Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00315/17.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SOCIAL; ARTIGO 319° DA LEI 35/2004 DE 29/07; RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:
I-O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência;
I.1-para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AVNR
Recorrido 1:Fundo de Garantia Social
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
AVNR, titular do CC 1…77 e do NIF 1…41, residente na Avª F…, Coimbra, propôs contra o Fundo de Garantia Social, com sede na Av. Manuel Maia, nº 58, 6º Esq., 1049-002 Lisboa e contra o Instituto de Segurança Social, IP ISS IP-NIPC 500715505, sede na avenida Manuel da Maia nº 58 Lisboa, acção administrativa especial, pedindo a condenação destes à prática do acto devido de dar satisfação à pretensão que apresentou ao FGS, de lhe serem pagos, por este, os créditos laborais, no valor de €9 187,40, sobre a sua ex-entidade patronal “NC Lda.”.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi decidido assim:
-absolvo da instância o Réu ISS;
-julgo a acção improcedente no que ao Réu Fundo respeita.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
a) O presente Recurso tem como objecto matéria de facto e de direito da decisão proferida na Sentença proferida nos autos de improcedência da acção relativamente ao Réu Fundo de Garantia Salarial
b) A Autora é credora da sua ex - entidade patronal - NC Lda ­por acordo, homologado por sentença - acção laboral de Impugnação Judicial de despedimento.
c) O crédito respeita a uma compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho no valor inicial de 11 500€.
d) O qual deveria ter sido pago em vinte e três mensalidades de 500€ cada, a primeira em 31 de Outubro de 2013 e as seguintes no último dia de cada mês.
e) A devedora deixou de pagar as mensalidades, incumpriu, a partir de Março inclusive
f) Sustentou o Tribunal que as prestações não pagas pela devedora se venceram todas em 31 de Março de 2014, por aplicação do art° 781° do Código Civil (CC) à matéria de facto dada como provada - (Sentença, Matéria de Facto, n° 3).
g) Nos termos do CC, art° 779° - âmbito do cumprimento das obrigações - o prazo para o cumprimento de uma obrigação a existir tem-se por estabelecido a favor do devedor sempre que não se mostre estabelecido a favor do credor ou de ambos
h) Claramente, no caso, o prazo estabelecido foi a favor do devedor, quer pelas dificuldades deste em proceder ao pagamento, por comportamento relapso ou outra causa qualquer do comportamento do devedor que obrigou a Autora, aqui Recorrente, a intentar acção de insolvência.
i) Conforme sustenta Manuel Andrade, "Se o credor permitiu que o devedor pagasse por prestações, foi para lhe facilitar o pagamento, de maneira que se este, deixa de pagar uma prestação, o credor perde a confiança que nele tinha, e portanto desaparece a base de que o credor partiu ao fazer a concessão, bem se justificando que o credor possa exigir o total pagamento da dívida" (Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vo1.II, Págs.53, Nota 1, 7ª Edição, Almedina).
j) "Vencimento imediato significa, neste caso [CC art° 781º, exigibilidade imediata" (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. II, Págs.31, 4ª Edição, Coimbra Editora).
k) "O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede - mas não decreta ela própria - ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Págs. 54, 7ª Edição, Almedina).
l) Ou seja, o incumprimento da mensalidade que deveria ser paga a 31 de Março de 2014 apenas permite ao credor, a aqui Recorrente, exigir do devedor não só a prestação em falta a 31 de Março de 2014 mas todas as seguintes cuja data de pagamento coincide com o último dia de cada um dos meses seguintes, até completo pagamento.
m) "A solução do vencimento imediato é directamente aplicável ao caso de, para garantia da obrigação (única) fundamental, se ter feito a emissão e entrega Pro solvendo de vários títulos cambiários (letras) e os subscritores das letras, também co-devedores da obrigação subjacente, não terem pago uma delas, na data do seu vencimento." (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. II, Págs.32, 4ª Edição, Coimbra Editora)
n) Só numa situação destas!
o) De todo, não é a situação do caso em apreciação.
p) A decisão consubstanciada na Sentença errou
q) A Autora, aqui Recorrente pediu a Insolvência do devedor conforme consta dos autos
r) Com vista à promoção da acção de insolvência do devedor, a Autora aqui Recorrente requereu Apoio Judiciário junto da Segurança social em 2014-09-15, pedido que veio a ser deferido a 06 de Outubro de 2014.
s) Na verdade, estabelece a CRP, art° 20°, n° 1 que "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meio económico".
t) Nos termos da Lei 34/2004 de 29 de Julho - Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais - a Acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de apoio judiciário (Lei 34/2004 de 29 de Julho, n° 4 do Art° 33°).
u) Pelo que, a acção de Insolvência que a Autora intentou contra o devedor dos seus créditos, foi proposta a 2014-09-15 - data da apresentação do Requerimento de Apoio Judiciário.
v) Outro entendimento viola claramente a CRP, em especial, o seu art° 20º, n° 1.
Nestes termos e nos demais de Direito que não deixarão de apreciar, deve o presente recurso ser objecto de provimento, a Sentença recorrida revogada e a acção procedente contra o Réu Fundo de Garantia Salarial.
*
O Réu não juntou contra-alegações.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
A este respondeu a Recorrente nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Autora foi trabalhadora da empresa “NC Lda”, que se dedicava a explorar bares e discotecas, até 14 de Maio de 2013. Cf. o P.A.
2. No dia 8 de Outubro de 2013, em plena audiência de discussão e julgamento da acção laboral de Impugnação judicial de Despedimento, que instaurara contra aquela entidade patronal (EP), as partes chegaram a um acordo, logo homologado por sentença, segundo o qual o Réu pagaria à Autora uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, no valor de 11 500 €, que venceria em 23 prestações mensais de 500 €. Cf. P.A..
3. Porém a Entidade patronal viria a pagar apenas cinco prestações, cessando os pagamentos em Março de 2014, quando faltava pagar um total de 9 187,40 €. Cf. P.A., maxime fs. 6 a 8 e 25.
4. Em 8 de Outubro seguinte a Autora requereu a declaração de insolvência da antiga EP na secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Coimbra (processo nº 733/14.4TBCBR Cf. fs. 4 e sgs do PA e 86 do PA.
5. Por sentença de 19/1/2015, dada nesse processo, foi a entidade patronal declarada insolvente.
Idem
6. Em data desconhecida mas posterior, o Autor reclamou, na insolvência, o seu sobredito crédito laboral, tendo o mesmo sido reconhecido pelo administrador judicial. Cf. fls. 15 do P.A.
7. Em 1 de Junho de 2015 o Autor deu entrada, nos serviços da Segurança Social, ao requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho que integra fls. 24 do processo administrativo e aqui se dá como reproduzido.
8. Após a competente audiência prévia da Autora fora proferidos, sobre a sua pretensão, pelos serviços de Coimbra e centrais do ISS, respectivamente, os pareceres cujo teor a fs.86-87 vº e 88 do PA aqui se dá como reproduzido, transcrevendo apenas os segmentos finais:
a) Do parecer do serviço local de Coimbra:
“Por todo o exposto, após análise jurídica da resposta, propõe-se a manutenção da Decisão de Indeferimento, proferida em 23-12-2015, notificada à requerente em 23-02-2016 (nos termos do declarado pela própria em sede de resposta à audiência prévia, e uma vez que a notificação enviada em 23-12-2015 veio devolvida) com o seguinte fundamento já notificado):
"Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (Insolvência, falência, Recuperação de empresa ou PEC), nos termos do nº. 1 do artigo 319° da Lei 35/2004, de 29 de Julho, ou após a data da propositura da mesma acção, nos termos do nº. 2 do mesmo artigo."
b) Do parecer dos serviços centrais:
5. Assim, concordando-se com a posição veiculada pelo CDC, propõe-se que a decisão de indeferimento se mantenha, nos termos e com os fundamentos que resultam do exposto.
9. No mesmo dia, sobre estes pareceres, incidiu o seguinte despacho do presidente do Conselho Directivo do Réu: “Concordo”.
X
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença, na parte que ora releva:
Atentos a causa de pedir e o pedido de condenação à prática de um acto tido por devido, importa começar por dizer que o que se vai discutir não é já a legalidade do ato administrativo acima referido, nem mesmo a sua legalidade material nas circunstâncias históricas em que foi praticado, mas sim se assistia e assiste ao Autor o direito subjectivo que ele hic et nunc pretende exercer, conforme o previsto no artigo 66º nº 2 do CPTA.
Assim, nos presentes autos cumpre apenas resolver uma questão, que é a de saber se o Autor tem direito a haver do Réu o pagamento de uma prestação social em valor correspondente aos créditos laborais em dívida pela sobredita Entidade Patronal, melhor, a sua insolvência, o qual prestação lhe requereu em impresso próprio.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 336.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro “O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.”.
O Fundo de Garantia Salarial foi criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho, o qual passou a assegurar, em caso de incumprimento pela entidade patronal, o pagamento aos trabalhadores de créditos emergentes de contratos de trabalho.
Este diploma veio a ser revogado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho que regulamentou a Lei que aprovou o Código do Trabalho então vigente (n.º 99/2003, de 27 de Agosto), instituindo o novo regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, sem, no entanto, introduzir alterações significativas relativamente ao anterior regime.
A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho foi revogada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho, sem prejuízo de, por força do artigo 12.º n.º 6 al. o) da Lei n.º 7/2009, continuarem em vigor os artigos 317.º a 326.º da Lei n.º 35/2004 na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 164/2007 até à publicação de legislação específica sobre a matéria, a qual à data dos factos não se encontrava publicada.
Prevêem aqueles artigos que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação e cessação, como salvaguarda dos trabalhadores, em caso de incumprimento pelo empregador dos créditos emergentes de contratos de trabalho. No entanto impõe a verificação cumulativa de determinados requisitos e limites, entre os quais este de que os créditos se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência ou que se encontrem, ao menos, abrangidos pelo previsto no n.º 2 do artigo 319.º.
O artigo 318.º dispõe, além do mais o seguinte:
1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
(…)”.
Por sua vez o artigo 319.º (créditos abrangidos) dispõe assim:
“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
O contexto do nº 1 do artigo 319º, designadamente o contexto próximo – cf. artigos 318º - demonstra claramente que o Legislador pretendeu, ao fixar o período de referência naqueles termos, não onerar o Fundo com créditos demasiado remotos e onerar outrossim o credor com o ónus de propor expeditamente a competente acção de insolvência ou o procedimento de conciliação previsto no DL nº 316/98 de 20/10 (não outro), e o requerimento de pagamento, sem o que o Fundo não responde por quaisquer créditos laborais. De tal maneira estava determinado a desconsiderar créditos anteriores ao período de referência que apenas contemplou excepção para créditos posteriores a esse período (cf. nº 2 do mesmo artigo 319º).
Não se diga que as mais das vezes, em caso de insolvência da EP, os trabalhadores ficarão privados da prestação social para que o Fundo foi criado, pois a decisão de insolvência quase sempre sobrevirá mais de seis meses depois da cessação do contrato de trabalho.
De modo nenhum se pode ter por adquirida esta afirmação de facto. Mas sobretudo importa considerar que não é do momento da declaração de insolvência, mas sim do momento da instauração da acção de insolvência (desde logo pelo credor trabalhador) que se conta o período de referência de seis meses previsto no nº 1 do artigo 319º.
Enfim, quer se concorde quer não, de um ponto de vista de jure condendo, o Legislador quis cercear significativamente o valor absoluto dos créditos laborais em risco ou perdidos a satisfazer pelo Fundo; e fê-lo, além do mais, fixando o período de referência do artigo 319º nº 1 e conferindo, deste modo, indirecta e potencialmente ao credor trabalhador o ónus de dar início ao procedimento de conciliação a que alude o artigo 316/98 de 20/10 ou ao processo de insolvência da EP ou ao procedimento de intervenção do Fundo, consoante os casos, em não mais do que seis meses após o vencimento dos créditos.
O Autor não satisfez aquele ónus, pois, tendo as prestações ainda por pagar, da compensação global pela cessação do contrato, vencido todas o mais tardar em 31 de Março de 2014, conforme incontornavelmente resulta da aplicação do artigo 781º do CC ao artigo 3º da matéria de facto – ele só viria a instaurar a acção de insolvência em 8 de Outubro de 2014, ou seja, mais de seis meses depois, logo, quando os créditos laborais ainda em dívida estavam vencidos havia mais de seis meses.
Pode dizer-se que o direito do Autor a obter do Réu o pagamento de qualquer parcela dos seus créditos laborais sobre a EP insolvente caducou.
Restar-lhe-á concorrer com os demais credores para ser pago pelo produto da massa insolvente, no respectivo processo de insolvência, com a posição de ordem que a lei lhe confere.
X
Insurge-se a Recorrente contra a sentença que julgou a acção improcedente.
Todavia, sem razão.
Vejamos:
Do erro de julgamento da matéria de facto -
No recurso a Recorrente parece pretender pôr em causa o julgamento da matéria de facto.
Contudo, não indica os concretos pontos de matéria de facto que foram incorrectamente julgados nem indica o suporte probatório que imporia decisão diferente.
Incumpridos que estão os ónus a que se refere o artigo 640º/1/alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, desatente-se este segmento do recurso.
Do erro de julgamento de direito -
O artº 317° da Lei 35/2004 de 29 de julho estipula que “O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.
Por sua vez, o artº 318°/1 estabelece: “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente”. E o n° 2 deste dispositivo consagra que o Fundo “assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro”.
Estas normas são depois complementadas pelo artº 319° que dispõe: “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1). Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (n° 2). O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição (n° 3)”.
Da leitura destes preceitos conclui-se que o período a que se reporta o citado artº 319°, em função do qual o FGS assegura o pagamento dos créditos dos trabalhadores, só pode ser o que ocorre nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência. A intervenção do Fundo de Garantia Salarial na garantia de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação pertencentes a um trabalhador reduz-se aos casos de incumprimento por parte do empregador, por motivo de insolvência ou situação económica difícil.
O período de referência em causa conta-se a partir da data em que foi interposta a acção judicial de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, consoante a entidade empregadora sobre a qual o trabalhador veio requerer o pagamento dos créditos, tenha instaurada contra si uma acção de insolvência ou um procedimento de conciliação, pois só nestas duas situações é que o Fundo de Garantia Salarial intervém - n°s 1 e 2 do citado artº 318° da Lei 35/2004, de 29/07.
No caso posto todos os créditos reclamados estão fora do âmbito temporal de seis meses, estabelecido no n° 1 do art° 319° do Lei 35/2004.
A expressão utilizada neste n° 1 “seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou do requerimento referido no artigo anterior”, reporta-se obviamente à acção para declaração judicial de insolvência do empregador referida no n° 1 do artigo anterior e não à eventual acção judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais. Neste sentido se pronunciou, entre outros, o Acórdão deste TCAN de 14/02/2014, no proc. 00756/07.0BEPRT.
Sublinhe-se, aliás, que na maioria das situações os créditos dos trabalhadores, como sejam os derivados das remunerações salariais e dos respectivos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, não necessitam de uma sentença judicial prévia, para poderem ser reclamados no processo de insolvência da entidade empregadora respectiva.
A obrigação de pagamento destes créditos por parte do empregador não precisa de uma sentença judicial condenatória por parte do Tribunal de Trabalho.
Deste modo, e também por este motivo, o legislador ao mencionar a propositura da acção no n° 1 do artigo 319°, não pode estar a referir-se à acção a intentar no Tribunal de Trabalho, pois esta pode nem ter sido proposta e apesar disso o crédito ter sido reclamado na insolvência.
A jurisprudência tem-se orientado no sentido de que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do reconhecimento desses créditos no âmbito do processo de insolvência (excepção feita à indemnização por despedimento ilícito, já que esta ilicitude apenas pode ser declarada pelos tribunais de trabalho no domínio laboral privado) - vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 17/12/2008, 07/01/2009, 04/02/2009, 10/02/2009, 11/02/2009, 25/02/2009, 12/03/2009, 25/03/2009, 02/04/2009 e 10/09/2009, proferidos, respectivamente, nos procs. 0705/08, 0780/08, 0704/08, 0920/08, 0703/08, 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08.
Mais recentemente reafirmou esta posição no Acórdão de 10/09/2015, proferido no âmbito do proc. 0147/15, onde se sumariou:
I-O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior - artº 319º/1 da Lei 35/2004.
II-Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento.
É que uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação, e outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha.
A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida, Galvão Teles, em Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 217).
Ao prever que o FGS possa pagar os créditos laborais, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo.
E bem se compreende que assim seja. Com efeito a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que por vezes, demora anos.
No caso posto o crédito venceu-se em 14 de maio de 2013 e a acção de insolvência foi intentada em 8 de outubro de 2014.
Para efeitos do estabelecido no nº 1 do artº 319º da Lei 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção.
O contrato de trabalho cessou no dia 14/05/2013; portanto, tendo-se os créditos laborais vencido na data da cessação do contrato de trabalho, os mesmos estão fora do período de referência, não existindo qualquer crédito vencido dentro desse lapso temporal, pelo que não pode ser assegurado o seu pagamento pelo FGS, nem nos termos do nº 1 do artº 319º, nem de acordo com o nº 2 do mesmo artigo.
O Tribunal a quo, ao decidir que os créditos reclamados não se encontram abrangidos pelo período de referência, limitou-se a observar o quadro legal aplicável.
Tal equivale a dizer que a decisão recorrida fez correcta leitura do regime visado, razão pela qual será mantida na ordem jurídica.
É que, contrariamente ao alegado, também se não descortina qualquer atropelo à Lei Fundamental; aliás, a falta de densificação da violação do apontado preceito constitucional - artº 20º/1 -, desde logo a faz soçobrar.
De resto a Autora, aqui Recorrente não fica destituída de protecção; como o Senhor Juiz bem salientou, assiste-lhe o direito de concorrer com os demais credores para ser paga pelo produto da massa insolvente, no respectivo processo de insolvência, com a posição de ordem que a lei lhe confere.
Desatendem-se, assim, as conclusões da Recorrente.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 09/11/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa