Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00183/13.0BECBR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA
SEGURADORA.
Sumário:I. Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das ações emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidade pública, por ato de gestão pública, intentadas contra a companhia de seguros para quem aquela, por contrato de seguro, haja transferido a sua responsabilidade civil.
II. O incidente de intervenção principal provocada é o expediente processual adequado para a entidade pública, demandada em ação para efetivação de responsabilidade civil por danos provocados por ato de gestão pública, chamar para a causa uma companhia de seguros para a qual alega ter transferido a obrigação de indemnização desses danos, através de um contrato de seguro de responsabilidade civil não obrigatório.
III. Considerando a configuração dos incidentes de intervenção de terceiros, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, quando o Réu invocar ter ação de regresso sobre o chamado apenas é admissível a intervenção acessória quando resultar do alegado que o chamado, nunca podia ser demandado pelo autor e consequentemente nunca podia ser condenado no pedido ou em parte dele. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município da Figueira da Foz
Recorrido 1:AFALM... e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE:
I.RELATÓRIO
MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido em 07/10/2013, no âmbito da Ação Administrativa Comum que AFALM... intentou contra si e contra os réus AF..., S.A. e L E O..., CONSTRUÇÕES, LDA, com vista à efetivação da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente de acidente de viação, que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo Réu, ora Recorrente, quanto à "Companhia de Seguros F..., S.A.” a título principal, admitindo-o apenas a título acessório.
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O RECORRENTE terminou a respetiva alegação de recurso com as seguintes conclusões:
I. Face ao que dispõe o art. 4º, 1º, al. g) do ETAF conjugado com o art. 211º/1 da CRP e o art. 18º/1 da LOFTJ, o tribunal administrativo é o competente para apreciar a presente acção em que discute a responsabilidade civil extracontratual do Município.
II. No âmbito desta acção pode ser chamada pelo réu como parte principal, sem beliscar aquelas regras de competência, a companhia de seguros para quem a autarquia transferiu a sua responsabilidade, posto que o contrato de seguro não tem a virtualidade de alterar a responsabilidade jurídica do evento, mas apenas a pessoa responsável pelo pagamento dos danos que o mesmo originou.
III. Ao decidir em sentido diverso do que aquele que aqui se perfilha e em orientação totalmente oposta aos arestos proferidos pelo Tribunal de Conflitos (em 29/06/2004 e em 20/09/2012, processos 01/04 e 07/12, respectivamente), pelo STA (processo 555/04 de 18/01/2005, processo 519/08 de 04/02/2009, processo 0302/04, de 17/10/2006), pelo Tribunal da Relação de Coimbra (em 17/05/2011, processo 69/09.2TBOLR.C1) e pelo Tribunal Central Administrativo Norte (6/04/2006, processo 02119/04.0BEPRT, e em 08/02/2007, processo 00441/05.7BEPNF-A), o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de interpretação e aplicação dos preceitos mencionados no ponto I destas conclusões e ainda dos arts. 10º, nº 7 do CPTA, 325º, nº 1, 329º, nº 1 e 330º, nº 1 (onde decorre, da parte final deste 330º, que a intervenção acessória é subsidiária em relação à principal), todos do CPC, pelo que se impõe a revogação da sua decisão, substituindo-a por outra que admita a intervenção principal da seguradora”.
Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida.
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Notificados das alegações, apresentadas pelo Recorrentes as demais partes processuais nada disseram.
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O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do C.P.T.A., não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
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Dispensados os vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MATERIA DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nesta instância recursiva importa considerar a seguinte factualidade:
A-AFALM... intentou ação administrativa comum com processo sumário, contra o MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ, AF..., S.A. e L E O..., CONSTRUÇÕES, LDA, melhor identificados nos autos, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, tendo em vista ser ressarcido dos danos que alegadamente sofreu em consequência do acidente de viação em que terá sido interveniente o veículo 00-00-ZM..., sua propriedade, resultante do embate da roda do seu lado da frente, dentro de dois coletores sem tampa, em plena faixa de rodagem da via, na Rua da Urbanização Adjacente à Rua das Oliveiras, Chã, Tavarede, s/n, no sentido Sul/Oeste.
B- Na contestação apresentada, o Réu Município da Figueira da Foz requereu a intervenção principal provocada da "Companhia de Seguros F..., SA"., para a qual havia transferido a responsabilidade civil extracontratual decorrente de atos de gestão pública e privada que, nos termos da lei, lhe fossem imputáveis em consequência do exercício da sua actividade, nos termos do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 8331989, e, para o caso de assim se não entender, a sua intervenção acessória.
C- O TAF de Coimbra proferiu a seguinte decisão, em apreciação do requerimento a que se alude na alínea que antecede:
Uma vez que se inserem na fase dos articulados, aplica-se aos pedidos sub judice o regime do CPC revogado pela Lei n° 41/2013 de 26/6, cf. Artigo 5° n° 3 deste diploma.
As relações jurídicas entre o Autor e as Chamadas, que emergem dos alegados contratos de seguro de responsabilidade civil, não têm natureza administrativa, pelo que este Tribunal não tem, competência material para delas conhecer. Artigos 1° e 4° do ETAF.
Tanto basta para ser inadmissível a coligação de Réus (artigo 31º nº 1 do CPC) e,
logo, a intervenção principal provocada.

Não se ignora nem menospreza a jurisprudência invocada pelo Réu Município.
Apenas se propende, na vexata quaestio, para a jurisprudência de sentido contrário de pelo menos igual valia, sancionada, inclusivamente pelo Tribunal de Conflitos. Vejam-se por exemplo o ac. STA de 18/2/2004, dado no processo n° 1033/03, o de 3/3/2003, dado no processo n° 1630/02, e o do Tribunal de conflitos, de 3/11/2004.
Se não seja a incompetência material, outra razão de peso nos fará pender para a inadmissibilidade, in casu, das intervenções principais requeridas.
A relação jurídica em que os Réus se baseiam para pedirem o chamamento das seguradoras a título principal emerge imediatamente de uma outra e diversa fonte que não a responsabilidade extracontratual dos Réus, a saber a responsabilidade contratual proveniente de um contrato que cada Réu fez com o terceiro que é a seguradora.
Esta diversidade de fontes da (eventual) obrigação do pagamento de uma indemnização ao Autor origina uma falta de coincidência de interesses processuais entre chamante e chamado de modo que, pelo menos potencialmente, as respectivas posições poderão ser incompatíveis. Com efeito, chamantes e chamados bem poderão entrar em contradição nos respetivos articulados, acerca dos pressupostos da responsabilidade contratual dos chamados sem que seja processualmente possível fazer o contraditório entre eles...
Por isso não é o instituto da intervenção passiva principal provocada — afinal uma species do genus coligação de Réus — um instrumento processual que se preste a uma tutela processual dos interesses quer dos segurados quer das seguradoras.
A tanto presta-se outrossim a intervenção acessória provocada, regulada nos artigos 330º e sgs. Vejamos:
Há um conjunto de factos objecto deste processo que segurado e seguradora têm interesse em contestarem; e que o segurado tem interesse em, caso se provem, opor ao segurador na execução do contrato de seguro.
Intervindo como auxiliar, com um estatuto igual ao do assistente, o chamado poderá pugnar, ao lado do segurado, pela não prova dos factos que comprometem este — deixando para outra acção, se necessário, eventuais divergências entre ambos acerca da execução do contrato de seguro. E se e na medida em que se provarem aqueloutros factos, eles serão oponíveis á seguradora, pois quanto a aos mesmos ela pôde fazer contraditório com o Autor, único litigante a quem eles interessavam.
Nesta forma de intervenção já não estarão sub judice as relações contratuais e quaisquer aspectos da execução dos contratos de seguro entre segurados e seguradoras, mas apenas a relação administrativa da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outros entes públicos ou investidos de poderes/deveres públicos, originada em determinados factos e normas relativamente aos quais o Réu e o respectivo chamado acessoriamente tem um interesse igual. Como não se trata de apreciar mais uma relação jurídica, mas tão só alguns dos seus pressupostos (cf. Artigo 330º nº 2 do CPC), nada obsta à competência material do TAF.
Pelo exposto, não é admissível a intervenção das seguradoras a título principal mas é-o a título acessório, nos termos dos artigos 330° e sgs.
Considero já cumprido o contraditório exigido no n° 2 do artigo 331° do CPC, uma vez que o Autor teve essa oportunidade na réplica.
Atento o alegado pelos Réus e as apólices juntas, é de admitir a viabilidade da acção de regresso sobre as seguradoras, em caso de condenação daqueles.
Como assim, sem necessidade de mais diligências, admito as seguradoras A...
Portugal S.A e F... Mundial S.A. a intervirem acessoriamente na acção, ao lado, respectivamente, dos Réus AF... S.A. e Município de Figueira da Foz.

Cite as chamadas nos termos e para os efeitos do artigo 338° do CPC (antigo), com cópia da PI e das contestações, bem como das apólices respectivas.
Notifique.
Coimbra, 7/10/2013
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II. 2 DO DIREITO
(1) Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efetuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
(2) Está unicamente em causa saber se a decisão recorrida que indeferiu o incidente da intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F..., S.A., requerido pelo ora Recorrente e que admitiu apenas a intervenção da chamada a título acessório padece de erro de julgamento, devendo, consequentemente ser revogada, e em sua substituição ser proferida decisão que admita a intervenção da seguradora a título principal.
Vejamos.
(3) Na situação sub judice, o Autor, ora Recorrido, intentou junto do TAF de Coimbra, ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontrual por factos ilícitos dos réus, entre os quais do ora Recorrente Município da Figueira da Foz, tendo em vista ser indemnizado dos danos que alega ter sofrido em consequência de acidente de viação em que interveio no passado dia 19 de abril de 2012, pelas 18h50m, quando, circulando ao volante do seu veículo matrícula 00-00-ZM..., pela Rua Urbanização Adjacente à Rua das Oliveiras, Chã, Tavarede, no sentido sul/oeste, ao descrever uma curva à sua esquerda, embateu «com a roda da frente do seu lado direito dentro de dois colectores de esgoto sem tampa, em plena faixa de rodagem», sem que existisse qualquer sinalização que alertasse para tal obstáculo, omissão que imputa às rés.
(4) Na contestação, o ora Recorrente, para além de se defender por impugnação, requereu a intervenção principal provocada da " Companhia de Seguros F..., SA", para a qual transferira a responsabilidade civil extracontratual decorrente de atos de gestão pública e privada que, nos termos da lei, lhe fossem imputáveis em consequência do exercício da sua actividade, nos termos do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 8331989.
(5) Para o efeito alegou que, com o contrato de seguro a chamada obrigou-se a garantir a terceiros beneficiários, até ao limite do valor seguro, o cumprimento das obrigações do réu, pelo que, na esteira do Acórdão do Pleno do STA, de 17.10.06, proferido no processo 0302/04, deve entender-se que a seguradora é co-devedora, requerendo a sua intervenção principal e subsidiariamente, para o caso de assim se não entender a intervenção acessória da mesma.
(6) O senhor juiz a quo, nos termos do despacho transcrito no ponto 3 dos factos dados como provados, entendeu não se verificarem os requisitos ou pressupostos para o deferimento do incidente da intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros F..., S.A”., admitindo, porém, a sua intervenção acessória.
(7) É contra esta decisão que o Recorrente se insurge, por entender estarem verificados os pressupostos legais para o deferimento do incidente da intervenção principal provocada.
(8) Em primeiro lugar, importa reiterar, como bem se frisa no despacho recorrido, que inserindo-se o pedido de intervenção principal na fase dos articulados, já em curso aquando da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, é a versão anterior do CPC, aquela, à luz da qual, o mesmo há de ser apreciado.
(10) Está em causa, relembre-se, decidir da pertinência do incidente da intervenção principal provocada à situação em apreço, traduzida no chamamento, para a ação, da seguradora do responsável pela indemnização de determinados danos, a esse título demandado, com fundamento na celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil, não obrigatório.
(11) Não se ignora a existência de divergências jurisprudênciais quanto ao incidente adequado para uma tal situação [intervenção principal ou acessória], sendo certo que, a nosso ver, para a dilucidação dessa questão em nada interfere a questão da competência dos tribunais administrativos, contrariamente ao que entende o senhor juiz a quo.
(12) É que, conforme se afirma no Acórdão do Pleno do STA, de 17.10.06, proferido no âmbito do processo n.º 0302/04, disponível em www.dgsi.pt «em acção emergente de responsabilidade civil extracontratual de pessoa pública, por acto (ou omissão) de gestão pública, pode ser chamada a intervir pessoa jurídica privada, para quem haja sido transferida a responsabilidade por contrato de seguro, sem beliscar as regras de competência da jurisdição administrativa». Em igual sentido vide ainda Acs. do Tribunal de Conflitos de 29/06/2004, proc.01/04 e 20/09/2012, proc.07/12; Acs. do STA, de 18/01/2005, proc. n.º 555/04; de 04/02/2009, proc.519/08; Acs. deste TCAN, de 06/04/2006, proc. n.º 02119/04.0BEPRT e de 08/02/2007, proc. n.º 00441/05.7BEPNF-A.
(13) Assente que os tribunais administrativos e fiscais, na linha da jurisprudência citada, à qual aderimos pelo bem fundado da solução preconizada, possuem competência para apreciar a responsabilidade civil emergente de ato ou omissão de gestão pública em que intervenha como parte principal pessoa jurídica privada para a qual, por contrato de seguro, tenha sido transferida a responsabilidade da entidade pública, importa agora saber se em situações como a presente, o incidente adequado para trazer à ação a “Companhia de Seguros F..., S.A “ é o da intervenção principal provocada ou acessória, desde já se adiantando, que a nosso ver e contrariamente ao sustentado na decisão recorrida [e ao contrário do que também já foi anterior entendimento da relatora, enquanto juiz na 1.ª instância], o incidente adequado, é o da intervenção principal provocada.
Vejamos.
(14) É um facto que com a entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Civil em 1995, o regime legal dos incidentes de intervenção principal e acessória sofreram modificações relativamente aos incidentes de intervenção de terceiros constantes desse mesmo CPC antes da reforma de 1995 [chamamento à autoria e à demanda], de que se destaca a ampliação do âmbito de aplicação do incidente da intervenção principal, que compreende, satisfazendo interesses de economia processual e de melhor gestão dos interesses do processo pelos respetivos titulares, a obrigação de se apreciar desde logo o direito ou a obrigação do terceiro interveniente, não se lhe impondo apenas o efeito de caso julgado sobre a factualidade discutida.
(15) A este respeito, não podemos deixar de reproduzir aqui, o que se expendeu no Ac. do TRP de 15/1/2012, proferido no processo n.º 3868/11.1TBGDM-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, com cuja ponderação e solução concordamos integralmente e que tem plena aplicação ao caso que temos em mãos: "(...) sobre a intervenção principal provocada, o artigo 325º, n.º 1 do CPC estipula: “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”. Por seu turno, o artigo 320º estabelece que “ estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal:
a) Aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 27º e 28º. ”O artigo 321º prevê que o “interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu...”.
Os artigos 27º e 28º, para que remete o artigo 320º al. a), prevêem o litisconsórcio voluntário e necessário. Assim, a intervenção principal provocada é admissível, ao abrigo do art. 325º n.º1, quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado, ou seja, quando qualquer das partes deseje chamar um litisconsorte necessário ou voluntário (cf. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág.180).
Há litisconsórcio sempre que a relação controvertida respeite a uma pluralidade de interessados, activos ou passivos.
Relevante ainda é o art. 329°, introduzido na reforma do CPC de 95, pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12 que na sequência de ter sido eliminado como incidente autónomo o chamamento à demanda previsto nos artigos 330º a 334º do CPC antes da reforma, prevê o chamamento de condevedores ou do principal devedor (n°1), e tratando-se de obrigação solidária, e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, permite que o chamamento pode ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir assistir (n°2).
Assim, as situações que se enquadravam no chamamento à demanda especialmente previstas no art. 330º antes da reforma e outras em que existam condevedores, passaram a integrar o incidente de intervenção principal passiva.
Por outro lado, a intervenção provocada acessória está prevista no art. 330º do CPC que estipula:
“1. O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar da defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.”
Este incidente de intervenção acessória veio preencher a lacuna decorrente da supressão do incidente do chamamento à autoria, regulado antes da reforma do CPC, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, nos artigos 325º a 329º, como incidente autónomo.
O n.º 1 do art. 330º do actual CPC corresponde na sua 1ª parte ao anterior 325 n.º1, mas ao requisito do direito de regresso do R sobre terceiro (chamado) foi acrescentado um outro requisito negativo, carecer o terceiro de legitimidade de intervir como parte principal.
O legislador pretendeu demarcar o âmbito de previsão de cada incidente, evitando situações de sobreposição, por isso, delimitou o âmbito da intervenção acessória impedindo que o terceiro que tenha legitimidade para intervir como parte principal intervenha como parte acessória.
Assim, quanto à distinção entre intervenção principal e intervenção acessória, seguindo o acórdão deste Tribunal de 14.06.2010, proferido no processo n.º 9506/08.2TBMAI-A.P1, “que a primeira respeita às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal (é neste quadro que se inserem as situações configuradoras dos antigos incidentes de nomeação à acção e do chamamento à demanda) e a segunda cabe nos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que objecto da acção é este o lugar outrora reservado ao chamamento à autoria.
A intervenção principal provocada abrange todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores ou quando existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir na causa, quer com vista à defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que lhe assista.”
Temos, pois, que com a reforma do CPC de 95, por um lado, o incidente de intervenção principal do lado passivo, passou a englobar as situações enquadráveis nos anteriores incidentes de chamamento à demanda e nomeação à ação, passando a ter muito maior amplitude. Por outro, o incidente de chamamento à autoria foi eliminado e substituído pelo incidente de intervenção acessória, mas este passou a ter um âmbito de aplicação mais restrito, pois está afastado quando o chamado possa ser condenado caso a ação proceda."
(16) Aplicando a referida jurisprudência à situação sub judice, à qual aderimos sem reservas, por concordarmos com a solução que aí é perfilhada, importa ter presente que de acordo com a alegação do réu, ora Recorrente, o mesmo requereu a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros F..., S.A” por ter celebrado com aquela um contrato de seguro por via do qual transferiu para a mesma a sua responsabilidade civil emergente de atos de gestão publica, ou dito de outro modo, por via do qual, o cumprimento da obrigação de indemnização dos danos resultantes da atividade em causa teria passado a competir à dita Seguradora. No tocante à legitimidade para a intervenção na causa, tal alegação bastava para, configurando aquele seguro um típico contrato de seguro de responsabilidade civil, habilitar a referida seguradora a intervir nos autos. Nesse sentido, o n.º1 do artigo 140º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, dispõe que “ O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes”.
(17) Tal intervenção, na senda do que supra se deixou expresso, não será, no entanto, meramente acessória. É que, sendo um tal contrato de seguro um contrato a favor de terceiro, atento o disposto no artigo 444.º do Código Civil, a seguradora está obrigada, também, para com o lesado a satisfazer a indemnização devida, ficando aquele com o direito de demandar diretamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário [neste sentido, vide DIOGO LEITE CAMPOS, Contrato a favor de terceiro, 1991, págs. 13 a 16, e ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. I, 6ª ed., pág. 372 e segs.).
(19) Em abono da solução que preconizamos, reafirma-se que atento o disposto no n.º 1 do art.º 140.º do D. Lei n.º 72/2008, de 16/04, que supra tivemos o ensejo de transcrever, verificando-se que a “Companhia de Seguros F..., S.A” podia ter sido demandada, ab initio, pelos próprios autores, ora Recorridos, conjuntamente com os Réus, entre os quais o ora Recorrente, para efetivação da indemnização dos danos que alegam ter sofrido e a que se arrogam com direito, ou que a mesma podia intervir na ação ao abrigo daquele art. 140º, só pode concluir-se que a sua intervenção não poderia ser acessória, uma vez que, a tal obstaria o disposto na segunda parte do n.º1 do artigo 330.º do CPC. Saliente-se que conforme se expende no acórdão cuja jurisprudência estamos a seguir "perante a nova configuração dos incidentes de intervenção de terceiros, concretamente nas diferenças entre intervenção principal passiva e intervenção acessória, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, quando o Réu invocar ter ação de regresso sobre o chamado apenas é admissível a intervenção acessória quando resultar do alegado que o chamado, nunca podia ser demandado pelo autor e consequentemente nunca podia ser condenado no pedido ou em parte dele. Por outro lado, ao contrário do que era entendimento dominante, saber se estamos perante uma situação de listisconsórcio voluntário passivo, que justifique a intervenção principal, não se pode aferir atento apenas pelo âmbito da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.
O artigo 329º n.º3 impõe ao requerente da intervenção o ónus de indicar a causa do chamamento e alegar o interesse, que através dele, se propõe acautelar, como forma precisamente de se clarificar liminarmente a relação invocada e a sua conexão com a relação controvertida alegada na petição. Assim sendo, para aferir da legitimidade do chamado para intervir na acção não pode deixar de atender-se ao alegado pelo Réu quando este suscita o incidente de intervenção, em particular, quando o chamado surge como um co-obrigado.
Também não se pode confundir a questão da admissibilidade do incidente com a questão de saber se o chamado é ou não co-obrigado, esta é já questão de mérito, que obviamente vai depender da posição por ele assumida, quanto à relação invocada pelo R, a justificar o seu chamamento.
O que é relevante é que do alegado pelo R, em conjugação com a causa de pedir invocada na petição, resulte que o chamado tem uma posição própria, mas paralela à do R e consequentemente também tem interesse direto em contradizer." (Ac. do TRP de 15-11-2012 cit.).
(21) Em sentido concordante à posição que perfilhamos, veja-se ainda ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, na sua intervenção "O NOVO REGIME DO CONTRATO DE SEGURO, ANTIGAS E NOVAS QUESTÕES", publicado em www.trl.mj.pt, na qual o Senhor Conselheiro afirma que: "Em face do regime anterior, não estava prevista, em geral, a acção directa contra as seguradoras. Apesar disso, eram frequentes as situações de demanda directa das seguradoras (ou em regime de litisconsórcio voluntário com o segurado), solução que a jurisprudência e parte da doutrina sustentava na figura do contrato a favor de terceiro (art. 444º, nº 2, do CC).
(...)
A solução legal ficou a meio caminho e, além disso, é excessivamente complexa. Embora se admita a intervenção da seguradora em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco assumiu (art. 140º, nº 1), a sua demanda directa fica, em princípio, dependente da existência de previsão contratual ou do início de negociações estabelecidas com o lesado, factor que é necessariamente posterior à ocorrência do sinistro que deveria servir para fixar o pressuposto processual da legitimidade passiva
Não creio que, em termos substantivos ou em termos processuais, tenha sido adoptada a melhor opção, ficando por clarificar qual é efectivamente a posição jurídica da seguradora em face da relação material controvertida.
Admite-se expressamente a responsabilidade directa da seguradora, quer individualmente, quer em regime de litisconsórcio com o segurado, nos casos em que o contrato o preveja ou em que se tenham iniciado negociações com o lesado, o que nos reconduz à figura da legitimidade a título de parte principal.
Além disso, pode intervir em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnização, o que nos reconduz à figura do assistente em relação ao segurado ou ao tomador, tendo tal intervenção como objectivo auxiliá-lo na sua defesa, nos termos do art. 335º do CPC, acautelando, por esta via, os interesses decorrentes da transferência do risco.
Mas, considerando que o segurado poderá exercer o direito de regresso se vier a ser reconhecida a sua responsabilidade pelo sinistro, a intervenção da seguradora pode ser alcançada através do incidente de intervenção acessória provocada, nos termos dos arts. 330º e segs. do CPC, permitindo estender-lhe, desde logo, os efeitos do caso julgado que se formar com a eventual sentença condenatória. Neste caso, se a seguradora não tiver sido inicialmente demandada, v.g. por se ignorar a existência de contrato de seguro, o lesado ou mesmo o segurado pode requerer a sua intervenção principal provocada, nos termos dos arts. 325º e segs. do CPC. Assim, para além das desvantagens da solução no que respeita ao direito substantivo, a opção pela excepcionalidade da acção directa conduz a um regime jurídico-processual escusadamente complexo, o que poderia ter sido facilmente ultrapassado se tivesse sido adoptada outra opção em que, como regra geral, se admitisse aquela acção directa contra a seguradora, com ou sem demanda do segurado, sem embargo da intervenção deste quando se revelasse necessário.
Apesar do que se referiu, cremos que a formulação normativa não colidirá com a manutenção da solução que já anteriormente era defensável, através do recurso à figura do contrato a favor de terceiro, designadamente naqueles casos em que, independentemente de previsão contratual, a prestação, pela sua própria natureza, só possa ser paga a terceiro beneficiário, como sucede nos casos de responsabilidade civil ou de seguro de vida, com indicação de beneficiário diverso do segurado." (sublinhado nosso).
(22) Isto disto, forçoso é concluir assistir razão ao Recorrente, posto que, como vimos, a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros F..., S.A”, é a solução que se mostra compatível com o regime legal consagrado no artigo 140.º da Lei nº 72/2008, do artigo 444º do C. Civil e dos arts. 325º, 329º e 330º do CPC,
(23) Impõe-se assim e sem necessidade de outras considerações, em consequência do provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a intervenção principal provocada da "Companhia de Seguros, F..., S.A.", e observados os demais trâmites legais.
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III- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
I- Conceder provimento ao recurso;
II- Revogar o despacho recorrido; e,
III- Ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, devendo admitir-se a intervenção principal provocada da "Companhia de Seguros F..., SA", continuando os autos a sua tramitação, se entretanto nada mais obstar.
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Sem custas.
Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 138.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 15 de Julho de 2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves