Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00917/16.0BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 01/28/2022 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Antero Pires Salvador |
| Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA, DISPENSA, NULIDADE PROCESSUAL |
| Sumário: | 1 . Atento o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 87º-A do CPTA, na versão aplicável aos autos - a do Decreto-Lei nº 214-G/2105, de 2 de outubro -, tencionando o juiz a quo conhecer imediatamente do mérito da causa, deveria ter facultado às partes a discussão de facto e de direito através da convocação e da realização da audiência prévia para o efeito. 2 . Tendo o Tribunal a quo omitido a tramitação legal prevista e que contemplava a realização da audiência prévia, não sendo possível formular um juízo de que a omissão dessa audiência não tivesse influído no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa, ocorre nulidade processual - cfr. art.º 195.º do Cód. Proc. Civil - determinante da anulação do despacho questionado em sede de recurso e dos atos posteriores do processo, incluindo a sentença.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | T., LDA |
| Recorrido 1: | IFAP |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . “T., L. da", com sede na Zona Industrial (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 20 de Janeiro de 2021, que, julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada contra o INSTITUTO de FINANCIAMENTO da AGRICULTURA e PESCAS, IP – IFAP, IP” onde solicitava a revogação ou a anulação do acto administrativo/decisão final e a condenação do IFAP a manter os efeitos do contrato de financiamento n.º 02024797/0, o que, a não ser possível e a título subsidiário, deveria ser condenado a pagar uma indemnização nunca inferior a € 103047,50 relegando-se para execução de Sentença a liquidação do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia, acrescido de juros legais vencidos e vincendos à taxa legal. * Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "a) A Recorrente, requereu a produção de meio de prova; b) Tal meio de prova não foi objeto de pronúncia, apesar da sua relevância no exercício pleno do direito ao contraditório; c) Omissão essa que por este meio se invoca; d) A prova testemunhal ainda é a prova rainha no regime processual Português; e) A produção da prova testemunhal para a apreciação da conduta da Recorrente na apresentação do projeto bem como para demonstração dos pressupostos que sustentaram o projeto de viabilidade económica e o que esteve por subjacente à deliberação da entidade gestora G. são elementos instrumentais, oportunamente alegados, se afiguram pertinentes para indiciar factos principais, eventualmente, carecidos de prova; f) Por outro lado a produção de prova quanto à política de autonomia e independência da Recorrente, seu centro de decisão, o relacionamento com a gestora do processo de candidaturas, assim como o atual contexto laborativo, permitirá concretizar e complementar os factos essenciais do pedido. g) A Recorrente fica, ilicitamente, limitada na reconstituição histórico – factual quer dos factos motivadores do pedido principal quer do pedido subsidiário que fez; h) Daí ficar tolhido o sentido e alcance pretendido retirar pelo tribunal ad quo na pág. 15 e douta sentença: “(…) É que antes de a Autora fazer prova do que alegava, impunha-se que o Réu concretizasse os aspetos, cálculos, elementos em que se suportou para concluir como concluiu (…)”; i) Termos em que, com vosso douto suprimento, deve Douto despacho datado de 28 de fevereiro de 2018 Notamos que esta data se mostra incorrecta, na medida em que, nestes autos, este Despacho data de 17/3/2017 - cfr. fls. 93 do processo físico - e não de 28/2/2018, diferentemente do que se passa no Proc. 916/17.2BEBRG, similar a este. ser revogado, em conformidade com o sobredito agendando-se dia e hora para a realização de audiência prévia para os fins das alíneas a) a g) do art.º 591 do CPC aplicável ex vi pelo artigo do CPTA; Por outro lado ainda, j) O ato administrativo sindicado e que determina a devolução do apoio que havia sido concedido pela Recorrida foi extemporâneo pois a Recorrida sempre teve conhecimento da putativa invalidade, por si, posteriormente invocada; k) A Recorrida, com o decurso do tempo e comportamento omissivo, criou expetativa juridicamente tutelada à Recorrente quanto à consistência do seu projeto e justeza do subsídio atribuído; l) O Tribunal ad quo interpretou na nossa humilde opinião erroneamente a cláusula C.1 do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida junto ao apenso e o art.º 23 da Portaria n.º 520/ 2009 de 14 de Maio quando conjugado com o art. 168 do C.P.A. e doc. 3 da P.I. m) Deveria o Tribunal ad quo ter interpretado e decidido que a Administração Pública tem sempre um prazo máximo de seis meses a contar da data do conhecimento do vício ou da cessação do erro para promover a anulação administrativa de um determinado ato, sendo de ressalvar que o prazo previsto no n.º 4, é uma exceção à exceção prazo) previsto no n.º 2, determinando o retorno à regra geral do n.º 1 do artigo 168 – dado ter identificado a “ilegalidade”, segundo o procedimento (pedido de projeto) desde o início identificado – 29 /03 2012 -, ou caso assim não se entenda desde 01.05.2012; n) A Recorrente sempre teve um centro de decisão autónomo sendo indevido a consideração de empresas parceiras e associadas nos cálculos posteriormente apresentados pela Recorrida para operar a resolução contratual; o) A Recorrida entende que a Recorrente não é uma micro empresa sem que, contudo, fundamente tal decisão, assim como o Tribunal ad quo que na pág. 21 de douta Sentença refere: “(…) e, esta caraterística, a Autora não tinha à data (nem tampouco o demonstrou). p) Mas qual data? q) Aliás o Tribunal ad quo refere a pág. 15 de douta Sentença: “(…) Note-se que são várias as possibilidades aqui previstas, cotejado o ato administrativo impugnado, e bem assim a contestação ora apresentada, constata-se que o Réu não concretiza em qual delas é que a Autora se insere (…)” r) O Tribunal ad quo refere a pág. 21 de douta Sentença: “(…) verifica-se que há ilegalidade quanto à fundamentação do ato e consequente violação do direito de audiência prévia (…)”. s) O Tribunal ad quo aceitando tal conclusão escusa-se a retirar os devidos efeitos ao não ordenar a produção de prova quanto a este ponto; t) O Tribunal ad quo não deveria a pág. 23 de douta sentença ter concluído: “(…) Portanto, não obstante a anulação do ato e repetição do mesmo, o desfecho seria sempre a resolução contratual, pelo que deve operar o princípio do aproveitamento do ato, como se decide (…)” até pelas razões de preclusão bem como; u) A ilegalidade quanto à fundamentação do ato e consequente violação do direito de audiência prévia quando não declarada com base no n.º 5 do art.º 163 do CPC é inconstitucional por violação dos artigos 2º, 20º, 267 n.º 5, 268 n.º 3 da CRP; v) O Tribunal ad quo desnecessariamente tenta compartimentar tal condição essencial em duas partes – saber se a Recorrente é uma parceira/associada de outra empresa e se se encontra certificada como micro empresa; w) Como já vimos a decisão de uma circunstância tem impacto na outra atento a Recomendação n.º 2003/ 361/ CE com a Portaria n.º 520/ 2009; x) Os fundamentos invocados estão em oposição com a decisão bem como da valoração do Doc. 5 da P.I, pois o aproveitamento de ato indevido não se sobrepõe ao princípio do contraditório plasmado na realização cabal e plena de audiência prévia conforme já esmiuçado no do Doc. 6 da P.I.; y) O Tribunal ad quo deu corretamente como provado que à data da candidatura – ponto 5 da matéria assente – a Recorrente estava classificada no IAPMEI como micro empresa e é nesse momento que se deve aferir os requisitos de elegibilidade – conforme prova testemunhal que iria ser realizada; z) Esta classificação não pode – por resolução – ficar retroativamente sem efeito – como pretende o Tribunal ad quo - pois que, a ser assim, retroagindo os efeitos a 29.03.12 e tendo em conta a data da notificação da decisão final – precludido estava o prazo de ação pela Recorrida; aa) Procedendo como procedeu o vicio de violação de audiência prévia e não podendo a Recorrente participar ativamente na decisão prejudicial que sobre si incidiu deveriam ter sido anulados todos os demais termos do processado entretanto realizado; bb) Existe incompetência da Recorrida para desencadear o procedimento que levou à rescisão contratual, atenta a competência pertencer à entidade Pro Basto atento o art.º 267 n.º 3 e 6 da CRP; cc) O conhecimento do pedido subsidiário pela recorrente apresentado não se encontra fundamentado principalmente atento indeferimento de produção de prova e correspondente Recurso Interlocutório de impugnação do mesmo. E termina, pedindo nos seguintes termos: "Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas. revogando-se douto Despacho e reagendando-se audiência prévia ou, subsidiariamente, revogando-se Douta Sentença e determinando-se a ilegalidade do ato de resolução “rescisão” contratual identificado e pedido de devolução de verbas farão Vs. Exas. a acostumada Justiça atenta a realidade provada e derivada da solução jurídica alegada na causa de pedir e concretizada no pedido formulado”. * Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, nada disse a o R./Recorrido IFAP, IP. ** O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer. * Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Juízes Desembargadores adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento. ** 2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA. II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não são questionados: 1. A Autora candidatou-se ao Programa PRODER – Diversificação da Economia e Criação de Emprego – Ação 3.1.2. Criação e Desenvolvimento de Microempresas, através da operação n.º 020000905646 em 30.03.2012, visando o reforço da capacidade de produção e de distribuição da empresa – 2. A operação foi aprovada em 15.10.2012 e cfr. fls. 179 e seguintes da pasta I do PA apenso; o contrato de financiamento n.º 02024797/0 foi celebrado em 11.01.2013 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 133 a 141 da pasta I do PA apenso; 3. O contrato tinha prevista, como data de início, 01.05.2012 e, como data de fim, 30.04.2014 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 135 da pasta I do PA apenso; 4. Na sequência de auditoria efetuada pela Inspeção Geral de Finanças, no âmbito da certificação de contas de 2014, apurou-se que “Os sócios da A. detêm a 100% as sociedades T. e C. – Calçados, entre outras empresas do setor do calçado, o que deve ser considerado nos cálculos em apreço, enquadrando-se, neste caso, no conceito de empresas associadas, com 1PT e 147PT respetivamente, faturação e balanço acima dos 2 milhões” – cfr. fls. 15 e 16 da pasta I do PA apenso; 5. À data da candidatura, a Autora estava classificada no IAPMEI como microempresa, de acordo com as declarações do sócio-gerente J., com data de efeito a 29.03.2012, a qual foi invalidada – cfr. fls. 37 e 39 da Pasta II do PA apenso; 6. Em 30.07.2013, a Autora estava classificada no IAPMEI como média empresa, de acordo com as declarações do sócio-gerente J., com data de efeito a 29.03.2012 – cfr. fls. 34 a 36 da Pasta II do PA apenso; 7. A 27.07.2015, a Autora estava classificada no IAPMEI como média empresa, de acordo com as declarações do sócio-gerente J. – cfr. fls. 30 a 33 da Pasta II do PA apenso; 8. Pelo ofício n.º 011643/2015 DAI-UREC, de 17.07.2015, a Autora foi notificada do seguinte – cfr. fls. 11 e 12 da Pasta II do PA apenso: [imagem que aqui se dá por reproduzida] […] 9. A Autora, a 03.08.2015, exerceu, por escrito, direito de audiência prévia – cfr. fls. 7 a 10 da Pasta II do PA apenso; 10. Pelo ofício n.º 000338/2016, datado de 15.01.2016, foi a Autora notificada do seguinte – cfr. fls. 2 a 6 da Pasta II do PA apenso e doc. 2 junto com a petição inicial: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 11. A petição inicial que origina os presentes autos foi entregue neste Tribunal, em 11.05.2016 – cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico. 2 . MATÉRIA de DIREITO Tendo em consideração, por um lado, a sentença recorrida, maxime, o seu dispositivo – supra enunciado – e, por outro, as alegações apresentadas pela recorrente, sintetizadas nas supra transcritas conclusões, verificamos que são várias as questões colocadas neste recurso apelativo. No entanto, analisados os autos, verificámos que sobre as mesmas questões já se pronunciou este TCA, em Acórdão de 21/5/2021, no âmbito do Proc. 916/16.2BEBRG, onde as partes são as mesmas, as questões colocadas as mesmas, até porque, além da sentença recorrida referir, no início da análise jurídica, que segue, na sua globalidade, a pronúncia efectivada neste processo, também o Despacho de 17/3/2017 nestes autos (Proc. 917/16) e o de 17/1/2018, no Proc. 916/16 tem similar conteúdo, sendo que a dispensa de audiência prévia foi reiterada no Despacho Judicial de 29/10/2020. Igualmente também o recurso segue a mesma sequência recursiva sendo, assim, praticamente iguais as respectivas conclusões. Nesta consonância, porque se concorda inteiramente com a decisão tomada em 21/5/2021, dando provimento ao recurso e ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para realização da audiência prévia, data vénia, damos a mesma aqui por reproduzida, transcrevendo-a na sua essencialidade. Consta desse aresto Cuja transcrição, por razões de melhor evidência, se efectiva em letra menor.: “ … Por precedência, quer de alegação, quer de lógica de conhecimento, começa por conhecer-se do vício atinente à dispensa da realização da audiência prévia…”. Transcritas as normas processuais chamadas à colação – sejam os artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA, introduzidos pelo Decreto-Lei nº 214-G/2105, de 2 de outubro, sendo que esta é a versão deste último diploma que é aplicável aos autos e não a introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que só entrou em vigor em 17 de novembro de 2019 -, doutrina pertinente (Mário Aroso de Almeida, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, maio 2005, pags. 675 e 676), escreveu-se que: “… A audiência prévia deve, portanto, ser convocada com vista à realização de alguma das suas finalidades enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 87º-A do CPTA. O artigo 87º-B prevê uma situação de não realização da audiência prévia e situações de dispensa da audiência prévia (nenhuma destas situações se verifica no caso dos autos). O caso de não realização está previsto no n.º 1 do artigo 87º-B que dispõe que: “a audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória”. Isto porque, nesta circunstância, o debate entre as partes é efectuado na fase dos articulados, em consequência da função que, no artigo 85º-A, é dada à réplica, não se justificando a realização do debate na fase subsequente da audiência prévia. Os casos de dispensa da audiência prévia estão previstos no artigo 87.º-B, n.º 2, do CPTA preceituando que “Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e), e f) do artigo anterior (…).” Regressando ao caso concreto verificamos o seguinte: No caso concreto, o Mmo Juiz a quo proferiu, em 17.01.2018, despacho do seguinte teor: “Compulsados os autos, e bem assim o requerimento da Autora em que indica a matéria a que quer inquirir as testemunhas, verifica-se que: 1. Tal matéria ou é conclusiva ou suscetível apenas de prova documental, e 2. A prova documental existente é suficiente para a solução do litígio, sendo, por conseguinte, desnecessária a produção de prova adicional face à já carreada para c processo pelas partes. Não obstante o atual C.P.T.A., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.1214-G/2015, de 2 outubro, prever que, sempre que o processo permita conhecer imediatamente do mérito da causa, a discussão de facto e de direito deve ser efetuada no âmbito da audiência prévia (artigo 87º-A, n.º1, alínea b), do C.P.T.A.), o que implica, por regra, a marcação de audiência prévia, o mesmo Código permite ao juiz que, através de meios de gestão processual adote a tramitação processual mais conveniente à justa composição do litígio, em prazo razoável, sempre, naturalmente, em respeito dos direito processuais das partes (art.º 7º-A, n.º 1 do C.P.T.A.) Atualmente, este Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga enfrenta diversas contingências a nível de recursos humanos e logísticos (falta de funcionários judiciais em geral, e a circunstância de, em concreto, somente um funcionário se encontrar a assegurar a realização de diligências) as quais, aliadas à circunstância de a juíza titular do processo ter possibilidade de marcação de diligências apenas um dia por semana (conforme provimento da Senhor Juíza Presidente do Tribunal) e ter tomado posse apenas em 09.11.2017 (tendo um enorme volume processual para análise e despacho de imediato),determinam impossibilidade de agendamento, a breve trecho, da audiência que cumpriria determinar. Deste modo, por forma a dar andamento ao processo, ao abrigo dos poderes de gestão processual previstos no artigo 7º-A, n.º 1, do C.P.T.A., determina-se a notificação das partes para, no prazo de 10 (dez) dias, dizerem se se opõem a que as alegações (tendentes à discussão de facto e de direito do mérito da causa – artigo 87º-A, n.º1, alínea b), do C.P.T.A.) sejam apresentadas por escrito, o que tornaria desnecessária a realização de audiência prévia. Findo tal prazo, e caso as partes não se venham opor, desde já se determina a sua notificação para, no prazo de 20 (vinte) dias, querendo, apresentarem por escrito, e de forma simultânea, as suas alegações, após o que, oportunamente, será proferida decisão final conhecendo do mérito da causa.” Anota-se que, nos presentes autos, existe despacho da mesma autoria, datado de 17/3/2017 – fls. 93 do processo físico - reiterado no Despacho de 29/10/2020, aquele com o mesmo teor e que assim também suscitaram recurso jurisdicional que, mais tarde, veio também veio a ser inserto/absorvido no recurso ora em análise/decisão. E continua o TCA, no aresto em causa de 21/5/2021, sendo que continua de todo similar a tramitação de um e outro processo: “O ora Recorrente manifestou discordância com este despacho, e dele interpôs até recurso jurisdicional na parte em que julgou ser desnecessária a prova testemunhal requerida … …Quer no intróito das alegações de recurso, quer no intróito das alegações finais (que, pese embora discordando, apresentou), a Autora começou por fazer constar a sua oposição à não realização da audiência prévia, nos seguintes termos: “Entende a Autora que, pretendendo o tribunal conhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador deveria ter convocado audiência prévia para facultar às partes, através de debate oral, a discussão de facto e de direito (artigo 87º-A, n.º1, al. b)).” Contudo, a audiência prévia não foi realizada e a sentença foi proferida. Nessa sentença, o tribunal conheceu, de facto e de direito, do mérito da causa, pondo fim ao processo. Pese embora à luz do atual CPTA ( art.º 87.º-B, n.º2, na versão conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro) , se preveja expressamente a possibilidade de o juiz do processo dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a facultar às partes a discussão de facto, nas situações em o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, essa possibilidade não existia à luz do CPTA na versão aplicável aos autos. Ora, atento o exposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º-A do CPTA, na versão aplicável ao tempo, a do Decreto-Lei nº 214-G/2105, de 2 de outubro, tencionando a Mmª Juíza a quo conhecer imediatamente do mérito da causa, deveria ter facultado às partes a discussão de facto e de direito através da convocação e da realização da audiência prévia para o efeito. O tribunal a quo não procedeu a essa convocação, nem a audiência prévia se realizou. Todavia, como já escrevemos no acórdão deste TCAN, de 15.11.2019, no processo n.º 00490/17.1BEAVR, em que fomos relatores, da leitura conjugada dos artigos 88º, n.º 1, b) e 87º-B, n.º 2, do CPTA, na versão aplicável ao tempo, não se retira a possibilidade de o juiz dispensar a realização da audiência prévia no caso sub judice, ou seja quando decida conhecer imediatamente do mérito da causa. É que muito embora o artigo 87º- B do CPTA preveja a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se destine ao fim previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 87º-A (ou seja, quando esta se destine a proferir despacho saneador nos termos do n.º 1 do artigo 88º do CPTA) e muito embora, nos termos do n.º1 do artigo 88º do CPTA, o despacho saneador se destine a conhecer das exceções dilatórias e nulidades e a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa (sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de alguns dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória), não se pode concluir, apenas a partir da leitura conjugada destes preceitos, que o juiz possa dispensar a realização da audiência prévia sempre que tencione conhecer no todo ou em parte do mérito da causa. Pelos seguintes motivos: Tal interpretação retiraria sentido útil ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A do CPTA que prevê a realização da audiência prévia para que seja facultada às partes a discussão e facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, preceito que tem completa autonomia relativamente ao disposto no nº 2 do artigo 87º-B, que não prevê, entre os casos de dispensa da audiência prévia, a situação prevista naquela alínea b); - Tal interpretação é contrária à letra do n.º 2 do artigo 87º-B do CPTA cuja previsão expressamente refere: “Nas ações que hajam de prosseguir…”, o que não é o caso da ação que vai findar no despacho saneador por o juiz aí conhecer do mérito da - Tal interpretação não se compagina com a intenção do legislador que foi a de, através da realização da audiência prévia, assegurar o contraditório às partes quando possa ser proferida decisão de mérito no despacho saneador. Da conjugação do disposto no nº 2 do artigo 87º-B com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A, resulta que a possibilidade de dispensa da audiência prévia nos casos em que esta tenha como finalidade proferir despacho saneador se cinge aos casos em que este se destine a apreciar nulidades ou exceções dilatórias relativamente às quais não seja claro que devam proceder (pois se tal for claro, é a própria lei que impõe a sua não realização – cfr. n.º 1 do artigo 87º-B). Neste sentido se decidiu no acórdão do STA, de 18.09.2019, no processo 42/19.2 BELSB, onde se pode ler o seguinte: “Não obstante se admita que estes preceitos relativos à fase de saneamento [artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA] não são totalmente esclarecedores, entendemos, com base na leitura conjugada que deles fazemos, que, no caso dos autos, o julgador, findos os articulados, podia confrontar-se com 3 situações: 1) Na eventualidade de ser “claro que o processo deve findar no despacho saneador pela precedência de excepção dilatória”, a “audiência prévia não se realiza” (cfr. art. 87.º-B, n.º 1, do CPTA); 2) Na eventualidade de se entender dever conhecer total ou parcialmente do mérito da causa no despacho saneador (saneador-sentença), deve haver lugar à audiência prévia (cfr. art. 87.º-A, n.º 1, al. b), do CPTA: “Facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”). Confronte-se, a este propósito, o distinto regime do CPC - artigo 591.º, n.º 1, al. b): “Facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”. 3) Na eventualidade de se revelar necessário proferir despacho saneador para conhecer, apenas, de qualquer questão que obste ao conhecimento do processo, poderá ser dispensada a realização da audiência prévia (cfr. art. 87.º-B, n.º 2, do CPTA).” Também no sentido ora propugnado se decidiu no acórdão do TCAS de 12.09.2019, proferido no processo nº 1780/14.1 BESNT, onde se pode ler o seguinte: “No presente caso, com a decisão recorrida, o processo findava com o conhecimento imediato do mérito da causa, pelo que, à luz dos citados normativos, não podia ter sido dispensada a audiência prévia. Não se trata de um caso de “não realização da audiência prévia”, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 1 do CPTA, nem tão pouco a audiência prévia podia ser dispensada, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA, já que a mesma não se destinaria apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA, mas antes a facultar às partes a discussão nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA. “ Assim, o que se verifica nos presentes autos é que, por omissão da convocação e da realização da diligência processual da audiência prévia, não foi facultada à Autora, ora Recorrente, a possibilidade de discutir de facto e de direito a matéria dos autos sobre a qual o juiz se preparava para conhecer de mérito. Por não ter sido realizada a audiência prévia, foi cerceada à Autora a oportunidade: de explicar ao tribunal a quo por que motivo entendia que havia matéria de facto controvertida; de concretizar os factos necessitados de prova e de indicar os meios de prova que, no seu entender, deveriam ser levados a cabo. E pelo mesmo motivo, o tribunal a quo não ponderou estas questões, nem emitiu decisão fundamentada sobre as mesmas. Temos de conceder razão à Autora quando afirma que o tribunal não se pronunciou capazmente sobre a prova requerida. Veja-se, a título de exemplo, o que verte o despacho de 17.01.2018: “Compulsados os autos, e bem assim o requerimento da Autora em que indica a matéria a que quer inquirir as testemunhas, verifica-se que: 1. Tal matéria ou é conclusiva ou suscetível apenas de prova documental, e 2. A prova documental existente é suficiente para a solução do litígio, sendo, por conseguinte, desnecessária a produção de prova adicional face à já carreada para o processo pelas partes. E o que verte o seguinte excerto da sentença: “Deve contudo, salientar-se que o erro nos pressupostos de facto, anda que tenha ocorrido, não se pode aqui conhecer, por ausência de prova da autora nesse domínio. Para que se pudesse julgar, neste ponto, que não havia empresas parceiras ou associadas, não obstante a omissão por parte do Réu, impunha-se que a Autora juntasse prova documental suficiente que permitisse aferir da sua invocada autonomia”. Ora, se no despacho de 17.01.2018, se refere não haver necessidade de prova adicional, mal se compreende esta afirmação contida na sentença, no sentido de que se impunha que a Autora juntasse prova documental suficiente. Contudo, não cabe nesta fase a este tribunal ad quem pronunciar-se sobre os factos necessitados de prova nem sobre a prova a fazer. Pois a Autora pede expressamente no recurso a realização da audiência prévia, lugar onde essa análise deve ser feita em primeira linha (limitando-se a Autora, no recurso a tecer genericamente as razões pelas quais entende que há factos necessitados de prova e de determinado tipo de prova, sem se deter na concretização daqueles ou desta e na relação entre aqueles e esta). Por não ter sido realizada a audiência prévia, foi também cerceada ainda à Autora a possibilidade de se pronunciar sobre a solução jurídica da causa. O CPTA, na versão do Decreto-Lei nº 214-G/2105, de 2 de outubro, pretendeu, como vimos uma discussão oral entre as partes e o tribunal (e não por escrito) dos aspectos factos e jurídicos da causa, ou seja, com imediatismo e contraditório direto entre os intervenientes. Se a lei prevê a audiência prévia (de resto, em termos obrigatórios, como vimos, ou seja, sem possibilidade de dispensa no caso) era este formalismo processual que devia ter sido seguido e não o das alegações finais. Por isso, a substituição da audiência prévia pelas alegações finais, decidida pelo despacho de 17.01.2018 ao abrigo do dever de gestão processual, não pode operar. Pois o dever de gestão processual não pode redundar na prática de atos contra legem, (designadamente omitindo a tramitação legal prevista e substituindo-a por outra). Aliás, a Autora manifestou a sua expressa discordância com a supressão da audiência prévia, como vimos. O Tribunal a quo omitiu a tramitação legal prevista que contempla a realização da audiência prévia, não sendo possível formular um juízo de que a omissão dessa audiência não tivesse influído no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa. Ocorre, assim, nulidade processual, por ter sido omitido ato processual (a realização da audiência prévia), e por tal omissão influir no exame e decisão da causa (cfr. artigo 195º do CPC), determinante da anulação do despacho de 17.01.2018 e dos atos posteriores do processo, incluindo a sentença. Tenha-se presente que, fora das situações enunciadas nos artigos 186º a 195º do CPC “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. É com este enquadramento que deve ser atendida a invocação do Recorrente. Consequentemente, deve ser anulado o despacho de 17.01.2018, bem como os atos posteriores do processo, incluindo a sentença, ordenando-se a baixa dos autos de modo a sanar-se a nulidade processual, convocando-se e realizando-se a audiência prévia, com o normal prosseguimento da causa. Termos em que fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso. VI – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, em anular o despacho de 17.01.2018, bem como os atos posteriores do processo, incluindo a sentença, e, em consequência, em ordenar a baixa dos autos para que seja convocada e realizada audiência prévia e ulteriores trâmites, se nada mais obstar”. III DECISÃO Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em: - conceder provimento ao recurso; - revogar os despachos de 17/3/2017 e 29/10/2020, ulteriores termos processuais, incluindo a sentença recorrida; e assim, - ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí ser realizada a omitida audiência prévia, com subsequente tramitação, se entretanto a tal nada mais obstar. * Sem custas, nesta instância Tendo em consideração que, nesta sede recursiva, o R/Recorrido IFAP,IP não apresentou contra alegações.. * Notifique-se. DN. Porto, 28 de Janeiro de 2022 Antero Salvador Helena Ribeiro Nuno Coutinho ___________________________________________ i) Notamos que esta data se mostra incorrecta, na medida em que, nestes autos, este Despacho data de 17/3/2017 - cfr. fls. 93 do processo físico - e não de 28/2/2018, diferentemente do que se passa no Proc. 916/17.2BEBRG, similar a este. ii) Cuja transcrição, por razões de melhor evidência, se efectiva em letra menor. iii) Anota-se que, nos presentes autos, existe despacho da mesma autoria, datado de 17/3/2017 – fls. 93 do processo físico - reiterado no Despacho de 29/10/2020, aquele com o mesmo teor e que assim também suscitaram recurso jurisdicional que, mais tarde, veio também veio a ser inserto/absorvido no recurso ora em análise/decisão. iv) Tendo em consideração que, nesta sede recursiva, o R/Recorrido IFAP,IP não apresentou contra alegações. |