Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02083/10.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/26/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA
DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... e J...
Recorrido 1:J...e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – Relatório

M..., divorciada, NIF n.º 2…, e JOSÉ…, divorciado, NIF n.º 2…, residentes na Rua…, Guimarães, deduziram incidente de anulação de venda.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença, em 21/11/2013, que julgou verificada a excepção da caducidade do direito de pedir a anulação da venda, decisão com que os requerentes não se conformaram, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegaram, tendo concluído da seguinte forma:
1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fls. …, que julgou verificada a excepção da caducidade do direito de pedir a anulação da venda, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, absolvendo, em conformidade, os Réus do pedido.
2ª – É, pois, profunda a discordância dos Recorrentes face à decisão ora em crise, fundando-se tal dissentimento não só nos aspectos jurídicos que lhe serviram de fundamento, mas de igual modo na leitura que da matéria de facto é feita pela instância recorrida, que se crê padecedora de erro de julgamento, sendo que na óptica dos Recorrentes a factualidade apurada em audiência, que não se espelha, de todo em todo, na matéria julgada assente, sempre teria o condão de determinar um outro sentido decisório.
3ª – Os pontos 1 e 2 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas A... e Manuel…, que se impõe sejam ouvidos na íntegra, não obstante as partes transcritas supra e que se encontram gravados da volta/segundos 0010 a volta/segundos 1683, Lado A, cassete n.º 1 desta audiência quanto à primeira da volta/segundos 2289 a volta/segundos 2520, Lado A, cassete n.º 1 da audiência e da volta/segundos 0008 a volta/segundos 1072, Lado B, cassete n.º 1 da audiência, quanto à segunda,
4ª – em cotejo com o teor dos documentos juntos com a inicial sob os docs. n.ºs 1 e 2, concretamente, atentando às datas em que tais certidões que instruíram a demanda foram emitidas.
5ª – Os pontos 3, 4 e 5 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor do depoimento prestado pela testemunha G…, reputado como credível pelo Tribunal, o que resulta do seu depoimento gravado da volta/segundos 1074 a volta/segundos 1633, Lado B, cassete n.º 1 desta audiência),
6ª – e, ainda, no que respeita ao ponto 4 dos factos não provados, impõe decisão diversa o teor do documento junto à inicial sob doc. n.º 3.
7ª – Os pontos 6 e 7 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes e com a mesma redacção para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos documentos juntos à inicial sob docs. n.ºs 1 e 2, concretamente a data em que foram obtidos, tudo em cotejo com a frustração das notificações a que aludem os pontos HH), II) e JJ) do probatório.
8ª – O ponto 8 dos factos não provados não poderá deixar de considerar-se incorrectamente julgado, devendo transitar para o probatório, por padecer de erro de julgamento, sendo os concretos meios de prova que impõe outra decisão os documentos a que aludem os pontos AA), BB), CC), DD), EE), HH), II) e JJ), a saber: fls. 135, 136, 137, 138, 142, 143, 144, 153 a 156, 157 a 160 e 161 a 164 do pef. apenso.
9ª – Salvo o devido respeito e sempre ressalvando melhor e mais avisada opinião, o Tribunal a quo errou na apreciação das provas, ao ter dado como não provados factos quando a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária, seja por força de uma incongruência lógica, por contrariar prova documental carreada para os autos e por contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas.
10ª – Ao assim decidir e quanto à matéria objecto de reapreciação, foram violados, entre outros, o disposto nos artigos 257º do CPPT, 341º do Código Civil, 195º e 839º do Código do Processo Civil, pelo que não pode a decisão manter-se.
Termos em que, pelo que vem de se expor e pelo muito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser julgado provido, por legalmente fundado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue improcedente a excepção da caducidade do direito de acção e, consequentemente, ordene a remessa dos autos à 1ª instância para que conheça de mérito, tudo a bem da JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se ocorreu erro de julgamento na decisão da matéria de facto.
III – FUNDAMENTAÇÃO

III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

“A) No dia 15.11.2002, foi instaurado contra o executado José a execução fiscal n.º 0418200201094432, para cobrança de dívidas de CA, do ano de 2001, no montante de 155,55 € - cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal (pef.) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
B) A 13.06.2005, foram apensados outros processos para cobrança de dívidas de CA dos anos de 1999 a 2002 e IVA do ano de 2002, ficando a quantia exequenda em € 2.460,03 – cfr. fls. 4 a 8 do pef.;
C) No dia 13.06.2005, para garantia da quantia exequenda, no valor de € 2.460,03, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2.º andar direito, tipo T3, destinada a habitação, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2…-F, da freguesia de Ponte, concelho de Guimarães, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 1…-F – cfr. fls. 16 e 17 do pef., aqui dadas por reproduzidas;
D) No ato de penhora foi nomeado fiel depositário, o ora requerente, José…, que não se encontrava presente – cfr. fls. 16 e 17 do pef.;
E) M..., foi notificada naquela data da realização da penhora – cfr. fls. 16 e 17 do pef.;
F) Por carta registada de 14.06.2005, foi remetida citação da 1.ª requerente, nos termos do art.º 239.º, do CPPT. – cfr. fls. 23 e 24 do pef.;
G) Por carta registada de 14.06.2005, foi remetida ao 2.º requerente notificação da penhora e da sua nomeação como fiel depositário – cfr. fls. 27 e 28 do pef.;
H) Ambas as cartas foram devolvidas com a indicação “Não atendeu” – cfr. fls. 25, 26, 29 e 30 do apenso;
I) No dia 4.07.2005, foi a ora requerente citada pessoalmente da realização da penhora do prédio, nos termos e para os efeitos do art.º 239.º do CPPT – cfr. fls. 34 do apenso;
J) No dia 4.07.2005, foi o ora requerente notificado pessoalmente da realização da penhora e da sua nomeação como fiel depositário – cfr. fls. 35 do pef.;
K) A 21.04.2008, foi realizada nova penhora a favor da Fazenda Nacional sobre o imóvel referido em B), para garantia da quantia exequenda de € 69.900,33 – cfr. fls. 72 do pef.;
L) A 19.09.2008, foi a 1.ª requerente de novamente citada pessoalmente, nos termos do art.º 239.º do CPPT, no âmbito dos processos 0418200201094432 e apensos, 0418200501038168 e apensos e 0418200701008161 – cfr. fls. 80 e 81 do apenso;
M) A 4.11.2008, o Chefe de Finanças determinou a avaliação do imóvel com vista à marcação da venda e a notificação do executado – cfr. fls. 82 do pef.;
N) A 4.11.2008, foi enviada carta registada ao executado, ora requerente, notificando-o da realização da avaliação – cfr. fls. 83 e 84 do pef.;
O) A carta foi devolvida com a menção “Não atendeu” – cfr. fls. 85 e 86 do pef.;
P) A 18.11.2009, foi fixado ao imóvel o valor patrimonial de € 57.790,00 – cfr. fls. 87 do pef.;
Q) Por despacho do Ex.mo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1, datado de 18.11.2009, foi designado o dia 15.03.2010, pelas 10h00, para venda do prédio penhorado, mediante proposta em carta fechada, sendo fixado o valor da venda, nos termos do artigo 250.º, n.º 1, do CPPT em 57.790,00 €, sendo o valor a anunciar para venda de 70% daquele valor, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal – cfr. fls. 88 do pef.;
R) Nesse despacho foram ordenadas as notificações do executado e fiel depositário e as que decorrem dos art.ºs 239.º a 242.º do CPPT, bem como a publicitação da venda – (fls. 88/113 do apenso);
S) A 7.12.2009, o “Banco…, S.A.”, na qualidade de credor privilegiado, apresentou reclamação de créditos – cfr. fls. 104 a 107 do pef.
T) A 23.11.2009, foram afixados os editais nos locais habituais, inclusivamente na porta do imóvel penhorado – cfr. fls. 98 e 172 do pef.;
U) A 25.11.2009 e 2.12.2009, foram publicados anúncios – cfr. fls. 140 do pef.;
V) No dia 15/3/2010, procedeu-se à abertura e aceitação de propostas, verificando-se que nenhuma foi apresentada – cfr. fls. 114 do pef.;
W) Por despacho de 26.05.2010, foi ordenada a venda do imóvel penhorado por negociação particular, nos termos da alínea c), do art.º 883.º do CPC – cfr. fls. 115 do apenso;
X) A 31.05.2010, foi celebrado contrato de mediação imobiliária – cfr. fls. 117 a 120 do pef.;
Y) A 5.08.2010, a mediadora informou que nesse dia foi encerrada a entrega de propostas, solicitando o deferimento para a aceitação da última proposta no valor de € 38.000,00, em nome de J... – cfr. fls. 122 a 124 do pef.;
Z) No dia 16.08.2010, tendo conhecimento que o imóvel penhorado se encontrava à venda por negociação particular e do valor correspondente à melhor proposta, os autores requereram ao Ex.mo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 a suspensão da venda ao abrigo do art.º 244.º, n.º 2 do CPPT e a aprovação de um plano de pagamento – cfr. fls. 139 e 140 do apenso, aqui reproduzidas;
AA) A 26.08.2010, através de carta registada com aviso de receção, foi a ora requerente notificada de que foi determinada a venda por negociação particular do bem penhorado e que a proposta mais elevada apresentada pela mediadora foi de € 38.000,00 – cfr. fls. 135 e 136;
BB) A 26.08.2010, através de carta registada com aviso de receção, foi o ora requerente notificado de que foi determinada a venda por negociação particular do bem penhorado e que a proposta mais elevada apresentada pela mediadora foi de € 38.000,00 – cfr. fls. 137 e 138 do pef.;
CC) No dia 9.09.2010, foi indeferida a pretensão dos requerentes e determinada a adjudicação do bem a J... – cfr. fls. 142;
DD) Por cartas registadas com a/r de 9.09.2010, foram os requerentes notificados do despacho de indeferimento – cfr. fls. 143 e 144 do apenso;
EE) No dia 9.09.2010, o proponente pagou o preço de € 38.000,00 e os impostos devidos – cfr. fls. 145 a 151 do pef.;
FF) No dia 9.09.2010, foi passada credencial a fim de ser outorgada a competente escritura – cfr. fls. 152 do pef.;
GG) No dia 10.09.2010, foi lavrada a escritura pública de compra e venda do imóvel em questão nos autos – cfr. fls. 166 a 170 do pef.;
HH) A 21.09.2010, as cartas referidas em DD) foram devolvidas com menção “Não atendeu” – cfr. fls. 153 a 156 do pef. apenso;
II) A 23.09.2010, o serviço de finanças procedeu a nova notificação dos requerentes – cfr. fls. 157 a 160 do apenso;
JJ) As cartas foram devolvidas com a menção “Não atendeu” – cfr. fls. 161 e 164 do pef.;
KK) No dia 30.11.2010, foi apresentado o presente incidente de anulação de venda.
*
Factos não provados:
1) Os requerentes apenas tiveram conhecimento da venda – embora desconhecendo os seus termos e condições concretas – no passado dia 22 de Novembro;
2) Quando o irmão da Requerente os confronta com a notícia de que, pretendendo ir à garagem da referida fração recolher uma viatura de sua propriedade que aí se encontrava depositada, encontrou a sobredita fração devoluta e nela aposto uma indicação de que se encontrava à venda através da sociedade de mediação imobiliária R…;
3) Sendo que desconhecem o destino que foi dado ao recheio da residência dos Autores, uma vez que a fração se encontrava mobilada,
4) Aparte a mobília da cozinha e respetivos eletrodomésticos, propriedade dos requerentes e que não havia sido objeto de penhora, que vêm anunciados como integrando a fração cuja venda anunciavam na página da mencionada R…;
5) Surpreendidos com a notícia – uma vez que, por contingências familiares, já nela não habitavam há algum tempo – compulsaram os Requerentes a descrição predial do imóvel;
6) Constatando que, através da apresentação 872, de 14/09/2010, na Conservatória do Registo Predial da Moita, o 2.º réu havia registado a aquisição a seu favor, indicando-se como causa “Compra por Negociação Particular em Processo de Execução”;
7) Ato imediato, contatada aquela Conservatória do Registo Predial da Moita, foi facultada a informação que o título que esteve na génese do registo de aquisição foi a escritura pública de compra e venda já junta aos autos;
8) Em momento algum foram os requerentes notificados da decisão de aceitar a proposta oferecida e dos dia, hora e local da outorga da escritura pública de compra e venda para efeitos do exercício do direito de remissão – como é seu propósito, remindo o pai da requerente o bem em causa.
*
Motivação:
O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos e no processo de execução fiscal, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
O tribunal teve, ainda, em consideração o depoimento das testemunhas G..., filho dos requerentes, e de Maria…, responsável pela venda do imóvel. Ambas as testemunhas prestaram um depoimento objetivo, seguro e coerente, que não foram comprometidos pelas relações familiar (a primeira) nem profissional (a segunda) que os liga às parte e ao processo, respetivamente, merecendo a credibilidade pelo tribunal.
Do depoimento da testemunha G... resulta que a requerente deixou de viver no imóvel, mas continuou a ter as chaves e sempre que precisavam de qualquer coisa deslocavam-se ao apartamento. Porém, a partir de uma certa altura deixaram de poder entrar porque mudaram a fechadura. Mais referiu que não sabia se o pai também tinha as chaves. Disse, ainda, que levantavam o correio.
A testemunha Maria… foi a mediadora responsável pela venda. Mencionou que entrou em contacto com dois executados. Ele presencialmente e com ela telefonicamente. Quando falou com eles disse-lhes que era a responsável da venda. Referiu que a primeira vez que falou com a executada, esta disse que não tinha nada que vender que a casa era para os filhos. A testemunha pediu-lhe então, para apresentar uma proposta. Acrescentou que a executada nunca mais atendeu o telefone. Chegou a encontrar-se com o executado no local do imóvel, que não levou as chaves consigo, mas que lhe referiu que a casa não tinha nada de valor, era só lixo.
Nesta altura, disse-lhe também que já tinha comprador. O executado nunca mais apareceu.
Esta testemunha disse que falou com o Banco… e que estes lhe disseram que não estavam interessados na compra. Esclareceu que, na porta do imóvel, se encontrava fixado um edital. Explicou que esta venda foi mais demorada do que o normal, pelo facto de existirem cartas devolvidas.
As restantes testemunhas, todas elas irmãos da requerente, não mereceram credibilidade. Isto porque os seus depoimentos foram prestados de forma que nos pareceu condicionada de molde a favorecer a versão apresentada pelos requerentes. Só que, nesse esforço, prestaram, cada um deles, depoimento de forma comprometida pela relação familiar, inconsistente e contraditória.
Desde logo, a testemunha A... Rodrigues Marques referiu que foi contatada pelo irmão Manuel que lhe referiu que a casa da irmã “foi despejada” e que era preciso ligar ao irmão D... para retirar da garagem o carro que era da sua propriedade.
Esta testemunha disse ainda que a preocupação maior era com o carro do irmão porque era um clássico antigo. Mencionou que “achava que lhe disse para ligar à irmã” e que ela própria acabou por falar com a irmã, mas que não tinha a certeza se deixou deixar passar muito tempo.
Ora, o seu depoimento não é verosímil, por contrariar o padrão médio do bom pai de família e as regras da experiência comum. Na verdade, do seu depoimento extrai-se que, perante a gravidade da situação, a preocupação proeminente foi com o carro e não com o imóvel do qual a irmã “tinha sido despejada”, sem ter alegadamente conhecimento. Sendo certo que esta testemunha referiu, também, que o irmão a contatou por ser ela quem estabelecia a ponte entre os irmãos. No entanto, disse, igualmente, que “achava que lhe disse” para ele ligar à irmã. Mais acrescentou que acabou por falar com ela, embora sem ter a certeza do tempo que mediou. Ou seja, demonstrou um desinteresse da situação que não é crível atenta a sua gravidade e que não é consentânea com o papel de mediadora que se arrogou. A não ser que a situação da venda já fosse conhecida por todos que com ela se conformaram, uma vez que eram conhecidos os problemas criados pelo cunhado, ora requerente, conforme, também, referido.
Acresce que esta testemunha, para convencer o tribunal ainda da sua razão de ciência, mencionou que acompanhou a irmã às finanças e ao Banco de Investimento, facto que não foi sequer alegado pela própria requerente e que, a ser verdade, teria a sua pertinência em ser invocado. Mas por outro lado, tal versão dos factos não é aceitável, porquanto tendo os autores dado entrada de um requerimento a 16.08.2010, a solicitar a suspensão da execução, não fazia sentido que a irmã se tivesse deslocado às finanças em agosto/setembro para saber como é que era possível colocar à venda o imóvel, com o argumento de que o valor da venda não pagava sequer a dívida às finanças.
Por outro lado, disse que a irmã não ia à caixa de correio, facto contrariado pelo depoimento do filho da requerente que referiu o contrário.
Por sua vez, a testemunha D… referiu que o irmão Manuel ligou-lhe a dizer que a casa da irmã já estava despejada e que iam retirar o carro da testemunha que estava guardado na garagem. Disse, ainda, que nesse mesmo dia foi lá para tirar o carro e que assinou um documento que entregou ao pintor, comprovando a entrega. Acrescentou que falou com a irmã apenas uma semana depois, encontrando-se por mero acaso, e que ela se mostrou surpreendida. Esclareceu que não se deslocou ao apartamento. Ora, este depoimento foi contrariado pelo depoimento da testemunha Manuel…, designadamente no que se refere ao dia em que se deslocaram à garagem e ao modo como foi feita a entrega da viatura. Bem como ao momento em que falou com a irmã.
Ora, este depoimento não se coaduna com as mais elementares regras da experiência comum e do padrão do homem médio. Na verdade, e como acima se referiu não é se pode compactuar com a versão apresentada por esta testemunha quanto à irrelevância que demonstrou quanto ao assunto da venda da casa, a não ser que igualmente foi já do seu conhecimento a situação subjacente.
A testemunha Manuel… referiu que ficou a saber da venda do imóvel na sequência de uma conversa, no final do mês de novembro de 2010, com um cliente (Sr. Fernando) que lhe falou de um investidor francês que o tinha adquirido num leilão nas finanças. Mencionou que, nesse mesmo dia, ligou ao irmão para ir lá buscar o carro que tinha garagem e para dizer à irmã M… para ir recolher as coisas. Disse, também, que ligou à irmã mais velha, a A..., para esta falar com a irmã M....
Esta testemunha disse que combinaram com o Sr. F... um dia e uma hora para irem retirar o carro, o que se verificou a seguir ao fim de semana.
Esta testemunha referiu que, a aludida conversa com o cliente, foi numa sexta feira e que no sábado se reuniu com os irmãos na casa do pai. E, nessa altura, marcaram o dia de 2.ª feira para ir buscar as coisas. Disse que nessa reunião a irmã se mostrou surpreendida.
Ora, este depoimento colide com os restantes depoimentos, na medida em que nenhuma outra testemunha falou da existência da reunião e nem mesmo os autores.
Sendo certo que a testemunha A... nem sequer se lembrava do momento em que ligou à irmã e nem se tinha mediado muito tempo desde a conversa com testemunha; E, por seu turno, a testemunha D... disse que tinha falado com a irmã uma semana depois, encontrando-se por acaso, não se referindo nenhum deles a qualquer reunião. O que nos leva a pôr em causa, também, esta versão dos acontecimentos. Por outro lado, e como decorre do início do seu depoimento, a sua preocupação foi em ligar ao irmão por causa do carro e não à irmã, justificando que não se falavam, todavia, na alegada reunião já conversou com ela.
Também, não é aceitável que a existirem alguns pertences da irmã que estariam, segundo palavras da testemunha, guardados, a irmã ou qualquer um dos outros não tivesse a preocupação de, no dia em que foram buscar o carro, retirarem os referidos objetos ou tentar recupera-los.
A contradição dos depoimentos prestados extrai-se, ainda, do facto da testemunha D… ter dito que foi buscar o carro no dia em que recebeu o telefonema do irmão, encontrando-se com o pintor, contrariando a versão apresentada por esta testemunha.
Sintomático das discrepâncias e falta de credibilidade destes testemunhos é, também, a circunstância de trazerem a tribunal uma versão diferente da apresentada pelos requerentes, conforme se extrai da leitura dos artigos 15.º e 16.º da PI. De cujo teor se extrai, em suma, que os requerentes tiveram conhecimento da venda, no dia 22.11.2010, quando o irmão os confronta com a notícia dizendo que pretendia ir à garagem recolher uma viatura de sua propriedade e que encontrou a sobredita fração devoluta.”

III – 2. De Direito

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
Esta prerrogativa foi cumprida pelos ora recorrentes.
Importa analisar as questões que no entender dos recorrentes foram incorrectamente julgadas, referentes às provas produzidas, e que poderão impor decisão diversa da recorrida, salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
Assim, “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação também quanto à decisão da matéria de facto não provada, da qual se retira a sua convicção, designadamente quanto às testemunhas irmãos da ora recorrente, que não lhe mereceram credibilidade pelos motivos que referiu.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que, como veremos, manifestamente se verifica no caso em apreço.
Passemos, então, a conhecer dos fundamentos do recurso.
Nas conclusões das alegações de recurso, os recorrente começam por afirmar que os pontos 1 e 2 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas A... e Manuel….
Vejamos o seu teor:
“(…) 1) Os requerentes apenas tiveram conhecimento da venda – embora desconhecendo os seus termos e condições concretas – no passado dia 22 de Novembro;
2) Quando o irmão da Requerente os confronta com a notícia de que, pretendendo ir à garagem da referida fração recolher uma viatura de sua propriedade que aí se encontrava depositada, encontrou a sobredita fração devoluta e nela aposto uma indicação de que se encontrava à venda através da sociedade de mediação imobiliária R…; (…)”.
Diga-se, desde logo, que o ponto 1 ínserto na factualidade não provada encerra uma conclusão e não factos simples susceptíveis de produção de prova. Quando muito, os factos de onde se poderiam extrair ilações de facto e a conclusão da data concreta da tomada de conhecimento da venda por parte dos recorrentes estarão descritos no ponto 2 da factualidade não provada.
Não obstante o enquadramento prévio, este tribunal optou por ouvir integralmente toda a prova testemunhal produzida, por forma a obter uma visão de conjunto e estar apto a efectuar a devida concatenação da prova produzida, por entender que somente assim poderá detectar, na tarefa de reexame da decisão da matéria de facto, qualquer erro manisfesto ou grosseiro.
Na verdade, independentemente das dessintonias entre as testemunhas inquiridas e que se mostram cabalmente escalpelizadas na motivação da decisão da matéria de facto recorrida, resulta genericamente a ideia de desentendimento entre os dois aqui recorrentes, culminando com a sua separação, que ainda se mantém. Extrai-se, ainda, que o recorrente terá pautado a sua conduta no sentido da reprovação por parte da família da ora recorrente. Por outro lado, existem desavenças no seio da própria família da recorrente, revelando-se a necessidade de existência de interlocutores entre a ora recorrente e determinados irmãos, funcionando a irmã, A..., como ponte de contacto. Sem mais, as regras de experiência comum indicam imediatamente que os irmãos da ora recorrente até poderão ter sido, eles próprios, surpreendidos com o facto da venda da casa; mas nenhum elemento dos autos nos permite extrair que a própria recorrente tenha sido “surpreendida” com a venda da casa. Pelo contrário, a própria irmã, A..., transmite uma ideia de desleixo e arrastamento de uma situação que poderia ter sido evitada. Pois, afinal, se o próprio pai da recorrente tivesse sabido da execução fiscal teria remido a dívida. Fica, efectivamente, a sensação que a recorrente terá omitido a evolução do processo de execução fiscal à sua família, devido a constrangimentos anteriores e recorrentes, e que somente perante o facto consumado (venda da casa) terá exposto a situação à família.
Logo, uma vez que foram os seus irmãos a depor como testemunhas, é natural que transmitam a ideia de surpresa. No entanto, entende este tribunal que não é possível extrair ilações dos seus depoimentos, com a segurança e certeza exigíveis, de que a ora recorrente foi surpreendida com o facto da venda da casa somente em 22/11/2010, aquando da necessidade de recolha da viatura de um dos irmãos (D...).
Tudo indica que nem mesmo o filho da ora recorrente sabia concretamente da situação (G...).
Ou seja, mesmo que se considerasse assente que o irmão da requerente tenha confrontado o(s) recorrente(s?) com a notícia de que, pretendendo ir à garagem da referida fração recolher uma viatura de sua propriedade, que aí se encontrava depositada, encontrou a sobredita fração devoluta e nela aposto uma indicação de que se encontrava à venda através da sociedade de mediação imobiliária R…; por si só não é suficiente para concluir que os recorrentes apenas tiveram conhecimento da venda nessa data, em 22/11/2010. Reitera-se que as desavenças e outros problemas anteriores é que poderão ter levado a que a recorrente não contasse o que se estava a passar no âmbito do processo de execução fiscal em apreço à sua família (pouca proximidade e desconforto), não se colocando, até, em causa, que esta é que possa ter ficado surpreendida com a venda da casa.
De todo o modo, nada indica que o ora recorrente tenha tido contactos com a família da ora recorrente, pelo que o depoimento da testemunha Maria…, técnica de mediação imobiliária, que procedeu à venda da casa, se mostra apto, com os fundamentos indicados na decisão recorrida, para retirar a conclusão de que o recorrente estava ciente de que a casa estava à venda e de que até já tinha comprador (cfr. afirmações desta testemunha na descrição do contacto pessoal que teve com o recorrente, avisando-o que ia vender a casa).
Mesmo em cotejo com o teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 1 e 2, atendendo às datas em que as certidões da Conservatória do Registo Predial (25/11/2010) e da escritura de compra de venda (26/11/2010) foram emitidas, não é possível considerar provados quaisquer factos susceptíveis de, depois, chegar à conclusão constante do ponto 1 dos factos não provados.
Efectivamente, não obstante os factos simples que invocam, não é credível que ambos os recorrentes somente tenham tido conhecimento da venda da casa em 22/11/2010, tanto mais que o aqui recorrente nem sequer tinha relações pessoais, nessa data, com o irmão da ora recorrente e esta vivia na casa dos pais com o filho (estando separada do recorrente).
Saliente-se que tal conclusão seria fulcral para, eventualmente, inverter a decisão recorrida acerca da matéria de excepção – caducidade do direito de pedir a anulação da venda; não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro grosseiro na apreciação e valoração da prova.
Efectivamente, o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado, o que também não se verifica no caso presente.
No entanto, acrescentam, ainda, os recorrentes que os pontos 3, 4 e 5 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor do depoimento prestado pela testemunha G..., e, ainda, no que respeita ao ponto 4 dos factos não provados, impõe decisão diversa o teor do documento junto à petição inicial sob o doc. n.º 3.
Vejamos o seu teor:
“(…) 3) Sendo que desconhecem o destino que foi dado ao recheio da residência dos Autores, uma vez que a fração se encontrava mobilada,
4) Aparte a mobília da cozinha e respetivos eletrodomésticos, propriedade dos requerentes e que não havia sido objeto de penhora, que vêm anunciados como integrando a fração cuja venda anunciavam na página da mencionada R…;
5) Surpreendidos com a notícia – uma vez que, por contingências familiares, já nela não habitavam há algum tempo – compulsaram os Requerentes a descrição predial do imóvel; (…)”.
É um facto que os requerentes se separaram, resultando do depoimento da testemunha G..., filho dos ora recorrentes, que este e a mãe foram viver para casa dos avós (há cerca de 2/3 anos). Apesar de não ser absolutamente claro, parece poder retirar-se do seu depoimento que ambos os requerentes deixaram de viver no imóvel, porque afirmou que a mãe continuou a ter as chaves e sempre que precisavam de qualquer coisa deslocavam-se ao apartamento; tendo referido que não sabia se o pai também tinha as chaves. Contudo, estes factos, por si só, não permitem concluir que os requerente tenham ficado surpreendidos com a notícia da venda da casa (ponto 5 dos factos não provados). Apesar de o filho dos ora recorrentes ter declarado que foi surpreendido com o facto de as chaves não servirem na fechadura e que a partir de uma certa altura deixaram de poder entrar porque mudaram a fechadura, articulando com o depoimento da mediadora responsável pela venda, que mencionou ter entrado em contacto com os dois executados e, pelo menos, ao ora recorrente, ter dito pessoalmente já ter comprador para a casa; as regras da lógica e da experiência não permitem retirar a conclusão constante do ponto 5 dos factos não provados (surpresa com a notícia da venda da casa).
Na verdade, é a concatenação de toda a prova produzida que há-de ser útil à tomada da decisão da matéria de facto. O tribunal recorrido formou a sua convicção com base, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas G... e Maria…, explicando os motivos do merecimento de credibilidade. Aqui a imediação da prova é fulcral, não se vislumbrando qualquer erro palmar na concatenação efectuada pelo tribunal recorrido. De todo o modo, como já referimos, importam apenas os factos simples e não as conclusões de facto na matéria assente, pelo que jamais o ponto 5 dos factos não provados poderia transitar, na sua plenitude, para a matéria assente (“surpreendidos com a notícia” será uma conclusão de factos).
Por outro lado, o documento n.º 3 é a impressão (efectuada em 28/11/2010) do anúncio de venda de T3 em Guimarães, no sítio da internet da R…, por €57.500,00. O teor deste documento não permite considerar provado que a mobília da cozinha e respetivos eletrodomésticos, que seriam propriedade dos requerentes, sejam os que se encontram anunciados pela R.... Mesmo porque decorre do depoimento dos dois irmãos da ora recorrente que a casa teria sido remodelada e do depoimento da mediadora imobiliária que o ora recorrente lhe teria dito: “a casa só tem lixo, nós já não moramos aqui”.
Acrescentaram, também, os ora recorrentes que os pontos 6 e 7 dos factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes e com a mesma redacção para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos documentos juntos à petição inicial sob os docs. n.ºs 1 e 2, concretamente a data em que foram obtidos, tudo em cotejo com a frustração das notificações a que aludem os pontos HH), II) e JJ) do probatório.
Vejamos, igualmente, o seu teor:
“(…) 6) Constatando que, através da apresentação 872, de 14/09/2010, na Conservatória do Registo Predial da Moita, o 2.º réu havia registado a aquisição a seu favor, indicando-se como causa “Compra por Negociação Particular em Processo de Execução”;
7) Ato imediato, contatada aquela Conservatória do Registo Predial da Moita, foi facultada a informação que o título que esteve na génese do registo de aquisição foi a escritura pública de compra e venda já junta aos autos; (…)”.
À importância destes documentos já nos referimos anteriormente, a propósito dos pontos 1 e 2 da matéria de facto não provada. O cotejo com a frustração das notificações aos requerentes do teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 1 e 2, atendendo às datas em que as certidões da Conservatória do Registo Predial (25/11/2010) e da escritura de compra de venda (26/11/2010) foram emitidas, não permite considerar provados quaisquer factos susceptíveis de, depois, chegar à conclusão constante do ponto 1 dos factos não provados, pois não existe prova suficiente nos autos de que a constatação a que se referem os pontos 6 e 7 tenha ocorrido somente em 25/11/2010 ou em 26/11/2010. Aliás, fica por explicar cabalmente a devolução das cartas a que aludem os pontos HH), II) e JJ) do probatório, uma vez que no seu depoimento o filho dos ora recorrentes disse “levantarem o correio”. Por outro lado, mal se compreende que os aqui recorrentes tenham apresentado um requerimento às finanças, requerendo a suspensão da venda, indicando a morada da casa penhorada, tendo procedido de igual forma na sua identificação na petição inicial dos presentes autos.
Mais uma vez, não vislumbramos qualquer erro manifesto no julgamento desta matéria de facto, o que impossibilita transferir a constatação da venda da casa, por referência ao momento mencionado nos pontos 6 e 7, para o probatório assente. Note-se que consta da alínea T) assente que foi afixado edital na porta do imóvel e da motivação da decisão da matéria de facto: “(…) sempre que precisavam de qualquer coisa deslocavam-se ao apartamento (…)” – cfr. depoimento do filho dos recorrentes.
Por último, os recorrentes concluem que o ponto 8 dos factos não provados não poderá deixar de considerar-se incorrectamente julgado, devendo transitar para o probatório, por padecer de erro de julgamento, sendo os concretos meios de prova que impõem outra decisão os documentos a que aludem os pontos AA), BB), CC), DD), EE), HH), II) e JJ), a saber: fls. 135, 136, 137, 138, 142, 143, 144, 153 a 156, 157 a 160 e 161 a 164 do pef. apenso.
Para melhor apreensão, passamos a transcrever o ponto 8:
“8) Em momento algum foram os requerentes notificados da decisão de aceitar a proposta oferecida e dos dia, hora e local da outorga da escritura pública de compra e venda para efeitos do exercício do direito de remição – como é seu propósito, remindo o pai da requerente o bem em causa”.
Conforme facilmente se observa, tal matéria encerra factos negativos e de natureza conclusiva, cujas ilações se retirariam dos elementos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, pelo que não poderia transitar para o probatório.
Não podemos deixar de salientar que os aqui recorrentes receberam as cartas mencionadas em AA) e BB) do probatório e ninguém veio exercer até à data da venda o direito de remição previsto no artigo 912.º do Código de Processo Civil (actual artigo 842.º).
Atento ao exposto, e em suma, o juiz a quo não errou na apreciação e valoração da prova, não se verificando o invocado erro de julgamento; sendo, portanto, de manter a decisão recorrida.

Conclusões/Sumário

I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 26 de Março de 2015
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves