Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02279/22.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES;
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA OU ADMINISTRATIVA;
ERRO GROSSEIRO; PROVA PERICIAL;
Sumário:1. O tribunal, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 3º da Constituição da República Portuguesa, não podem constituir-se em segunda instância administrativa, procedendo ao reexame da relação jurídica litigiosa, como se não tivesse sido praticado qualquer acto administrativo quando este foi praticado.

2. Menos ainda pode fazer um exame mais exigente do que aquele que foi feito pela Administração, como seja através de prova pericial.

3. Ainda que tal não constituísse uma violação do princípio da separação de poderes, e constitui, sempre haveria uma impossibilidade prática de colocar os tribunais na situação de segunda instância administrativa: a falta de meios técnicos e humanos para o efeito.

4. Faz por isso sentido que a apreciação da validade do acto se restrinja, quanto aos momentos de discricionariedade técnica ou administrativa, aos casos de erro palmar ou evidente ou de desvio de poder no acto administrativo praticado.

5. Até porque sobre a Administração impende, em primeira linha, o respeito pela legalidade, nas áreas da sua actuação – n.ºs 1 e 2, do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

6. Assim sendo, não faz sentido, neste campo, fazer apelo à prova pericial. O erro palmar ou evidente é aquele que se pode captar pelo simples senso comum, como evidência. Sendo preciso perícia técnica para se concluir pelo erro, este já não é evidente, grosseiro.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...], L.da e [SCom04...] S.A., vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 30.01.2023, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra a [SCom02...], E.I.M., S.A., para anulação do acto de adjudicação do concurso internacional “aquisição de equipamentos e software para a recolha de biorresíduos para implementação do projeto BIO-APIN” à Contra-Interessada [SCom03...], S.A. e para a prática do acto de adjudicação do concurso em apreço em nome das Autoras.

Invocaram para tanto, em síntese, que a sentença recorrida violou, pelo menos, o disposto no artigo 1º-A do Código de Contratos Públicos e bem assim o artigo 21º do programa do procedimento, dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto em apreço.

A [SCom02...] veio contra-alegar, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

C) Das Conclusões

I) Não obstante em sede de Petição Inicial apresentada as aqui Recorrentes defenderem, por um lado, a exclusão da proposta da Contrainteressada e, a nível subsidiário, a existência de uma deficiente avaliação e graduação das propostas, o presente recurso incidirá apenas em aspetos específicos da avaliação e graduação das propostas, por se aceitar e compreender a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal recorrido para a não determinação da exclusão da proposta da aqui Contrainteressada;

II) Percebendo-se os limites à atuação e fiscalização dos tribunais relativamente aos poderes de carácter discricionário que sobre a administração recaem, não se poderá entender que os Tribunais, que em última análise devem funcionar como os derradeiros garantes dos princípios que devem nortear a atuação da administração (especialmente quando em causa estão concursos públicos que exigem especiais cuidados de vinculação a princípios de transparência, imparcialidade, igualdade e legalidade), se coloquem voluntaria e propositadamente à margem de qualquer reflexão crítica e se recusem a analisar devidamente a atuação da administração, mesmo quando a mesma se encontra investida de poderes discricionários;

III) “há outra razão definitiva para que o Direito Administrativo utilize energicamente a técnica dos princípios gerais de Direito, que é a insuficiência da submissão da Administração a uma simples legalidade formal”, de modo a submeter toda a atividade administrativa ao mundo da juridicidade e para que, estando “a posição jurídica da Administração (...) em boa parte construída sobre o chamado poder discricionário, que supõe em alguma medida uma liberdade face à lei. Também o sistema dos princípios gerais se mostrar inevitável para que essa liberdade não se traduza em arbitrariedade pura e simples”, como assinalam Garcia de Enterria e Ramon Fernandez (“Reflexiones sobre la Ley y los Princípios Generales del Derecho”), apud Maria Teresa de Melo Ribeiro, obra cit., pp. 90-91;

IV) A legalidade do procedimento pré-contratual prende-se diretamente com os termos como as propostas apresentadas ao concurso irão ser admitidas, avaliadas e classificadas e, consequentemente, com a escolha da melhor proposta;

V) Não se pode tolerar num sistema jurídico submetido à legalidade administrativa, procedimentos como o que foi desenvolvido pela entidade adjudicante no caso vertente, nomeadamente ao nível da valoração e graduação das propostas apresentadas, pois isso traduzir-se-ia em consentir práticas e atuações totalmente ao arrepio dos mais elementares princípios jurídicos fundamentais administrativos, com consagração constitucional;

VI) No caso vertente, princípios essenciais foram manifestamente postergados, esquecidos e irremediavelmente violados, sendo o acto final de adjudicação ora impugnado o culminar de todo este processo inapelavelmente inquinado, e, nessa medida, não pode o Tribunal recorrido “lavar as mãos como Pilatos” (como acabou por fazer), argumentando que estamos perante situações ao abrigo da discricionariedade técnica da administração, eximindo-se de fazer um juízo crítico sobre a avaliação e graduação das propostas;

VII)No caso vertente a entidade adjudicante definiu como fatores de avaliação um fator inteiramente objetivo (fator preço) e um fator eminentemente subjetivo (qualidade técnica da proposta), sobretudo tendo em conta a matriz de avaliação constante do Anexo II ao programa do concurso (pontos 2 e 3 dos factos provados) a qual integraria dois Subfatores de avaliação: “Equipamentos Técnicos” e “Metodologia de Trabalho para a execução do trabalho e tratamento de dados”;

VIII) No que diz respeito ao fator de avaliação de cariz objetivo, o preço, a proposta das aqui Recorrentes é substancialmente melhor e mais vantajosa, pois as mesmas apresentaram um preço de € 398.526,30 ao passo que a aqui Contrainteressada apresentou um preço de € 428.810,47, o que corresponde a uma diferença entre propostas de € 30.284,17, pelo que apenas uma substancial diferença de avaliação ao nível do fator de avaliação de cariz subjetivo em benefício da Contrainteressada é que poderia fazer com que a mesma saísse vencedora do concurso público em análise;

IX) É precisamente neste tipo de contexto (em que se promove a escolha de uma proposta financeiramente mais onerosa) que se exige uma maior transparência e imparcialidade ao nível da atuação da administração e, subsequentemente, um maior controlo de tal atuação por parte dos tribunais quando chamados a debruçar-se sobre a mesma, algo que o Tribunal recorrido não fez;

X) A proposta da Contrainteressada, no que respeita ao Subfator de avaliação “Equipamentos Técnicos”, obteve a pontuação máxima possível, pelo que entendeu a Ré que os equipamentos técnicos que a Contrainteressada pretende afectar à prestação de serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos, avaliação essa que não pode deixar de ser entendida como um erro grosseiro ou manifesto e, nessa medida, deveria ter sido sindicada e alterada pelo Tribunal;

XI) A proposta da Contrainteressada, ao nível dos equipamentos técnicos, prevê a disponibilização de "serviços de Cloud para alojamento da solução", quando, ao nível do Caderno de Encargos, mais concretamente na cláusula 34ª, nº. 2 do mesmo, se encontra estabelecido que "a solução informática seja preferencialmente, on-premise, para a gestão de dados no âmbito da recolha dos biorresíduos", pelo que a mesma não se encontra alinhada com o que é exposto e desejado ao nível do Caderno de Encargos, sendo que essa não convergência não poderá, de forma alguma, ser considerada como despicienda e sem qualquer efeito prático;

XII) Não se poderá aceitar que se interprete a formulação da cláusula em causa como se nenhuma referência tivesse sido feita a aquilo que a entidade administrativa pretendia ao nível da solução informática a apresentar pelas concorrentes, como se aquilo que se encontra escrito ao nível da cláusula em causa e que outras concorrentes, nomeadamente as aqui Recorrentes, se esforçaram por cumprir, na verdade não viesse escrito em lado nenhum;

XIII) Nenhum dos três argumentos apresentados ao nível da douta decisão recorrida para sustentar a decisão de não intervenção no que a este aspeto da valoração da proposta da Contrainteressada se mostra sustentável ou, sequer, compreensível;

XIV) A solução apresentada pela Contrainteressada é absolutamente antagónica (é mesmo diametralmente oposta) àquela que foi defendida como sendo preferencial por parte da entidade adjudicante, sendo que numa solução “on-premise” é feita a instalação de todos os componentes do software de gestão nos servidores da Ré, o que permite, por exemplo, que questões relacionadas com a privacidade dos dados da Ré sejam mitigadas pois o software estará apenas acessível dentro da rede da Ré, enquanto que na solução “Cloud” apresentada pela Contrainteressada a instalação de todos os componentes do software de gestão é feita em serviços cloud, ou seja numa infra-estrutura gerida por terceiros, com as limitações de privacidade de dados que isso comporta;

XV) A avaliação do referido subfactor nos termos em que foi feita, por não ter tido minimamente em consideração o requisito estabelecido ao nível da cláusula 34ª, nº. 2 do Caderno de Encargos, constitui evidente e grosseiro erro de avaliação ao qual o Tribunal não pode ficar indiferente, ainda para mais quando o mesmo é absolutamente determinante para que saia vencedora uma proposta que, ao nível do fator preço, é objetiva e significantemente mais onerosa;

XVI) Admitindo-se ao nível do Relatório Final apresentado que a entidade adjudicante tinha preferência por uma solução on-premisse e não tendo a Contrainteressada cumprido com tal preferência ao nível dos Equipamentos Técnicos por si propostos, não se poderá conceber que a sua proposta não saia minimamente penalizada em sede de pontuação no que a este subfactor de avaliação diz respeito, pelo que, e no mínimo, deveria considerar-se, ao nível do subfactor de avaliação “Equipamentos Técnicos”, que a proposta da Contrainteressada se limitava a satisfazer (e não a satisfazer plenamente) face aos trabalhos previstos, exigindo-se, assim, a reavaliação da proposta da Contrainteressada no que a este subfactor diz respeito, por se verificar a existência de um erro grosseiro ou manifesto ao nível da avaliação da sua proposta;

XVII) Ainda no que a este subfactor de avaliação diz respeito (“Equipamentos Técnicos”), mas agora tendo em conta a proposta apresentada pelas aqui Recorrentes, a avaliação que foi feita da mesma padece, igualmente, de evidente e inexplicável erro grosseiro, isto porque analisando os documentos integrantes da proposta das Autoras "Ficha Técnica - Balde 7 litros(assinado)", "Ficha Técnica - Contentores Polietileno 140Lts(assinado)", "Ficha Técnica - Contentores Polietileno 360Lts(assinado)", "Memória Descritiva contentor 7lt(assinado)", "Memória Descritiva contentor 140lt_Castanho(assinado)", "Memória Descritiva contentor 360lt(assinado)" e "Memória Descritiva ecoboxe (assinado)", é absolutamente indiscutível que a mesma apresenta e cumpre com todas as condições e especificações técnicas exigidas no “ponto 2 - Cláusulas Especiais | Especificações Técnicas”;

XVIII) Nem a entidade adjudicante (aqui Ré) ao nível dos Relatórios Preliminar e Final apresentados, nem tão pouco o Tribunal recorrido ao nível da douta sentença proferida, indicam qualquer razão justificante, qualquer especificação técnica não preenchida pela proposta das aqui Recorrentes, que justificasse a não atribuição da pontuação máxima no que a este subfactor diz respeito;

XIX) A proposta das Recorrentes teve em consideração os contentores de proximidade (Ecoboxes), os baldes e os contentores de 140L, tudo de acordo com a cláusula 32.9 do caderno de encargos e ainda dá resposta ao disposto na cláusula 349, nº. 2 do Caderno de Encargos (algo que a proposta da Contrainteressada não faz) e não consegue obter a pontuação máxima no que ao referido subfactor de avaliação diz respeito, não sendo apresentada absolutamente nenhuma justificação/fundamentação para o efeito;

XX) Não se pode aceitar a fundamentação constante da douta decisão recorrida para validar a decisão da entidade adjudicante no que diz respeito à valoração atribuída à proposta das Recorrentes no que a este subfactor de avaliação diz respeito, fundamentação essa no sentido de inexistência de prova no processo que permita concluir pela existência de erro grosseiro e evidente da avaliação feita pela entidade adjudicante quando foi o próprio Tribunal recorrido quem impediu que tal prova fosse carreada para o processo ao indeferir a produção de prova pericial solicitada pelas Recorrentes com o argumento de que já possuia todos os elementos necessários para proferir uma decisão definitiva sob os diversos pontos que lhe foram colocados a apreciação;

XXI) Não podem as Recorrentes ser prejudicadas, por suposta insuficiência de elementos probatórios para o efeito, quando foi o próprio Tribunal quem impediu que fosse produzida prova nesse sentido;

XXII) Os elementos documentais constantes do processo e atinentes à proposta das Recorrentes (nomeadamente "Ficha Técnica - Balde 7 litros(assinado)", "Ficha Técnica - Contentores Polietileno 140Lts(assinado)", "Ficha Técnica - Contentores Polietileno 360Lts(assinado)", "Memória Descritiva contentor 7lt(assinado)", "Memória Descritiva contentor 140lt_Castanho(assinado)", "Memória Descritiva contentor 360lt(assinado)" e "Memória Descritiva ecoboxe (assinado)), permitem concluir pela existência de erro grosseiro ou manifesto na avaliação da proposta das Recorrentes no que ao Subfator de avaliação “Equipamentos Técnicos” diz respeito, exigindo-se que a avaliação passe a ser no sentido de que “Os equipamentos técnicos que o concorrente pretende afetar à prestação de serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos";

XXIII) Caso se entenda (como resulta da douta sentença recorrida) que não existem elementos de prova no processo suficientes que permitam retirar tal conclusão, nunca deveria ter sido proferido o saneador-sentença ora em reapreciação e ao invés deveria ter sido determinada a produção da prova pericial solicitada pelas Recorrentes na sua Petição Inicial, pelo que, em última análise, deverão os presentes autos baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a fim de ser determinada a produção de tal prova pericial, a qual se mostra adequada a esclarecer todos os erros grosseiros de avaliação sustentados nas presentes alegações de recurso;

XXIV) A avaliação desenvolvida pela Ré na vertente técnica das propostas apresentadas por Recorrentes e Contrainteressada (que permitiu tornar vencedora uma proposta significativamente mais onerosa em detrimento de uma menos onerosa) levanta evidentes questões que colocam em causa a transparência do concurso público ora em causa, sendo que o Tribunal recorrido, ao demitir-se da sua função fiscalizadora da atuação administrativa da Ré, ainda que no âmbito dos poderes discricionários que lhe foram atribuídos, e ao impedir a produção de prova potencialmente esclarecedora dessa opacidade, não está a cumprir cabalmente com a função de administração da justiça e de defesa dos direitos, liberdades e garantias daqueles que à justiça recorrem, o que importa corrigir;

XXV) O Tribunal recorrido, com a douta sentença pelo mesmo proferida, andou manifestamente mal e, com tal decisão, violou, pelo menos, o disposto no artigo 1º-A do CCP e bem assim o art. 21º do programa do procedimento, dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto em apreço.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as conclusões acabadas de alinhar e com todas as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Ex.ªs, como se impõe, a esperada JUSTIÇA!


*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) Através do anúncio de procedimento n.º ...22, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 131, de 08/07/2022, e no Jornal Oficial da União Europeia n.º 2022/S 133-378593, de 13/07/2022, foi publicitada a abertura do concurso público internacional CPI/03/2022, lançado pela R., para celebração de contrato para “Aquisição de equipamentos e software para a recolha de Biorresíduos para implementação do projeto BIO-APIN”, pelo preço base de € 476.100,00, sendo o critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, com uma ponderação de 50% no fator “Preço Global” e de 50% no fator “Qualidade Técnica da proposta” (cfr. docs. constantes do processo administrativo – fls. 181 a 188 do suporte eletrónico do processo).

2) Do Programa do Concurso constam, além do mais, os seguintes artigos:

“9 - Documentos que constituem as propostas
9.1 As propostas são constituídas pelos seguintes documentos:
a. Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), devendo seguir as indicações seguintes:
i) “Sou um operador económico”;
ii) “Importar um DEUCP”;
iii) Carregar documento – selecionar o ficheiro disponibilizado pela entidade adjudicante na plataforma eletrónica;
iv) Selecionar o país do concorrente;
v)Preencher os campos relativos ao procedimento;
vi) No final, guardar o ficheiro em formato .pdf, assiná-lo eletronicamente com assinatura digital qualificada, e submetê-lo juntamente com a proposta.
(...)
c. Memória descritiva e justificativa que deverá incluir, pelo menos os seguintes pontos:
c1) Documento descritivo da metodologia de trabalho, tarefas a desenvolver, modo de organização e prazos para o cumprimento do previsto no Caderno de Encargos;
c2) Descrição e apresentação das características, dimensões e modo operandus dos diferentes equipamentos, nomeadamente, contentores de proximidade (Ecoboxes), baldes e contentores de 140L, de acordo com a Cláusula 32.ª do Caderno de Encargos;
c3) Descrição da conceção, desenvolvimento, implementação e análise de dados do software de controlo de acesso a instalar nos contentores de proximidade (Ecoboxes), que o concorrente se propõe a adotar.
(...)
g. Documentos que em função do objeto do procedimento contenham os atributos da proposta e de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
(...)
j. Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis ao esclarecimento dos atributos da sua proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar, para efeitos do disposto na parte final da alínea b), do n.º 1 do artigo 57.º, do CCP.
(...)
19 - Análise das propostas
a. As propostas são analisadas em todos os seus atributos, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos.
b. São excluídas as propostas relativamente às quais se verifique qualquer uma das hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 70.º ou no n.º 2 do artigo 146.º, ambos do Código dos Contratos Públicos.
(...)
21 - Critério de Adjudicação
a. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, determinada pela modalidade de multifator, densificado pelo conjunto de fatores de avaliação e respetivas ponderações, avaliados de acordo com a metodologia apresentada no Anexo II do presente programa:
A. Preço Global ..................................... 50%
B. Qualidade técnica da proposta ……. 50%”

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 191 a 218 do processo eletrónico).

3) Do Anexo II do Programa do Concurso, referente ao “Modelo de avaliação das propostas”, consta, além do mais, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 191 a 218 do processo eletrónico).

4) Das “Cláusulas Gerais” e das “Cláusulas Especiais – Especificações Técnicas” do Caderno de Encargos consta, além do mais, o seguinte:

“Cláusula 5.° – Obrigações do adjudicatário
1 - Sem prejuízo das obrigações constantes no capítulo V – Aquisição de Serviços, do Título II - Contratos Administrativos em Especial, da Parte III – Regime Substantivo dos Contratos Administrativos, do C.C.P., o prestador de serviços compromete-se a dar atendimento adequado à satisfação das necessidades do adjudicante, no que diz respeito à prestação de todos os serviços que se encontram no âmbito deste procedimento:
(...)
d) Disponibilizar o número suficiente de meios humanos com qualificação técnica adequada, de forma a garantir uma correta articulação entre os prestadores de serviços e os representantes da [SCom02...];
e) Encargo de o adjudicatário disponibilizar um elemento da equipa, para acompanhamento e apoio na instalação dos equipamentos e software de gestão de dados, com permanência in situ, de 72 horas/dia, aos elementos a designar pela entidade adjudicante. (...)
(...)
Nas presentes cláusulas especiais, parte integrante do Caderno de Encargos, densificam-se as condições e especificações técnicas a que deve obedecer, sob pena de exclusão das propostas, o fornecimento dos bens e serviços objeto do presente procedimento.
(...)
Cláusula 30.° – Características técnicas
(...)
d) Sistema de controlo de acesso às Ecoboxes e software de gestão
ü Sistema de controlo de acesso para abertura de tampa dos contentores e registo de dados. O sistema deve ser capaz de identificar utilizadores, transferindo os dados para o software de gestão. O software de suporte ao sistema deverá ser baseado em web que monitoriza a comunicação de dados, completa e regista todas as incidências relacionadas com a contentorização.
(...)
Cláusula 32.ª – Quantidades previstas
(...)
b) O prestador de serviços fica ainda obrigado a recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação de serviços, bem como ao estabelecimento de um sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo;
(...)
Cláusula 34.ª – Solução informática e Tratamento de dados
1 - A solução informática a conceber e a implementar pelo adjudicatário, de acordo com as descrições na Cláusula 30.º - Características Técnicas, deverá contemplar o tratamento de dados recolhidos.
2 - Pretende-se que a solução informática seja preferencialmente, on-premise, para a gestão de dados no âmbito da recolha dos biorresíduos, a qual deve assegurar os seguintes pontos:
a) Compilação dos dados de cada um dos 280 contentores de proximidade (Ecoboxes) com sistema de controlo de acesso;
b) Compilação dos dados das 9 152 chaves de acesso, de acordo com a Cláusula 30.º;
c) Compilação dos dados obtidos pelos circuitos efetuados no decorrer do processo de recolha dos resíduos orgânicos”

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 219 a 247 do processo eletrónico).

5) No âmbito do referido concurso, apresentaram propostas as AA., em regime de consórcio, pelo preço de € 398.526,30, a contrainteressada [SCom03...], S.A., pelo preço de € 428.810,47, e a concorrente [SCom05...], pelo preço de € 409.907,50 (cfr. docs. constantes do processo administrativo – fls. 248 a 637 do processo eletrónico).

6) Do documento intitulado “Anexo I – Declaração” que integra a proposta da contrainteressada [SCom03...], nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 57.º do CCP, consta o seguinte:

“1 – [SCom03...], S.A. (...), tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de Concurso Público Internacional com a referência ...22 (...), declara, sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas.
2 – Declara também que executa o referido contrato nos termos previstos nos seguintes documentos, que junta em anexo:
(...)
d. DEUCP – [SCom03...] – Formatos PDF e xmi;
(...)
DEUCP – [SCom06...] – Formatos PDF e xmi;
Declaração de Recurso a Terceiros [SCom03...] – [SCom06...];
(...)
5 – O declarante tem pleno conhecimento de que a prestação de falsas declarações implica, consoante o caso, a exclusão da proposta apresentada ou a caducidade da adjudicação que eventualmente sobre ela recaia e constitui contraordenação muito grave (...)”

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico).

7) No “Documento Europeu Único de Contratação Pública” (DEUCP) que integra a proposta da contrainteressada [SCom03...] e relativo à própria concorrente, foi assinalada a resposta “Não” à seguinte pergunta: “O operador económico tem a intenção de subcontratar alguma parte do contrato a terceiros?” (cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico).

8) A proposta da contrainteressada [SCom03...] é integrada por um documento intitulado “Declaração – Recurso a Terceiros para preenchimento dos requisitos de Capacidade Técnica ou Habilitação para execução de parte das prestações objeto do contrato a celebrar”, do qual consta o seguinte:

“A [SCom03...] S.A. (...) e «AA» (...), na qualidade de representante legal da [SCom06...], Unipessoal, Lda. (...)
Declaram, sob compromisso de honra e incondicionalmente, o seguinte: O Concorrente compromete-se a atribuir à Entidade Terceira a execução das prestações objeto do Contrato que eventualmente venha a ser celebrado referente aos requisitos mínimos de capacidade técnica infra indicados:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
A Entidade Terceira compromete-se por sua vez a aceitar e a executar as prestações objeto do Contrato que eventualmente venha a ser celebrado entre as Entidades Adjudicantes e o Concorrente referentes aos requisitos mínimos de capacidade técnica, supra indicados

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico).

9) Do documento “C1) Documento descritivo da metodologia de trabalho” que integra a proposta da contrainteressada [SCom03...] consta, além do mais, o seguinte:

“Cronograma
1. Documento descritivo da metodologia de trabalho, tarefas a desenvolver, modo de organização e prazos para o cumprimento do previsto no Caderno de Encargos
A execução dos trabalhos cumpre a cláusula 3.ª do Caderno de Encargos.
Os trabalhos serão realizados por pessoal com experiência, utilizando os meios e materiais adequados para o tipo de intervenção.
Será designado um gestor de projeto, com a função de acompanhar permanentemente a execução deste projeto. (...)”

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico).

10) A proposta da contrainteressada [SCom03...] é integrada por um documento intitulado “G e J) Proposta”, do qual consta o seguinte:

“Aceitação do Caderno de Encargos
A [SCom03...], S.A., concorrente ao presente procedimento, aceita, sem reservas, todo o conteúdo do Caderno de Encargos, pelo que deve considerar-se como não escrito qualquer conteúdo desta Proposta relativamente a quaisquer aspetos não submetidos a concorrência pelo Caderno de Encargos e que, inserido por lapso, possa ser interpretado como contraditório com este.
(...)
3. Soluções e Equipamentos
3.1. Descrição da Solução
(...)
· Fornecimento de um Sistema de controlo de acesso às Ecoboxes e software de gestão
o Sistema de controlo de acesso para abertura de tampa dos contentores e registo de dados. O sistema é capaz de identificar utilizadores, transferindo os dados para o software de gestão. O software de suporte ao sistema é baseado em web que monitoriza a comunicação de dados, completa e regista todas as incidências relacionadas com a contentorização.
· Chips RFID
o Os chips de identificação, por leitura sem contacto, 32 unidades por cada contentor de proximidade (Ecoboxes), no total de 9.152 chaves de acesso, respeitam as seguintes especificações:
§ Revestir proteção IP67 (ou equivalente);
§ Revestir uma natureza passiva;
§ Protocolo de comunicação compatível com os requisitos funcionais, de acordo com a Cláusula 34.ª;
Será disponibilizado serviços de Cloud para alojamento da solução. Os serviços de hosting encontram-se em território nacional.
A Solução Cloud e Data Center irá assegurar:
· Serviço Cloud laaS – Servidores Virtuais Privados para alojamento da aplicação;
· Serviço Firewall Data Center Contexto Dedicado para garantir a segurança do alojamento;
· Serviço de Backup Centralizado para salvaguarda da informação;
· Serviços de Monitorização e Reporting 24*7 para controle e reporting da performance da infraestrutura.
· Serviços de Administração de Sistemas e Plataformas 24*7 para assegurar a operação e updates do SO.
(...)
4. Gestão do Projeto
4.1. Plano de Trabalhos
A execução dos trabalhos cumpre a cláusula 3.º do Caderno de Encargos.
Os trabalhos serão realizados por pessoal com experiência, utilizando os meios e materiais adequados para o tipo de intervenção.
Será designado um gestor de projeto, com a função de acompanhar permanentemente a execução deste projeto.
(...)
6. Condições Gerais de Fornecimento
(...)
6.2. Garantia Técnica
Prazo de entrega do contrato está conforme definido na cláusula 8.º do Caderno de Encargos”

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico).

11) A proposta da contrainteressada [SCom03...] é integrada por um documento intitulado “C3) Descrição da conceção desenvolvimento implementação do software”, onde vêm descritas as características e funcionalidades da “plataforma WEB de gestão” e do “controlo de acesso” (cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 248 a 415 do processo eletrónico – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

12) A proposta das AA. é integrada por um documento intitulado “Memória Descritiva”, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Software de Gestão
O Smart Waste é um sistema de software de apoio à gestão e operação da recolha de resíduos. Baseado numa solução web, alojada na nuvem, o sistema tem um design apelativo e responsivo (...).
Portal de Gestão
O portal de gestão permite visualizar informação sobre o estado atual de todo o sistema e retirar diferentes indicadores de histórico. Esta solução será on-premise, assegurando a:
· Compilação dos dados de cada um dos 286 contentores de proximidade (Ecoboxes) com sistema de controlo de acesso;
· Compilação dos dados das 9152 chaves de acesso;
· Compilação dos dados obtidos pelos circuitos efetuados no decorrer do processo de recolha dos resíduos orgânicos.
(...)
Alojamento
(...)
Para a instalação deste sistema serão utilizadas máquinas de uma infraestrutura on-premise, tal como narra a Cláusula 34.ª do Caderno de Encargos. Assim, as máquinas serão preparadas com os requisitos necessários para correr a solução aqui apresentada, nomeadamente instalando o Docker e todos os restantes componentes da solução com esta ferramenta (recorrendo ao docker-compose para gestão operacional).
(...)
Equipa Técnica
De acordo com uma extensa análise dos requisitos elencados no Caderno de Encargos, a equipa proposta irá contar com 10 elementos com os seguintes perfis: (...)
(...)
Garantia, manutenção e condições de assistência técnica
Garantia
De acordo com a cláusula 8.ª do Caderno de Encargos, a garantia dos bens objeto do contrato será de 12 meses para o software e hardware e de 3 anos para os logotipos nos diversos equipamentos, a contar da data da assinatura do auto de receção, contra quaisquer defeitos de fabrico e funcionamento ou discrepâncias com as exigências legais (...).
Serviços de manutenção e suporte
De forma a assegurar o correto funcionamento das soluções a desenvolver, de acordo com as especificações acordadas com a entidade adjudicante, a [SCom01...] e a [SCom04...] disponibilizarão serviços de manutenção e suporte.
Este apoio técnico traduzir-se-á na substituição de equipamentos em caso de avaria, por outros compatíveis, bem como assistência técnica, através de manutenção à componente tecnológica do sistema, sempre que se venham a revelar necessárias (...).

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 418 a 631 do processo eletrónico).

13) Em 01/09/2022 o júri do concurso elaborou o relatório preliminar, do qual consta a proposta de adjudicação à contrainteressada [SCom03...], nos termos seguintes:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 641 a 646 do processo eletrónico).

14) Em 08/09/2022 as AA. exerceram o direito de audiência prévia relativamente às conclusões do relatório preliminar do júri que antecede, pedindo, a final, que a proposta da contrainteressada [SCom03...], graduada em primeiro lugar, fosse excluída ou, caso assim não se entendesse, que as propostas fossem reavaliadas (cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 653 a 659 do processo eletrónico).

15) Em 07/10/2022 o júri elaborou o relatório final, do qual consta, após apreciação da pronúncia das AA., a manutenção da proposta de adjudicação do concurso à contrainteressada [SCom03...], nos seguintes termos:

(...) Ora vejamos se damos razão à pronúncia:
Em relação à questão suscitada pela concorrente ‘[SCom01...] quanto ao teor do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) e a proposta apresentada pelo concorrente ‘[SCom03...], cumpre informar e esclarecer o seguinte:
1. O DEUCP é um documento que visa declarar factos ou qualidades já existentes à data da apresentação da proposta, os quais são suscetíveis de demonstração e comprovação através dos demais documentos constitutivos da proposta. Com efeito, esta sinalização do DEUCP por parte do concorrente [SCom03...], S.A. constitui uma mera irregularidade formal não essencial – conforme vem sendo firmado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – e que poderia justificar um pedido de esclarecimentos relativamente à proposta apresentada, mas que da análise global da proposta, aquela caixa de sinalização no DEUCP não prejudicou em nada a compreensão e interiorização da vontade de contratar manifestada pela referida concorrente na sua proposta, em concreto nos serviços que iria subcontratar, não sendo necessário dilatar a fase de análise e avaliação das propostas por essa mera irregularidade. O júri percebeu que era intenção do concorrente [SCom03...], S.A. subcontratar parte dos serviços, através do documento por si apresentado designado ‘Declaração de recurso a terceiros [SCom03...], S.A.º e que a referida sinalização no DEUCP nada mais era do que um lapsos calamii, notória e manifestamente evidente.
2. Acresce que uma exclusão imediata da proposta apresentada, pelas razões invocadas pelo aqui pronunciante, revestir-se-ia de ostensiva desproporcionalidade face aos valores da concorrência e do interesse público que se pretendem salvaguardar, sendo cada vez mais defensável esta atuação, mormente na jurisprudência, através do princípio do favor participacionis.
(...)
Quanto à questão exposta sobre a solução informática e tratamento de dados, de acordo com a cláusula 34.ª do Caderno de Encargos, vejamos o seguinte:
(...)
2. É entendimento do júri que não se pode excluir qualquer concorrente que não apresente uma solução on-premise, e opte por apresentar uma outra alternativa que cumpra com os requisitos técnicos, tal como descrito na cláusula 34.ª do CE, na qual não é exigida uma solução informática on-premise, mas ‘preferencialmente on-premise’.
3. Face ao exposto, o júri entende que a concorrente [SCom03...], S.A. cumpre com requisitos técnicos apresentados na sua proposta (...).
4. Mais informamos que, ainda em relação à cláusula 34.ª, ponto n.º 2, a concorrente [SCom03...], S.A. demonstra nos seus documentos anexos à proposta evidências para o cumprimento das alíneas a) e c) (...).
(...)
3. Ainda referente à avaliação do fator ‘Valia Técnica’, cumpre informar que foram avaliados todos os subfatores, nomeadamente, a memória descritiva e justificativa, incluindo, pelo menos, a descrição da metodologia de trabalho, tarefas a desenvolver, assim como a descrição e apresentação dos equipamentos a afetar ao objeto do presente procedimento, incluindo também a descrição, conceção, desenvolvimento, análise de dados e outros parâmetros descritos nas alíneas c1, c2 e c3 da alínea c) do 9.1 do programa de concurso.
4. No que se refere à equipa de projeto (...), é uma obrigação do adjudicatário por forma a garantir uma perfeita e completa execução das tarefas previstas, assim como uma correta articulação com os prestadores de serviço e os representantes da [SCom02...]. Não é exigido nas peças do procedimento a descrição da equipa técnica, pelo que tal aspeto não foi alvo de análise na matriz de avaliação, nem podia ser.
5. (...) Ora, não é verdade que a equipa de projeto da [SCom03...], S.A. seja composta apenas por um membro.
6. Em relação à não apresentação de certificado que comprove a qualificação dos membros da equipa de projeto, de acordo com o n.º 9 do programa de procedimento, não é exigido a apresentação de documentos que constituem a proposta, quanto ao curriculum vitae e respetivos certificados dos membros da equipa a afetar à prestação de serviços, pelo que tal aspeto não foi alvo de avaliação pelo júri.
7. Quanto à temática ‘Manutenção e Assistência Técnica, no caso da proposta apresentada pela concorrente [SCom03...], S.A., no documento Ç e J) Proposta, no capítulo ‘Aceitação do Caderno de Encargos’, a [SCom03...], S.A. ‘aceita, sem reserva, todo o conteúdo do caderno de encargos...º, pelo que o júri entende que a manutenção e assistência técnica aos equipamentos e software serão objeto integrante da proposta apresentada pela concorrente [SCom03...].
Entende o júri que face ao exposto, deve manter-se a avaliação do fator ‘Valia Técnica’ pelo que se mantém a avaliação atribuída aos concorrentes, de acordo com a tabela apresentada no relatório preliminar do presente procedimento.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
(cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 660 a 678 do processo eletrónico).

16) Por deliberação do Conselho de Administração da R. ..., ..., foi aprovada a proposta contida no relatório final que antecede e, em consequência, foi adjudicada a proposta da contrainteressada [SCom03...] no âmbito do concurso em apreço, pelo valor de € 428.810,47, acrescido do IVA à taxa legal em vigor (cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 679 do processo eletrónico).

17) A deliberação de adjudicação que antecede foi publicada na plataforma eletrónica “acinGov” no dia 19/10/2022 (cfr. doc. n.º ... da petição inicial).

18) Em 15/11/2022 a R. celebrou com a contrainteressada [SCom03...] o contrato para aquisição de equipamentos e software para a recolha de biorresíduos para implementação do projeto BIO-APIN, pelo valor de € 428.810,47, acrescido do IVA à taxa legal em vigor (cfr. doc. constante do processo administrativo – fls. 680 a 690 do processo eletrónico).

19) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 09/11/2022 (cfr. doc. de fls. 1 do processo eletrónico).

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)
Da deficiente avaliação e graduação das propostas:

Entendem as AA. que o júri do concurso procedeu, ainda, a uma deficiente avaliação e graduação das propostas apresentadas quer pelas AA. quer pela contrainteressada [SCom03...].

Alegam, em primeiro lugar, que não se compreende a classificação que foi atribuída no subfactor de avaliação “Equipamentos Técnicos”, onde a proposta da contrainteressada obteve a pontuação máxima possível, uma vez que a R. entendeu que os equipamentos técnicos que esta concorrente pretende afetar à prestação de serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos. Sucede que a proposta da contrainteressada não se encontra alinhada com o que é exigido pelo caderno de encargos, porquanto prevê a disponibilização de “serviços de Cloud para alojamento da solução” quando a cláusula 34.ª, n.' 2, do caderno de encargos determina que a “solução informática seja preferencialmente on-premise”. Daí que, no mínimo, esta não convergência terá, pelo menos, de determinar a penalização da sua proposta em sede de avaliação, não podendo a mesma, de forma alguma, obter a pontuação máxima no que a este subfactor de avaliação diz respeito, devendo antes considerar-se que a proposta da contrainteressada se limita a satisfazer (e não a satisfazer plenamente) face aos trabalhos previstos.

Carecem, porém, as AA. de razão.

Resulta do programa de concurso que o critério de adjudicação aplicável ao procedimento aqui em causa é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea a) do n.' 1 do art.' 74.' do CCP, com base nos seguintes fatores de avaliação e respetivas ponderações: (i) preço global (50%); (ii) qualidade técnica da proposta ou valia técnica (50%). A avaliação das propostas à luz destes fatores é feita de acordo com a metodologia apresentada no anexo II do referido programa do concurso, sendo que, no que ao fator da “Valia Técnica” diz respeito, a avaliação deste fator tem em consideração “os aspetos relacionados com o tipo de equipamentos a afetar à prestação de serviços” e “o modo de organização e a definição da metodologia proposta, considerando o prazo de execução dos serviços objeto do presente procedimento”. Para o efeito, o júri deve proceder à análise dos documentos apresentados nas propostas dos concorrentes, mormente em resposta ao solicitado na alínea c) do ponto 9.1do programa do concurso, isto é, a “memória descritiva e justificativa”, a qual deve incluir, pelo menos, os seguintes pontos: c1) documento descritivo da metodologia de trabalho, tarefas a desenvolver, modo de organização e prazos para o cumprimento do previsto no Caderno de Encargos; c2) descrição e apresentação das características, dimensões e modus operandi dos diferentes equipamentos, nomeadamente, contentores de proximidade (Ecoboxes), baldes e contentores de 140L, de acordo com a Cláusula 32.ª do Caderno de Encargos; c3) descrição da conceção, desenvolvimento, implementação e análise de dados do software de controlo de acesso a instalar nos contentores de proximidade (Ecoboxes), que o concorrente se propõe a adotar.

Em função dessa análise, é atribuído um valor às propostas, tendo em conta a matriz de avaliação do fator “Valia Técnica” que consta do anexo II ao programa do concurso (cfr. pontos 2 e 3 dos factos provados).

Ora, sabe-se que o júri atribuiu à proposta da contrainteressada, no fator “Valia Técnica”, a pontuação de 9 valores, por ter entendido, além do mais, que “os Equipamentos Técnicos que o Concorrente pretende afetar à Prestação de Serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos” (cfr. ponto 13 dos factos provados).

As AA. contestam, porém, esta avaliação dos “aspetos relacionados com o tipo de equipamentos a afetar à prestação de serviços” que foi efetuada pelo júri quando à proposta que veio a ser adjudicada, entendendo que o facto de a contrainteressada ter apresentado uma solução informática que será alojada “em serviços de Cloud” e não “on-premise”, como se prevê na cláusula 34.ª, n.º 2, do caderno de encargos, deveria ter ditado uma penalização da sua avaliação, pelo que não podia tal proposta ter obtido, neste subfator, a avaliação máxima.

Não se vislumbra, todavia, a existência de qualquer erro de avaliação ou apreciação da parte do júri que exija a intervenção corretiva do Tribunal.

Importa, antes de mais, ter presente que, como tem sido abundantemente explanado na nossa jurisprudência, “a atividade desenvolvida pelo júri na avaliação das propostas pode corporizar-se não só em operações materiais mas também em operações jurídicas, e comporta momentos que, sob o ponto de vista jurídico, podem ser vinculados ou discricionários. O júri do concurso, na atividade de avaliação das propostas, encontra-se vinculado ao estrito respeito daquilo que são as regras que se prendam com observância de formalidades e garantias procedimentais, das regras disciplinadoras da competência para a emissão de atos, da instrução probatória e fixação de factualidade que funcionem como pressuposto dos atos procedimentais [mormente, da avaliação das propostas e/ou da adjudicação], bem como a todos e apenas aos fatores e subfatores densificadores do critério de adjudicação fixado no programa do procedimento ou decorrente de imposição constante de norma legal, não podendo fazer apelo a outros critérios ou a outros fatores/subfatores que não constem daquele programa ou que contrariem disposição legal imperativa, ou sequer atribuir-lhes ponderações e/ou pontuações/classificações diversas daquelas que se mostram fixadas no mesmo programa, ou ainda fazer apelo a sensibilidades, a juízos dubitativos ou assentes em opiniões veiculadas. O exercício de atividade caracterizada como envolvendo momentos de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, do domínio da denominada “justiça administrativa”, mostra-se também ele abrangido pela fiscalização jurisdicional, disso sendo exemplos a ilegalidade por desvio de poder, a admissão da impugnação fundada no erro de facto ou na existência ou inexistência dos pressupostos de facto, na violação dos princípios gerais de direito, na violação de regra de competência, do dever de fundamentação, ou, ainda, na infração do direito de audiência/participação. No estrito âmbito da atividade de valoração e pontuação quanto a cada fator e subfator da grelha classificativa por parte do júri de propostas apresentadas nos procedimentos de contratação pública situamo-nos no domínio dum juízo de discricionariedade técnica, da referida “justiça administrativa”, em termos da livre apreciação sobre a valia das propostas ou da margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados e, como tal, os limites da sua sindicabilidade contenciosa, não respeitando a aspetos vinculados, mostram-se restringidos às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a atividade administrativa em geral. Constitui “erro grosseiro” ou “erro manifesto” aquele erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas” (cfr. o do Supremo Tribunal Administrativo de 20/10/2016, proc. n.º ...4, publicado em www.dgsi.pt – sublinhado nosso).

Ora, volvendo ao caso dos autos, considerando os elementos ponderados pelo júri na avaliação da proposta da contrainteressada no que ao fator da “Valia Técnica” concerne, com especial enfoque nos “aspetos relacionados com o tipo de equipamentos a afetar à prestação de serviços” (subfator dos “Equipamentos Técnicos”) – elementos esses refletidos nos documentos contendo a descrição e apresentação das características, dimensões e modo de funcionamento dos diferentes equipamentos, nomeadamente, contentores de proximidade (Ecoboxes), baldes e contentores de 140L, de acordo com a cláusula 32.ª do caderno de encargos, e, bem assim, contendo a descrição da conceção, desenvolvimento, implementação e análise de dados do software de controlo de acesso a instalar nos contentores de proximidade (Ecoboxes) e que a concorrente se propõe adotar –, não encontramos fundamento para concluir que a proposta de uma solução informática “em serviços de Cloud” e não “on-premise” deveria, inequivocamente e sem margem para dúvidas (e em caso de não exclusão dessa proposta, o que vimos já supra que não sucede), ter levado o júri a avaliar a proposta da contrainteressada, neste segmento, com uma pontuação inferior àquela que lhe foi efetivamente atribuída, isto é, com uma pontuação, de acordo com a matriz, correspondente à avaliação de que “Os Equipamentos Técnicos que o Concorrente pretende afetar à Prestação de Serviços satisfazem face aos trabalhos previstos”, isto porque:

- como acima verificámos, se é certo que a entidade adjudicante manifestou preferência por uma solução que fosse “on-premise”, não menos certo é que, tratando-se de uma solução apenas “preferencial” (e não “obrigatória”), não exclui a possibilidade de apresentação de outras soluções que não sejam “on-premise”, desde que satisfaçam os requisitos técnicos solicitados;
- tendo por base os elementos que compõem a proposta da contrainteressada, o júri pôde atestar que a solução informática por esta delineada (“em serviços de Cloud”) cumpria com os requisitos técnicos exigidos nas diversas alíneas do n.º 2 da cláusula 34.ª do caderno de encargos (o que as AA. nem sequer puseram em causa), apresentando uma solução que, em suma, “é capaz de identificar utilizadores, transferindo os dados para o software de gestão”, sendo que “o software de suporte ao sistema é baseado em web que monitoriza a comunicação de dados, completa e regista todas as incidências relacionadas com a contentorização”; na avaliação deste subfator foram também certamente analisadas pelo júri as características, as dimensões e o modo de funcionamento dos demais equipamentos propostos pela contrainteressada (para além do software de controlo de acesso a instalar nos contentores), em particular os contentores de proximidade (Ecoboxes), os baldes e os contentores de 140L, tudo de acordo com a cláusula 32.ª do caderno de encargos e à luz da memória descritiva apresentada pela concorrente.

Por conseguinte, não ocorre, a nosso ver, qualquer erro grosseiro ou manifesto na avaliação da proposta da contrainteressada neste subfator dos “Equipamentos Técnicos”, mesmo reconhecendo que a solução informática por si proposta não era “on-premise”, pelo que não se vislumbra fundamento para impor a sua reavaliação pelo júri.

À mesma conclusão chegamos, em segundo lugar, no que se refere ao argumento de que a proposta das AA., ao nível dos “Equipamentos Técnicos”, deveria ter sido avaliada com a pontuação máxima correspondente à menção de que “Os equipamentos técnicos que o concorrente pretende afetar à prestação de serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos”.

Extrai-se dos factos provados que a proposta das AA. obteve, no fator da “Valia Técnica”, a pontuação de 7 valores, por se ter entendido, além do mais, que “os Equipamentos Técnicos que o Concorrente pretende afetar à Prestação de Serviços satisfazem face aos trabalhos previstos” (pontuação imediatamente anterior à máxima, de acordo com a matriz de avaliação).

Ora, para pôr fundadamente em causa a avaliação efetuada pelo júri do concurso e para, nessa medida, comprovar adequadamente a existência de um erro grosseiro nessa avaliação, não basta, salvo o devido respeito, alegar que a proposta das AA. apresenta e cumpre todas as condições e especificações técnicas exigidas no “ponto 2 - Cláusulas Especiais | Especificações Técnicas” do caderno de encargos, considerando a análise de todos os documentos que a compõem e que “dão resposta à integralidade das especificações técnicas solicitadas no Caderno de Encargos, tendo sido complementados com mais informação e descrição detalhada, por forma a que a entidade adjudicante estivesse o mais esclarecida e informada possível sobre os mesmos”.

Ainda que seja de reconhecer que a proposta das AA. cumpre todas as condições e especificações técnicas exigidas pelas peças do procedimento (até porque, caso assim não fosse, a sua proposta, em princípio, teria de ser excluída), tal não é suficiente para se poder concluir, sem mais, que o júri errou, de modo crasso e evidente, na sua atividade (discricionária) de avaliação daquela proposta, já que lhe deveria ter sido atribuída uma pontuação superior no que ao subfator dos “Equipamentos Técnicos” diz respeito.

Alegam as AA., em terceiro lugar, que igualmente não se compreendem as classificações atribuídas às propostas da contrainteressada e das AA. no que se refere ao subfator da “Metodologia de Trabalho” do fator “Valia Técnica”.

Referem, desde logo, que a equipa de projeto proposta pela contrainteressada é composta apenas por um membro (o gestor de projeto), sendo que parece muito pouco crível que o projeto seja implementado apenas por uma pessoa, ao passo que a equipa apresentada pelas AA. é uma equipa multidisciplinar de 10 pessoas, isto mesmo tendo em conta a sua vasta experiência em projetos similares.

Não é, porém, assim.

O que está em causa, na avaliação do subfator da “Metodologia de Trabalho”, é “o modo de organização e a definição da metodologia proposta, considerando o prazo de execução dos serviços objeto do presente procedimento”.

Segundo as alíneas d) e e) do n.º 1 da cláusula 5.ª (“Obrigações do adjudicatário”) do caderno de encargos, “o prestador de serviços compromete-se a dar atendimento adequado à satisfação das necessidades do adjudicante, no que diz respeito à prestação de todos os serviços que se encontram no âmbito deste procedimento: (...) d) Disponibilizar o número suficiente de meios humanos com qualificação técnica adequada, de forma a garantir uma correta articulação entre os prestadores de serviços e os representantes da [SCom02...]; e) Encargo de o adjudicatário disponibilizar um elemento da equipa, para acompanhamento e apoio na instalação dos equipamentos e software de gestão de dados, com permanência in situ, de 12 horas/dia, aos elementos a designar pela entidade adjudicante” (sublinhado e negrito nosso).

Já a alínea b) da cláusula 32.ª do caderno de encargos prevê que “o prestador de serviços fica ainda obrigado a recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação de serviços, bem como ao estabelecimento de um sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo” (cfr. ponto 4 dos factos provados – sublinhado e negrito nosso).

Mais se sabe que do documento “C1) Documento descritivo da metodologia de trabalho” que integra a proposta da contrainteressada [SCom03...] consta, além do mais, que “a execução dos trabalhos cumpre a cláusula 3.ª do Caderno de Encargos” e que “os trabalhos serão realizados por pessoal com experiência, utilizando os meios e materiais adequados para o tipo de intervenção. Será designado um gestor de projeto, com a função de acompanhar permanentemente a execução deste projeto”. Idêntica menção consta do documento intitulado “G e J) Proposta” que também integra a proposta desta concorrente (cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados – sublinhado nosso).

Por seu turno, a proposta das AA. é integrada por um documento intitulado “Memória Descritiva”, do qual consta, quanto à “Equipa Técnica”, que, “de acordo com uma extensa análise dos requisitos elencados no Caderno de Encargos, a equipa proposta irá contar com 10 elementos com os seguintes perfis: (...)” (cfr. ponto 12 dos factos provados).

Ora, o que se retira da leitura daquele segmento da proposta da contrainteressada é que, ao contrário do alegado pelas AA., a equipa de projeto ali apresentada não é composta apenas por um membro (o gestor de projeto), mas por um conjunto de pessoas (“pessoal com experiência”) e, ainda, por um gestor de projeto.

Por outro lado, não se ignora que as AA., ao contrário da contrainteressada, indicaram e discriminaram, na sua proposta, o número de elementos que compõem a equipa técnica e o papel/funções de cada um, enquanto a contrainteressada fez uma referência mais genérica ao “pessoal” que vai integrar a equipa alocada ao projeto, liderada por um gestor.

Sucede que, atentas as cláusulas do caderno de encargos acima transcritas, as peças do procedimento não exigiam, como bem sublinhou o júri, uma descrição de todos e de cada um dos elementos que iriam compor as equipas propostas pelos concorrentes (sob pena de eventual exclusão), limitando-se a impor a disponibilização de um “número suficiente de meios humanos com qualificação técnica adequada” e, bem assim, a obrigação do concorrente de “recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação de serviços”, sendo que um dos elementos da equipa deveria ser designado para acompanhamento e apoio na instalação dos equipamentos e software de gestão de dados. Se assim é, então o facto de as AA. terem pormenorizado a composição da equipa não determina, por si só, que a sua proposta deveria ter sido necessariamente avaliada com uma pontuação superior à da proposta da contrainteressada no subfator da “Metodologia de Trabalho”, considerando, aliás, que o que importa aqui avaliar é, de forma conjugada, “o modo de organização e a definição da metodologia proposta, considerando o prazo de execução dos serviços objeto do presente procedimento”.

Alegam também as AA. que o gestor de projeto indicado na proposta da concorrente [SCom03...] e subcontratado à “[SCom06...]” se propõe seguir a metodologia PMI, nomeadamente o PMBok®, quando o mesmo, porém, não apresenta qualquer certificação para tal.

Não se compreende, porém, em que medida esta alegada ausência de certificação leva a que se tenha por verificada uma deficiente avaliação das propostas.

Isto porque, de uma banda, compulsada a cláusula 9.ª do programa do concurso, não se exige que as propostas incluam um ou mais documentos que comprovem e atestem as qualificações dos membros da equipa de projeto a implementar pelos concorrentes, em especial através da junção das respetivas certificações de competências ou outro tipo de comprovativos (currículos, etc.). O mesmo se diga das cláusulas do caderno de encargos acima citadas, que não impõem a apresentação de qualquer certificação relativamente às qualificações do gestor de projeto. De outra banda, ainda que assim fosse, estar-se-ia, quando muito, perante uma eventual causa de exclusão da proposta que não se fez acompanhar da referida certificação, por falta de apresentação de algum dos atributos ou de algum dos termos ou condições, conforme o disposto nas alíneas b) e c) do n.' 1 do art.' 57.' do CCP [cfr. art.' 70.', n.' 2, alínea a), do CCP] – e não perante a existência de um erro ou de uma deficiência ao nível da atividade de avaliação das propostas.

Defendem, ainda, as AA. que, na proposta da contrainteressada, inexiste qualquer informação associada à temática “Manutenção e Assistência Técnica” durante o período de garantia, sendo que, atendendo à especificidade e multidisciplinaridade de um projeto desta natureza, é absolutamente necessária a existência deste tipo de metodologia ao longo do período de garantia do projeto, por forma a proteger o investimento público que será efetuado através do mesmo. Pelo contrário, a proposta das AA. é bastante exaustiva a desenvolver esta questão, o que representa uma clara mais valia da sua proposta relativamente à da contrainteressada.

Também aqui, todavia, não lhes assiste razão.

Em matéria de conformidade e garantia técnica, a cláusula 8.ª, n.º 1, do caderno de encargos estipula que “a prestação do serviço fica sujeita às exigências, prazos de garantia e demais obrigações legais, aplicáveis no âmbito de um contrato de aquisição de bens móveis, nos termos do disposto no artigo 451.º do CCP, bem como de princípios e normas comunitários que também sejam aplicáveis à prestação destes serviços públicos”, sendo que tal garantia abrange: “a) O fornecimento, a montagem ou a integração de quaisquer peças ou componentes em falta; b) A desmontagem de peças, componentes ou bens defeituosos ou discrepantes; c) A reparação ou substituição das peças, componentes ou bens defeituosos ou discrepantes; d) O fornecimento, a montagem ou instalação das peças, componentes ou bens reparados ou substituídos; e) O transporte do bem ou das peças ou componentes defeituosos ou discrepantes para o local da sua reparação ou substituição e a devolução daqueles bens ou entrega das pelas ou componentes em falta, reparados ou substituídos; f) A deslocação ao local da instalação ou entrega; g) A mão-de-obra; h) A substituição dos bens fornecidos no contrato, se não houver decorrido o prazo de garantia constante da proposta da entidade adjudicatária, este apresentar danos ou rutura estrutural que decorra do seu normal funcionamento que o impeça de cumprir o fim a que se destina, por fato não imputável à entidade adjudicante ou ao utilizador”.

Ora, a proposta da contrainteressada, no ponto “6. Condições Gerais de Fornecimento”, subponto “6.2. Garantia Técnica”, revela que o “prazo de entrega do contrato está conforme definido na cláusula 8.' do Caderno de Encargos” (cfr. ponto 10 dos factos provados).

Já a proposta das AA., no segmento relativo à “Garantia, manutenção e condições de assistência técnica”, adianta que, “de acordo com a cláusula 8.' do Caderno de Encargos, a garantia dos bens objeto do contrato será de 12 meses para o software e hardware e de 3 anos para os logotipos nos diversos equipamentos, a contar da data da assinatura do auto de receção, contra quaisquer defeitos de fabrico e funcionamento ou discrepâncias com as exigências legais (...)”. Quanto aos “Serviços de manutenção e suporte”, prevê que, “de forma a assegurar o correto funcionamento das soluções a desenvolver, de acordo com as especificações acordadas com a entidade adjudicante, a [SCom01...] e a [SCom04...] disponibilizarão serviços de manutenção e suporte. Este apoio técnico traduzir-se-á na substituição de equipamentos em caso de avaria, por outros compatíveis, bem como assistência técnica, através de manutenção à componente tecnológica do sistema, sempre que se venham a revelar necessárias (...)” (cfr. ponto 12 dos factos provados).

Daqui se retira, portanto, que, na verdade, a proposta da contrainteressada não é omissa quanto à temática da “Manutenção e Assistência Técnica” durante o período de garantia. O que a proposta da contrainteressada faz é remeter, na íntegra, para os termos e condições definidos na cláusula 8.ª do caderno de encargos, o que significa que a concorrente se vinculou à prestação de uma garantia e à prestação dos inerentes serviços de manutenção e suporte nos exatos termos previstos naquela norma.

Não se ignora que a proposta das AA. é mais desenvolvida neste tema, pois que não se limita a remeter para o conteúdo do caderno de encargos. No entanto, tal não é suficiente, a nosso ver, para traduzir um erro manifesto de avaliação das propostas, nem significa que o júri subavaliou, de forma grosseira, a proposta das AA. no âmbito da “Metodologia de Trabalho”, impondo-se outra avaliação.

Assim sendo, não ocorre, a nosso ver, qualquer erro manifesto na avaliação das propostas das AA. e da contrainteressada no subfator da “Metodologia de Trabalho” do fator “Valia Técnica”, pelo que não se vislumbra fundamento para impor a sua reavaliação.

Relembrando, novamente, o entendimento da jurisprudência nesta matéria, a avaliação da valia técnica das propostas, de acordo com os parâmetros fixados no concurso, “é algo que se insere no âmbito da discricionariedade técnica reservada à entidade adjudicatária e ao júri em particular, pelo que não tendo o Recorrente logrado infirmar a apreciação feita, não resultando evidentes quaisquer erros ou vícios que permitissem uma intervenção corretiva do tribunal a esse respeito, está a sua intervenção, por natureza, inviabilizada. Com efeito, a discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado, o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência. Só em casos extremos é que o tribunal poderá imiscuir-se no exercício da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em «erro manifesto de apreciação». Para que ocorra um erro manifesto, é indispensável que o ato administrativo assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03/02/2022, proc. n.º 25/21.2BEPRT, publicado em www.dgsi.pt).

Ante todo o exposto, analisados os argumentos das AA., impera concluir pela não verificação de uma “deficiente avaliação e graduação das propostas”, não se entrevendo a existência de qualquer erro grosseiro que imponha a correção da avaliação efetuada pelo júri do concurso. Na verdade, as AA. assentam as suas alegações numa discordância meramente subjetiva dos resultados obtidos nessa avaliação, sem, todavia, sustentarem, com apoio em factos concretos, seguros e minimamente densificados, a ocorrência de erros ou equívocos tão objetivamente evidentes que outro deveria ter sido o resultado dessa avaliação.

*

Tudo visto e ponderado, atenta a não verificação dos vícios e ilegalidades acima apreciados, é forçoso concluir pela improcedência do pedido de anulação do ato de adjudicação adotado no procedimento concursal em apreço, o qual se deve manter na ordem jurídica, o que determina, forçosamente, a improcedência do pedido de condenação da R. a excluir a proposta da contrainteressada e, consequentemente, a graduar a proposta das AA. em 1.º lugar, adjudicando-lhes o concurso. Pelos mesmos motivos, improcede também o pedido (subsidiário) de que seja determinada a correção das pontuações das propostas das AA. e da contrainteressada no que ao fator de avaliação “Valia Técnica” diz respeito.

A presente ação não merece, assim, obter provimento”.

Mostra-se acertada a decisão.

O tribunal, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 3º da Constituição da República Portuguesa, não pode constituir-se em segunda instância administrativa, procedendo ao reexame da relação jurídica litigiosa, como se não tivesse sido praticado qualquer acto administrativo quando, como é o caso, este foi praticado.

Menos ainda pode fazer um exame mais exigente do que aquele que foi feito pela Administração, no caso através de prova pericial.

Ainda que tal não constituísse uma violação do princípio da separação de poderes, e constitui, sempre haveria uma impossibilidade prática de colocar os tribunais na situação de segunda instância administrativa: a falta de meios técnicos e humanos para o efeito.

Faz por isso sentido que a apreciação da validade do acto se restrinja, quanto aos momentos de discricionariedade técnica ou administrativa, aos casos de erro palmar ou evidente ou de desvio de poder no acto administrativo praticado.

Até porque sobre a Administração impende, em primeira linha, o respeito pela legalidade, nas áreas da sua actuação – n.ºs 1 e 2, do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

Assim sendo, não faz sentido, neste campo, fazer apelo à prova pericial. O erro palmar ou evidente é aquele que se pode captar pelo simples senso comum, como evidência. Sendo preciso perícia técnica para se concluir pelo erro, este já não é evidente, grosseiro.

No caso concreto a proposta das Autoras era a de menor custo e o critério de adjudicação era o da “proposta economicamente mais vantajosa”.

Mas este critério foi esclarecido no programa do concurso dando igual peso (50%) ao preço global e à qualidade técnica.

E por isso no item “preço global” a proposta das Autoras teve a classificação de 3,12 pontos e a da Contra-Interessada [SCom03...] teve a pontuação de 2,19 pontos – facto provado sob o n.º 13.

Não tinha este factor de ser de novo ponderado, ainda que indirectamente, na apreciação da qualidade técnica, sob pena de violação da regra do concurso que estabeleceu igual ponderação para ambos os factores.

Por outro lado, não resulta dos autos, como defendem as Recorrentes Conclusão X), que a Contra-Interessada tenha obtido a pontuação máxima no subfactor “Equipamentos técnicos”. O que resulta dos autos é que a Contra-Interessada obteve a pontuação de 9 (em 10) no factor “Qualidade Técnica” porque, segundo o relatório, “os equipamentos técnicos que o concorrente pretende afectar à prestação dos serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos” -, enquanto as Recorrentes tiveram a pontuação de 7 (em 10) – facto provado sob o n.º 13.

No que não se vislumbra erro grosseiro ou palmar nesta pontuação.

Precisamente pelas razões indicadas na decisão recorrida.

“(…)
- como acima verificámos, se é certo que a entidade adjudicante manifestou preferência por uma solução que fosse “on-premise”, não menos certo é que, tratando-se de uma solução apenas “preferencial” (e não “obrigatória”), não exclui a possibilidade de apresentação de outras soluções que não sejam “on-premise”, desde que satisfaçam os requisitos técnicos solicitados;

- tendo por base os elementos que compõem a proposta da contrainteressada, o júri pôde atestar que a solução informática por esta delineada (“em serviços de Cloud”) cumpria com os requisitos técnicos exigidos nas diversas alíneas do n.º 2 da cláusula 34.ª do caderno de encargos (o que as AA. nem sequer puseram em causa), apresentando uma solução que, em suma, “é capaz de identificar utilizadores, transferindo os dados para o software de gestão”, sendo que “o software de suporte ao sistema é baseado em web que monitoriza a comunicação de dados, completa e regista todas as incidências relacionadas com a contentorização”;
(…)”

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelas Recorrentes.

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Porto, 19.05.2023



Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre