Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01760/13.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO;
GERENTE ÚNICO, PRESUNÇÃO JUDICIAL, ÓNUS DA PROVA;
DESPACHO DE REVERSÃO, FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
I - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.

IV – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

VI - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.

VII - Ao juiz é lícito inferir a efectividade da gerência do oponente no contexto em que ele é o único gerente inscrito da sociedade devedora originária, se comprova que esta teve actividade no período a que se reportam as dívidas revertidas e o revertido praticou actos, na qualidade de gerente, quando não haja notícia de como era ultrapassada, na prática, a vinculação jurídica da sociedade perante terceiros.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...04, residente na Rua ..., ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 06/07/2023, que julgou improcedente a oposição que intentou, na qualidade de revertida, contra o processo de execução fiscal n.º ...88, originariamente instaurado contra a sociedade “[SCom01...] Unipessoal, Lda.”, para cobrança coerciva de IVA de 2010, no montante de €7.646,33.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1 – À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência.
2 – É à Autoridade Tributária, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.;
3 – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto;
4 – Ora, para prova do exercício da gerência de facto o Meritíssimo Juiz “a quo” considerou apenas inscrição da recorrente como gerente na competente Conservatória do Registo Comercial;
5 - Do art. 11.º do CRC resulta apenas que se presume que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial.
6 – O tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição quanto à gerência de facto, pode utilizar presunções judiciais, motivo por que, com base na gerência de direito e noutras circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Autoridade Tributária, pode, usando de regras de experiência, inferir a gerência de facto;
7 – O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal;
8 – Acresce que a Autoridade Tributária, pese embora a possibilidade do tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, não pode dispensar-se de alegar no despacho de reversão a gerência de facto.
9 - Tanto basta para que se possa concluir pela ilegitimidade da recorrente, por não se ter demonstrado os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º, nº1 da LGT;
10 - Por todo o exposto verifica-se, in casu, a ilegalidade da reversão contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima na execução.
11 - A sentença recorrida violou, assim, entre outros, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 22º, 23º, 24º e 74º da LGT.
Nestes termos, e nos melhores de direito que Vas. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser alterada a sentença recorrida por outra que julgue a oposição totalmente procedente.
Assim decidindo, farão V.Exas., Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que o despacho de reversão está fundamentado e que estão reunidos os pressupostos para operar a reversão, designadamente, a gerência de facto.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“II.1 – De facto
Com relevo para decisão, resultam provados os seguintes factos:
1. Correm termos no Serviço de Finanças ... 2 os processos de execução fiscal n.ºs ...88 e aps. [...33 e ...24], instaurados contra “[SCom01...], UNIPESSOAL, LDA.”, sendo os apensos relativos a dívidas provenientes de IVA dos terceiros e quatro trimestres do ano de 2010, com datas limite de pagamento em 15.11.2010 e 15.02.2011, na quantia exequenda total de € 7.646,33. [cfr. certidão do processo de execução fiscal (PEF) apenso – certidões de dívida]
2. Por deliberação de 03.05.1996, «AA», ora oponente, foi nomeada gerente da “[SCom01...], UNIPESSOAL, LDA.”. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso - certidão de matrícula fls. 7-8]
3. A sociedade obrigava-se com a assinatura de um gerente. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso - certidão de matrícula fls. 7-8]
4. A sociedade executada apresentou-se à insolvência, em virtude de deliberação em assembleia geral de 24.05.2012, da sua única socia e gerente, a ora Oponente. [cfr. ata de assembleia geral de fls. 16-18 do doc. ... - requerimento da insolvência e documentação anexa]
5. Da relação de credores, anexa ao requerimento inicial apresentado constavam o total de dívidas de € 195.150,13, incluindo os valores de € 69.305,53 à Segurança Social e € 54.740,95 à Autoridade Tributária e Aduaneira. [cfr. relação de fls. 19 do doc. ... – requerimento da insolvência e documentação anexa]
6. O relatório do administrador de insolvência integra a menção a terem sido reclamados créditos no valor de € 239.229,21 e o seguinte teor acerca das causas da situação da sociedade: (…) [imagem no original] [cfr. relatório doc. ...]
7. Foi declarada a correspondente insolvência, por sentença que nomeou administrador de insolvência, em 11.06.2012, no processo n.º 2009/12...., no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – certidão matrícula fls. 7-8; sentença doc. ...]
8. Em 20.09.2012 foi determinado o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – notificação ata e decisão fls. 4-6 e certidão matrícula fls. 7-8]
9. Em 24.09.2012 foi comunicado ao Chefe de Finanças o encerramento do processo de insolvência. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – notificação ata e decisão fls. 4-6 e certidão matrícula fls. 7-8]
10. Em 06.12.2012 foi lavrado termo de juntada ao processo de execução fiscal n.º ...88 e aps. de documentos incluindo: - ofício de notificação do despacho de insolvência; certidão de matrícula da sociedade devedora; - fax remetido pelo ISS, IP na sequência de pedido de informação sobre a qualificação da Oponente como MOE da sociedade devedora; - cópia de declaração de alterações apresentada pela sociedade devedora, para efeitos de IVA em 15.09.2011; extrato informático da declaração modelo10/anual anexo J apresentada pela sociedade executada quanto aos anos 2010 e 2011. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – documentos e termos de juntada fls. 4-13]
11. Em 19.03.2013 foi lavrado termo de juntada ao processo de execução fiscal n.º ...88 e aps. de documentos incluindo: ofício de notificação e questionário dirigido ao Técnico Oficial de Contas da sociedade executada «BB», em que este respondeu que era a Oponente que lhe entregava a documentação contabilística, e a quem comunicava os impostos a pagar ao estado contratualizou a sua prestação de serviços, pagava a sua remuneração e assinava os cheques para pagamentos de impostos, sendo com quem reunia para tratar dos assuntos da sociedade. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – documentos e termo de juntada fls. 17-18]
12. Em 30.07.2013 foi proferido despacho de reversão das dívidas relativas a IVA identificadas em 1. supra contra a Oponente, com referência ao disposto no artigo 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT, em que se sustentou o exercício efetivo da gerência na data limite de pagamento das dívidas, no teor dos documentos a que se referem os pontos 10 e 11 antecedentes e a insuficiência de bens em razão do encerramento do processo de insolvência. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – despacho19-20v, cujo teor se considera reproduzido]
13. Em 01.08.2013 foi recebida, na pessoa de terceiro a carta registada com aviso de receção, integrando o ofício de citação por reversão e o despacho de reversão. [cfr. do processo de execução fiscal (PEF) apenso – ofício, despacho, talão registo e aviso de receção fls. 21-27]
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Com relevo para a decisão não existem outros factos provados ou não provados.
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Motivação da decisão de facto
A convicção alcançada quanto aos factos provados resulta da própria alegação da Oponente, não contrariada pela Fazenda Pública. E, ainda, da alegação das partes, aferida em apreciação crítica e conjugada com a prova documental e testemunhal produzida.
A prova documental valorada integra os seguintes documentos: documentos que integram a certidão do processo executivo, remetida pelo órgão de execução juntamente com a Oposição ao Tribunal, apensa por linha ao processo físico; documentos cuja junção foi posteriormente determinada pelo tribunal, no âmbito da instrução. Destes documentos, relevaram no âmbito da formação da convicção que permitiu assentar a factualidade provada e não provada, aqueles que foram concretamente referenciados junto a cada um dos pontos supra.
Sendo que o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de Oposição 1735/13.3BEBRG foi determinado em virtude de terem sido ouvidas, no essencial, à mesma matéria [cfr. respetivas PI, que integram alegação no essencial equivalente em ambos os processos e matéria à qual foi indicado que as mesmas responderam, por referência aos artigos da PI], as mesmas duas únicas testemunhas arroladas pela Oponente na presente oposição: «CC» e «DD».
Todavia, naturalmente, as suas declarações foram apreciadas tendo em consideração a correspondente razão de ciência. Porquanto, aos costumes especificaram não terem exercido funções junto da sociedade devedora, nem com a atividade desenvolvida por esta terem estado direta e pessoalmente relacionadas. Sendo que, os factos a que foram inquiridas são os alegados na PI nos artigos 33.º a 43.º. Pelo que, não apresentam conhecimento pessoal e direto do desenvolvimento da atividade da sociedade executada, em termos de dinâmica de produção, relações com fornecedores e clientes e eventuais dívidas e créditos correspondentes, organização administrativa e contabilística e pagamentos de tributos, ou outras circunstâncias. Mas apenas em razão do que ouviram referir à Oponente, em virtude de o primeiro ser seu sobrinho e de a segunda ser sua irmã. Assim, em razão do condicionalismo decorrente das referidas circunstâncias e da livre apreciação à luz da experiência e do conjunto das circunstâncias que os autos revelam e em que as referidas declarações se contextualizam e a matéria sobre que incidiram, os mesmos depoimentos, por si só, não permitiram formação de convicção positiva acerca de circunstâncias com relevo para a decisão.
Sempre se impondo especificar que, de todo o modo, por manifesta ausência de concretização de factos da própria alegação. Desprovida de densificação fática, com relevo para o que se imporia demonstrar para efeito de afastar a presunção de culpa que sobre a Oponente recai. Pois, estão alegadas essencialmente asserções conclusivas e proposições genéricas. Não poderiam os depoimentos senão apresentar-se no essencial também genéricos. Não permitindo formar convicção positiva acerca de factos concretos e historicamente localizados. O que apenas foi possível quanto aos factos provados, quanto ao que foi possível aferir ou corroborar através da prova documental.”

2. O Direito

De todas as questões que se mostram apreciadas na sentença recorrida, a Recorrente somente não se conforma com a conclusão de que é parte legítima na execução, sustentando não se encontrar suportado o exercício da gerência de facto e reiterando a insuficiência de fundamentação da decisão de reversão.
É esta a conclusão que retiramos das alegações do recurso, designadamente, da conclusão 8.ª, onde se assume a possibilidade de o tribunal realizar presunções judiciais, mas que tal não obsta à necessidade de o órgão de execução fiscal alegar e provar os pressupostos para operar a reversão, destacando a gerência de facto.
Para melhor compreensão, alega a Recorrente o seguinte:
Se é certo que o Tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto pode inferir a gerência de facto da gerência de direito, trata-se de uma presunção judicial que só pode ser usada pelo Tribunal e em sede do julgamento da matéria de facto. Não pode pretender-se que, ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto (uso de regras de experiência), não recaia sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova da gerência de facto. Muito menos se pode pretender que a Fazenda, ao abrigo dessa possibilidade, fique dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do art. 24.º da LGT.
Portanto, num primeiro momento, a Recorrente recoloca a questão da fundamentação do despacho de reversão, sustentando que no mesmo não estaria (alegada) plasmada a verificação da gerência de facto.
Na petição de oposição, a oponente, a propósito da invocação da falta de fundamentação do despacho de reversão, acentuou que o mesmo tinha que mencionar as provas obtidas, através de documentos ou de diligências encetadas pela AT, referindo expressamente, no seu artigo 26.º, que a AT estava obrigada a demonstrar o desempenho de efectivas funções pela oponente de gerência da devedora originária.
Esta questão foi abordada na sentença recorrida, além do enquadramento jurídico realizado, da seguinte forma:
“(…) À Oponente foram indicadas as razões em que se suporta a decisão, num discurso apto à transmissão do percurso lógico conducente à mesma decisão, o qual se mostra como suficiente e congruente no que respeita à extensão da reversão e ao valor das dívidas revertidas, período a que respeita e processo executivo correspondente, à insuficiência patrimonial da devedora originária e à imputação da responsabilidade subsidiária ao Oponente, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, em função da consideração do exercício da gerência de facto no período relevante. Estando, por isso, suficientemente fundamentado, em termos formais. (…)”
O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
No que tange aos actos tributários, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respectivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, assim, o desiderato constitucionalmente consagrado. De igual forma, se a fundamentação não tiver estas características, existe uma impossibilidade de o tribunal sindicar se estão presentes os requisitos para que possa operar a reversão da execução fiscal.
Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação, como o efectuou o tribunal recorrido, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, prolatado em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, onde se refere:
“(…) [E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (…)” (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, processo n.º 580/12 e de 23/01/2013, processo n.º 953/12, mais recentemente, vide o Acórdão do STA, de 27/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 02001/16.8BEPRT 0552/18).
Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal, cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.
Assim, desde logo, há que considerar o disposto no artigo 23.º da LGT, decorrendo do seu n.º 1 que é através da reversão que se efectiva a responsabilidade tributária subsidiária.
Resulta deste mesmo artigo 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Somos ainda remetidos para o artigo 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:
“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para accionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.
O artigo 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32.º da LGT, que prevê “(...) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Feito este enquadramento legal (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 29/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 723/10.6BELLE), resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:
b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT);
b.2) O exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.
In casu, consta do processo de execução fiscal apenso aos autos toda a sua tramitação e preparação para a reversão no âmbito do respectivo procedimento, observando-se que o órgão de execução fiscal compulsou vários documentos, tendo apurado que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 11/06/2012, que o processo de insolvência foi encerrado em 20/09/2012, que «AA» era a gerente nos períodos em causa (exerceu a gerência da executada desde 1996-05-03 e de forma ininterrupta até à nomeação do administrador da insolvência, ocorrida em 2012-06-14), conforme certidão do registo comercial de matrícula da sociedade devedora, aí se verificando, igualmente, que era imprescindível a assinatura da gerente para vincular a sociedade no seu giro comercial, que estava registada na base de dados da Segurança Social como gerente da sociedade no período a que respeitam as dívidas (consta qualificada como Membro de Órgão Estatutário da executada desde 1997-05-01, com registo de remunerações nessa qualidade entre 2004/01 e 2012/05), tendo, ainda, notificado o Técnico Oficial de Contas (TOC) da sociedade devedora originária, sendo que este devolveu um questionário onde respondeu que era a oponente que lhe entregava a documentação contabilística, e a quem comunicava os impostos a pagar ao Estado, que a oponente contratualizou a sua prestação de serviços, pagava a sua remuneração e assinava os cheques para pagamentos de impostos, sendo com quem reunia para tratar dos assuntos da sociedade.
Todas estas diligências e averiguações ocorreram antes da prolação do despacho de reversão, em 06/12/2012 e 19/03/2013, conforme consta dos pontos 10) e 11) do probatório.
Nesta sequência, foi emitido o acto de reversão propriamente dito, em 30/07/2013, das dívidas relativas a IVA dos terceiro e quarto trimestres de 2010, com datas limite de pagamento em 15/11/2010 e em 15/02/2011, contra a oponente, com referência ao disposto no artigo 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT, em que se sustentou o exercício efectivo da gerência, nestas datas limite de pagamento das dívidas, no teor dos documentos a que se referem os pontos 10) e 11) da decisão da matéria de facto (“considera-se provado que a potencial revertida assumiu, efetivamente, as declaradas e oficialmente registadas funções de gerência”), bem como a insuficiência de bens em razão do encerramento do processo de insolvência.
Desde logo ressalta que o despacho de reversão é algo exaustivo na sua fundamentação, aludindo a todos os elementos que constam do processo e que lhe antecederam, enquadrando juridicamente a situação e identificando todas as dívidas revertidas e respectivos períodos abrangidos (IVA dos 3.º e 4.º trimestres de 2010).
Afigurando-se-nos, com efeito, que a fundamentação do despacho de reversão se basta com a menção expressa dos pressupostos em que assentou a reversão, ainda que de forma sucinta – a insuficiência de bens da devedora originária e o exercício da gerência de facto, fazendo alusão à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que efectivou (n.º 4 do artigo 23.º da LGT), ou seja, evidenciando que a Recorrente foi chamada à execução fiscal, em reversão, em virtude de ser a gerente da devedora originária no período descrito na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, da LGT, isto é, no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou de entrega do imposto em dívida [com apoio em todos os elementos referidos nos pontos 10) e 11) do probatório].
Resulta inequivocamente do normativo legal referido que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais o órgão de execução fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; portanto, verificamos constarem, in casu, do despacho de reversão em crise a declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções da gerente revertida.
Nesta conformidade, aludindo a decisão de reversão, que se apresenta apropriando-se dos elementos constantes do processo executivo, aos pressupostos da efectivação da responsabilidade subsidiária e não tendo a Recorrente sequer negado, na sua petição de oposição, a sua gerência de facto no período em que teria que entregar o IVA em dívida (3.º e 4.º trimestres de 2010), não padece do vício de falta de fundamentação, sendo claramente compreensíveis os motivos da reversão e a identificação do gerente de facto e de direito.
Assim, a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a reversão da execução fiscal contra a ora Recorrente, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, como acentua a sentença recorrida.

Sustenta, ainda, a Recorrente que a sentença em crise padece de erro de aplicação do direito, por ter violado o disposto nos artigos 22.º, 23.º, 24.º e 74.º da LGT, uma vez que o órgão de execução fiscal não cumpriu com o ónus da prova, que lhe competia, dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Acrescenta a Recorrente que o tribunal recorrido presumiu a gerência de facto da gerência de direito.
Como espelha a análise que realizámos supra, o nosso mais alto tribunal tem vindo a ser pouco exigente na concretização do dever de fundamentação do acto de reversão.
Assumindo como bússola norteadora a jurisprudência superior, verificámos que “a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (n.º 4 do artigo 23.º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido” (Recordamos o citado Acórdão do Pleno do STA, de 16/10/2013, processo n.º 0458/13).
A jurisprudência do STA tem vindo a ser muito tolerante com a concretização da fundamentação do acto de reversão, acentuando que tal fundamentação poderá apoiar-se em informações e documentos juntos aos autos, sem necessidade de exaustivamente elencar todas as normas que subjazem aos pressupostos para que possa operar a reversão e devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível. Em suma, tudo vai ao encontro da ideia de que o alcance do dever de fundamentação dependerá de diferentes necessidades em cada caso concreto e de descortinar se alguma insuficiência motivadora teve reflexos na compreensão do acto e no exercício pleno de defesa por parte do sujeito afectado pelo acto.
Esta orientação é acompanhada por muitos arestos superiores, como por exemplo, o acórdão do STA, de 27/05/2003, proferido no âmbito do processo n.º 1835/02 (acentuando que para que a fundamentação de direito se considere suficiente não é imprescindível a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico, ou a um quadro normativo determinado) ou o acórdão, também do STA, de 08/01/2020, proferido no âmbito do processo n.º 378/10.8BECTB 0821/17 (ressaltando dever considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível).
Sendo que, em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição, como efectuou nos presentes autos, onde depois funcionam as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às situações previstas legalmente.
Sucede, contudo, que a oponente, aqui Recorrente, não negou a gerência efectiva da sociedade devedora originária, tão-pouco rejeitou que a sua assinatura fosse imprescindível para vincular a sociedade no seu giro comercial (ou que fosse gerente única na data em que teria que entregar o IVA) ou sequer indicou quem exerceria, então, a gerência de facto da devedora originária.
Com efeito, na oposição judicial nunca indicou quem exercia a gerência efectiva da devedora originária, concentrando a sua discordância na repartição do ónus da prova, de que a AT estava obrigada a demonstrar o desempenho de efectivas funções pela oponente de gerência da devedora originária e na sua falta de culpa na insuficiência do património e por não ter entregado o IVA em apreço.
Tendo-se entendido que a decisão de reversão mencionou todos os pressupostos que permitem operar a reversão, se a Recorrente pretendia discutir ou questionar a verificação do pressuposto da gerência de facto, para que pudessem funcionar cabalmente as regras do ónus da prova, teria que, na oposição judicial, para imprimir uma melhor eficácia à alegação, pelo menos ter negado que tivesse exercido a gerência de facto no período em que deveria ter pago as dívidas em apreço e descrito as suas funções na devedora originária (ou o seu eventual afastamento).
A sentença recorrida destaca este silêncio quanto à efectiva gerência da devedora principal. Vejamos:
“(…) No regime do artigo 24.º da LGT, acima citado no seu teor, a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas da sociedade impende sobre os gerentes ou administradores que tenham exercido as correspondentes funções no período de referência.
Atualmente, constitui jurisprudência pacífica, que aquele preceito [em qualquer das suas alíneas] não consagra qualquer presunção de gerência/administração de facto com base na gerência/administração de direito, como durante anos se defendeu, sendo que a única presunção consagrada nesse preceito legal é a presunção de culpa do gerente pela insuficiência do património societário, nos termos da alínea b) do n.º 1 [Acórdão do STA (Pleno) de 28.02.2007, processo 1132/06, do TCAS de 23.03.2011, no processo 04543/11 e do TCAN de 21.01.2010, no processo 139/07].
A Oponente não contestou na petição inicial ter exercido de facto a gerência da sociedade devedora.
Pelo contrário, interpretada a mesma, depreende-se da alegação expendida acerca da culpa, que a Oponente reconhece o efetivo exercício destas funções, ao afirmar que “tudo fez de modo a evitar o depauperamento progressivo da empresa, manter os postos de trabalho e honrar os compromissos assumidos”. “No entanto não conseguiu”. E considera, outrossim, que tendo exercido a mesma, “nenhuma responsabilidade lhe poderá ser assacada (…) por uma eventual delapidação ou insuficiência do património da empresa para o pagamento das dívidas”. (…)”
Em suma, a este respeito, a oponente limitou-se, na petição de oposição, a afirmar não ter sido feita a prova pela AT, que à designação como gerente correspondeu o exercício efectivo da função – cfr., além do mais, os artigos 49.º e 50.º.
Neste recurso, reitera-o, insurgindo-se, igualmente, contra a sentença recorrida, por entender que o tribunal recorrido não podia realizar a presunção judicial do exercício efectivo da gerência por parte da revertida, sem que a AT a tivesse alegado e demonstrado.
Independentemente da alínea do n.º 1 do artigo 24.º da LGT ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão, como bem acentua a Recorrente, à Administração Tributária cabe sempre fazer a prova do exercício efectivo, ou de facto, da gerência do oponente na sociedade devedora originária.
Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, reiteramos, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cfr. artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT.
Fazendo apelo à doutrina vertida no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proferido no âmbito do processo n.º 01132/06, resulta que “No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social”; sendo tal jurisprudência totalmente transponível para os nossos autos.
“Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário”, pelo que, “competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência”.
Na mesma linha de entendimento, e já no domínio do regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes contemplado na LGT, deixou-se consignado no Acórdão do STA, de 02/03/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0944/10, entre outros, o seguinte:
“ (…) Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA, de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…)”
Na linha doutrinária destes arestos, veio a formar-se jurisprudência no sentido de que sendo o revertido/oponente o único gerente inscrito da sociedade devedora originária, ao juiz era lícito inferir o exercício efectivo dessa gerência do conjunto da prova, usando as regras da experiência e fazendo juízos correntes de possibilidade, pese embora não pudesse ser retirado mecânica e automaticamente do facto de ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
Uma das situações em que resultava lícito ao juiz inferir o exercício efectivo da gerência com base na gerência nominal era quando resultasse provado que no período das dívidas era ele o único gerente nomeado da sociedade e sem a assinatura do qual a sociedade não se podia obrigar e que a sociedade se manteve em actividade no período em causa – cfr. Acórdão do TCAN, de 21/02/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00445/06.2BEPNF.
No caso dos autos, é possível detectar uma situação destas, pois além de resultar demonstrado ter sido a oponente a única gerente inscrita no período das dívidas (de 2010), de a assinatura da oponente ser imprescindível para obrigar a sociedade, que nessa altura se manteve em actividade, a oponente não alegou quaisquer factos que infirmassem tais constatações (pelo que, logicamente, não se provaram factos que possam conflituar com um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência).
Note-se que mesmo o órgão de execução fiscal não operou uma ilação automática quanto à gerência de facto da consulta que realizou à certidão de matrícula da sociedade devedora, observando a gerência nominal; tendo, ainda, pedido informação ao Instituto da Segurança Social I.P. sobre a qualificação da oponente como Membro de Órgão Estatutário da sociedade devedora e ouvido o TOC, que se referiu aos contactos com a oponente, na qualidade de gerente, para sustentar o desenvolvimento efectivo dessa actividade de administração da sociedade.
O facto de a oponente nada ter alegado, a propósito da gerência de facto, permitiu que o tribunal recorrido considerasse adequado e admissível no caso concreto realizar a presunção judicial nos moldes em que efectuou.
Assim, confirma este tribunal o julgamento da primeira instância, observando-se a qualidade de gerente único da devedora originária, falhando explicação para a laboração da sociedade, designadamente, como se obrigava e como operava o seu giro comercial sem a assinatura da oponente, nem estando indicado como era ultrapassada, na prática, a vinculação jurídica da sociedade perante terceiros, circunstância que se afigura decisiva para poder associar o exercício da gerência de facto à revertida em tal período; sendo esta conclusão fortalecida pela eventual prática de actos pela mesma, em nome e em representação da sociedade devedora originária, assinando cheques para pagamento de impostos, conforme declarações do Técnico Oficial de Contas (TOC), que não se mostram colocadas em causa – cfr. pontos 10) e 11) da decisão da matéria de facto.
Portanto, neste contexto, a entrega ao TOC da documentação contabilística, a quem comunicava os impostos a pagar ao Estado, tendo sido a Recorrente que terá contratualizado a prestação de serviços do TOC, que pagava a sua remuneração e assinava os cheques para pagamentos de impostos, sendo esta quem reunia com o TOC para tratar dos assuntos da sociedade, não poderão ser considerados actos isolados, dado desconhecer-se, então, quem praticava todos os restantes actos necessários à laboração da empresa. Sendo, antes, entendidos com viabilidade para reforçar a admissibilidade de presumir judicialmente a gerência de facto pela Recorrente.
Por tudo o exposto, também neste segmento recursivo, não há condições para dar razão à Recorrente, uma vez que não se mostra violado o disposto nos artigos 22.º, 23.º, 24.º e 74.º da LGT.
Em sintonia com o tribunal recorrido, deverá a oponente ser considerada parte legítima na execução fiscal, não se vislumbrando erro de julgamento na parte recorrida da sentença, pelo que urge negar provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.
IV – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
VI - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.
VII - Ao juiz é lícito inferir a efectividade da gerência do oponente no contexto em que ele é o único gerente inscrito da sociedade devedora originária, se comprova que esta teve actividade no período a que se reportam as dívidas revertidas e o revertido praticou actos, na qualidade de gerente, quando não haja notícia de como era ultrapassada, na prática, a vinculação jurídica da sociedade perante terceiros.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Porto, 11 de Janeiro de 2024

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Cláudia Almeida