Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01086/16.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; EXCEPÇÕES NOVAS; ARTIGO 87.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO; PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA; ANULABILIDADE; ARTIGO 163º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (DE 2015); ARTIGOS 100º E 121º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:
1. Depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova e, mesmo as de conhecimento oficioso, não podem aqui ser conhecidas se obstarem ao conhecimento de mérito, face ao disposto no artigo 87.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
2. A falta de fundamentação de um acto administrativo nunca conduz à nulidade do acto administrativo impugnado, mas apenas à sua anulabilidade, nos termos do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo (de 2015).
3. A violação da audiência prévia, prevista nos artigos 100º e 121º, ambos do referido Código de Procedimento Administrativo, também não conduz à nulidade sempre que não esteja em causa um direito fundamental (artigo 161º nº 2 alª d) do mesmo diploma). *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MABGFB
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer pugnando pela manutenção do decidido
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MABGFB, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 25.10.2017, que absolveu o Recorrido do pedido, por intempestividade da prática de acto processual pela Autora, na acção administrativa de impugnação de acto administrativo contra o Instituto da Segurança Social, IP, com vista à impugnação do despacho proferido pelo Director da Unidade de Prestações e Contribuições, notificado por ofício datado de 13.12.2013, o qual comunicou à Autora, ora Recorrente que lhe foi processado subsídio de doença superior ao devido e que lhe iam ser efectuadas deduções na pensão provisória por limite de baixa.
Invocou para tanto, em síntese, que o despacho recorrido enferma de ilegalidade por violação das normas contidas nos artigos 58º n.º 1 do C.P.T.A., 63º n.º 2 da C.R.P, 151º, 152º e 161.º n.º 2, al. d) do C.P.A., por o acto não se encontrar acompanhado de qualquer fundamentação que sustente e justifique a legalidade da restituição exigida, nomeadamente a razão pela qual são ignorados os atestados médicos de incapacidade para o trabalho por motivo de doença existentes no processo administrativo, não se alcançando do mesmo a explicação da decisão tomada, o que equivale a falta de fundamentação, por não se ter dado cumprimento ao disposto nos artºs 100º e 121º, ambos do CPA, que o direito ao subsídio de doença, corresponde ao núcleo essencial de um direito fundamental, ínsito no art.º 63º n.º 2 da C.R.P. e que, nesta medida, a prática de acto administrativo que alegadamente o ofenda, por eventual violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa-fé, como invocado nos presentes autos, é nulo (cfr. art.º 161.º n.º 2, al. d) do C.P.A.), não se encontrando a sua impugnação sujeita a qualquer prazo, nos termos dos art.ºs 58º n.º 1 do C.P.T.A.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela manutenção do decidido.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
I - Com a devida vénia e consideração pelo Mmo. Tribunal a quo, a douta sentença de que se recorre enferma de ilegalidade por violação das normas contidas nos artigos 58º n.º 1 do C.P.T.A., 63º n.º 2 da C.R.P, 151º, 152º e 161.º n.º 2, al. d) do C.P.A.
II - Desde logo, entende a Recorrente que o direito ao subsídio de doença, corresponde ao núcleo essencial de um direito fundamental, ínsito no art.º 63º n.º 2 da C.R.P. e, por outro lado, que o despacho emanado pela Ré e colocado em crise é ilegal, atenta a preterição legalmente imposta pelos artigos 151º, 152º do CPA e artigo 268º, nº 3 da CRP, acarretando também a sua nulidade nos termos do artigo 161.º do CPA.
III - No caso vertente, a Recorrente impugna o despacho da Entidade Demandada, em 2013-10-30, mediante o qual é exigido à mesma a restituição de €13.263,58, referente a subsídio de doença processado no período de 18-11-2009 a 19-11-2012.
IV - Em anotação a este preceito legal, esclarecem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1º a 107º, pág. 818:
“As situações de carência ou de “insegurança” cobertas pelo sistema público de segurança social não obedecem a um numerus clausus constitucional, pois o n.º 3, depois de enunciar algumas delas – que não podem deixar de ser abrangidas – acrescenta uma cláusula genérica que admite outras. Trata-se, em geral, de todas as situações de carência dos meios de subsistência ou de perda ou diminuição de capacidade para o trabalho (…).
Dada a sua essencialidade, até para garantia do direito à vida, o direito a uma prestação pública que garanta aos carenciados uma existência minimamente digna deve ser considerado um direito positivo imediatamente vinculante e justiciável, mesmo à margem da lei (…). Por identidade de razão, esse direito justifica que ninguém deve ser privado de rendimentos (mesmo por causa de cumprimento de obrigações para com terceiros), de modo a ficar abaixo do limiar da existência minimamente condigna.".
IV - Também Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, pág. 634 esclarecem que:
"Neste sentido, José Carlos Vieira de Andrade, in “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, pág. 165 a 166, explicita que o “núcleo essencial” corresponde às faculdades típicas que integram o direito, tal como é definido na hipótese normativa, e que correspondem à projecção da ideia de dignidade humana individual na respectiva esfera da realidade – abrangem aquelas dimensões dos valores pessoais que a Constituição visa em primeira linha proteger e que caracterizam e justificam a existência autónoma daquele direito fundamental.".
V - Donde, na senda dos Autores supra citados, se vislumbra que, in casu, o direito ao subsídio de doença, corresponde ao núcleo essencial de um direito fundamental, ínsito no art.º 63º n.º 2 da C.R.P.
VI - E, nesta medida, a prática de acto administrativo que alegadamente o ofenda, por eventual violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa-fé, como invocado nos presentes autos, é nulo (cfr. art.º 161.º n.º 2, al. d) do C.P.A.), não se encontrando a sua impugnação sujeita a qualquer prazo, nos termos dos art.ºs 58º n.º 1 do C.P.T.A..
Além disso,
VII - A Recorrente desconhece quais os fundamentos para a tomada de decisão por parte da Ré, já que da notificação em crise, a Ré, apenas menciona a existência de um acidente de trabalho ocorrido em 02-04-2008 e que a incapacidade daí resultante não se enquadra no conceito de doença no período de 18-11-2009 a 19-11-2012.
VIII - O acto não se encontra acompanhado de qualquer fundamentação que sustente e justifique a legalidade da restituição exigida,
IX - Ou seja, tal notificação não contém qualquer espécie de fundamentação, quer quanto aos seus pressupostos quer quanto à sua extensão, nomeadamente, a razão pela qual são ignorados os atestados médicos de incapacidade para o trabalho por motivo de doença existentes no processo administrativo.
X - O acto administrativo omite por completo os motivos de facto e de direito que levaram à sua prática, nem se alcança do mesmo a explicação da decisão tomada.
XI - No caso concreto, a incongruência equivale à falta de fundamentação, uma vez que, como supra se aduziu, são ignorados os atestados médicos de incapacidade para o trabalho por estado de doença existentes no processo administrativo, bem como os relatórios médicos.
XII - Além disso, a Ré em momento algum, notificou a Recorrente, a fim de ser ouvida no procedimento, antes de ser tomada a decisão final, e, consequentemente, não foi informada, sobre o sentido provável desta, como prevê o artigo 121.º do CPA.
XIII - Refira-se que, a Recorrente, aquando da notificação da decisão de restituição, respondeu formalizando reclamação a solicitar à Ré que procedesse a esclarecimentos sobre o despacho de que ora se recorre (“vide” doc. anexo à PI da acção principal sob o n.º 2).
XIV - Até à presente data a Recorrente não foi notificada de que tenha sido proferida qualquer explicação adicional por parte da Ré, nomeadamente os motivos porque pura e simplesmente ignora os atestados de incapacidade para o trabalho por estado de doença juntos e os relatórios médicos.
XV - Ora, também a mera remissão para normas legais indicadas no despacho da Entidade Demandada, não consubstanciam uma qualquer fundamentação nem justificam a decisão tomada – em face do disposto nos artigos 153º nº 2 do CPA.
XVI - Reitera-se pois, que a decisão sindicada, não se fez acompanhar de qualquer fundamentação apta a justificar a legalidade da restituição efectuada uma vez que tal notificação não contém qualquer espécie de fundamentação, quer quanto aos seus pressupostos quer quanto à sua extensão, não se justificando, designadamente, as razões porque não são tidos em conta os atestados de incapacidade para o trabalho juntos e os relatórios médicos.
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II – Matéria de facto.
Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte e com interesse para a apreciação da excepção que a fundamentou:
1- MABGFB instaurou acção administrativa contra o Instituto de Segurança Social, IP de impugnação de acto administrativo, com vista à impugnação do despacho proferido pelo Director da Unidade de Prestações e Contribuições, notificado por ofício datado de 13 de Dezembro de 2013, o qual comunicou à Autora/Recorrente que lhe foi processado subsídio de doença superior ao devido e que lhe iam ser efectuadas deduções na pensão provisória por limite de baixa.
2- A Autora teve conhecimento desse despacho, pelo menos, a 9 de Maio de 2014.
3- A presente acção deu entrada em juízo em 31.05.2016.
4- Da notificação desse despacho apenas consta a ocorrência de um acidente de trabalho em 02.04.2008 e que a incapacidade daí resultante não se enquadra no conceito de doença no período de 18.11.2009 a 19.11.2012.
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III - Enquadramento jurídico. A intempestividade da prática do acto processual pela Autora.
A Recorrente não alega que instaurou a presente acção dentro do prazo previsto no artigo 58º nº 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015, três meses a contar da sua notificação do despacho impugnado e dos factos 2 e 3 resulta que o não fez, ou seja, que deixou passar esse prazo, tendo a acção dado entrada muito depois do seu decurso.
O artigo 58º nº 1 do referido Código determina que salvo disposição legal em contrário, a impugnação dos actos nulos não está sujeita a prazo e de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.
A Autora alega nas alegações de recurso três situações que configura como conduzindo à nulidade do acto administrativo impugnado:
A) 1ª causa de nulidade - A violação do conteúdo essencial de um direito fundamental – artigo 161º, nºs 1 e 2, alínea d), concretamente do direito previsto no artigo 63º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Esta violação de um direito constitucional só é alegada em sede de recurso.
Com efeito, na 1ª instância tal invocação não foi feita em nenhuma das peças processuais apresentadas pelas partes e, por essa razão, na decisão da primeira instância tal questão não foi apreciada.
Conforme se decidiu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.12.2012, proferido por este Tribunal, por nós relatado, no processo nº 00356/12.2 CBR, em cujo ponto I do sumário se escreve:
“Depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova e, mesmo as de conhecimento oficioso, não podem aqui ser conhecidas se obstarem ao conhecimento de mérito, face ao disposto no artigo 87.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”
No texto do mesmo acórdão refere-se:
“Vem-se entendendo, de modo uniforme, que em sede de recurso jurisdicional apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso – neste sentido ver a título de exemplo os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254709.7 BEMDL, e de 08-07-2012, no processo 00215/98 – Porto.”
Pelo que quanto à violação do artigo 63º nº 2 da Constituição da República Portuguesa está vedada a este Tribunal qualquer pronúncia sobre tal questão, por não ter sido colocada em Iª instância, nessa parte, não merecendo provimento o presente recurso.
B) 2ª causa de nulidade - falta de fundamentação do mesmo despacho.
Esta causa de invalidade de um acto administrativo nunca conduz à nulidade do acto administrativo impugnado, mas apenas à sua anulabilidade, nos termos do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo de 2015, como é unanimemente entendido por toda a jurisprudência e doutrina.
Com efeito, determina o artigo 163º do referido Código que são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.
O artigo 162º nº 1 do mesmo diploma legal considera nulos os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
Ora, não existe lei que comine expressamente a nulidade para a situação de falta de fundamentação de um acto administrativo.
Aplica-se pois a esta causa de invalidade do acto o regime da anulabilidade previsto no artigo 163º do dito Código.
Não ocorrendo nulidade com este fundamento, não merece também o recurso provimento nesta parte.
C) 3ª causa de nulidade – a violação da audiência prévia da Autora no procedimento prevista nos artigos 100º e 121º, ambos do referido Código de Procedimento Administrativo.
Também esta violação não conduz à nulidade pelas razões já abordadas na segunda causa de nulidade supra apreciada. Este entendimento é também sufragado unanimemente por toda a jurisprudência e doutrina, sempre que não esteja em causa um direito fundamental (artigo 161º nº 2 alª d) do Código de Procedimento Administrativo de 2015) e já vimos que não foi alegado na 1ª instância a violação de um tal direito, pelo que cumpre manter a decisão recorrida, julgando improcedente todo o recurso jurisdicional.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 30.05.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro