electrónica endereçada à Senhora Advogada R. contendo o despacho datado de 02 de julho de 2020, assim como aquela nova guia para pagamento da taxa de justiça, a qual não foi paga - Cfr. fls. dos autos, SITAF.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 03 de setembro de 2020, pela qual julgou extinta a instância, com fundamento no facto de a Impugnante ora Recorrente não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RGCO.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

No âmbito Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

Início da transcrição
“[…]
O presente recurso foi enviado ao Ministério Público, que o apresentou, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.
Nem a Recorrente, nem o Ministério Público, se opuseram a que a decisão fosse proferida por simples despacho, nos termos do disposto no artigo 64.º, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
*
A Recorrente devidamente notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, não efetuou o respetivo pagamento e também nada requereu.
*
Por despacho de fls.116 do sitaf foi novamente notificada para efetuar o pagamento da taxa de justiça, com a advertência de que caso não o fizesse não poderia ser conhecido o Recurso.
A Recorrente notificada do referido despacho não efetuou o pagamento da taxa de justiça como também nada requereu.
Cumpre apreciar e decidir:
Dos autos não resulta que a coima foi previamente liquidada, pelo que a Recorrente estava obrigada ao pagamento da taxa de justiça (cfr. fls. 1 e ss do sitaf).
Ora, no caso dos autos e apesar das diversas notificações realizadas à Recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, a mesma não efetuou qualquer pagamento como também nada requereu.
Neste sentido, não tendo sido paga a taxa de justiça, não é possível a este Tribunal conhecer do objeto do recurso apresentado, devendo ser julgado extinto o presente recurso.
*
DECISÃO
Em face do exposto, julgo extinto o presente recurso.
[…]”
Fim da transcrição

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, que como assim deflui das suas Alegações de recurso, ancora a sua pretensão recursiva em três domínios de argumentação.

Num primeiro, em torno de que nunca foi notificada para proceder ao pagamento de qualquer taxa de justiça nos presentes autos, e que a ausência dessa notificação teve um impacto decisivo no julgamento da causa, sustentando assim que essa omissão determina a nulidade da Sentença ou, caso assim não se entenda, constitui irregularidade que deve determinar a anulação da Sentença e a repetição do acto preterido.

Num segundo, que o artigo 8.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais encontra-se ferido de inconstitucionalidade orgânica pelo facto de o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, não dispor de habilitação suficiente para alterar o RGCO, não podendo assim nem devendo o Tribunal a quo aplicar esse normativo, e tendo-o feito, que foi assim violado o artigo 204.º da CRP.

Finalmente, num terceiro argumento, que a Sentença recorrida viola ainda os artigos 62.º do RGCO e 113.º n.º 9 do CPP porque nunca foi notificada da decisão da Recorrida quanto ao seu recurso nem da existência e do teor de acusação proferida pelo Ministério Público, devendo ser anulada e ordenada a repetição das notificações ilegalmente omitidas.

Neste patamar.

Por uma questão de encadeamento lógico, iremos apreciar desde já este invocado erro, atinente ao facto de que o artigo 8.º n.º 4 [pensamos que a referência a este concreto normativo se deve a mero lapso de escrita da Recorrente, e que terá querido referir-se ao n.º 7] do Regulamento das Custas Processuais se encontra ferido de inconstitucionalidade orgânica pelo facto de o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, não dispor de habilitação suficiente para alterar o RGCO, e que por essa razão não podia nem devia o Tribunal a quo aplicar esse normativo, e que tendo-o feito, que foi violado o artigo 204.º da CRP [Cfr. conclusão C)].

Ora, neste conspecto, desde já julgamos que não assiste razão alguma à Recorrente, e que bem pelo contrário, o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro [que aprovou o Regulamento das Custas Processuais], dispõe de habilitação suficiente para alterar o RGCO, e que o Tribunal a quo não aplicou norma que infrinja a Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

Pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, o Governo foi autorizado, entre o mais, a aprovar um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, e para esse efeito, também entre o mais, a revogar o Código das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, assim como todos os diplomas cuja necessidade de modificação daí decorra [Cfr. artigo 1.º, n,º 1 e n.º 2 alínea d) daquela Lei].

Como assim dispôs a Assembleia da República em sede do sentido e extensão da autorização legislativa concedida [Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e e) da referida Lei de autorização], fixou entre o mais que devia ser reunido num só diploma todas as normas procedimentais relativas à responsabilidade por custas processuais, integrando as custas cobradas em processos judiciais, administrativos e fiscais e no âmbito dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, assim como fixado o elenco e regime de isenções de custas processuais, revogando assim todos os casos de isenções de custas previstos em leis avulsas e unificando o regime de isenções no Regulamento das Custas Processuais.

Ora, foi isso que o Governo prosseguiu, com a delimitação concedida por essa autorização legislativa, por via da publicação do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que em anexo aprovou o Regulamento das Custas Processuais.

Por julgarmos com relevo para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do preâmbulo do referido Decreto-Lei, como segue:

”[…]
O actual sistema de custas processuais, em vigor desde 1996, assenta em cerca de 200 disposições normativas, na sua maioria integradas no Código das Custas Judiciais. Para além do Código das Custas Judiciais, a matéria é ainda regulada no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, no Código de Procedimento e de Processo Tributário. Aliás, no próprio Código das Custas Judiciais, as mesmas matérias relativas à taxa de justiça, encargos e pagamento da conta são repetidamente reguladas, de modo essencialmente idêntico, a propósito do processo civil, do processo penal e do processo administrativo e tributário.
Existem também regimes especiais de custas no que respeita a procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação e aos processos de injunção, regulado no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Podem ainda encontrar-se disposições sobre a responsabilidade pelo pagamento de custas, designadamente no que respeita a isenções, em inúmeros diplomas avulsos.

A reforma levada a cabo em 2003 teve já o enorme mérito de diminuir o índice de dispersão normativa existente, mas ficou aquém do desejável por ter trabalhado sobre o Código das Custas Judiciais, inicialmente pensado apenas para os processos judiciais, o qual assentava numa estrutura pesada, impossível de contrariar através de meros processos de alteração legislativa.
A presente reforma resulta assim de um processo de acompanhamento e avaliação contínuos da implementação do sistema inserido pela revisão de 2003, tendo sido levados em consideração os estudos realizados pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, os quais deram origem a um relatório de avaliação, de Novembro de 2005, e o relatório final de inspecção do sistema de custas judiciais apresentado pela Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça em Agosto de 2006.
Partindo do alerta, realizado pelos referidos estudos, para alguns problemas concretos na aplicação do Código das Custas Judiciais e para alguns aspectos disfuncionais do respectivo regime, partiu-se para uma reforma mais ampla, subordinada ao objectivo central de simplificação que se insere no plano do Governo de combate à complexidade dos processos e de redução do volume dos documentos e da rigidez das práticas administrativas, cujas linhas de orientação foram, fundamentalmente, as seguintes:
a) Repartição mais justa e adequada dos custos da justiça;
b) Moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa;
c) Adopção de critérios de tributação mais claros e objectivos;
d) Reavaliação do sistema de isenção de custas; [sublinhado da nossa autoria]
e) Simplificação da estrutura jurídica do sistema de custas processuais e unificação da respectiva regulamentação; [sublinhado da nossa autoria]
f) Redução do número de execuções por custas.
No âmbito dos objectivos de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais, a presente reforma procurou concentrar todas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial, administrativa ou fiscal num só diploma - o novo Regulamento das Custas Processuais - mantendo algumas regras fundamentais, de carácter substantivo, nas leis de processo.
[…]
Por fim, procurou ainda proceder-se a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções. [sublinhado da nossa autoria]
[…]”

Ou seja, o Governo traçou com rigor o âmbito da sua actuação, na decorrência do que era o sentido e extensão da autorização legislativa, e que, no que ora importa, foi o de estabelecer o elenco e regime de isenções das custas processuais, unificando esse regime de isenções no Regulamento das Custas Processuais que aprovou, e dessa forma, revogando todos os casos de isenções de custas previstas em leis que o previssem.

Dispondo o artigo 93.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO, que relativamente ao processo de contra ordenação que corra perante as autoridades administrativas, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça, ou seja, que se verifica a sua isenção na pendência da sua fase administrativa, e que também estava isenta de taxa de justiça a Impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas, ou seja, que também se verifica a sua isenção na sua fase judicial, face ao que constituía o sentido e extensão da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, a manutenção em vigor do seu n.º 2 brigava com o propósito da Assembleia da República, pois que, a manter-se este normativo, deixava de estar alcançado o objectivo e propósito por si delineado, de reunir/unificar num só diploma legal, o elenco e regime das isenções de custas processuais.

Foi pelo artigo 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que o Governo, ao abrigo daquela autorização legislativa, mormente, na decorrência do seu artigo 1.º, alínea d), revogou “… as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei.”, o que, com referência ao disposto no artigo 93.º, n.º 2 do RGCO, tem-se o mesmo por implícitamentre revogado, pois que qualquer isenção de custas tem de ter amparo no regulamento querido unificar pelo legislador, e que se consubstancia no Regulamento das Custas Processuais.

E neste conspecto, tipificando o RCP no seu artigo 4.º, quais as situações que dão lugar à isenção de custas, e aí não estando elencada a impugnação judicial de decisão de entidade administrativa, e mais dispondo os seus artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, que todos os processos estão sujeitos a custas, e que o seu regime se aplica [também] aos processos que corram termos nos tribunais administrativos, falece por aqui a pretensão recursiva da Recorrente.

Apreciando agora quanto ao facto de a Impugnante nunca ter sido notificada para proceder ao pagamento de qualquer taxa de justiça nos presentes autos, e se a ausência dessa notificação teve um impacto decisivo no julgamento da causa.

Como resultou provado, a Impugnante ora Recorrida deduziu Impugnação judicial da decisão proferida pela Câmara Municipal (...), tendo no âmbito do articulado apresentado junto procuração forense por via da qual, entre o mais, indicou a sua sede social, e constituiu duas Advogadas como suas mandatárias forenses.

Ora, em matéria de notificações no domínio do RGCO, é aplicável o disposto no artigo 113.º do CPP [ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO], que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Artigo 113.º
(Regras gerais sobre notificações)
1 - As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados; [sublinhado da nossa autoria]
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
2 - Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação. [sublinhado da nossa autoria]
3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
5 - Ressalva-se do disposto nos n.ºs 3 e 4 as notificações por via postal simples a que alude a alínea d) do n.º 4 do artigo 277.º, que são expedidas sem prova de depósito, devendo o funcionário lavrar uma cota no processo com a indicação da data de expedição e considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia útil posterior à data de expedição.
6 - Quando a notificação for efectuada por via postal registada, o rosto do sobrescrito ou do aviso deve indicar, com precisão, a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte.
7 - Se:
a) O destinatário se recusar a assinar, o agente dos serviços postais entrega a carta ou o aviso e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
b) O destinatário se recusar a receber a carta ou o aviso, o agente dos serviços postais lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
c) O destinatário não for encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso;
d) Não for possível, pela ausência de pessoa ou por outro qualquer motivo, proceder nos termos das alíneas anteriores, os serviços postais cumprem o disposto nos respectivos regulamentos, mas sempre que deixem aviso indicarão expressamente a natureza da correspondência e a identificação do tribunal ou do serviço remetente.
8 - Valem como notificação, salvo nos casos em que a lei exigir forma diferente, as convocações e comunicações feitas:
a) Por autoridade judiciária ou de polícia criminal aos interessados presentes em acto processual por ela presidida, desde que documentados no auto;
b) Por via telefónica em caso de urgência, se respeitarem os requisitos constantes do n.º 2 do artigo anterior e se, além disso, no telefonema se avisar o notificando de que a convocação ou comunicação vale como notificação e ao telefonema se seguir confirmação telegráfica, por telex ou por telecópia.
9 - O notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.
10 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. [sublinhado da nossa autoria]
Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado [sublinhado da nossa autoria]; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
11 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas por via eletrónica, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ou, quando tal não for possível, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia. [sublinhado da nossa autoria]
12 - Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. [sublinhado da nossa autoria]
13 - A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta da última residência do notificando e outro nos lugares para o efeito destinados pela respetiva junta de freguesia, seguida da publicação de anúncio na área de serviços digitais dos tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt.
14 - Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
15 - A assinatura do funcionário responsável pela elaboração da notificação pode ser substituída por indicação do código identificador da notificação, bem como do endereço do sítio eletrónico do Ministério da Justiça no qual, através da inserção do código, é possível confirmar a autenticidade da notificação.”

Ora, numa primeira análise, e face ao disposto no n.º 10 – 1.ª parte - do referido normativo, estando a Impugnante ora Recorrente regularmente representada por mandatárias constituídas, as notificações que lhe devam [à arguida, Impugnante ora Recorrente] ser feitas, podem ser efectuadas na pessoas dessas mandatárias.

Como assim resultou provado, na pendência dos autos e no Tribunal a quo, foi a Recorrente notificada, na pessoa da sua mandatária, por notificação expedida pelo Tribunal recorrido em 16 de abril de 2010, entre o mais, para que em 10 dias fosse efectuado o pagamento da taxa de justiça a que se reporta o artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP.

Portanto, em face do que está processado nos autos, resulta precisamente o contrário do alegado pela Recorrente, isto é, que por notificações expedidas pelo Tribunal a quo em 16 de abril de 2020 e 03 de julho de 2020 – Cfr. pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 do probatório -, foram remetidas à Recorrente, regularmente representada por mandatária forense [Cfr. artigo 113.º, n.ºs 10 – 1.ª parte –, 11 e 12 do CPP], as guias para pagamento da taxa de justiça devida pela Impugnação judicial da decisão condenatória promanada da Câmara Municipal (...).

Questão diversa é saber se essa notificação, não tendo também sido efectuada à Impugnante, na sua própria pessoa, se se pode ter por perfeita ou eficaz.

Vejamos.

É certo que, em face do disposto no artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP, é devida a taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, taxa essa que é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária.

Como resultou provado, o Tribunal a quo proferiu despacho nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do RGCO, ou seja, para que a Impugnante emitisse pronúncia efectiva [valendo o seu silencio como não oposição] sobre a sua motivação em decidir do mérito dos autos mediante despacho [sem necessidade de submissão a audiência de julgamento], para o que foi determinado que a mesma fosse notificada – Cfr. ponto 8 do probatório.

E como resultou provado, a Secretaria do Tribunal a quo expediu notificação dirigida à Impugnante - Cfr. ponto 9 do probatório - na sua própria pessoa, só que essa notificação foi remetida para um endereço postal – Cfr. ponto 10 do probatório -, que não era relativo à sua sede social já desde janeiro de 2017 [e como assim também está patenteado na procuração forense por via da qual são constituídas as mandatárias judiciais - Cfr. pontos 5 e 6 do probatório], donde, o silêncio que daí resultou, tendo sido interpretado pelo Tribunal a quo, pelo seu despacho datado de 02 de julho de 2020 como uma não oposição à decisão por despacho, enferma de erro de julgamento.

Com efeito, esse silencio que o Tribunal a quo registou, adveio não da vontade da Impugnante no sentido de se conformar com a desnecessidade que o julgador fixou de submeter a discussão da causa a audiência contraditória, ou seja, que tendo sido regularmente notificada assim o quis, mas antes do facto de a sua notificação não ter sido efectivamente realizada, não relevando para o caso o facto de a Senhora mandatária constituída o ter sido, pois que a consequência processual desse silêncio, veio a ser determinante de uma tomada de decisão, que vem a importar numa outra consequência processual, e que é a de que a taxa de justiça devida pela impugnação judicial ter de ser paga nos dez dias subsequentes à notificação da arguida/Impugnante ora Recorrente de que a decisão da causa vai proferida por despacho, que tem de ser feita na sua própria pessoa.

Mas como resultou provado, para além de não ter sido notificada de que a decisão da causa ía ser proferida por despacho, antes disso não foi a mesma notificada para efeitos de se pronunciar sobre se se opunha a essa tomada de decisão [Cfr. artigo 64.º, n.º 2 do RGCO], em conformidade com o disposto no artigo 113.º, n.º 10 – 2.ª parte -, do CPP:

Pese embora a Senhora mandatária da Impugnante ora Recorrente tenha sido notificada da liquidação dessa taxa e para ser efectuado o seu pagamento em 10 dias sob pena de não se poder conhecer do objecto do recurso, e não tendo a taxa sido paga, sustentando a Recorrente nas suas Alegações de recurso que nunca foi notificada, efectivamente e quanto a ela própria, assim não tendo sucedido, não podia o Tribunal a quo ter esse seu 2.º silêncio ou inacção, como não querendo proceder ao pagamento da taxa.

Mas mesmo que esse tivesse sido o julgamento tirado pelo Tribunal a quo, sempre de todo o modo, a instância não se podia dar como extinta, por não efectuado o pagamento dessa taxa de justiça, pois que, como determina o CPC no seu artigo 642.º, n.º 1 [que aqui deve ser aplicado por analogia], nessa eventualidade, sempre deveria a Secretaria, oficiosamente, ter notificado a Impugnante para fazer esse pagamento omitido, acrescido de multa. E só então, se esse pagamento não fosse efectuado, é que poderia o Tribunal a quo vir a formar convicção e a decidir pela extinção do processo.

Neste conspecto, para aqui extraímos o artigo 195.º do CPC, atinente às regras gerais sobre a nulidade dos atos, como segue:

“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo”.

Face ao extraído supra [normativos aplicáveis ao processo penal, de harmonia com o disposto no artigo 4.º do CPP, e no artigo 41.º do RGCO], não tendo a Recorrente sido notificada do despacho datado de 15 de abril de 2020, ocorre nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, a que a Sentença recorrida veio a dar cobertura.


A ocorrência da identificada nulidade, por preterição de formalidade prescrita na Lei, é assim determinante da necessidade de repetição de tudo aquilo que na sua decorrência foi levado a cabo nos autos, por estar absolutamente dependente da prática do ato inquinado [Cfr. artigo 195.º, n.º 2, do CPC], impondo-se a baixa dos autos à 1.ª instância, para a prática dos actos que se mostrem devidos.


Finalmente, em torno da invocação de que a Sentença recorrida viola ainda os artigos 62.º do RGCO e 113.º n.º 9 do CPP, com fundamento em que a Recorrente nunca foi notificada da decisão da Câmara Municipal (...), quanto ao seu recurso nem da existência e do teor de acusação proferida pelo Ministério Público, por aqui não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, depois de ter sido notificada da decisão condenatória proferida pela Câmara Municipal (...), depois de nessa sequência ter apresentado Impugnação judicial, a Recorrente podia ter como certa, uma de duas realidades: ou ser notificada pela entidade administrativa de que a sua decisão tinha sido revogada [Cfr. artigo 62.º, n.º 2 do RGCO], ou ser notificada pelo Tribunal a quo da admissão em juízo da sua pretensão impugnatória.

Como decorre do processado nos autos, tendo o Tribunal a quo, por seu despacho datado de 15 de abril de 2020, admitido a impugnação judicial da aplicação da coima que lhe foi aplicada [Cfr. artigo 63.º, n.º 1 – a contrario - do RGCO], o que foi antecedido da remessa do articulado por si apresentado na Câmara Municipal ao Ministério Público [Cfr. artigos 59.º, n.º 3 e 62.º, n.º 1 ambos do RGCO], de nenhum outro acto devia ser notificada, dada a sua não previsão normativa, mas ainda por maioria de razão, porque não se praticou qualquer acto cujo conhecimento devesse ter, em ordem a prover à impugnação.

De maneira que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva da Recorrente tem assim de proceder, ainda que parcialmente, pelo que devem os autos baixar ao Tribunal recorrido para que seja suprida a identificada nulidade processual [tal como previsto no artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC], notificando a Impugnante ora Recorrente, do despacho por si proferido, datado de 15 de abril de 2020, em ordem a serem prosseguidos os demais termos processuais que se mostrem devidos, se nada mais a tanto obstar.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo de contraordenação; Impugnação judicial da decisão condenatória; Pagamento da taxa de justiça; Remessa dos autos ao Ministério Público; Remessa da Impugnação ao Tribunal; Extinção da instância; Artigo 93.º do RGCO; Artigos 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP; Nulidade processual.

1 - Pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, o Governo foi autorizado, entre o mais, a aprovar um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, e para esse efeito, também entre o mais, a revogar o Código das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, assim como todos os diplomas cuja necessidade de modificação daí decorra [Cfr. artigo 1.º, n,º 1 e n.º 2 alínea d) daquela Lei].
2 – O Governo traçou com rigor o âmbito da sua actuação, na decorrência do que era o sentido e extensão daquela autorização legislativa, e que, no que ora importa, estabeleceu o elenco e regime de isenções das custas processuais, unificando esse regime de isenções no Regulamento das Custas Processuais que aprovou, e dessa forma, revogando todos os casos de isenções de custas previstas em leis que o previssem.
3 - Dispondo o artigo 93.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO, que relativamente ao processo de contra ordenação que corra perante as autoridades administrativas, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça, ou seja, que se verifica a sua isenção na pendência da sua fase administrativa, e que também estava isenta de taxa de justiça a Impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas, ou seja, que também se verifica a sua isenção na sua fase judicial, face ao que constituía o sentido e extensão da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, a manutenção em vigor do seu n.º 2 brigava com o propósito da Assembleia da República, pois que, a manter-se este normativo, deixava de estar alcançado o objectivo e propósito por si delineado, de reunir/unificar num só diploma legal, o elenco e regime das isenções de custas processuais.
4 - Foi pelo artigo 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/208, de 26 de fevereiro, que o Governo, ao abrigo daquela autorização legislativa, mormente, na decorrência do seu artigo 1.º, alínea d), revogou “… as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei.”, o que, com referência ao disposto no artigo 93.º, n.º 2 do RGCO, tem-se o mesmo por implicitamente revogado, pois que qualquer isenção de custas tem de ter amparo no regulamento querido unificar pelo legislador, e que se consubstancia no Regulamento das Custas Processuais.
5 - Face do disposto no artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP, é devida a taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, taxa essa que é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária.
6 - Depois de ter sido notificada da decisão condenatória proferida pela Câmara Municipal, e depois de nessa sequência ter apresentado Impugnação judicial, a Recorrente podia ter como certa, uma de duas realidades: ou ser notificada pela entidade administrativa de que a sua decisão tinha sido revogada [Cfr. artigo 62.º, n.º 2 do RGCO], ou ser notificada pelo Tribunal a quo da admissão em juízo da sua pretensão impugnatória, pelo que, tendo sido admitida a Impugnação judicial da aplicação da coima que lhe foi aplicada [Cfr. artigo 63.º, n.º 1 – a contrario - do RGCO], o que foi antecedido da remessa do articulado por si apresentado na Câmara Municipal ao Ministério Público [Cfr. artigos 59.º, n.º 3 e 62.º, n.º 1 ambos do RGCO], de nenhum outro acto tinha a Recorrente de ser notificada, dada a sua não previsão normativa, mas ainda por maioria de razão, porque não se praticou qualquer acto cujo conhecimento devesse ter, em ordem a prover à impugnação.
7 – Tendo subjacente o disposto no artigo 195.º do CPC [normativo aplicável ao processo penal, de harmonia com o disposto no artigo 4.º do CPP, e no artigo 41.º do RGCO], não tendo a Recorrente sido notificada do despacho que determina a sua pronúncia sobre se não se opõe à decisão dos autos por mero despacho, ocorre nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, por preterição de formalidade prescrita na Lei, a que a Sentença recorrida veio a dar cobertura, sendo assim determinante da necessidade de repetição de tudo aquilo que na sua decorrência foi levado a cabo nos autos, por estar absolutamente dependente da prática do acto inquinado.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Recorrente D., Ld.ª, e consequentemente:

A) Revogam a decisão recorrida;

B) Ordenam a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para aí prosseguirem termos, com a notificação da Impugnante ora Recorrente, do despacho por si proferido, datado de 15 de abril de 2020, se nada mais a tanto obstar.
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Sem custas.
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Notifique.
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Porto, 02 de julho de 2021.


Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira