Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00473/12.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
Sumário:I-A sentença recorrida tem subjacente a falta de alegação/concretização da evidência dos prejuízos, que efetivamente não vem alegada, uma vez que a sua invocação é feita de forma conclusiva. Também no que se refere ao estabelecimento do nexo de causalidade entre os danos e a conduta dos órgão e agentes da Administração Tributária a invocação é feita de forma redundante e conclusiva, pois que considera que, tratando-se de liquidações ilegais daí derivaria, de forma automática, o prejuízo que alega.

II-De acordo com o artigo 22.º da CRP, “O Estado e as demais entidades públicas, são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias”;

II.1-deste preceito decorre que o Estado e as demais entidades públicas, os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, deverão ser responsabilizados sempre que se verifique, no âmbito do desenvolvimento das suas atribuições, uma violação, por ação ou por omissão, de normas jurídicas ou regras técnicas da qual resultem danos para os particulares;

II.2-no plano legislativo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado encontra atualmente consagração na Lei 67/2007, de 31 de dezembro, que veio positivar no sistema jurídico português o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, revogando o regime contido no DL 48051, de 21 de novembro de 1967, e os artigos 96.º e 97.º da Lei 169/99, de 18 de setembro, na redação da Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro;

II.3-nas ações de responsabilidade civil regidas pelo disposto nos falados Diplomas, a Entidade Demandada será responsável pelo pagamento da peticionada indemnização desde que seja demonstrado que os seus órgãos ou agentes praticaram, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, atos de gestão ilícitos e culposos ou que omitiram ilícita e culposamente atos que deviam ter praticado e que foi essa conduta ou essa omissão a causa dos danos;

II.4-o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegarem e provarem os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral;

II.5-assim tinham de ser tiradas as devidas ilações em termos de ónus da prova, de forma concordante com tal Regime;

II.6-falhou a prova da ilicitude, da culpa e também ficaram por demonstrar os requisitos atinentes aos danos e nexo causal entre facto(s) e dano(s).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda.
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A., Lda., NIPC (…), com sede na Rua (…), (…), (…), instaurou contra o Estado Português acção administrativa comum, pedindo a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 306.336,50, acrescido dos respetivos juros de mora.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1ª Um primeiro fundamento para a Recorrente discordar da sentença recorrida assenta no facto de considerar que os cinco requisitos da responsabilidade civil se mostram devidamente alegados na petição inicial.
2ª Nos artigos 1 a 12 e 32 a 36 da petição inicial elenca-se a factualidade respeitante aos três primeiros requisitos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença elenca no último parágrafo de fls. 8:
- facto voluntário: actos administrativos (liquidações e actos de penhora), isto é, decisões da Administração;
- ilicitude: as liquidações foram consideradas ilegais por sentença transitada em julgado;
- imputação do facto ao lesante (culpa): os actos administrativos foram praticados (pelo menos) com negligência, por terem violado normas legais (no caso, a norma do CIVA em que erradamente se fundamentaram as liquidações); neste aspecto a ilicitude e a culpa são quase a mesma realidade.
3ª Os três primeiros requisitos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença elenca no último parágrafo de fls. 8 mostram-se provados por documento (no caso, a sentença que anulou as liquidações).
4ª Nos artigos 13, 17 a 21, 22 a 31 e 37 a 78 da petição inicial a Recorrente elenca os danos sofridos com as liquidações ilegais (no artigo 13 escreve-se taxativamente o seguinte: “As liquidações entretanto julgadas ilegais causaram diversos danos à A., os quais se pretende sejam ressarcidos por via da presente lide.”): estes são os dois restantes requisitos da responsabilidade civil, a saber, o dano e o nexo de causalidade.
5ª Parte dos danos (custos suportados com honorários de advogado e taxa de justiça) e o seu nexo causal também se mostram já provados por documentos, encontrando-se os demais danos alegados sujeitos a prova.
6ª Nenhum dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público que até ao momento lidaram com os autos suscitaram esta questão, realçando-se que a contestação apresentada pelo Recorrido permite concluir que este compreendeu na globalidade o objecto da acção.
7ª O articulado da Recorrente contém todos os elementos de facto necessários à análise do seu direito, tendo, por isso, a sentença recorrida, ao decidir em sentido inverso, violado o disposto no artigo 483º do Código Civil.
8ª Sem prescindir, não se tratando aqui de um caso de ineptidão da petição inicial (que a existir já deveria ter sido declarada e até seria mais benéfica para o Recorrente) e validando-se superiormente o entendimento vertido na sentença recorrida (falta de alegação de factos), o Tribunal “a quo” tinha, obrigatoriamente, de notificar a Recorrente para suprir as insuficiências de alegação.
9ª A notificação para aperfeiçoamento dos articulados constitui um poder-dever estabelecido no artigo 590º/nºs. 2 b) e 4 do CPC, em desenvolvimento das ideias previstas nos artigos 6º e 411º do mesmo diploma que apontam para uma aplicação de uma justiça que conheça do mérito das causas e não se refugie em estéreis decisões de forma.
10ª Mesmo que se tivesse verificado a falta de alegação o Tribunal “a quo” deveria igualmente ter promovido a prévia notificação da Recorrente para se pronunciar sobre o fundamento da improcedência da acção e evitar a prolação de uma decisão-surpresa, em respeito pelo artigo 3º/nº 3 do CPC, do princípio do contraditório e da proibição das decisões-surpresa.
11ª A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 6º, 411º e 590º/nº 4 do CPC, bem como o disposto no artigo 3º/nº 3 do CPC, o princípio do contraditório e o princípio das decisões-surpresa.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA.
O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Face ao exposto e com fundamento nas razões apresentadas, entendemos não haver razão para a pretendida revogação da sentença em crise.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. No ano de 2003 a Administração Tributária levou a cabo uma ação de inspeção à Autora. – Facto não controvertido.
2. Dessa ação de inspeção resultaram liquidações de IVA e de juros compensatórios, relativas aos anos de 1999 a 2001. – Facto não controvertido.
3. A Autora apresentou impugnação judicial contra as liquidações referidas em 2., que correu seus termos no Tribunal Tributário de Braga sob o n.º de processo 544/04.5BEBRG. – Facto não controvertido.
4. Em 05.11.2008 foi proferida sentença, no âmbito do processo referido em 3., constando da sua decisão o seguinte:
“Determino assim a anulação das liquidações do IVA, efectuadas substituindo -as por outras onde considere as seguintes correcções:
a) A caducidade do IVA relativo ao período de 9903T;
b) Não seja considerado as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, de IVA, não entregue pelos fornecedores da Impugnante ao Estado, nos anos de 1999 a 2001;
c) Corrigido o erro no IVA de 1999, face ao valor apurado no Relatório.” . – Cfr. consulta ao SITAF.
O Tribunal consignou que a sua convicção resultou da análise crítica e conjugada do teor dos articulados juntos pelas partes e do documento consultado no SITAF, conforme referido em cada ponto do probatório, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da decisão:
A Autora pretende com a presente ação a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização à Autora correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 306.336,50 euros, acrescidos dos respetivos juros de mora, devidos por causa de uma ação de inspeção levada a cabo pela Administração Tributária.
É altura de nos interrogarmos, face à factualidade trazida pela Autora, sobre a questão de fundo.
Como se sabe, no âmbito da responsabilidade delitual, extracontratual, exceção feita a casos pontuais (casos previstos nos artigos 491.º, 492.º e 493.º, n.º 1, do Código Civil) é ao próprio Autor que cabe a alegação e prova dos factos constitutivos enumerados no artigo 483.º, incluindo a culpa (artigo 487.°, n.º 1).
Apreciemos.
O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa dispõe o seguinte: «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
Atualmente, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas vem regulado na Lei 67/2007 de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008.
Esta Lei veio revogar o regime anterior que constava no Decreto-Lei 48 051 de 21 de novembro, que regulava a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoa s coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública, sendo que a apreciação e efetivação da mesma responsabilidade decorre de atos de “gestão privada”, prevista nos artigos 500.º e 501.º do Código Civil.
In casu, estamos perante factos que ocorreram no ano de 2003 e ss., logo, nos termos do princípio geral tempus regit actum, verificamos que é de aplicar o Decreto-Lei 48 051, de 21 de novembro.
A situação sub judice enquadra-se na responsabilidade civil extracontratual de pessoa coletiva pública por ato de gestão pública, ilícito e culposo, que vem prevista no Decreto-Lei atrás referido, dos artigos 1.º ao 6.º, e que prevêem o seguinte:
Artigo 1º
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo que não esteja previsto em leis especiais.
Artigo 2.º
1. O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
2. Quando satisfizerem qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e demais pessoas coletivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo.
Artigo 3.º
1. Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de atos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.
2. Em caso de procedimento doloso, a pessoa coletiva é sempre solidariamente responsável com os titulares do órgão ou os agentes.
Artigo 4.º
1. A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil.
2. Se houver pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.
Artigo 5.º
1. O direito de indemnização regulado nos artigos anteriores prescreve nos prazos fixados na lei civil.
2. À prescrição do direito de regresso é também aplicável o disposto na lei civil.
Artigo 6.º
Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Assim, nos termos do artigo 1.º acima transcrito, os atos de administração pública, são os atos de gestão pública. Como nos ensina Marcello Caetano, esses atos serão todos os praticados no exercício da atividade da administração, regidos pelo direito público, (Manual de Direito Administrativo II, 1972, p. 1198).
Como se colhe do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 29.04.2004, (processo 01537/03), ato de gestão pública e ato de gestão privada são:
“(…) II - Actos de gestão privada são os actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular despido do seu poder público.
III - Actos de gestão pública são os praticados no exercício de uma função pública para os fins de direito público da pessoa colectiva, isto é, o regido pelo direito público e, consequentemente, por normas que atribuem à pessoa colectiva pública poderes de autoridade. (…)”, in www.dgsi.pt, (no mesmo sentido vejam-se também, os Acórdãos de 22.04.2009, processo 0113/09 e de 02.06.2005, processo 0680/04).
O artigo 2.º, n.º 1, atrás transcrito e como já foi dito acima, dispõe sobre a responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, decorrente de atos ilícitos culposos, praticados pelos respetivos órgãos ou agentes no exercício, e por causa do exercício das suas funções. Ora, se os comportamentos ocorrem fora do exercício de funções ou durante o seu exercício, mas não por sua causa, não há responsabilidade civil extracontratual.
Assim, o ato praticado durante e por causa do exercício de funções públicas é um ato funcional, contrapondo-se ao ato pessoal quando é praticado fora e não por causa desse exercício.
É jurisprudência pacífica que a responsabilidade civil extracontratual, no domínio dos atos de gestão pública, ilícitos e culposos, corresponde no essencial ao conceito civilista regulado no artigo 483.º do CC que estabelece como princípio geral da responsabilidade civil extracontratual que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Como é sabido, são pressupostos desta responsabilidade, como se retira do referido artigo 483.º do Código Civil: o facto voluntário; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª edição, Coimbra, p. 544).
Quanto ao primeiro pressuposto – facto voluntário -, diremos que se trata de um comportamento ou conduta, dominável e controlável pela vontade humana, não se tornando necessário que o mesmo seja querido, isto é, não querendo com isto dizer-se que a pessoa efetivamente pretendeu causar um dano; o que a lei pretende dizer é que o agente teve uma atuação de facto, que era controlável pela sua vontade, sendo que tal facto voluntário, se pode traduzir ou numa ação (facto positivo) ou numa omissão (facto negativo).
É consubstanciado por uma conduta de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
O facto de ser voluntário exclui os factos naturais, decorrentes de caso fortuito ou força maior (artigo 486.º do Código Civil), pois significa a possibilidade de determinação.
No que respeita à omissão, a mesma gere o dever de indemnizar sempre que haja um dever jurídico de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do dano (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 10.ª Edição, Almedina, 2003, pp. 527 e 528), verificando-se incumprimento de um dever jurídico quando o sujeito não emprega a diligência suficiente para o cumprimento do seu dever (Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Almedina, 1999, pp. 69 e ss).
No que ao elemento da ilicitude concerne, a mesma consiste na adoção de um comportamento antijurídico e reprovável por parte do agente, isto é, na prática e infração de um dever jurídico, traduzindo-se a ilicitude na violação por esse facto de normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48051.
Esta norma atribui ao conceito de ilicitude um alcance mais lato do que o que consta do artigo 483.º do CC, já que envolve atos jurídicos ou materiais que infrinjam quaisquer normas, princípios ou até regras de ordem técnica ou prudência.
Nos casos de violação do dever de boa administração, através de uma conduta ilegal, o elemento culpa dilui-se na ilicitude, assumindo aquela o aspecto subjetivo da ilicitude que se traduz então na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adoptar (vide Acs. do STA de 08-07-1999 e de 26-11-1998, disponíveis no site www.dgsi.pt).
Como nos ensina Fausto de Quadros, “os actos jurídicos são ilícitos quando violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis. Os actos materiais são ilícitos quando infringirem além daquelas e daqueles, ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”, in “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, 2ª Edição, p. 139.
Relativamente ao terceiro elemento – imputação subjetiva do facto ao agente (culpa) -, refira-se que talvez seja o elemento mais importante neste tipo de responsabilidade, na medida em que a culpa efetiva excluirá necessariamente a invocação de qualquer outro fundamento de responsabilidade (mormente, objetiva).
A culpa é um juízo que assenta no nexo psicológico entre o facto e o agente (e não dos danos por este causados), bastando uma culpa do serviço, globalmente considerado. A culpa pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
O dolo é a modalidade mais grave da culpa, mais fortemente censurável.
Pode traduzir-se na representação e desejo, por parte do agente, de determinado efeito da sua conduta (dolo direto); na representação e desejo, pelo agente, de certo resultado como necessário da sua conduta (dolo necessário) e na previsão e conformação como possível de certa consequência da sua conduta (dolo eventual).
Por seu turno, a negligência ou mera culpa consiste na omissão da diligência exigível ao agente (cfr. Brox, citado por Antunes Varela, in ob. cit., pág. 593).
É a censura ético-jurídica, que exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante que, em face das circunstâncias especiais do caso, devia e podia agir de outro modo, ou seja, na omissão da diligência que, na espécie, lhe era exigível.
No plano da culpa stricto sensu (negligência) distingue-se entre «a culpa consciente, por um lado, em que o agente prevê a produção do facto ilícito, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar; e a culpa inconsciente, por outro, em que o agente não chega, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade da produção do evento danoso, mas podendo e devendo prevê -lo se usasse da diligência devida.» (cfr. Ac. do STJ, de 29.11.2005, relator Salvador da Costa, in www.dgsi.pt).
Para além das referidas modalidades, releva ainda a chamada culpa funcional ou culpa de serviço consubstanciada no anormal funcionamento do serviço, por deficiente organização ou falta de controlo, de vigilância ou fiscalização exigíveis em determinadas funções, ou de outras falhas que se reportam ao serviço como um todo.
Atente-se que, o artigo 4.º acima transcrito remete para o artigo 487.º do Código Civil, onde a culpa é apreciada abstratamente tendo em conta a diligência de um bom pai de família, isto é, de uma pessoa normal, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil).
A expressão bom pai de família refere-se ao homem de diligência normal, e a expressão circunstâncias de cada caso tem a ver com o que ele faria no quadro da situação circunstancial envolvente.
A este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. I, 4ª edição, p. 489, referem que: “a referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão (do bonus cives) do que o critério puramente estatístico do homem médio”.
Quer isto significar que o julgador não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento.
A lei pretende assim que a aferição do comportamento de quem age tenha de ser valorado de uma forma objetiva, de harmonia com a diligência com que um bonus pater familias agiria segundo as exigências do caso concreto, conforme preceitua o referido artigo 487.º do Código Civil.
Como nos ensina Fausto de Quadros: “(…) Em Direito Administrativo o STA tem transformado o conceito do bonus pater familias na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, isto é, respeitador da lei e dos regulamentos e das leges artis aplicáveis aos actos ou operações materiais que tem o dever de praticar” in “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, 2ª Edição, p. 171.
Traduz-se fundamentalmente num juízo de censura sobre o facto praticado pelo titular de órgão ou de agente, por tal conduta não corresponder à que é exigível e esperada de um funcionário típico, normal, zeloso e cumpridor, nas circunstâncias do caso concreto (vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.11.1992, Processo 030291 e de 19.01.2005, processo 01325/03, in www.dgsi.pt).
Desta interpretação jurisprudencial resulta que é difícil estabelecer a linha de fronteira entre a ilicitude e a culpa, porque a omissão ou deficiente cumprimento dos deveres preenche simultaneamente os dois conceitos.
Trata-se no fundamental de apreciar a culpa no plano de um comportamento que se traduza numa normal, diligente e zelosa aplicação de regras.
Ainda relativamente ao elemento culpa, importa referir que o artigo 487.º do Código Civil, no seu n.º 1, determina que incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvaguardando os casos de existência de uma presunção legal de culpa.
Isto é, de acordo com os princípios do ónus da prova, a que alude o artigo 342.º do Código Civil, é o lesado quem tem de alegar e demonstrar a culpa do autor da lesão, a não ser que beneficie de alguma presunção legal de culpa, nos termos dos artigos 491.º, 492.º ou 493.º, todos do Código Civil.
A nossa jurisprudência tem também se pronunciado no sentido de que a prova de factos ilícitos por violação de normas legais ou regulamentares arrasta uma presunção judicial de negligência que obriga à contra-prova do lesante no sentido da demonstração de que não houve culpa da sua parte (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.03.90, processo 027655 in www.dgsi.pt).
Passando ao quarto elemento – a ocorrência de um dano -, o qual poder-se-á definir como «o prejuízo, desvantagem ou perda de natureza patrimonial ou não patrimonial causados em bens jurídicos» (cfr. Vaz Serra, BMJ, 84, p. 8), interessa referir que, sem ele, não existe dever de indemnizar.
Note-se, contudo, que o dano não é todo igual, daí falar-se de danos “in natura”, (lesão realmente causada no interesse juridicamente tutelado), de danos patrimoniais (reflexo do dano real na situação económica/patrimonial do lesado e prejuízos causados por esse mesmo dano, abrangendo-se os danos emergentes - prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão, cfr. artigo 562.º e ss. do Código Civil - e os lucros cessantes - benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão, cfr. artigo 564.º e ss do Código Civil); e de danos não patrimoniais (insuscetíveis de avaliação pecuniária, porquanto atingem bens que não fazem parte do património do lesado, cfr. artigo 496.º do Código Civil).
Nestes danos não patrimoniais, quando se fixa a indemnização deve atender-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.
Incumbe ao lesado provar os danos sofridos e não apenas que os sofreu.
Finalmente, para que se conclua pela existência de responsabilidade civil, ter-se-á de verificar um quinto elemento, isto é, aferir se ocorre um nexo de causalidade entre o evento e o dano.
É este nexo de causalidade que nos permite selecionar os danos que devemos imputar ao lesante, porquanto nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto, os causados por ele.
A este propósito a lei portuguesa estabelece no artigo 563.º do nosso Código Civil que: «a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Decorre, assim, do referido normativo que a ação em questão tem de ser adequada a produzir um determinado resultado, “e que o mesmo seja previsível em face das circunstâncias conhecidas do agente e daqueles que um homem normal colocado no seu lugar poderia e deveria conhecer, e, ainda, das regras da experiência comum” (cfr. Martins de Almeida, “Manual dos Acidentes de Viação”, Almedina, 3ª Edição, p. 88).
Assim, no referido contexto, o nexo de causalidade implica que a ação ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstrato, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento.
O facto voluntário ilícito e culposo será causa adequada do dano, sempre que este constitua sua consequência normal ou típica, ou seja, os danos têm que resultar da prática do facto voluntário ilícito e culposo.
A nossa jurisprudência tem acolhido pacificamente a teoria da causalidade adequada, (que a consagrou na formulação negativa proposta por Ennecerus -Lehman), e quanto à responsabilidade civil extracontratual: “(…) II - A causalidade entre o facto e o dano no domínio da responsabilidade civil supõe não só que se esteja na presença de uma conduta que seja conditio sine qua non do dano invocado, mas ainda que a mesma seja ainda, juridicamente, adequada para o produzir.” – vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.03.99, processo 044062, in www.dgsi.pt.
Assim, no referido contexto, o nexo de causalidade implica que a ação ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstrato, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento.
Acrescenta-se, ainda, que a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo. Tal reparação pode consistir quer na reconstituição natural, isto é, na restituição do lesado à situação material efetiva em que se encontrava antes daquele evento, quer no pagamento de uma quantia pecuniária, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – artigos 562.º e seguintes do Código Civil.
Posto isto, e voltando ao que supra se referiu é à própria Autora que cabe a alegação e prova dos factos constitutivos enumerados no artigo 483.º do CC – facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Lendo, com toda a atenção, a petição inicial e analisando o que nela está vertido, permite-nos, sem hesitação, dizer que a mesma não tem a virtualidade de responsabilizar o Réu, seja a que título for pois, não estão alegados factos que permitam a procedência do pedido com base na responsabilidade delitual.
É que é imperiosa a alegação e prova dos factos (de todos os factos) integradores dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, que são cumulativos.
Comportamentos ilícitos e culposos que lhe causaram os danos. Mais, não aduz o nexo de causalidade entre a prática dos factos e os danos causados.
Assim, a prova dos factos que integram os requisitos constitutivos da responsabilidade civil, in casu, pelo que já ficou dito, à míngua de alegação, torna-se impossível.
Atento o exposto, falecem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em que a Autora baseia a sua pretensão indemnizatória, porque não alegou factos para os integrar e que poderiam conduzir a uma condenação pela responsabilidade civil extracontratual.
Terá, pois, que soçobrar a pretensão da Autora.
X
Apesar das falhas assacadas a esta decisão, a razão está do lado do Réu/Recorrido.
O recurso interposto visa a apreciação do saneador sentença na vertente jurídica.
Vejamos:
Não obstante o alegado pelo Recorrente, o despacho posto em crise conclui de forma assertiva. É certo que a decisão se alicerça na análise dos pressupostos de facto dos quais a lei faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado, realçando que a alegação dos factos de que depende a prova daqueles pressupostos se encontra a cargo da Autora, sendo que, em seu entender, não estão alegados factos que permitam a procedência do pedido com base na responsabilidade delitual. E que é imperiosa a alegação e prova dos factos (de todos os factos) integradores dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, que são cumulativos.
E continua: A Autora não nos diz quais foram os comportamentos ilícitos e culposos que lhe causaram os danos. Mais, não aduz o nexo de causalidade entre a prática dos factos e os danos causados.
Assim, a prova dos factos que integram os requisitos constitutivos da responsabilidade civil, in casu, pelo que já ficou dito, à míngua de alegação, torna-se impossível.
Sentenciando: Atento o exposto, falecem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em que a Autora baseia a sua pretensão indemnizatória, porque não alegou factos para os integrar e que poderiam conduzir a uma condenação pela responsabilidade civil extracontratual.
Ora, apesar de não nos revermos no vetor da decisão relativo à falta de alegação do pressuposto traduzido na "ilicitude", por considerarmos que a alegação dos factos relativos a esse pressuposto, é a ilicitude da actuação imputada à AT, que se traduz nos factos levados à acção de impugnação tributária, onde as liquidações em causa foram declaradas ilegais e anuladas, já no que respeita à alegação sobre o pressuposto da responsabilidade civil que é o dano, verifica-se, na verdade, a falta de concretização dos danos e a demonstração da verificação do nexo causal entre a acção dos agentes da AT e os invocados danos, pelo que acaba por ter razão o Tribunal a quo quando afirma que à míngua da alegação dos factos que deveriam preencher aqueles pressupostos não poderia a acção deixar de improceder.
Na verdade, no que à alegação dos danos se refere, tal como já sustentado em sede de contestação, o facto de a Autora invocar a existência de uma gradual diminuição da faturação, daí não resulta, como pretende, de forma imediata e automática qualquer dano, no sentido que aqui interessa, ou seja, de prejuízo imputável à acção dos órgãos e agentes da Administração Tributária, como bem advoga o Senhor Magistrado do MP.
E adiantou: A autora já vinha a apresentar uma evidente progressão negativa dos seus resultados, pelo que não vislumbramos qualquer decisão da gestão que viesse a contrariar aquela tendência. Não será também de desvalorizar que em 2002 a empresa aumentou o seu capital próprio pela entrada de prestações suplementares no valor de 585 000,00 €, sem que aquela decisão se tenha traduzido numa variação positiva da sua performance operacional. Pelo contrário, a sociedade viu os seus resultados diminuírem progressivamente, até atingirem valores negativos, mesmo em exercícios anteriores à eventual efetivação dos supostos danos patrimoniais alegados pela autora. Como, já se referiu supra, a justificação para aquela progressão negativa dos resultados, deriva essencialmente da quebra ocorrida na actividade de venda de automóveis, quer face ao peso que essa actividade tinha no volume de negócios global da empresa, quer pelo contributo da mesma nos resultados operacionais obtidos até 2002.
Acresce que até pode ocorrer essa baixa de facturação sem que daí resulte qualquer prejuízo, pois que essa menor facturação pode resultar de uma opção estratégica da empresa, reduzindo a actividade comercial que poderia implicar a diminuição das vendas, por um lado e, por outro, a redução dos encargos, mantendo ou até aumentando os lucros ao fim de um determinado período, que pode coincidir com a execução de um plano de restruturação.
A sentença recorrida tem subjacente essa falta de alegação/concretização da evidência dos prejuízos, que efetivamente não vem alegada, uma vez que a sua invocação é feita de forma conclusiva. Também no que se refere ao estabelecimento do nexo de causalidade entre esses invocados danos e a conduta dos órgão e agentes da Administração Tributária a invocação é feita de forma redundante e conclusiva, pois que considera que, tratando-se de liquidações ilegais daí derivaria, de forma automática, o prejuízo que alega.
Ora, a alegação do nexo causal entre a acção dos agentes e/ou órgãos do Estado, exige alguma precisão e demonstração, pois de contrário ficamo-nos por conceitos vazios, sem qualquer conteúdo tático, sem qualquer possibilidade de demonstração e de prova. É a filosofia que subjaz à sentença em crise quando afirma: A Autora não nos diz quais foram os comportamentos ilícitos e culposos que lhe causaram os danos.
Mais, não aduz o nexo de causalidade entre a prática dos factos e os danos causados.
Assim, a prova dos factos que integram os requisitos constitutivos da responsabilidade civil, in casu, à míngua de alegação, torna-se impossível.
Ademais, como se disse, o facto de a sentença proferida no processo de impugnação considerar que a Administração não conseguiu provar que a venda dos veículos em causa era simulada, não significa que tenha sido provado o facto contrário, isto é, que a venda não foi simulada, sendo certo que a matéria indiciária recolhida na investigação realizada apontava no sentido defendido pelos agentes da Administração, como bem salienta o MP.
Como tal, bem andou o Senhor Juiz ao concluir que a atuação da Administração não foi causa dos danos invocados pela Autora/Recorrente, pelo que é clara a inexistência do exigido nexo causal entre os factos e os alegados danos.
Ora, nos termos do artigo 563° do C Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Em suma:
-de acordo com o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, “O Estado e as demais entidades públicas, são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias”. Do presente artigo decorre que o Estado e as demais entidades públicas, os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, deverão ser responsabilizados sempre que se verifique, no âmbito do desenvolvimento das suas atribuições, uma violação, por ação ou por omissão, de normas jurídicas ou regras técnicas da qual resultem danos para os particulares.
No plano legislativo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado encontra atualmente consagração na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que veio positivar no sistema jurídico português o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, revogando o regime contido no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, e os artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na redação da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro;
-nas ações de responsabilidade civil regidas pelo disposto nos falados Diplomas, a Entidade Demandada será responsável pelo pagamento da peticionada indemnização desde que seja demonstrado que os seus órgãos ou agentes praticaram, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, atos de gestão ilícitos e culposos ou que omitiram ilícita e culposamente atos que deviam ter praticado e que foi essa conduta ou essa omissão a causa dos danos peticionados pelo autor (cf. artigo 2.º, n.º 1 e artigos 483.º e seguintes do Código Civil, bem como, a título exemplificativo, os Acórdãos do STA de 16 de março de 1995, processo n.º 36993, de 21 de Março de 1996, processo n.º 35909, de 30 de outubro de 1996, processo n.º 35412, de 13 de outubro de 1998, processo n.º 43138, de 27 de junho de 2001, processo n.º 46977, de 26 de setembro de 2002, processo n.º 487/02, de 6 de novembro de 2002, processo n.º 1331/02, de 18 de dezembro de 2002, processo n.º 1683/02, de 10 de março de 2004, processo n.º 1393/03 e de 7 de abril de 2005, processo n.º 856/04).
Nestes termos, a Entidade Demandada seria responsabilizada pelo pagamento da indemnização pedida pela Autora se da factualidade apurada fosse possível concluir pelo preenchimento dos factos constitutivos do direito reclamado. Ou seja, para que a Entidade Demandada pudesse ser responsabilizada cabia à Autora demonstrar e provar que, no caso concreto, a AT violou, culposa e ilicitamente, os seus deveres ou as regras que deveria observar e que foi essa violação a causadora dos danos verificados;
-com efeito, tal como no regime civil, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas no domínio dos atos de gestão pública pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
-no caso posto tal não sucedeu;
-não se trata aqui de qualquer decisão-surpresa (1)
-o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral (artigos 5°/2 e 3 e 412° do CPC 2013);
-assim tinham de ser tiradas as devidas ilações em termos de ónus da prova, de forma concordante com tal Regime;
-falhou a prova da ilicitude, da culpa e também ficaram por provar os requisitos atinentes aos danos e nexo causal entre facto(s) e dano(s).
Improcedem, assim, as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 17/04/2020



Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas
(1)
I-O juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, pois só assim se assegura a participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio e na busca da justiça da decisão;
I.1-a “decisão surpresa” não é a que simplesmente surpreenda a parte vencida porque, se assim fosse, o conteúdo do conceito variaria consoante a receptividade subjectiva do destinatário para se surpreender ou admirar. Tal noção tem, manifestamente, um alcance objectivo: a decisão é desse tipo - e, então, surpreende - quando o tribunal, desviando-se do que seria expectável em face do anteriormente discutido, resolve uma questão sem antes ouvir as partes a seu propósito - vide sumário do proc. nº 2366/17.4BELSB, de 13/9/2019