Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01210/07.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
DESPACHO DE REVERSÃO. FUNDAMENTAÇÃO. GERÊNCIA DE FACTO.
ÓNUS DA PROVA. ACTO ISOLADO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
IV) Embora sem grandes desenvolvimentos, a FP, na sua contestação, sempre foi dizendo que se encontra provado nos autos “que o oponente exerceu funções de gerência, nomeadamente, apondo a sua assinatura em requerimentos dirigidos à Administração Fiscal, nomeadamente solicitando o pagamento de dívidas em prestações, solicitando o pagamento de dívidas em prestações, solicitando compensação de dívidas da executada, sendo fiel depositário dos bens desta, e assinando declarações de rendimentos e alterações da executada, etc.”
IV) Nesta sequência, e perante a realidade factual efectivamente a considerar nos autos, temos apenas que no dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada MICROGÁS, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68, sendo que afigura-se-nos que esse (único) facto provado, embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrido, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão.
V) Como se decidiu no acórdão deste TCAN de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO, www.dgsi.pt, “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…”.
VI) Deste modo, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
VII) Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R..
Votação:Maioria
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 29-11-2010, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO por R..., com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedadeM..., Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IVA relativas aos anos de 2003, 2004, 2005, no montante total de € 55.008,59.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 298-301), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. A douta decisão recorrida, fez errada valoração da prova documental e da prova testemunhal existente nos autos;
B. A prova existente nos autos, permite verificar o exercício de facto da gerência por parte do Oponente e a fundada insuficiência de bens penhoráveis da primitiva executada para satisfação da dívida exequenda e acrescido.
C. Existem nos autos documentos, (declaração de alterações da executada, actas, cartas e requerimentos) assinados pelo oponente na qualidade de gerente da primitiva executada.
D. O procedimento de reversão tem lugar no órgão periférico local, que da comprovação da gerência de direito, na respectiva Conservatória, deduz a gerência de facto, confirmada pelos elementos de que possa dispor;
E. Encontrando-se registada cláusula de que basta a assinatura de qualquer gerente para obrigar a sociedade;
F. Pode inferir-se o exercício de facto da gerência, usando de regras da experiência, quando nos autos constem as provas necessárias carreadas pela Administração Tributária.
G. Em processo judicial tributário, são admitidos os meios gerais de prova (artº. 115º. e 211º. nº.2 do CPPT), ou seja por documentos, testemunhas, confissão, presunções, etc. (artº. 349º., 352º.,362º., 392º, etc. do C.C.).
H. A prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita. (nº.2 do mesmo artº. 342º. Do C.C.).
I. A Administração pode valer-se de quaisquer elementos a que tenha acesso, como declarações, actas cartas requerimentos, etc.
J. A assinatura de declarações perante a Administração Tributária, requerimentos e outros elementos de prova carreados pela Administração para os autos, permite aferir a gerência efectiva pelo oponente.
K. E se dúvidas subsistirem na mente do Juiz, face ao disposto no artº. 13º. do CPPT, deve ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.
L. O facto de o oponente se encontra designado como gerente em acta assinada pelos outros sócios gerentes, com registo na respectiva Conservatória (certidão constante dos autos) e o facto de a assinatura de qualquer dos três gerentes poder obrigar a sociedade, forçosamente permite aferir poder o oponente a assinar quaisquer documentos em representação da primitiva executada;
M. Como de facto assinou face à declaração de alterações da executada, requerimento de pedido de pagamento em prestações, de compensação de dívidas e de autos de penhora, constantes dos autos.
N. A Administração Tributária e a Fazenda Pública lograram provar o exercício de facto das funções de gerente do oponente.
O. Nesse sentido concluíram já os Acórdãos do douto TCASul acima citados.
P. Enquadra-se a responsabilidade subsidiária do oponente no regime previsto na alínea a) e na al.b) do nº. 1 do citado artº. 24º. da LGT, sendo que dos autos resultam elementos de prova reveladores da gerência de facto do oponente.
Q. A douta sentença recorrida ao decidir com fundamento na falta de prova de gerência de facto efectuada pela F.P. fez errada apreciação da prova, e violou o disposto no artº. 24º. nº. 1 al. ) e b) da LGT e artº. 515º. e 668º. nº.1 do C.P.Civil.
R. Nesta conformidade, tendo a douta sentença feito errada interpretação e valoração da prova e dos factos, deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere o oponente parte legítima para a execução, e enquanto tal responsável pelas dívidas exequendas.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, julgando-se a oposição improcedente.

O recorrido R... não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto e ainda em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Foi instaurada execução fiscal contra «M…, Ld.a», (cfr. fls. 22 a 39 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos) que deu origem ao Processo de Execução Fiscal nº 3514200401022830 e aps., para cobrança de dívidas de IVA do ano de 2003, no montante global de 55.008,59€;
2. Dá-se aqui por reproduzido da informação de fls. 48 e 49 dos autos datada de 27 de Junho de 2006, que dá conta que todos os bens da executada foram vendidos no processo de execução fiscal em referência, mostrando-se esgotado o património da executada estando reunidos os pressupostos para chamamento à execução do responsável subsidiário;
3. Dá-se aqui por reproduzida a certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos de execução em 16.06.2006, de fls. 41 a 47 dos autos;
4. Em 27.06.2006, foi preferido despacho pelo Chefe de Serviço de Finanças de Matosinhos 2, no sentido de notificar o responsável subsidiário para exercer o direito de audição prévia (cfr. fls. 49 e 50 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
5. O aqui oponente notificado para exercer o direito de audição prévia por carta registada, datada de 28.06.2006 (cfr. fls. 51 e 52 dos autos), nada disse;
6. Em 22 de Março de 2007, foi proferido o seguinte despacho de reversão pelo Chefe de Serviço de finanças “face às diligência de folhas 18, e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução contra R... contribuinte n.º 200748530, morador na (...) na qualidade de responsável subsidiário pela dívida abaixo discriminada (...) Fundamentos da Reversão - Atendendo a insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, estando assim reunidos os pressupostos previstos no art.º 23º/2 LGT, reverto a execução contra o gerente referenciado, na qualidade de responsável subsidiário com a devedora originária, nos termos do art. 24º n.º al. b) LGT.” (cfr. fls. 54 e 55 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 28 de Março de 2007, foi o aqui oponente citado por reversão no processo de execução fiscal cfr. fls. 56 e 57 dos autos);
8. A presente oposição foi deduzida por R... em 04 de Maio de 2007 (cfr. fls. 2 dos autos);
9. A execução veio a reverter contra o oponente, na qualidade de gerente da sociedade executada, por inexistência de bens penhoráveis;
10. O oponente foi nomeado gerente da executada primitiva, por força da acta n.º 18 da sociedade de 27.03.2003 (cfr. fls. 41 a 43 dos autos);
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados nos elementos constantes do processo e no depoimento das testemunhas arroladas.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções integram antes ou meras considerações pessoais ou conclusões de facto e/ou direito.”
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto e ainda em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Antes de mais, cumpre referir que na conclusão Q., a Recorrente alude à violação do art. 668º nº 1 do C. Proc. Civil, norma que alude às causas de nulidade da sentença, sendo que a Recorrente não especifica qual das alíneas fundamenta tal alegação, o que pode ter como explicação o facto de no âmbito do corpo das alegações nada ser apontado no sentido de consubstanciar qualquer nulidade da sentença proferida nos autos, de modo que, nada se impõe apreciar neste domínio, pois que, não basta lançar a norma em apreço, impondo-se, isso sim, apontar os elementos susceptíveis de integrar uma eventual nulidade da sentença, até porque, nesse caso, nem sequer uma menos feliz análise ao nível do enquadramento jurídico dessa matéria, impediria este Tribunal de apreciar a situação descrita, facto que não acontece neste caso, em que invocação da norma acima descrita surge desprovida de qualquer suporte capaz de identificar uma verdadeira questão a apreciar no âmbito do presente recurso.


Avançando, cumpre notar que na sentença recorrida, foi entendido que:
“…
De acordo com tal regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, isto é, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do art. 24.° da LGT a gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Consequentemente, à AT, enquanto exequente, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam operar a reversão da execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - cf art. 342, °, n.º 1, do CC e art. 74. °, n.º 1, da LGT).
Inexiste, no nosso sistema jurídico, presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função, sendo que do art. 24. °, n.º 1, da LGT, apenas estabelece a presunção de culpa dos gestores pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (cf. al. b) do art. - aqui sim por força das regras do ónus da prova, cumpre ao revertido fazer prova da «ausência de culpa» - artigo 30. °, n. ° 1, do CC).
Pois que, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art. 11.º do Código do Registo Comercial) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência.
Está provado nos autos a nomeação do oponente para a gerência de direito, e o julgador é livre com base nesse facto e noutros, revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, de presumir que a oponente exerceu de facto a gerência. Como ficou dito no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 do STA in proc. n.º 861/08, «eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido?).
Mas, por não estar prevista na lei, estamos perante uma mera presunção judicial, ou também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência, que são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos» (Cf. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2. edição, pág. 502.) (cf. arts. 350.º e 351.º do CC).
Como se refere no acórdão do STA de 28 de Fevereiro de 2007, in proc. n.º 1132/06 do Pleno, por um lado, «provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe já Fazenda Pública] provar que á designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização. Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal» e, por outro lado, «se faz sentido o regime contido no artigo 350.º nº 2 do Código Civil quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais; o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado ás presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em prnc4io, provado por força da lei possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.
Pela mesma razão não se pode afirmar […] que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito, Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, á partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juízo feito em cada caso que lhe é submetido».
Daí que, era à Fazenda Pública que competia alegar a factualidade que permitisse concluir que o oponente exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar, o que não fez.
Reportando-nos ao despacho de reversão em questão nos autos, a Administração Tributária, naquele, limitou-se a invocar que esta era gerente no período respeitante à divida e obrigação do seu pagamento, reportando-se exclusivamente à gerência de direito, como resulta da referência aí feita ao teor dos factos registados no Registo Comercial (veja-se o teor das informações e despachos de fls. 48 a 50, 54 e 55 dos autos). Quanto à gerência de facto, ao efectivo exercício das funções de gerência pelo revertido, o despacho de reversão é de todo omisso.
Decorre de todo o exposto que, a Fazenda Pública não estava dispensada de provar os pressupostos de responsabilização subsidiária que não estivessem a coberto de presunção legal a seu favor. Daí que, ainda que provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que durante o período a que as dívidas se reportam ocorreu o efectivo exercício da função, “posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.” (in acórdão do STA de 28 de Fevereiro de 2007, in proc. n.º 1132/06 do Pleno).
Não tendo a Fazenda Pública feito outra prova que a não decorrente da nomeação de gerente nominal (acta nº 18 da sociedade) não há para a oponente ónus algum de afastar a gerência de facto dai decorrente. Deve nesse caso tal pressuposto ter-se por não provado. …”.

Nas alegações, a Recorrente começa por dizer que a douta decisão recorrida, fez errada valoração da prova documental e da prova testemunhal existente nos autos, pois que a prova existente nos autos, permite verificar o exercício de facto da gerência por parte do Oponente e a fundada insuficiência de bens penhoráveis da primitiva executada para satisfação da dívida exequenda e acrescido, na medida em que existem nos autos documentos, (declaração de alterações da executada, actas, cartas e requerimentos) assinados pelo oponente na qualidade de gerente da primitiva executada.
Mais refere que o procedimento de reversão tem lugar no órgão periférico local, que da comprovação da gerência de direito, na respectiva Conservatória, deduz a gerência de facto, confirmada pelos elementos de que possa dispor, encontrando-se registada cláusula de que basta a assinatura de qualquer gerente para obrigar a sociedade, sendo que pode inferir-se o exercício de facto da gerência, usando de regras da experiência, quando nos autos constem as provas necessárias carreadas pela Administração Tributária e em processo judicial tributário, são admitidos os meios gerais de prova (artº. 115º. e 211º. nº.2 do CPPT), ou seja por documentos, testemunhas, confissão, presunções, etc. (artº. 349º., 352º.,362º., 392º, etc. do C.C.).
Ora, a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita. (nº.2 do mesmo artº. 342º. Do C.C.) e a Administração pode valer-se de quaisquer elementos a que tenha acesso, como declarações, actas cartas requerimentos, etc. e a assinatura de declarações perante a Administração Tributária, requerimentos e outros elementos de prova carreados pela Administração para os autos, permite aferir a gerência efectiva pelo oponente e se dúvidas subsistirem na mente do Juiz, face ao disposto no artº. 13º. do CPPT, deve ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.
Assim, o facto de o oponente se encontra designado como gerente em acta assinada pelos outros sócios gerentes, com registo na respectiva Conservatória (certidão constante dos autos) e o facto de a assinatura de qualquer dos três gerentes poder obrigar a sociedade, forçosamente permite aferir poder o oponente a assinar quaisquer documentos em representação da primitiva executada, como de facto assinou face à declaração de alterações da executada, requerimento de pedido de pagamento em prestações, de compensação de dívidas e de autos de penhora, constantes dos autos, pelo que a Administração Tributária e a Fazenda Pública lograram provar o exercício de facto das funções de gerente do oponente.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA de 2003, 2004 e 2005, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Antes de avançar, crê-se pertinente importa aludir ao exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

A partir daqui, e independentemente do mais que virá a ser analisado, não pode acompanhar-se a decisão recorrida quando, no âmbito do seu discurso, aponta que o despacho de reversão é omisso em relação à gerência de facto, ficando no ar a sugestão de que tal matéria terá comprometido, desde logo, a posição da AT.
Ora, como se colhe do aresto agora descrito, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
Pois bem, embora sem grandes desenvolvimentos, a FP, na sua contestação, sempre foi dizendo que se encontra provado nos autos “que o oponente exerceu funções de gerência, nomeadamente, apondo a sua assinatura em requerimentos dirigidos à Administração Fiscal, nomeadamente solicitando o pagamento de dívidas em prestações, solicitando o pagamento de dívidas em prestações, solicitando compensação de dívidas da executada, sendo fiel depositário dos bens desta, e assinando declarações de rendimentos e alterações da executada, etc.”

Nesta sequência, não admira que no âmbito do presente recurso, a Recorrente comece por dizer que a douta decisão recorrida fez errada valoração da prova documental e da prova testemunhal existente nos autos, pois que a prova existente nos autos, permite verificar o exercício de facto da gerência por parte do Oponente e a fundada insuficiência de bens penhoráveis da primitiva executada para satisfação da dívida exequenda e acrescido, na medida em que existem nos autos documentos, (declaração de alterações da executada, actas, cartas e requerimentos) assinados pelo oponente na qualidade de gerente da primitiva executada.

No entanto, e na medida em que a ora recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos legais - cfr. art.º 690.º-A do C. Proc. Civil (norma em vigor à data em que foi intenta a presente Oposição), pois que, embora tenha feito alusão à prova testemunhal, como vimos, o certo é que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos na gravação realizada que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto, podendo apenas aquilatar se dos autos existem documentos que façam prova bastante da factualidade atinente a tal gerência efectiva, e que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC (actual art. 662º), oficiosamente, possa este Tribunal conhecer, em ordem à prova de tal fundamento.
Ora, neste ponto, é incontornável a análise dos elementos que constam dos autos, a fls. 60 a 68, com referência aos elementos documentos nos quais a Recorrente pretende assentar a sua pretensão, a saber:
- No dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68.
- No Auto de Penhora inserto a fls. 60-61, foi o oponente nomeado fiel depositário dos bens penhorados, o qual assinou, sendo certo que a sua nomeação decorreu pelo facto de este ser o gerente da executada e de encontrar na sede da mesma, local onde o aludido Auto de Penhora foi elaborado.
- Em 19-11-2003, a aqui devedora originária deu entrada neste Serviço de Finanças de um requerimento, cuja assinatura aposta corresponde à do oponente, o qual assina, sempre na qualidade de gerente - fls. 62.
- No aludido Serviço de Finanças encontra-se arquivado Declaração de Alterações de 13-09-2002, também assinada pelo oponente na qualidade de gerente da M… - fls. 63-65.
Com este pano de fundo, e tendo presente a matéria constante dos autos, cabe notar que em relação aos dois últimos elementos apontados, para além do ora Recorrido ter impugnado elementos, recusando ter assinado tais documentos (fls. 110 dos autos), a sua análise não permite efectivamente ter tal realidade como assente, pois que, em relação ao documento de fls. 62, a assinatura respectiva não coincide com a assinatura que consta do outro requerimento apontado e do Auto de Penhora, sendo que em relação à Declaração de Alterações, o teor de fls. 63-65 não contém qualquer elemento capaz de estabelecer a ligação com o ora Recorrido nos termos preconizados pela Recorrente, o que significa que em relação a estes pontos não existe matéria capaz de fundamentar a integração de tais factos no probatório.
Quanto aos outros elementos, e de acordo com a referida alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC (actual art. 662º), cabe aditar ao probatório o seguinte:
11. No dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68.
12. No Auto de Penhora inserto a fls. 60-61, com data de 20-08-2003, realizado na sede da sociedade devedora originária, foi o oponente nomeado fiel depositário dos bens penhorados, tendo assinado o aludido Auto.
Quanto a este último facto, a matéria apontada tem como fundamento o teor de fls. 60-61, sendo que aí se refere que “os bens penhorados foram entregues juntamente com a cópia deste Auto a “R...”, nada mais se referindo em relação ao mesmo, o que significa que dizer-se que a sua nomeação decorreu pelo facto de este ser o gerente da executada traduz uma leitura da Recorrente que não encontra respaldo no teor do Auto, pelo que o facto descrito corresponde aos elementos que é possível apreender em função do efectivo teor do Auto de Penhora em causa.

Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que o único elemento apontado para o ora Recorrido ser considerado gerente de facto ou efectivo, reconduz-se ao facto de o mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, sendo que importa agora ainda ponderar os dois elementos acima apontado, ou seja, o facto de no dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68 e de no Auto de Penhora inserto a fls. 60-61, com data de 20-08-2003, realizado na sede da sociedade devedora originária, foi o oponente nomeado fiel depositário dos bens penhorados, tendo assinado o aludido Auto.

Quanto ao primeiro elemento, é sabido que deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o mesmo ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo o mesmo de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.
Com efeito, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o ora Recorrido foi gerente de facto da sociedade.
Com efeito, como já vimos, não competia ao ora Recorrido fazer qualquer prova neste âmbito, cabendo à FP a alegação da matéria neste domínio, pois que, embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
Neste ponto, como é óbvio, o facto de o ora Recorrido ter sido nomeado fiel depositário no âmbito do Auto de Penhora a que se alude nos autos não envolve qualquer elemento decisivo nesta sede, pois que, ao contrário do que refere a AT, em nenhum momento é feita qualquer associação entre a sua posição como gerente e a nomeação como fiel depositário, o que significa que este elemento nada aporta neste domínio no sentido de poder suportar a tese da Recorrente.
Por outro lado, não se olvida que no dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68.
Todavia, afigura-se-nos que esse (único) facto provado, e embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrido, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão.
Como se decidiu no acórdão deste TCAN de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO, www.dgsi.pt, “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…”.

Deste modo, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, com a presente fundamentação, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida, com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Abril de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos ("Entenderia que, estando provado que em 2004 o Recorrente pediu o pagamento em prestações em nome e em representação da sociedade devedora principal, está deste modo a declarar à própria Administração Tributária que é gerente.

Por conseguinte, concederia provimento ao recurso")

Ass. Fernanda Esteves