Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01593/18.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S. A.; ESTRADA NACIONAL; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; PRESUNÇÃO DE CULPA; PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO;
INDEMNIZAÇÃO; 7º A 10º DO REGIME JURÍDICO APROVADO PELA LEI Nº 67/2007; ARTIGO 1º, Nº 5, DO ANEXO À LEI Nº 67/2007, DE 31.12; BASE IV APROVADA PELO DECRETO-LEI Nº 189/2002, DE 28.08; LEI Nº 67/2007, DE 31.12; ARTIGO 483º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 493.º, N.º1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:1. Por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, a Infraestruturas de Portugal, S. A. está submetida às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público nas estradas nacionais que lhe foram concessionadas, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08.

2. Decorre dos artigos 7º a 10º do regime jurídico aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil para as relações jurídico-privadas.

3. Aplica-se também ao caso de acidente ocorrido em estrada nacional a presunção de culpa que resulta do no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil.

4. Tendo-se provado que o acidente ocorreu devido à existência de uma substância gordurosa e não tendo a Demandada concecionária provado que a existência dessa substância na via se deveu a conduta de terceiro, a caso fortuito ou de força maior que não pudesse ter evitado, fica demonstrado o pressuposto da culpa na eclosão do acidente por parte da concessionária.

5. Não se trata aqui de responsabilidade objectiva ou pelo risco, porque esta prescinde da prova da culpa de quem quer que seja. Trata-se antes de inverter o ónus da prova. Deve ser a concessionária a provar que não teve culpa.

6. A concessionária não deve ser responsabilizada pelo facto de o veículo sinistrado não ter sido reparado em tempo oportuno por falta de meios económicos da lesada porque tal facto lhe é completamente alheio.

7. Mostra-se razoável fixar o valor de 20€ por dia de indemnização pela privação do uso do veículo, ligeiro de passageiros, que a autora utilizava nas suas deslocações de casa para o trabalho, e vice-versa, bem como para deslocações de lazer.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Infraestruturas de Portugal, S. A. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 16.07.2021, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa que contra si foi intentada por S... para pagamento de uma indemnização pelos prejuízos suportados como consequência de acidente de viação ocorrido no dia 04.11.2017 quando seguia ao volante do veículo de matrícula XX-XX-XX pela EN 206- Variante e Fafe.

Invocou para tanto, em síntese, que a Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto e no enquadramento jurídico pelo que ao contrário do que devia condenou a Ré em vez de a absolver; em todo o caso, as parcelas indemnizatórias são exorbitantes.

A Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

Questão prévia (suscitada pela Recorrida):

Incumprimento do ónus de formular conclusões – artigo 639º do Código de Processo Civil.

Embora pudessem ser mais sintéticas as conclusões, o certo é que foram apresentadas, não se verificando qualquer motivo para rejeitar o recurso.

Poderia, eventualmente, justificar-se o convite ao aperfeiçoamento com fundamento na sua complexidade – n.º3 do artigo 639º do Código de Processo Civil.

Mas, apesar de serem extensas cumprem, entendemos, o fim de delimitar com concisão o objecto do recurso.

Termos em que se aceita o recurso com as conclusões apresentadas.

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I - Após devida análise de todo o conteúdo da sentença, é nosso entendimento haver aspetos da matéria de facto que apontam em sentido diverso do considerado na sentença e, consequentemente, a devida subsunção ao direito conduziria a uma sentença de conteúdo diferente da proferida.

Matéria de facto:

II - A Recorrente considera terem sido indevidamente apreciados e julgados como provados os factos 7, 9, 10, 20, 22 e 26, admitindo-se pudessem ter julgamento diferente. Razão pela qual vem, ao abrigo do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi art.º
1.º e 140.º do CPTA, sindicar a sua alteração.

Assim:

Facto provado 7

III- Foi dado como provado o facto de a “Autora estar a conduzir o veículo à velocidade instantânea de 70Km/hora”, com base em depoimentos nas declarações de parte da própria Autora. Mais ninguém o confirmou.
Sim, quem o poderia confirmar? A condutora até parece já sabia que iria ter o acidente e, instantes antes, olhou para o mostrador para ler e fixar a velocidade!
Considerada a dinâmica do acidente, a sua violência, tendo o carro ficado totalmente destruído, a velocidade seria francamente excessiva.

IV - Admite-se mesmo que a causa do acidente seria outra que não a alegada substância gordurosa. Estava bom tempo e piso seco e era a descer e zona de curva.
No caso duma velocidade controlada, a haver acidente, os danos provocados teriam sido bem menores ou nem haveria capotamento.
Não será de ignorar que a estrada estava devidamente sinalizada e com a clara advertência no local de “zona de acidentes”.

V - A muito discutível a existência da substância gordurosa, poderia ter resultado da própria viatura sinistrada.

VI - De facto, na participação da GNR, designadamente no croqui, não foi referenciada, ainda que minimamente, a suposta mancha gordurosa e muito menos se apurou que tipo de substância estava em causa. Nem uma possível estimativa da distância ao início da derrapagem.

VI - Ficou-se sem saber qual o ponto provável do início da derrapagem e onde se localizava a alegada mancha gordurosa que, sem qualquer suporte factual, foi dito que existia. A viatura derrapou, bateu de um e outro lado e acabou por se imobilizar bem mais adiante.
Cita-se a passagem da gravação da audiência, das declarações da Autora, cerca de [7:00-10:00], em que a havia iluminação e antes não viu qualquer substância do tipo de óleo ou outra.
Situa-se aqui a passagem da gravação 1:00:08 a 1:00:30 do Sr. Agente da GNR que não pôs de parte a hipótese da substância gordurosa ser do próprio carro.
Ainda o depoimento do Bombeiro, Sr. F... que foi limpar a estrada (passagem da gravação 1:18:00 a 11:20:00)

VII - Custa ainda a compreender que, a Autora no momento em que estava em derrapagem com o carro, que é um facto instantâneo, ainda tivesse tempo de comentar com a colega V… que algo de estranho estava a acontecer. Também dizia que ia super devagar.

VIII - O que, mais uma vez, vem desacreditar as suas declarações, afigurando-se, previamente preparadas e ajustadas, conforme os seus interesses. Aliás, tinha dito que usava colar cervical e a colega V... foi perentória a dizer e contraditar que ela não usou colar cervical (passagem da gravação a cerca de 1:32:30)
Importa citar aqui a passagem entre 1:46:00 e 1:47:00 em que a testemunha V... refere claramente que não sabia bem com decorreu o embate até a viatura se imobilizar, porque ia ao telefone.

IX - Antes, a instâncias do Ilustre Mandatário da Autora, já a mesma testemunha descrevia o acidente de uma forma tal que parecia muito convincente e seguro.

X - Por outro lado, circular na referida estrada, de madrugada por volta das 2 ou 3 horas, com pouco trânsito, não será tendente a uma especial atenção dos limites de velocidade. E com acompanhante ao lado, neste caso a colega V... que até ia ao telefone, proporciona sempre alguma distração.

XI - Portanto, nada aponta ou comprova que o acidente se deu conforme declarações da Autora e do depoimento da colega V..., pondo, desde logo, em causa o facto tido como provado da velocidade praticada de 70Km/hora, o que se requer seja devidamente reapreciado e revisto.

Facto provado 9

XII - Considerou aqui o Tribunal que a derrapagem “foi causada pela existência de uma substância gordurosa existente na via, óleo ou gasóleo, que fez o veículo perder aderência ao pavimento”.
Apesar da presença de vários intervenientes no local, após o acidente (GNR, Bombeiros e outros), ninguém esclareceu que tipo de substância gordurosa se tratava (óleo, gasóleo, azeite, etc.).
E, decididamente, a precisa localização e área abrangida, designadamente, a que distância a partir da viatura sinistrada para a frente e para trás.

XIII - Ficou sempre a grande dúvida se, de facto, essa mancha de gordura já existia antes do acidente ou foi originada pelo próprio acidente (derrame de combustível decorrente do despiste). Certo que o carro, circulando, a descer e sem controlo (por presumível excesso de velocidade e alguma imprudência), batendo ora de um lado ora do outro e percorrendo extensão relativamente apreciável, sempre poderá ter deixado uma certa extensão de derrame de combustível.

XIV - Dos danos referidos na viatura sinistrada, constam “tampões”, como é descrito no artigo 29.º da petição.
Não se apurou ainda se a suposta mancha gordurosa ainda se estendia para além do limite onde se imobilizou o carro. Ia até onde? Já tinha terminado? Foi mesmo até aquele preciso local?

XV - Os depoimentos do Sr. Agente da GNR (passagem da gravação entre 59:56 e 1:02:00 e do Bombeiro-Sr. F... (passagem da gravação entre 1:17:00 e 1:20:00) não se mostraram esclarecedores quanto a esta factualidade.
Ora, caso a substância gordurosa, por hipótese, já lá estivesse, ficou-se sem saber há quanto tempo lá estaria.
Sendo que antes não se teve conhecimento qualquer outro eventual acidente no local. E não será de excluir a passagem, momentos antes, de que eventual veículo terceiro que tenha largado a alegada substância.
Dadas as circunstâncias e o não conhecimento de algum outro sinistro acidente que se tenha verificado antes, essa substância não seria tendente a permanecer muito tempo na estrada.

XVI - A IP mostra ter efetuado a devida manutenção e conservação da estrada (desde logo, a oportuna colocação da sinalização, com sinalização especial no local de alerta de “Zona de Acidentes”, recomendando circule com precaução), fiscalização e vigilância. Intervenção essa reafirmada pelos factos dados como provados nos pontos 31 e 32 da sentença, em que se evidencia a forma e regularidade com que é efetuado o patrulhamento da estrada.

XVII - Não se tratando de nenhuma autoestrada, o nível de exigência de vigilância é bem menor, não sendo tão intenso como nas autoestradas.
Porém, é impossível manter em cada ponto da estrada e mesmo ao Quilometro uma brigada de vigilância ou, mesmo, um só vigilante, em regime permanente e de forma ininterrupta, 24 horas sobre 24 horas, para ver, entre outras ocorrências, quem derrama óleo ou combustível para estrada e, assim atuar de imediato. Nem nas autoestradas.

XVIII - O Tribunal, a nosso ver e com todo o devido respeito, de forma muito sumária e sem especificar fundamento, veio imputar a responsabilidade à IP pela prática do “facto voluntário”, a página 13 da sentença, o que não se aceita

XIX - Tudo ponderado, quanto a este facto 9, deverá ser objeto de necessária revisão, decidindo-se por uma ausência de imputação de culpa à IP.

Facto provado 10

XX - Dos autos e da prova produzida não se extrai que a condutora seguia atenta às condições da via, como se descreveu acima quanto ao facto 7, dado como provado.

Facto provado 20

XXI - Não há prova de que a reparação acresça a 9.379,44€, pois:

-A reparação não existiu nem irá existir, na medida em que o veículo não tem reparação. Não vai ser reparado. A reparação, a ser possível, ficaria muito além do seu valor comercial. (Depoimento da testemunha Sr. A. [1:59:00 a 2:04:30].
-Embora não se apurasse o valor comercial do veículo na altura do acidente, admite-se que não se afastaria de 2.000,00€.
-Mesmo que, por hipótese, se avançasse para reparação, o valor apontado, com base num só orçamento, carece de devida consistência e validação. Não foi objeto de peritagem por perito independente, devidamente credenciado.
-Ainda e muito determinante, a inclusão do IVA que, independentemente de haver ou não validação e consistência no valor do orçamento, o Digníssimo Tribunal fixou exatamente na sentença condenatória o valo pedido pela Autora, sem mais.
Mas com o IVA que estava calculado em 1.753,88€.

XXII - O orçamento estava assim constituído em valor:

-Valor atribuído à reparação-------7.625,56€
- IVA -----------------------------------1.753,88€

Total---------------------------------- 9.379,44€

XXIII - Evidentemente, mesmo que o Tribunal decidisse condenar a IP no valor da reparação pedido, deveria retirar o IVA, porque nem sequer há fatura (pois não há reparação). E, por conseguinte, não haveria IVA para entregar ao Estado.
Seria, pois, uma verba que acabaria por entrar, indevidamente, na posse da Autora.
XXIV - Por conseguinte, na hipótese mais desfavorável de se vir a manter a condenação da IP, importa a devida reanálise quanto à inclusão do IVA.


Facto provado 22

XXV - Os meios económicos e financeiros parecem não ser a razão bastante para que a viatura não fosse reparada, pois, como já viu na análise do facto provado 20, a viatura não tinha reparação.

Questão da privação de uso do veículo

XXVI - Os pressupostos que ditaram a indemnização fixada de 4.800,00€, desde o dia do acidente até à instauração da ação (270 dias x 20,00€), bem assim a que se vier a apurar até o efetivo pagamento respeitante à reparação da viatura (de que não vai haver reparação), não se verificam pelo que, também aqui, se requer revisão da sentença.


XXVII - Além dos pressupostos que tendem a não se verificar, os valores atribuídos são extraordinariamente exorbitantes, o que equivale a dizer que vale a pena ter um acidente com um carro velho, com reduzido valor comercial e passar a ter disponível uma fonte de rendimento permanente (e com juros de mora a, pelo menos, 4%), tipo pensão de reforma mensal superior ao salário mínimo nacional (20,00€/dia x 30 dias = 600,00€/mês) até quando se quiser.

XXVIII - Porque, nestas condições, ninguém quer reparar a viatura, ainda que tenha reparação. Se precisar de carro para o seu dia-a-dia, arranja outro que não em seu nome e, assim, vai andando.
Enquanto ganha os cerca de 600,0€/mês, não tem descontos para coisa nenhuma. Nem tem custos. É dinheiro limpo e sempre atualizado com juros.

XXIX - São incompreensíveis os juros fixados, de que ainda não se sabe como se calculam, porque as quantias em causa não ocorrem num mesmo momento temporal. Todos os dias acrescem novas importâncias.

XXX - Quanto aos pressupostos, não se poderá ignorar que:

-Foi referido na audiência de julgamento que a Autora exercia, essencialmente, duas atividades laborais, como está sintetizado nos factos provados 24 e 25.

-Não foi exibido qualquer contrato de trabalho ou declaração ainda que mínima das entidades patronais, horário de trabalho, declaração de IRS, recibos de vencimento, etc. -Não se identificaram os locais de trabalho. Diz-se que é monitora de sessões de ginástica sénior na freguesia de Estorãos. Mas se concretiza onde, quem paga e que horários em concreto.

-Não se identifica o restaurante na cidade de Fafe onde a Autora trabalha ou trabalhava e que concretos horários praticava.

XXXI - Perante tais indefinições e ausência documental, não se consegue aferir se existem ou não transportes públicos compatíveis com os horários de trabalho, pelo que o facto provado 26 estará, necessariamente prejudicado.

XXXII - A este propósito cabe aqui situar as declarações de parte da Autora, na passagem da gravação cerca de 43:00 a 46:00, em que declarou que gastaria por semana em combustível com o veículo de cerca de 10,00€, o que significa que, caso utilizasse os transportes públicos gastaria necessariamente menos, o que equivaleria a gastar menos que 2,00€/dia (10,00€/7dias =1,42€/dia < 2,00€/dia).
Valor este muito inferior aos 20,00€/dia fixados na sentença.

XXXIII - Certo é que com tais 10,00€/ semana em combustível, não seria de esperar circular mais de 100Km / semana, o que daria em média 14km /dia, muito longe dos alegados 30Km/dia a que refere a petição no artigo 49.º

XXXIV - Mas, mesmo assim, o pedido da privação de uso não deveria ter provimento por falta de documentação demonstrativa e prova fundada. E nunca por um período tão longo e indeterminado.

XXXV - O recurso à equidade, seguido por vários Acórdãos, não deverá significar, necessariamente, que seja a solução prevalente e que a tudo se aplica.
O valor fixado der 20,00€/dia é manifestamente exagerado. Em situações mais exigentes e com prova mais intensa, há Acórdãos que apontam para menos (cerca de 10,00€/dia).

XXXVI - Ainda de referir a seguinte jurisprudência:

- De acordo com o acórdão do STJ de 12/01/2012, revista n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1 “V A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é suscetível de fundar a obrigação de indemnizar. VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.”

-O acórdão do STJ, de 23/11/2010, revista n.º 2393/06.7TBSTS.P1.S1 “a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é suscetível de fundar a obrigação de indemnizar, para que a imobilização de uma viatura possa significar danos para o seu proprietário é necessário alegar e provar factos nesse sentido”.

-No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 19/11/2009, revista n.º 31/04.1TBLSD.S1 “A mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, não é suscetível de fundar a obrigação de indemnização”.

XXXVI - Admite-se que o recurso à equidade constitua critério adequado do julgador, no sentido de limitar ou contrariar períodos tão longos e indeterminados de indemnização por privação de uso.

O Direito

XXXVII - A sentença proferida considera provada a dinâmica do acidente, o que não se pode aceitar, face ao que se acabou de descrever na alegação da matéria de facto.
É deduzida uma responsabilidade civil sobre a IP que não tem qualquer suporte legal, em que, pelo menos, um dos exigíveis requisitos ou pressupostos para, eventualmente, responsabilizar a IP, falha. Concretamente, a imputação do facto e a ilicitude e culpa.

XXXVIII - Considere-se o mais que provável excesso de velocidade com que a condutora, aqui Autora vinha circulando no local.

XXXIX - Dados os factos, como vimos, não se mostra ter havido qualquer prática de ato por ação ou omissão que configure ilicitude para a Infraestruturas de Portugal S.A. (a IP).
Não se vê, pois, por parte da IP, o que mais poderia fazer para evitar o acidente, a que só pode ser alheia, não tendo qualquer hipótese de controlar a situação, ficando refém de possíveis intervenientes terceiros.

XL - Não recebeu qualquer aviso prévio, quer da GNR, quer dos Bombeiros ou outras Entidades externas que passam regularmente no local. Desconhecia o sucedido. Ninguém lhe transmitiu nada. Só, depois, com o desenvolvimento ou preparação da ação.

XLI - Independentemente do cumprimento de todos os deveres de cuidado ao alcance da IP, admite-se que tal seria sempre indiferente à produção do dano (artigo 493.º do Código Civil), tornando-se condição dele outras circunstâncias alheias ao IP, pelo que se invoca aqui a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann.

XLII - Ainda que assim não seja, o que não se concede, não resulta provada a dinâmica do acidente tal e qual como alegada pela Autora, pelas razões já desenvolvidas na parte relativa à matéria de facto.

XLIII - Mas, pela prova produzida na audiência de discussão e julgamento, há evidências que apontam no sentido de se concluir por uma condução negligente, imprudente e desatenta da condutora, conjugada com o mais que provável excesso de velocidade para o local em causa (avisado e zona de acidentes, devidamente sinalizado).

XLIV - Assim sendo, para todos os efeitos, do acidente verificado, não poderá resultar ou ser imputada qualquer responsabilidade à IP, em sede de responsabilidade civil extracontratual, por ausência de pressupostos legais, designadamente a ausência de imputabilidade, ilicitude e culpa.

XLV - No limite e na hipótese mais desfavorável da IP sofrer alguma condenação, nem mesmo uma eventual repartição de responsabilidades.

XLVI - Assim sendo, e porque não se verifica motivo fundado para responsabilizar a IP, a sentença deverá ser objeto de necessária revisão, tendo em conta as alegações e conclusões que se apresentam no presente recurso.

Nestes termos e no mais de direito que Vossas Excelências, os Senhores Desembargadores, decerto suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:

-Ser revogada a sentença objeto de recurso, substituindo-a por outra decisão que considere totalmente improcedente a ação, absolvendo a Ré, aqui Recorrente, do peticionado.

Embora estas conclusões não primem pelo seu sintetismo entendemos que cumprem o objectivo do disposto no artigo 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Daí que não se justifique o convite ao aperfeiçoamento, sugerido pela Recorrida.
*
II –Matéria de facto.

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:

“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Dito isto, vejamos os pontos da matéria de facto postos em causa pela Autora, Recorrente:

Facto provado sob o n.º 7:

“Animado (o veículo conduzido pela Autora) por velocidade instantânea de 70 km/h.

Neste ponto a Recorrente tem razão.

Como fundamentação começa por se dizer na decisão recorrida:

“Sobre os factos que dizem respeito à dinâmica do acidente, i. e. os que constam dos pontos 2 e 5 a 11, o tribunal considerou vários meios de prova, começando pelas declarações de parte da autora.
Mas sobre estas declarações (que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, como resulta do art.º 466.º, n.º 3, do CPC) importa dizer desde já que nem sempre se mostraram credíveis”.

Certamente por lapso aqui se põe em causa a credibilidade das declarações de parte da Autora. Do contexto e do que se segue o que se queria dizer era precisamente o contrário:

Com efeito, na parte que respeita ao acidente em si mesmo, o discurso da autora apresentou-se espontâneo, circunstanciado e objetivo, merecendo crédito por parte do tribunal. Além disso, a descrição do acidente foi corroborada pelo depoimento da testemunha V... , cujo discurso se apresentou espontâneo, sem incoerências ou comprometimento, não se tendo denotado qualquer intento de proteger a posição da autora, apesar da relação de amizade; a testemunha seguia com a autora no momento do acidente, tendo inclusive ficado encarcerada, e relatou precisamente o mesmo que a autora, ou seja, que de repente o carro começou a fugir, entrou em despiste (aos “S”), embateu nos rails de proteção e capotou.

Mas fala-se da “descrição do acidente” sem se referir em concreto a velocidade a que seguia o veículo.

E, na verdade, é muito pouco credível que a Autora ou a sua acompanhante fossem a olhar para o conta quilómetros no momento do acidente e só assim poderiam dizer com segurança a que velocidade seguia o veículo.

Sem qualquer outro meio de prova minimamente seguro, como a medição da velocidade instantânea por aparelho oficialmente aprovado, não se mostra acertado dar como provada, com precisão, a velocidade a que seguia o veículo.

Mostra-se antes acertado dar apenas como provado que:

7. “Animado por velocidade não determinada”.

Facto provado sob o n.º 9:

Refere-se na decisão recorrida sobre este ponto:

“Uma das questões, em termos de julgamento de facto, que mereceu maior atenção foi a determinação da causa do acidente [facto provado em 9], porque logo em contestação a ré veio lançar a possibilidade de a substância encontrada na via ter sido largada pela própria viatura. Também em audiência final se insistiu neste ponto. Porém, sobre este aspeto, entende o tribunal que existe prova segura de que o acidente foi causado pela substância gordurosa existente na via. Com efeito, para além dos relatos da autora e da testemunha V..., que já afastavam a hipótese aventada pela ré, importa aqui referir o depoimento da testemunha M..., militar da GNR que acorreu, em serviço, ao local do acidente, conciliado com a participação de acidente de viação que o mesmo elaborou, tal como o próprio confirmou. Acerca desta questão da substância na via, que foi bastante insistida, a testemunha afirmou que a mesma estava antes do carro, e apesar de admitir a hipótese abstrata de a mesma poder ser do próprio carro acidentado, não se mostrou convencido dessa hipótese em concreto.

Na verdade, mesmo à luz das regras da experiência comum, e se atentarmos no modo como o acidente foi descrito pela autora e pela testemunha acima referida, não faz sentido algum que um automóvel perca óleo ou gasóleo, e escorregue no próprio óleo ou gasóleo que perdeu; por outro lado, se o veículo tivesse perdido qualquer substância com o embate, a mesma estaria no local do capotamento, e não uns bons metros antes desse local, como a testemunha afiançou.

Acresce ainda o depoimento da testemunha F..., operacional dos Bombeiros Voluntários de Fafe que se deslocou ao local do acidente em socorro das vítimas, conciliado com o relatório de ocorrência junto com a petição inicial, embora não tenha sido elaborado pela testemunha. Seja como for, a testemunha afiançou ao tribunal que (não sabendo, como não podia saber, já que não presenciou o acidente) que antes do local do acidente havia uma extensão considerável de gordura; e saliente-se que a testemunha foi o responsável pela limpeza da via (enquanto operacional dos bombeiros), pelo que tinha de prestar atenção ao local.

Ora, conciliando todos os meios de prova, atendendo à descrição do acidente, e ao que foi referido pela testemunha militar da GNR e pela testemunha operacional dos bombeiros, só podemos concluir pela existência da mancha de gordura na via, que a mesma foi a causa do acidente, e que nenhuma prova ou sequer indício existe de que a mesma seja do próprio veículo acidentado. Nem mesmo conta como indício que o veículo necessite de uma tampa de acesso ao depósito, dado que, uma vez que capotou e ficou todo danificado, é natural que também essa peça necessite de reparação (mas, por exemplo, já nada se disse sobre o veículo necessitar de um novo reservatório de combustível). Não estamos sequer a ver motivo para que duas pessoas totalmente insuspeitas, que não conhecem a autora, e que intervieram apenas no âmbito das suas funções, como militar da GNR e bombeiro voluntário, afirmassem o que afirmaram se não fosse verdade. Por tudo isso, concluiu o tribunal que a causa do acidente foi efetivamente a substância depositada na via.

No entanto, é certo que não se provou a natureza dessa substância em concreto. Ou seja, sabe-se que seria óleo ou gasóleo, através do depoimento das testemunhas, mas não se conseguiu apurar qual das duas em concreto. De todo o modo, tal facto não altera o rumo da ação, dado que o essencial ficou provado: a substância existia, podendo ser uma de duas, mas sendo irrelevante qual delas era em concreto.

Diga-se igualmente que o depoimento da testemunha M..., associado à participação de acidente de viação que o mesmo afiançou ter elaborado, constitui prova suficiente do facto provado em 13; e o depoimento da testemunha F..., associado aos relatórios de ocorrência juntos aos autos, foi o bastante para dar como provado o facto elencado em 12. Aliás, é de salientar que estes depoimentos merecem inteiro crédito por parte do tribunal, não apenas pela circunstância de as testemunhas não terem qualquer ligação direta ou indireta às partes envolvidas, encontrando-se naturalmente distantes das mesmas, mas sobretudo porque os depoimentos foram prestados de forma espontânea, circunstanciada e objetiva em toda a sua extensão.”.

Não se vislumbra aqui erro, menos ainda evidente.

Pelo contrário, é total o acerto, tendo em conta sobretudo o teor da participação da G.N.R., confirmada em audiência de julgamento pelo militar que a elaborou:

“A condutora do veículo n.º1 declarou que circulava na EN 206 no sentido Fafe-Guimarães, que sensivelmente ao Km 47,1 perdeu o controlo do eu veículo, por existir alegadamente gasóleo na via da direita, facto esse que acabou por ser confirmado pelo participante, tendo os bombeiros voluntários de Fafe se deslocado ao local para limpeza da mesma. Da perda de controlo do veículo resultou o embate nas guardas laterais de segurança, que provocou o capotamento”.

De que tipo de substância gordurosa se tratava é completamente irrelevante.

Relevante é que a mesma provocou, segundo o juízo do tribunal perante as provas que discriminou sem erro evidente, antes com claro acerto, o descontrole e capotamento do veículo sinistrado.

Assim como é irrelevante saber onde se situava o início do ponto de derrapagem e o a localização da macha de gordura. Importante é saber que existia uma mancha de gordura na via e que foi esta a causa do despiste da viatura.

Até porque a derrapagem em local gorduroso não deixa sinais na via. Só a travagem que normalmente ocorre em via seca. A gordura provoca o descontrole da viatura precisamente pela falta de aderência ao solo.

Ter ficado “sem saber há quanto tempo lá estaria” a mancha de gordura não é incompatível, pelo contrário, é perfeitamente compatível com a matéria de facto dada como provado, da qual não consta tal facto.

A ter lá existido outro acidente ou não também se mostra irrelevante quer porque pode ter havido e não ter sido participado por qualquer razão quer porque se desconhece as características e o ponto por onde passaram assim como o número de veículos que ali passaram depois de aparecer a mancha de óleo na via. De resto quando ocorreu o acidente, um sábado, pouco trânsito ali haveria sobretudo em momento próximo ao do acidente, 02h30m.

Facto provado sob o n.º 10:

“Não obstante seguir atenta às condições da via, a Autora não teve tempo nem forma de evitar o descontrolo da viatura, que entrou em imediato deslize e derrapagem em direção ao rail lateral de proteção”.

A Autora não tinha outro meio de prova de que seguia atenta a não ser as suas próprias declarações e da sua acompanhante. E embora o seu crédito possa ser relativo, o certo é que não se vislumbra erro evidente no julgamento da matéria de facto neste ponto.

Facto provado sob o n.º 20.

Fundamenta a sentença a prova deste facto do seguinte modo:

“Sobre os estragos sofridos no veículo, e desde logo quanto ao facto elencado em 18, a prova produzida é bastante clara no sentido de a viatura ter ficado praticamente toda destruída no que respeita à carroçaria. O que decorreu do acidente e da necessidade de desencarcerar uma das ocupantes. Também a testemunha F... confirmou, confrontado com as fotos juntas com a PI, que aquele era o carro acidentado aquando do sinistro, confirmando que estava capotado. Da mesma forma, a testemunha V... confirmou que o carro ficou todo partido, até o tejadilho. E lê-se na participação de acidente de viação que ocorreu um capotamento. A descrição é congruente com os danos sofridos pelo veículo.

A este respeito, importa também considerar o depoimento da testemunha A..., que disse ao tribunal ter elaborado o orçamento junto aos autos, feito sob reserva, porque não chegou a desmontar o carro. Tratou-se de um depoimento importante, não apenas por confirmar os estragos referidos no ponto 18, mas igualmente quanto aos factos provados em 19 e 20. Devemos dizer que este depoimento se pautou por inteira serenidade, espontaneidade e seriedade, não havendo qualquer motivo que possa afetar a credibilidade do mesmo. Na realidade, a testemunha limitou-se a depor objetivamente sobre a matéria a que foi questionado”.

Antes de mais importa corrigir um erro de escrita, evidente pelo contexto: onde se diz “acresce” pretendeu dizer-se “ascende”.

Mas não se vê também aqui erro, menos ainda evidente, na avaliação da prova produzida, designadamente a testemunhal e documental, em concreto o orçamento elaborado pela testemunha A... e junto aos autos que confirmou o valor a que alude o ponto 22 dos factos dados como provados.

Quanto ao alegado facto de a reparação ser muito superior ao valor comercial do veículo é matéria nova, invocada em sede de alegações de recurso e não em sede própria, a contestação, onde nada se diz a este respeito, apesar de a Autora ter mencionado logo na petição inicial o custo da reparação que acabou por se dar como provado.

Deixando assim a Ré, Recorrente, precludir a possibilidade de invocar – e provar – esta matéria que por se de excepção - facto modificativo do direito da Autora - lhe incumbia invocar oportunamente para em sede de julgamento a provar.

Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 264º, 487º e 516º, estes do Código de Processo Civil.

O Tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cfr. artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil).

Quanto ao IVA integrar ou não o valor da indemnização é matéria de direito e não de facto. Como este tipo de transacção está sujeita a IVA naturalmente o orçamento da reparação – facto dado como provado -, dando a indicação do valor final a pagar ao prestador do serviço, tem de incluir esse valor.

O orçamento não é o valor pago, é, pela sua própria natureza, uma estimativa do valor a pagar.

Não há, também aqui, qualquer alteração a fazer ao julgamento da matéria de facto.

Facto provado 22.

Em bom rigor a Recorrente não põe em causa que, com aqui se dá por provado, que o veículo sinistrado não tenha sido reparado. Assim como põe em causa que não tenha sido reparado por falta de meios económicos, mas não a prova produzida sobre este facto, referindo tão-só que “não parece ser razão bastante”.

Pelo que nesta parte não há que alterar também o decidido.

Factos 24 e 25.

Aqui a Recorrente limita-se a imputar falta de concretização destes factos e a falta de prova documental. Não indica, como era seu ónus, quais os concretos meios probatórios produzidos que impunham decisão diversa – artigo 640º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Nada há aqui, portanto, a alterar na matéria de facto.

Facto 26.

O que se disse no item anterior, prejudica a apreciação deste ponto.

Deveremos, assim, dar como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A Autora é dona do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca FIAT, modelo PUNTO, de matrícula XX-XX-XX.

2. No dia 04.11.2017, pela 02 horas e 30 minutos, o veículo acima identificado circulava na EN 206, na variante de Fafe, que liga à circular urbana de Guimarães, ao km 47.

3. A conservação, manutenção e fiscalização das condições de circulação daquela EN 206, em particular no km indicado, estão a cargo da Ré, enquanto concessionária.

4. Sendo que, naquele local, a faixa de rodagem é composta de duas vias de trânsito para cada sentido, divididas por separador central, apresentando-se em curva, precedida de uma recta, existindo um painel informativo a alertar para zona de acidentes.

5. Seguindo o veículo pela via de trânsito mais à direita, atento o seu sentido de marcha, Fafe – Guimarães;

6. Era conduzido pela Autora.

7. Animado por velocidade instantânea de 70 km/h.

8. Quando assim seguia, a Autora perdeu o controlo da viatura, que entrou em derrapagem, de forma repentina e imprevista.

9. A qual foi causada pela existência de uma substância gordurosa existente na via, óleo ou gasóleo, que fez o veículo perder aderência ao pavimento.

10. Não obstante seguir atenta às condições da via, a Autora não teve tempo nem forma de evitar o descontrolo da viatura, que entrou em imediato deslize e derrapagem em direção ao rail lateral de proteção.

11. E prosseguiu a sua marcha descontrolada, embateu no rail, capotou e ficou imobilizado na via de trânsito da esquerda.

12. Intervieram os Bombeiros Voluntários de Fafe, que após assistência às pessoas envolvidas no despiste, procederam à limpeza e desobstrução da via.

13. Tendo também comparecido no local uma brigada da G.N.R., que elaborou a respetiva participação de acidente de viação, identificada pelo número 0794/2017, do destacamento de trânsito de Braga.

14. Na sequência do despiste, a Autora foi transportada em ambulância, pelos Bombeiros Voluntários de Fafe, para o Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães.

15. Aí, a Autora foi submetida a RX.

16. Teve alta hospitalar no mesmo dia.

17. Em 17.11.2017, a Autora foi novamente observada naquele Hospital, tendo sido considerada curada das lesões sofridas.

18. Na sequência do embate e capotamento, o veículo sofreu amolgadelas e estrago de peças em toda a sua extensão, de várias componentes, e na pintura.

19. Designadamente, ao nível do capot, para-brisas, nas quatro portas, na parte da frente, na travessa, no reforço do para-choques da frente, no guarda-lamas da frente sem suporte, no tejadilho, no para-choques da frente, na grelha, no resguardo da frente, na grelha do radiador, nos dois espelhos retrovisores, no resguardo da cave da roda, no radiador, no electroventilador, no condensador do ar condicionado, nos quatro faróis e nos faróis de nevoeiro, no suporte lateral, no braço da suspensão, no suporte, nos amortecedores, nas jantes, nos tampões, nos farolins laterais, no rolamento da roda da frente.

20. A reparação desses estragos, incluindo o custo e substituição de peças, o serviço de chapeiro e pintura, e a aplicação dos materiais necessários, acresce a 9.379€44.

21. Em virtude daqueles estragos, o veículo não consegue circular.

22. E ainda não foi reparado, porque a Autora não dispõe de meios económicos e financeiros que lhe permitam fazê-lo.

23. Encontrando-se o veículo ainda imobilizado, desde o dia do embate.

24. Na altura do embate, a autora era monitora de sessões de ginástica sénior, que se realizavam às segundas e às quartas-feiras na freguesia de Estorãos, localizada a cerca de 10 km da sua residência.

25. Ao domingo ao almoço, trabalhava num restaurante na cidade de Fafe, localizado a cerca de 5 km da sua residência.

26. Não existiam transportes públicos compatíveis com os seus horários de trabalho.

27. A Autora utilizava o veículo nas suas deslocações de casa para o trabalho, e vice-versa, bem como para deslocações de lazer.

28. A Autora despendeu ainda 3€20 com o registo de correio da carta que enviou à Ré, em 15.11.2017.

29. Pagou 8€77 em despesas com a aquisição de medicamento receitados na sequência da assistência hospitalar.

30. E pagou 61€50 aos Bombeiros Voluntários de Fafe pela obtenção dos respectivos relatórios de ocorrência.

31. A Ré realiza patrulhamentos da EN 206 no local em apreço (variante de Fafe) com recurso a veículos UMIA (Unidade Móvel de Inspeção e Apoio), duas vezes por semana.

32. O último patrulhamento efetuado pela UMIA da ré no local da EN 206 identificado ocorreu em 03.11.2017, pelas 15 horas.

33. A Ré não teve conhecimento do embate e capotamento sofridos pela autora, nem foi alertada a intervir.
*
III - Enquadramento jurídico.

Por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, a Infraestruturas de Portugal, S. A. está submetida às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público no local onde o sinistro ocorreu, uma estrada nacional, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08.

A Ré, ora Recorrente, no âmbito da concessão tem poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas – cfr. relativamente à EP – Estradas de Portugal, S.A., mas cuja argumentação é transponível para a situação em apreço, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2013, Proc. nº 017.13.

Nos termos do artigo 7º do Anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa por causa desse exercício”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime em análise e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil para as relações jurídico-privadas.

Assim a Ré, ora Recorrente, será responsável na medida em que se encontrem verificados os pressupostos; facto, ilícito, culposo, gerador de danos e verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo um juízo de causalidade adequada.

Vem imputada à Ré, ora Recorrente, uma actuação omissiva – não tomada de providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na EN 206, na variante de Fafe, em concreto não ter assegurado que não existia qualquer substância gordurosa na via, como se verificou existir, e que esteve na origem do acidente.

Da matéria dada como provada não resulta que a Ré tivesse actuado no sentido de impedir que tal substância estivesse na via.

E não basta, nem releva, para afastar a ilicitude da sua conduta omissiva, que a concessionária realize duas vezes por semana um patrulhamento na via, sendo o último antes do acidente o dia anterior.

A Ré teria de demonstrar que o óleo ou gasóleo aí foi parar por motivo a que é alheia, fortuito ou de força maior, o que não logrou fazer.

Está, pois, preenchido o pressuposto primeiro pressuposto legal da responsabilidade da ré, a culpa, dado não ter afastado a presunção de culpa que resulta do no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

E, ao contrário do que pretende a Ré, agora Recorrente, não se verifica circunstância que afaste esta culpa presumida.

A Recorrente não logrou provar que a existência do óleo ou gasóleo na via se deveu a conduta de terceiro, a caso fortuito ou de força maior que não pudesse ter evitado.

Apenas ficou provada a existência de uma substância gordurosa na via que esteve na origem do acidente.

Não se trata aqui de responsabilidade objectiva ou pelo risco, porque esta prescinde da prova da culpa de quem quer que seja. Trata-se antes de inverter o ónus da prova. Deve ser a concessionária a provar que não teve culpa. O que no caso não logrou fazer.

O 2º pressuposto é a ilicitude.

A ilicitude traduz-se no caso na violação do direito de propriedade da Autora sobre o veículo sinistrado, no dano verificado nesse veículo, dano imediato, e nos prejuízos daí advenientes que a Autora teve de suportar.

Descendo de novo ao caso concreto, a Recorrente não logrou provar que a existência da gordura na via causadora do acidente e do dano verificado não lhe é objectivamente imputável, por ser devido a circunstância que lhe fosse alheia e ao seu dever de vigilância.

Quanto ao nexo de causalidade não é posto em causa que o acidente e, logo, os danos verificados por virtude desse acidente resultaram da existência de uma substância gordurosa na via.

Pelo que apenas há que apurar os danos.

E de entre os invocados na petição inicial apenas há que ter em conta, agora em sede de recurso, os que foram fixados na sentença, dado que em relação aos demais não houve reacção por parte da Autora, ora Recorrida.

A saber:

I - O valor da reparação, de 9.379 €44;
II - O valor dos medicamentos, de 8€77; e
III - A privação do uso, no valor de 4.800€00 (240 dias x 20€00 por dia), bem como à razão de 20€00 até ao pagamento da indemnização relativa à reparação (nos termos expostos).

Vejamos.

Quanto ao valor de 8€77, de medicamentos, não há discussão.

No que diz respeito aos restantes verifica-se, na verdade, um erro de imputação objectiva à Recorrente de um facto: o de o veículo ainda não ter sido reparado.

Se o veículo não foi ainda reparado tal facto deve-se, como ficou provado, à falta de disponibilidade de meios económicos e financeiros por parte da Autora, ora Recorrida, que lhe permitam fazê-lo.

Facto a que a Recorrente é completamente alheia.

Não se justifica por isso responsabilizar a Ré, para além do custo da reparação, também pelo atraso na reparação.

Naturalmente que não tendo sido feita a reparação em tempo oportuno, por facto imputável à Recorrente, a reparação, decorridos 4 anos, pode não se justificar agora e, em todo o caso, no custo da reparação não será possível determinar o que resultou do acidente e o que resultou da natural degradação de um veículo sem circular durante 4 anos.

Dito isto.

A indemnização por danos patrimoniais deve revestir, em primeiro lugar, a forma de reconstituição natural - artigo 562º do Código Civil.

Apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor tem lugar a indemnização em dinheiro que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – n.ºs 1 e 2 do artigo 566º do Código Civil.

Só se pode recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 358º, n.º2, e 609º, n.º2, do Código de Processo Civil.

No caso é possível, por meio de declaração de técnico competente ou perícia, determinar o tempo razoável de reparação dos danos provados, caso tivesse sido feita em tempo.

Sendo certo que no caso se justifica indemnizar a autora pela privação do uso do veículo por o utilizar nas suas deslocações de casa para o trabalho, e vice-versa, bem como para deslocações de lazer – facto provado sob o n.º 27.

Neste ponto mostra-se razoável o valor fixado de 20€ por dia.

Assim como é possível determinar, pelos mesmos meios, se se justifica a reparação do veículo neste momento ou antes a sua substituição por veículo equivalente e, neste caso, qual o valor a pagar.

Pelo que se justifica relegar para incidente próprio quer a indemnização pelos estragos verificados no veículo – ou sua substituição por equivalente - e pela privação do uso do veículo pelo tempo que normalmente seria necessário à reparação se esta tivesse sido feita logo após o acidente.

A que acrescem juros de mora desde a citação na presente acção – n. º3 do artigo 805º do Código Civil.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional pelo que:

A) Mantém a decisão recorrida no que diz respeito à indemnização por despesas com medicamentos.

B) Revogam a decisão recorrida na parte condenatória restante.

C) Condenam a Ré a pagar à Autora no que se vier a liquidar pelos danos verificados na viatura sinistrada e pela privação do seu uso, nos termos supra expostos.

D) Absolvem a Ré do pedido líquido formulado.

Custas provisoriamente em partes iguais por Recorrente (Ré) e Recorrida (Autora), em ambas as instâncias, para se ter em conta em eventual liquidação e sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Recorrida (Autora).
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Porto, 25 de Março de 2022



Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre