Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00722/14.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/02/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:SEF – EXPULSÃO - PERÍODO DE INTERDIÇÃO DE ENTRADA EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS – CONTAGEM DO PRAZO
Sumário:I – O prazo de interdição de entrada em território nacional só poderá iniciar-se a partir do momento em que se opere a expulsão, isto é, em que a ordem de expulsão, consubstanciada no afastamento do território nacional, é cumprida, porque acatada ou efetivamente executada.

II – Se a expulsão do território português se consubstancia com o afastamento do território nacional, através do seu abandono voluntário ou com a sua condução à fronteira pela autoridade nacional competente, naturalmente o período de interdição de entrada em território português, a vigorar após e na sequência da ordem de expulsão, ter-se-á de contar a partir do momento em que se verificar o abandono do território nacional.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Ministério da Administração Interna
Recorrido 1:C.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

C. (devidamente identificada nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 03/04/2014 ação administrativa especial contra Ministério da Administração Interna visando a impugnação do ato de 29/12/2013 que, nas suas palavras, determinou o período de interdição de entrada da autora em território nacional por seis anos a contar de 06/12/2013 e com término em 29/12/2019, peticionando a sua anulação bem como a condenação do réu na prática de ato determine que tal período teve início em 19/04/2007, por ter sido a data da notificação à autora da decisão, datada de 12/04/2007 do Diretor Nacional do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS.

Por sentença de 28/12/2016 (fls. 73 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou procedente a ação, condenando a entidade demandada a contar o prazo de interdição de entrada em território nacional, nos termos definidos na sentença, isto é, em que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019.

Inconformado, dela interpôs o réu recurso de apelação (fls. 89 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

1. A douta sentença recorrida versou sobre determinar no caso concreto, da contagem do prazo de 6 anos de interdição de entrada da Recorrente em território nacional.
2. Preceitua a douta sentença recorrida que no dia 29/12/2013 houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora.
3. Daí que, no entendimento da douta sentença recorrida, o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/12/2013, terminando o período dos seis anos em 29/12/2019.
4. Entende a aqui Recorrente que a data a considerar para contar os seis anos correspondentes à medida cautelar de interdição de entrada no território nacional deverá ser a data de 19/04/2007.
5. Tudo, porque a Recorrente tomou conhecimento - na sobredita data de 19/04/2007 - da decisão de expulsão e interdição proferida pelo Director Nacional do SEF.

Também a autor interpôs recurso de apelação da sentença (fls. 130 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

A. A douta Sentença ora recorrida veio "julgar procedente a (...), condenado a entidade demandada, invocando para o efeito que:
- "(...) em termos lógicos e cronológicos, a medida de interdição de entrada em território nacional apenas pode operar a partir do momento em que há uma saída do território nacional. No dia 29/11/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Dai que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019 (...);"
B. Ainda que entendamos perfeito o raciocínio do Tribunal ad quo quanto à determinação do momento em que deve iniciar-se a contagem do período de interdição de entrada após a notificação da decisão de expulsão, não pode contudo o ora Recorrente anuir com as datas assentes na douta sentença, quer para o início de contagem quer para o término do período de interdição de entrada no território nacional, no caso concreto. Se não vejamos
C. Em sede de Acção Administrativa a ora recorrida requereu "a anulação do acto, datado de 29 de Dezembro de 2013 que fixou à A. a interdição de entrada em território nacional por seis anos, a contar de 6 de dezembro de 2013 e com término em 29 de dezembro de 2019."
D. Entendia pois a recorrida que tendo sido notificada da decisão de expulsão administrativa em 19 de Abril de 2007, era a partir dessa data que deveria ter iniciado a contagem dos 6 (seis) anos de interdição de entrada em território nacional decorrentes da decisão de expulsão.
E. Em tempo contestou o ora Recorrente, apresentando a argumentação que aqui se dá por integralmente reproduzida e considerando que o início da contagem do período de interdição de entrada em território nacional só poderia suceder com o efectivo abandono (saída) do território nacional.
F. Sobre este entendimento, o tribunal ad quo, comungou do raciocínio do ora Recorrente determinando que a contagem do prazo para a medida de interdição de entrada em território nacional apenas pode operar a partir do momento em que há uma saída efectiva do território nacional,
G. Ora tendo sido dado como assente que a ora Recorrida saiu do território nacional em 29 de Dezembro de 2013 (facto que a ora Recorrida confirma na p.i. e consta do processo administrativo), o ora Recorrente apenas pode entender que o douto tribunal ad quo por lapso determinou que "No dia 29/11/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora, Dai que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no território Nacional seja o dia 30/11/203, terminando o período dos 6 anos em 29/11/2019"
H. Assim sendo, afigura-se ao ora recorrido, s.m.o., que deverá ser corrigida a douta Sentença na parte em que determina que o período de interdição de entrada corre a partir de 30 de Novembro de 2013, terminando em 29 de Novembro de 2019, substituindo-se pelo período correcto que corresponde à contagem a partir de 30 de Dezembro de 2013 terminando a interdição de entrada em território nacional em 29 de Dezembro de 2019,
I. Corrigida nessa parte a douta Sentença afigura-se existir incongruência quanto à procedência da Acção Administrativa atento o facto de não assistir razão à ora Recorrida uma vez que entendeu o douto tribunal ad quo que o prazo de contagem do período de interdição de entrada em território nacional não se conta a parir da notificação ocorrida em 19/04/2007, mas apenas a partir da data de saída efectiva do território nacional (a qual ocorreu em 29 de dezembro de 2013).
J. Urge esclarecer que a data de 6 de Dezembro de 2013, ainda que incorrectamente inscrita não obstou a que o ora recorrente tivesse inserido correctamente a data em que termina o período de interdição de entrada, ou seja 29 de Dezembro de 2019,
L. Aliás em sede de contestação o ora Recorrente expressamente referiu que a data de início da interdição de entrada ocorreu após a efectiva saída do ora recorrido do território nacional.
M. Assim, por maioria de razão, tendo a ora Recorrida requerido na p.i. que "Deve ainda condenar-se a entidade Demandada a praticar novo ato em que determine que tal período teve o seu início em 19/04/2007, data da notificação à A. da decisão do Director Nacional do SEF,..., de 12/04/2007" parece evidente que não pode proceder a Acção Administrativa na medida em que a argumentação sustentada para o seu pedido não foi colhida na sentença.
N. Nesta conformidade, face à sustentação plena da decisão do ora recorrente supra, defendemos que, contrariamente ao decidido pela sentença, o acto do Réu, ora recorrente, se apresenta como insindicável, não apenas pela correcta interpretação que fax dos factos, mas outrossim pela demonstrada subsunção dos mesmos ao estatuído in legis, não lhe podendo ser assacado, consequentemente, qualquer vício, quer de natureza material, quer de natureza forma
O. Do exposto, decorre a legalidade insindicável do momento sobre o qual recaiu o início da contagem do prazo de interdição em território nacional, decorrente da decisão de afastamento coercivo, proferida nos termos dos arts. 134.º, n.2 1, al. a) ex vi do artigo 181.º, conjugados com o preceituado nos artigos 145.º a 150.º, da Lei 23/2007, republicada pela Lei nº 29/2012,

O réu contra-alegou o recurso interposto pela autora (fls. 146 SITAF), pugnando pela sua improcedência, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo:

A. A douta Sentença veio "julgar procedente a (...) condenando a entidade demandada...", invocando para o efeito que:
- "(...) em termos lógicos e cronológicos a média de interdição de entrada em território nacional apenas pode operar a partir do momento em que há uma saída do território nacional. No dia 29/11/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no território nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019 (...)"
B. Dando conta o ora recorrido do lapso constante na Sentença, em tempo apresentou alegações solicitando, além do mais, a rectificação da sentença por erro de escrita.
C. O Tribunal ad quo, por despacho rectificativo confirmou o erro de escrita que se prendeu com a data em que a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro a saber: 29/12/2013, quando na sentença se refere por mero lapso, 29/11/2013, pelo que deverá ler-se "Em 29/12/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro — cf. documento de fls. 105 do processo
administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido".
D. Concluiu na sua rectificação o Tribunal ad quo que "No dia 29/12/2013, houve efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/12/2013, terminando o período dos seis anos em 29/12/2019".
E. Pretende no entanto a Recorrente que o Tribunal "Ad quem" fixe como dies ad quo da contagem do período de interdição o dia 19/04/2007, por ter sido nesta data que a Recorrente tomou conhecimento da decisão de expulsão e da interdição e não período que decorre entre 30/12/2013 e 29/12/2019 como estatui a douta sentença recorrida.
F. O Recorrido subscreve na íntegra a Sentença ora em crise no que tange à fixação do dies ad quo da contagem do período de interdição de entrada uma vez que, s.m.o., esta é a solução legal que se impõe.
G. A medida cautelar de interdição de entrada não tem uma função meramente decorativa no âmbito da decisão de expulsão, ela é, e deve ser considerada uma imperativa consequência daquele acto administrativo.
H. Aliás não é por acaso que a Lei n0 23/2007 de 4 de Julho prevê no art.° 187° as consequências da Violação da medida de Interdição de Entrada, estipulando o seguinte:
1- O cidadão estrangeiro que entrar em território nacional durante o período por que essa entrada lhe foi interditada é punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 100 dias.
2- Em caso de condenação, o tribunal pode decretar acessoriamente, por decisão judicial devidamente fundamentada, a expulsão do cidadão estrangeiro, com observância do disposto no artigo 135°.
3- Sem prejuízo do disposto no n° 1, o cidadão estrangeiro pode ser afastado do território nacional para cumprimento do remanescente do período de interdição de entrada, em conformidade com o processo onde foi determinado o seu afastamento.
I. É verdade que a norma supra foi pensada tendo em conta que após a decisão de expulsão o cidadão de acordo com o determinado no art.° 160° n° 1 da Lei n° 23/2007 de 4 de Julho, cumpra a decisão administrativa ou seja "Ao cidadão estrangeiro contra quem é proferida uma decisão de afastamento coercivo ou de expulsão judicial é concedido um prazo de saída de território nacional entre 10 e 20 dias."
J. Ora não tendo a Recorrente cumprido a decisão de expulsão no prazo indicado na sua notificação, que foi de 20 dias, começou a partir do 21° dia a incumprir a decisão de expulsão, mantendo suspenso o período de interdição de entrada uma vez que este só faze sentido iniciar-se depois da efectiva saída do território nacional.
K. Fugir a este raciocínio lógico seria desvirtuar e esvaziar de sentido o preceituado no art.° 187° da lei n° 23/2007 de 4 de Julho, uma vez que assim o entendesse o cidadão visado pela decisão de expulsão e dela faria tábua rasa, continuando, a seu bel-prazer, em território nacional, e findo o prazo de interdição no território nacional, tudo se passaria como se o mesmo o tivesse efectivamente cumprido.
L. Ora esse não é o sentido lógico-sistemático da Lei 23/2007 de 4 de Julho, uma vez que geraria a situação absurda de penalizar, e bem, cidadãos estrangeiros que depois de abandonarem o território nacional na sequência da notificação da decisão de expulsão entram em território nacional no período de interdição, sendo que aos cidadãos que como a Recorrente incumpriram, a decisão de expulsão mantendo-se em território nacional, a esses, nuca se lhes aplicaria o vertido no art.° 187°, gerando aí sim uma situação de profunda injustiça.
M. O aduzido pela recorrente na p.i. e bem assim agora em sede de recurso, afigura-se intolerável ao recorrido, pois na verdade o que a recorrente quer é ver reconhecida uma situação de facto no mínimo caricata, ou seja, vem pedir às instâncias judiciais que considerem que o perdido de interdição de entrada, no seu caso particular, ocorreu entre 19 de Abril de 2007 (data em que foi notificada da decisão de expulsão) terminando 6 anos após, provavelmente 18 de Abril de 2013, sendo que só saiu do território nacional em 29 de Dezembro de 2013.
N. Parece evidente e faz todo o sentido que o período de interdição de entrada se inicie com a efectiva partida do cidadão estrangeiro do território nacional, o que no caso concreto ocorreu em 29 de Dezembro de 2013, devendo fixar-se como dies ad quo da contagem o período de interdição o dia 30 de Dezembro de 2013 e terminus o dia 29 de Dezembro de 2019.

Sendo que relativamente ao recurso interposto pelo réu a autora, devidamente notificada para o efeito (cfr. fls. 128 SITAF) não apresentou contra-alegações.

Por despacho de 19/01/2017 (fls. 121 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo procedeu à retificação dos apontados e reconhecidos erros materiais da sentença nos termos seguintes, que se passam a transcrever:
«Da rectificação de erros materiais detectados na sentença.

Nas alegações de recurso, e além do mais, veio o Recorrente solicitar a rectificação da sentença por erros de escrita, através de simples despacho.
O Tribunal confirma os erros de escrita detectados pelo Recorrente, que se prendem com a data em que a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro, a saber: 29/12/2013, quando na sentença se refere, por mero lapso 29/11/2013.
Este erro repetiu-se ao longo da sentença, pelo que cumpre proceder à rectificação conforme segue:
Onde se lê:
"G) Em 29/11/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro – cf. documento de fls. 105 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido".
(…)
"permaneceu em situação ilegal em Território Nacional, tendo somente regressado ao seu país de origem em 29/11/2013".
(…)
"No dia 29/11/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019".

Deverá ler-se, respectivamente:

"G) Em 29/12/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro – cf. documento de fls. 105 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido"
(…)
"permaneceu em situação ilegal em Território Nacional, tendo somente regressado ao seu país de origem em 29/12/2013"
(…)
"No dia 29/12/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/12/2013, terminando o período dos seis anos em 29/12/2019".

Quanto ao mais, nada há a decidir, nos termos do disposto no artigo 613.º do CPC.»

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer (fls. 166 SITAF), no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso interposto pelo réu, julgando-se a ação totalmente improcedente, nos seguintes termos:
«(…)
Entendemos que a razão está do lado do recorrente SEF.
Com efeito, a sentença ocorreu em lapso (entretanto corrigido) ao indicar a data do início e termo da interdição. A data da medida de interdição de entrada no Território Nacional deve ser fixada entre o dia 30/12/2013 (data da saída da recorrente Carla para o Brasil), terminando o período dos seis anos em 29/12/2019.
Por outro lado, não é de acolher a posição defendida pela recorrente C. no sentido de que seja fixado como dies ad quo da contagem do período de interdição o dia 19/04/2007, por ter sido nesta data que esta tomou conhecimento da decisão de expulsão e da interdição e não o período que decorre entre 30/12/2013 e 29/12/2019. Com efeito, não tendo a recorrente C. cumprido a decisão de expulsão no prazo indicado na sua notificação, que foi de 20 dias, começou a partir do 21° dia a incumprir a decisão de expulsão, mantendo suspenso o período de interdição de entrada uma vez que este só faz sentido iniciar-se depois da efectiva saída do território nacional.
Como bem refere o SEF, "Fugir a este raciocínio lógico seria desvirtuar e esvaziar de sentido o preceituado no art.° 187° da lei n° 23/2007 de 4 de Julho, uma vez que assim o entendesse o cidadão visado pela decisão de expulsão e dela faria tábua rasa, continuando, a seu bel-prazer, em território nacional, e findo o prazo de interdição no território nacional, tudo se passaria como se o mesmo o tivesse efectivamente cumprido".
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pelo SEF, julgando a acção totalmente improcedente.»

Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.
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Redistribuídos (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DAS QUESTÕES A DECIDIR/DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, vêm interpostos dois recursos independentes dirigidos à sentença, um interposto pelo réu e outro pela autora, cuja imputação de erro de julgamento caberá apreciar e decidir, nos termos seguintes.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida (considerando a retificação efetuada a fls. 121 SITAF):

A) Em 23/02/2007, foi a Autora detida por a sua permanência violar o acordo de supressão de vistos celebrado entre Portugal e o Brasil – cf. de fls. 2 e ss. do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 28/02/2007, foi contra si instaurado o processo de Expulsão n.º 15/2007 – cf. de fls. 23 e ss. do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 12/4/2007, o Director Nacional do SEF exarou decisão a determinar: “(…)
a) A expulsão da cidadã supra referida do Território Nacional;
b) A sua interdição de entrada em Território Nacional por um período de seis anos (…)” - cf. documento de fls. 47 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 19/4/2007, a Autora tomou conhecimento da decisão do Director Nacional do SEF, tendo sido, designadamente, advertida do seguinte:
“Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 123 do 34/2003, de 25 de Fevereiro, determina-se que abandone Território Nacional no prazo de 10 (dez) dias, incorrendo nas sanções previstas no art. 124.º do mesmo diploma legal, desobedecendo à decisão de expulsão.
Que nos termos do disposto no artigo 105.º do mesmo diploma legal, fica interdita de entrar em Portugal pelo prazo de seis anos, contados a partir da data da sua saída de Território Nacional.” – cf. documento de fls. 48 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Porém, a Autora permaneceu em Portugal – cf. documento de fls. 84 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Em 2/8/2009, a Autora é detida num estabelecimento nocturno – cf. documento de fls. 74 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Em 29/12/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro – cf. documento de fls. 105 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida

Na presente ação administrativa especial a autora impugnou ato de 29/12/2013 que determinou o período de interdição de entrada da autora em território nacional por seis anos a contar de 06/12/2013 e com término em 29/12/2019, peticionando a sua anulação bem como a condenação do réu na prática de ato determine que tal período teve início em 19/04/2007, por ter sido a data da notificação à autora da decisão, datada de 12/04/2007 do Diretor Nacional do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS.

Pela sentença recorrida, datada de 28/12/2016 (fls. 73 SITAF), a Mmª Juíza do Tribunal a quo condenou a entidade demandada a contar o prazo de interdição de entrada em território nacional considerando que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019.

Todavia, pelo despacho de 19/01/2017 (fls. 121 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo procedeu à retificação dos apontados e reconhecidos erros materiais da sentença nos termos seguintes, que se passam a transcrever:
«Da rectificação de erros materiais detectados na sentença.
Nas alegações de recurso, e além do mais, veio o Recorrente solicitar a rectificação da sentença por erros de escrita, através de simples despacho.
O Tribunal confirma os erros de escrita detectados pelo Recorrente, que se prendem com a data em que a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro, a saber: 29/12/2013, quando na sentença se refere, por mero lapso 29/11/2013.
Este erro repetiu-se ao longo da sentença, pelo que cumpre proceder à rectificação conforme segue:
Onde se lê:
"G) Em 29/11/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro – cf. documento de fls. 105 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido".
(…)
"permaneceu em situação ilegal em Território Nacional, tendo somente regressado ao seu país de origem em 29/11/2013".
(…)
"No dia 29/11/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/11/2013, terminando o período dos seis anos em 29/11/2019".

Deverá ler-se, respectivamente:

"G) Em 29/12/2013, a Autora viajou com destino ao Rio de Janeiro – cf. documento de fls. 105 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido"
(…)
"permaneceu em situação ilegal em Território Nacional, tendo somente regressado ao seu país de origem em 29/12/2013"
(…)
"No dia 29/12/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/12/2013, terminando o período dos seis anos em 29/12/2019".

Quanto ao mais, nada há a decidir, nos termos do disposto no artigo 613.º do CPC.»

Significando, assim, que a sentença recorrida incorpora agora a retificação daquelas datas, assentando a decisão recorrida na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever (considerando a retificação efetuada a fls. 121 SITAF):
«A questão decidenda é a de saber o dies ad quo – no caso concreto – da contagem do prazo de 6 anos de interdição de entrada da Autora em Território Nacional.
À Autora, estrangeira, foi aplicada medida de expulsão acompanhada de medida de interdição de entrada em Território Nacional por período correspondente a seis anos.
Pretende a Autora que o Tribunal fixe como dies ad quo da contagem do período de interdição o dia 19/04/2007, por ter sido nesta data que tomou conhecimento da decisão de expulsão e interdição.
Porém, sem razão.
Desde logo, a Autora não logrou provar que regressou ao seu país de origem assim que tomou conhecimento da decisão de expulsão e que lá permaneceu durante os seis anos.
Pelo contrário, mesmo após ter conhecimento da decisão de expulsão e interdição e, consequentemente, da obrigação de abandonar o Território nacional no prazo de dez dias, sob pena de incorrer nas sanções previstas no artigo 124.ºdo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, permaneceu em situação ilegal em Território Nacional, tendo somente regressado ao seu país de origem em 29/11/2013.
Ora, em termos lógicos e cronológicos, a medida de interdição de entrada em
território nacional apenas pode operar a partir do momento em que há uma saída do Território Nacional. No dia 29/12/2013, houve o efectivo cumprimento da medida de expulsão pela Autora. Daí que o dies ad quo da medida de interdição de entrada no Território Nacional seja o dia 30/12/2013, terminando o período dos seis anos em 29/12/2019.»
(fim da transcrição)

2. Das teses contrapostas dos recorrentes

Desta decisão foram interpostos dois recursos.

No recurso interposto pelo réu MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (fls. 89 SITAF), este pugnou pela revogação da sentença recorrida com total improcedência da ação.

No recurso interposto pela autora (fls. 130 SITAF), esta pugnou pela revogação da sentença recorrida, esta pugna igualmente pela revogação da sentença recorrida.

Nenhuma das partes se conformou, portanto, com a sentença recorrida, apontando ambas erro de julgamento (de direito) aos termos em que nela se considerou que o dies ad quo da contagem do prazo de interdição de entrada em território nacional.

3. Da análise e apreciação dos recursos

3.1 Comecemos por explicitar que do que se viu supra resulta que a tese propugnada pelo réu MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA quanto à contagem do período de interdição de entrada em território nacional foi, na verdade, a acolhida na sentença, já que a discrepância de datas decorreu do lapso de escrita contido na sentença, quando se consignou em erro a data de 29/11/2013 como aquela em que a autora havia saído do território português em vez de 29/12/2013. Correção que foi efetuada pela Mmª Juíza a quo, incluindo quanto à contagem do termo final do período de interdição, que veio a ser fixado em 29/12/2019.

3.2 O recurso do réu MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA perdeu assim, por efeito da operada retificação da sentença, objeto e utilidade, não subsistindo quanto a ele qualquer questão a apreciar.

3.3 O que importa apreciar é o recurso da autora, aferindo se a decisão recorrida incorreu no apontado erro de julgamento, em termos que a contagem do período de interdição em território nacional deva ser feita a contar de 19/04/2007, da data em que esta foi notificada da decisão de 12/04/2007 do Diretor Nacional do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS. Isto é, da decisão do Diretor Nacional do SEF proferida no âmbito do processo de expulsão n.º 15/2007, que determinou a expulsão da autora do território nacional e a sua interdição de entrada em território nacional por um período de seis anos (cfr. pontos B), C) e D) do probatório).

3.4 A tese da autora recorrente, não tem, todavia, qualquer suporte legal.

3.5 O período de interdição de entrada em território nacional foi fixado à autora naquela identificada decisão de 12/04/2007 do Diretor Nacional do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS no âmbito do processo de expulsão n.º 15/2007.

3.6 Não está em causa nos presentes autos tal decisão. O que nos autos vem discutido são os termos que foi considerado pelos SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS em 29/12/2013, aquando da interceção da autora no aeroporto do Porto quando saía do território português com destino ao Brasil, o período de interdição de entrada em território nacional, em que foi considerado que o fixado período de interdição de 6 anos vigoraria até 29/12/2019 (cfr. fls. 110 do PA).

3.7 Ora, esses termos mostram-se corretos.
Atenha-se que a decisão de expulsão foi tomada pela autoridade administrativa ao abrigo do artigo 99º nº 1 alínea a) do DL. nº 244/98, de 8 de agosto, como resulta do seu teor (na versão decorrente das alterações introduzidas pelo DL. nº 34/2003, de 25 de fevereiro), diploma que então regulava o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros. Ou seja, com fundamento na circunstância de se tratar de cidadã estrangeira irregularmente em território português.
Estatuindo o então artigo 105º que “ao cidadão expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos”. Sendo que pelo identificado despacho de 12/04/2007 do Diretor Nacional do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (autoridade administrativa competente para o efeito – cfr. artigo 119º) foi determinada a interdição da entrada da autora no território nacional português por um período de 6 anos.

3.8 Naturalmente o prazo de interdição de entrada em território nacional só poderá iniciar-se a partir do momento em que se opere a expulsão, isto é, em que a ordem de expulsão, consubstanciada no afastamento do território nacional, é cumprida, porque acatada, ou efetivamente executada.
Note-se que nos termos do então disposto no artigo 123º nº 1 do diploma que então regulava o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros (DL. nº 244/98, de 8 de agosto, na versão dada pelo DL. nº 34/2003, de 25 de fevereiro) o estrangeiro contra quem houvesse sido proferida decisão de expulsão deveria abandonar o território nacional no prazo que lhe fosse determinado para o efeito. Cabendo à entidade administrativa, no caso do incumprimento dessa ordem de expulsão, tomar as providências necessárias, nos termos da lei, com vista à sua execução (cfr., designadamente, artigos 124º a 126º-A).

3.9 Se a expulsão do território português se consubstancia com o afastamento do território nacional, através do seu abandono voluntário ou com a sua condução à fronteira pela autoridade nacional competente, naturalmente o período de interdição de entrada em território português a vigorar após e na sequência da ordem de expulsão, ter-se-á de contar a partir do momento em que se verificar o abandono do território nacional.
Encontra-se desprovido de qualquer apoio legal o entendimento, sufragado pela autora, de que esse período de interdição de inicia imediatamente com a notificação da ordem de expulsão.

3.10 Na situação dos autos, por circunstâncias que aqui não relevam, nem se mostram apuradas, a autora só veio a deixar o território português em 29/12/2013. Pelo que o período de seis anos de interdição de entrada da autora em território português só se iniciou em tal ocasião, como considerou a entidade administrativa e foi entendido pela sentença recorrida. Que assim é de manter e confirmar. O que se decide.

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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em:
- não tomar conhecimento do recurso do réu, por superveniente falta de objeto e inutilidade;
- negar provimento ao recurso da autora, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela autora (sem prejuízo do apoio judiciário de que demostre beneficiar) – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
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D.N.
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Porto, 2 de junho de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)