Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01965/16.6BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:EXECUÇÃO JULGADO, CAUSA LEGÍTIMA INEXECUÇÃO, ART.º 178.º 1 CPTA, INDEMNIZAÇÃO PERDA CHANCE
Sumário:1 . A perda de chance, perda de oportunidade, consubstancia a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável.

2 . Trata-se de um dano correspondente à perda de oportunidade de concretização do negócio para que tendia um determinado processo negocial, entendido como lesão de um bem autonomamente tutelável e distinto do interesse na execução do contrato.

3 . A indemnização por perda de chance só poderá ser admitida, desde que verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano, exigindo-se também que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., EM, E OUTRA
Recorrido 1:S., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . CMPH, EM, e "G., EM", inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 10 de Outubro de 2018 Data da assinatura digital, embora divergente com a data constante de fls. 272 do processo físico -3/10/2018., que, em sede executiva, por apenso à acção administrativa comum - Proc. 1965/166BEPRT - instaurada pela S., SA - ora recorrida - decidiu que existia causa legítima de inexecução e assim ordenou a notificação das partes para os termos e efeitos do disposto no art.º 178.º, n.º 1 do CPTA - acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.
*
Nas suas alegações, as recorrentes formularam as seguintes conclusões:
A. sentença recorrida é, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil ("CPC"), ex vi artigo 1º do CPTA, nula por falta de fundamentação, ou seja, a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, violando o artigo 154º do CPC que estipula, no seu nº 1, que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas";
B. Em síntese, a sentença recorrida enferma desta nulidade, na medida em que as Recorrentes ficaram sem compreender a razão pela qual foi adotada a decisão, fazendo-se letra morta dos argumentos aduzidos pelas Recorrentes no âmbito da Oposição apresentada, não havendo qualquer pronúncia sobre os mesmos;
C. Com efeito, a sentença recorrida não se pronuncia, sequer, sobre a razão pela qual existe causa legítima de inexecução da sentença e qual é essa causa legitima de inexecução da sentença;
D. A essencialidade e quantidade de questões que ficaram por responder demonstram, sem margem para dúvidas, que a fundamentação de facto ou de direito é "insuficiente e em termos tais" que não permite às Recorrentes "a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial", denotando-se uma "ausência de motivação que impossibilita o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final";
E. Ainda que assim não se considere, sempre se terá de considerar que, pelos mesmos fundamentos, a sentença recorrida é nula por o juiz se ter deixado de pronunciar sobre questões que devia apreciar, nos termos da primeira parte da alínea d), do n.9 1 do artigo 615º do CPC e/ou por a sentença recorrida se afigurar de tal forma obscura que torna a decisão ininteligível, nos termos da segunda parte da alínea c), do nº 1 do artigo 615º do CPC. já que viola, nomeadamente, o nº 2 do artigo 608º do CPC e os nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC;
F. A sentença recorrida é ainda nula por os seus (parcos) fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos da primeira parte, da alínea c), do nº 1 do artigo 615º do CPC, violando, nomeadamente, e os nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC;
G. Com efeito, a sentença recorrida enferma de graves contradições entre o iter cognitivo nela plasmado e a decisão a que se chega;
H. Os fundamentos da sentença recorrida concorrem para uma decisão que considere inexistir causa legítima de inexecução, na medida em que as Recorrentes procederam à execução do julgado anulatório, não se compreendendo a razão pela qual se vem, contraditoriamente, considerar que a Recorrida tinha uma expectativa, uma chance e que é essa perda de chance que deve ser assegurada no âmbito desta ação, julgando-se existir causa legítima de inexecução;
I. Caso assim não se considere, sempre terá de se considerar que a sentença é nula por ser obscura e ambígua, verificando-se a previsão da segunda parte, da alínea c), do artigo 615º do CPC violando-se os nºs 3 e 4 do artigo 607.9 do CPC.);
J. A sentença recorrida é ainda nula uma vez que o Tribunal não se pronunciou sobre específicas questões que devia apreciar, nos termos da primeira parte, da alínea d), do n.° 1, do artigo 615.° do CPC, violando-se os n.°s 1 e 2 do artigo 608.° do CPC;
K. Com efeito, o Tribunal a quo não apreciou a matéria de exceção alegada pelas Recorrentes na sua Oposição, nem se pronunciou sobre o pedido de condenação da Recorrida como litigante de má-fé;
L. Caso assim não se considere, sempre se terá de considerar que, apesar de o Tribunal julgar que "inexistem excepções que obstem ao conhecimento do objecto do processo", não aprecia as exceções aduzidas, não fundamentando, em absoluto, a motivação do sentido da sua decisão, pelo que a sentença deve ser considerar nula, nos termos da alínea b), do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, pois viola o n.° 3. do artigo 154.° do CPC;
M. Acresce às nulidades da sentença recorrida que a mesma padece de erro de julgamento ao considerar a existência de uma causa legítima de inexecução, violando, nomeadamente, o n.° 1 do artigo 178.° do CPTA;
N. Para esse erro concorreram, desde logo, graves contradições entre o iter cognitivo nela plasmado e a decisão a que se chega,
O. É que ainda que o Tribunal a quo admita que nenhuma sentença obrigava as Recorrentes a relançar o procedimento (e, naturalmente, a adjudicar qualquer proposta) vem, imediatamente a seguir, considerar que a S. tinha uma expectativa, uma chance e que é essa perda de chance que deve ser assegurada no âmbito desta ação;
P. Ainda que fizesse sentido que a S. pudesse ter uma expectativa, uma perda de chance que devesse ser assegurada — o que não se concede — no limite, essa perda de chance nunca deveria ser discutida no âmbito do processo executivo;
Q. Acresce que as questões essenciais no âmbito da presente ação, i.e., aquelas questões que permitem, em grande parte, decidir sobre a existência ou não de uma causa legítima de inexecução — "o quê ficou por executar" e "porquê é que ficou por executar" — ficam por responder;
R. O Tribunal a quo parte de um pressuposto absolutamente errado — é que executar a sentença não implica, de forma alguma, que se tivesse de seguir o procedimento a final e praticar o ato de adjudicação;
S. A decisão de não adjudicação adotada pelas Recorrentes é perfeitamente consentânea com a decisão adotada no âmbito do processo nº 1965/16.6.BEPRT e com os fundamentos aduzidos pelo Tribunal no âmbito do processo nº 1023/17.6.BEPRT;
T. As Recorrentes cumpriram o conteúdo da sentença retomando o procedimento, retoma essa que se traduziu na prática de um ato de não adjudicação uma vez que existia uma inegável causa de não adjudicação — i.e., circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, que justificaram a não adjudicação, nos termos da alínea d), do nº 1, do artigo 79º do CCP (atraso provocado pela discussão judicial iniciada pela Recorrida, aliada ao facto de a Go Porto ter tomado a decisão de alterar a localização das suas instalações);
U. Este entendimento foi já reconhecido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo n.9 1023/17.6BEPRT, no qual se decidiu que a prática do ato de não adjudicação não consubstanciava qualquer violação do julgado proferido no processo n.° 1965/16.6.BEPRT, reconhecendo-se expressamente que:
"o cumprimento da decisão proferida no processo 1965/16.68EPRT não passa necessariamente pela obrigação da Entidade Demandada retomar o procedimento pré-contratual — expurgando-o das Invalidades de que padecia — e conduzi-lo até final, à decisão de adjudicação, antes fazendo renascer na esfera da Administração os direitos que legalmente lhe assistem de, consoante a fase procedimental, revogar a decisão de contratar (...) ou não adjudicar ..." (destacados nossos).
V. As Recorrentes, no respeito pelos limites ditados pelo caso julgado no âmbito do
processo nº 1965/16.6.BEPRT, reconstituíram a situação que existira se o ato anulado não tivesse sido praticado (cf. nº 1 do artigo 173º do CPTA);

W. A causa legítima de inexecução sempre pressuporia que a mesma tivesse sido invocada pelas Recorrentes, o que não aconteceu;
X. Já transitou em julgado o entendimento de que as Recorrentes procederam, através da decisão de não adjudicação, à execução do julgado anulatório do processo nº 1965/16.6.BEPRT;
Y. Inexiste qualquer causa legítima de inexecução — precisamente, porque a sentença anulatória foi executada pelas Recorrentes;
Z. Assim, a sentença recorrida viola, nomeadamente, os artigos 154º, os nºs 1 e 2 do artigo 608º e os nºs 3 e 4 do artigo 607º, todos do CPC e, ainda, o nº 1 do artigo 178º do CPTA".
*
Notificadas as alegações, apresentadas pelas recorrentes, supra referidas, veio a recorrida “S., SA” apresentar contra alegações, formulando, no final, as seguintes conclusões:
I. Na sentença proferida nestes autos de execução, o Tribunal a quo analisou os efeitos da sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT (tendo concluído que da mesma resultava uma expetativa da S. de voltar a apresentar a sua proposta no procedimento pré-contratual lançado pelas Executadas) e a decisão das Executadas de interromper tal procedimento pré-contratual (tendo referido que a legalidade de tal decisão já foi analisada no processo 1023/17.6BEPRT).
II. É perfeitamente percetível o motivo pelo qual o Tribunal considerou existir uma causa legítima de inexecução e qual a causa legítima de inexecução: da sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT decorre uma expetativa da S. de voltar a apresentar a sua proposta no procedimento pré-contratual (fls. 5 8 e 9 da sentença), porém, tendo sido proferida pelas Executadas decisão de interromper o procedimento pré-contratual (decisão essa que foi legitimada no processo 1023/17.6BEPRT) esta expetativa já não se pode concretizar (fls. 9 da sentença), pelo que existe uma causa legítima de inexecução e o direito da S. a uma indemnização (fls. 9 a 11 da sentença).
III. Apenas a falta absoluta de fundamentação gera nulidade das decisões judiciais, o que não se verifica conforme referido nas conclusões I e II, sendo que as Executadas demonstraram compreender perfeitamente a ratio da decisão, tendo-a impugnado no seu recurso (fls. 18 a 27 das alegações de recurso), pelo que não se verifica a nulidade prevista no artigo 615.° n.°1 ai. b) do CPC.
IV. Não há qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão ou qualquer ambiguidade ou obscuridade na mesma porquanto o Tribunal a quo entendeu que a S. tinha uma expetativa de que o procedimento pré-contratual fosse retomado com eliminação das normas ilegais e prolação de atos como o convite à apresentação de propostas, a qual resultou gorada pela prolação da decisão (legitimada no processo 1023/17.6BEPRT) de interromper tal procedimento pré-contratual, o que é perfeitamente compatível com decisão adotada de considerar verificada uma causa legítima de inexecução da sentença.
V. Pelo que não se verifica a nulidade prevista no artigo 615.° n.°7 al. c) do CPC.
VI. O Tribunal identificou as questões suscitadas pelas Executadas na sua oposição (fls. 2 da sentença) e conheceu das mesmas (pelo menos implicitamente) ao pronunciar-se sobre a questão principal a ser decidida (existência ou não de causa legitima de inexecução).
VII. Entendendo o Tribunal a quo, que das decisões proferidas no processo 1023117.6BEPRT apenas resulta a legalidade da decisão de interromper o procedimento pré-contratual (e não os demais efeitos pretendidos pelas Executadas) e que tal decisão frustrou as expetativas da S. decorrentes da sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT de voltar a apresentar proposta, daí se extrai que não há exceção de caso julgado, que há causa legitima de inexecução e que a S. tem direito a uma indemnização que pode solicitar neste processo.
VIII. Fundando as Executadas o pedido de condenação da S. como litigante de má fé na pretensa propositura de ação executiva cuja falta de fundamento não podia ignorar (designadamente atento o exposto na sentença proferida no processo 1023/17.6BEPRT) e concluindo o Tribunal a quo que esta execução tem fundamento, daí se extrai a improcedência de tal pedido condenatório.
IX. As questões suscitadas na oposição foram pelo menos implicitamente conhecidas ou ficaram prejudicadas pela solução dada a outras, pelo que não se verifica a nulidade prevista no artigo 615.° n.°1 ai. d) do CPC.
X. No processo 1965/16.6BEPRT conclui-se pela invalidade das normas do procedimento pré-contratual e pela consequente invalidade dos demais atos praticados em tal procedimento (concretamente, o ato de exclusão da proposta da S. e o ato de adjudicação dos serviços à Securitas).
XI. A reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado (artigo 173.° do CPTA) determina a expurgação de tais ilegalidades do procedimento pré-contratual mantendo-se válida a decisão de contratar adotada anteriormente.
XII. Em termos de princípio geral, impunha-se a retoma do procedimento no ponto da verificação da ilegalidade, eliminando-se as normas julgadas ilegais das peças do procedimento e a prática dos demais actos previstos na tramitação procedimental, incluindo a reformulação do convite à apresentação de propostas, permitindo aos concorrentes a apresentação de nova proposta (assim tendo sido decidido no processo 1023/17.6BEPRT).
XIII. Face à decisão proferida no processo 1965/16.6BEPRT, a S. tinha uma expetativa de voltar a apresentar a sua proposta no procedimento pré-contratual interposto pelas Executadas de acordo com peças procedimentais que não contivessem as normas julgadas ilegais.
XIV. Contrariamente ao defendido pelas Executadas, o Tribunal a quo não parte do pressuposto que executar a sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT significa que o procedimento pré-contratual tivesse que seguir até ao fim com prolação de ato de adjudicação mas sim que da mesma resulta uma expetativa da S. de que tal procedimento seja retomado, com possibilidade de (re)apresentação de proposta.
XV. Tendo sido emitida pelas Executadas decisão de interromper o procedimento e tendo tais decisões sido impugnadas em processo autónomo, foi considerado que sendo a Administração recolocada na posição de executar a decisão de contratar igualmente renascem todos os direitos que lhe assistem na fase procedimental, incluindo o direito de não adjudicar.
XVI. O que emerge de tal decisão adotada no processo 1023/17.6BEPRT é a impossibilidade de interposição de outro processo no qual se discutisse (novamente) a legalidade de tais deliberações ou a interposição de ação executiva na qual a S. solicitasse a condenação das Executadas a emitir convite a apresentar proposta ou a adjudicar-lhe os serviços objeto do procedimento pré-contratual.
XVII. Mas não é esse o objeto da presente ação executiva, já que a S., na petição inicial, parte do pressuposto (porquanto expressamente declarado no âmbito do processo 1023/17.6BEPRT) que as decisões de não adjudicação são legais, requerendo que seja declarada a existência de uma causa legítima de não execução
XVIII. Da decisão proferida no processo 1023/17.6BEPRT não se extraem os efeitos pretendidos pelas Executados, porquanto o que ali se decidiu foi que a execução da sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT determinava a retoma do procedimento no ponto da verificação da ilegalidade, com "renascimento" da decisão de contratar e prática dos atos procedimentais previstos (incluindo, do ponto de vista dos concorrentes, a possibilidade de apresentar proposta e, do ponto de vista da entidade adjudicante, o direito de não adjudicar, verificados os inerentes pressupostos).
XIX. Tendo a S. uma legítima expetativa de poder vir a participar num procedimento legal, a prolação da decisão de interromper o procedimento frusta tais expetativas, impedindo a execução da sentença proferida no processo 1965/16.6BEPRT.
XX. O Tribunal a quo identificou o que é que ficou por executar (a retoma do procedimento com eliminação das normas ilegais das peças, com a prática dos demais actos procedimentais - fls. 8 e 9 da sentença) e porque é que ficou por executar (prolação da decisão de interromper o procedimento, decisão essa que foi considerada válida no processo 1023/17.6BEPRT fls. 9 da sentença).
XXI. Tal decisão em nada contraria a decisão transitada em julgado no processo 1023/17.6BEPRT.
XXII. Existe causa legitima de inexecução da sentença (decisão de interromper o procedimento pré-contratual), a qual foi expressamente invocada pelas Executadas e que foi legitimada no processo 1023/17.6BEPRT, pelo que a S. tem direito a uma indemnização.
XXIII. A sentença recorrida não padece de qualquer ilegalidade, pelo que deverá ser mantida, com o que se fará JUSTIÇA"!
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O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, nada disse.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não vêm questionados:
1. Em 11 de Janeiro de 2016, as Executadas, em agrupamento, lançaram, ao abrigo do “Acordo Quadro ESPAP vigilância e segurança humana”, procedimento para aquisição de serviços de vigilância e segurança humano no edifício sede das mesmas (cfr. Convite e Caderno de Encargos juntos com o pi. sob os documentos n.° 1 e 2 no processo 1965/16.6BEPRT, apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido);
2. A Exequente apresentou proposta no identificado procedimento, mas foi excluída, tendo os serviços sido adjudicados à Securitas por decisão notificada aos concorrentes através da plataforma electrónica em 1 de Julho de 2016;
3. No âmbito deste procedimento a proposta da Exequente foi excluída, tendo sido adjudicada a proposta da empresa "Securitas";
4. Na sequência de acção interposta pela Exequente, que correu termos neste tribunal sob o nº 1965/16.6BEPRT, foi proferida decisão, confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte, datado de 24 de Fevereiro de 2017, e onde se decidiu:
“a) Julgo improcedente a alegada exceção de caducidade do direito de ação;
b) Declaro ilegais as disposições contidas no ponto VI, n.º1, al. f), do Convite à Apresentação de Propostas e na alínea j) do número 8 do art.º 5.º do Caderno de Encargos relativos ao procedimento para aquisição de serviços de vigilância e segurança humana no edifício sede das entidades demandadas;
c) Anulo o ato que excluiu a proposta ora Autora, bem como o ato de adjudicação da proposta da contrainteressada Securitas, praticados no âmbito do mesmo procedimento;
d) Condeno as entidades demandadas a abster-se de celebrar o contrato relativo à prestação de serviços de vigilância visados pela abertura do procedimento em mérito;
e) Julgo improcedente o pedido formulado pela Autora relativo à adjudicação da sua proposta e consequente celebração do contrato;
f) Anulo todos os atos praticados no procedimento em mérito com fundamento nas disposições declaradas ilegais na alínea a), nomeadamente no que respeita à admissão e avaliação das propostas apresentadas.”
5. Nessa sequência as Entidades Demandadas decidiram “interromper o procedimento e não proferir o decisão de adjudicação”, invocando ser “impossível dar execução a uma parte do contrato’ pois a GOP, EM decidiu “deslocalizar a sua sede e escritórios”, decisão que foi notificada à Exequente em 28 de Março de 2017 (cf. documento n.° 2 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
6. A Exequente impugnou em acção autónoma tal decisão de não adjudicação (processo n.° 1023/17.6BEPRT que correu termos neste tribunal), porém, essa acção foi julgada improcedente por sentença proferida por este tribunal em 25 de Outubro de 2017, confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de Fevereiro de 2018 (cf. documento n.° 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, atentas as alegações de recurso, supra sumariadas nas suas conclusões, verificamos que as recorrentes, numa primeira linha, imputam à decisão recorrida ---- sentença do TAF do Porto que surge, neste processo executivo, na sequência de acção interposta pela ora recorrida contras as recorrentes - Proc. 1965/16.6BEPRT e ainda de decisão transitada em julgado no Proc. 1023/17.6BEPRT onde foi questionado o facto das recorridas não terem dado seguimento ao processo concursal, na sequência da decisão no Proc. 1965/16 ----, diversas nulidades - falta de fundamentação, omissão de pronúncia, ininteligibilidade da decisão e ainda contradição - e, num segundo momento, erro de julgamento.
Por razões de logicidade, tendo em consideração as alegações de recurso - que objectivam e delimitam o conhecimento deste tribunal de recurso - de modo a dar resposta facilmente apreensível às questões colocadas e assim se simplificar toda esta discórdia, importa transcrever a sentença recorrida, na sua essência:
Consta, assim, da mesma o seguinte:
"A Exequente, reconhecendo a impossibilidade em executar a decisão proferida no processo principal, intentou a presente execução pedindo que o tribunal lhe fixe uma indemnização, reconhecendo existir causa legítima de inexecução.
Alega que na sequência da sentença proferida por este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 31 de outubro de 2016 as Executadas decidiram “interromper o procedimento e não proferir o decisão de adjudicação”, invocando ser “impossível dar execução o uma parte do contrato’ pois a GOP, EM decidiu “deslocalizar a sua sede e escritórios”, decisão que foi notificada à Exequente em 28 de Março de 2017.
A Exequente, inclusive, impugnou em acção autónoma tal decisão de não adjudicação (processo n.° 1023/17.6BEPRT que correu termos neste tribunal), porém, essa acção foi julgada improcedente por sentença proferida por este tribunal em 25 de Outubro de 2017, confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de Fevereiro de 2018.
Entende, pois, que a decisão das executadas de “interromper o procedimento e não proferir a decisão de adjudicação” traduz-se na invocação de uma causa de inexecução da sentença proferida pelo presente tribunal em 31 de Outubro do 2016.
Vejamos, pois.
Segundo o artº 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
“1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.
3 - Os beneficiários de boa-fé de atos consequentes praticados há mais de um ano têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória.
4 - Quando à reintegração ou recolocação de um trabalhador que tenha obtido a anulação de um ato administrativo se oponha a existência de terceiros com interesse legítimo na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o trabalhador que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar ou posto de trabalho vago e na categoria igual ou equivalente àquele em que deveria ter sido colocado, ou, não sendo isso imediatamente possível, em lugar ou posto de trabalho a criar no quadro ou mapa de pessoal da entidade onde vier a exercer funções.”
Por sua vez, diz o artº 175º do Código de Procedimento Administrativo que:
“1 - Salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias.
2 - A existência de causa legítima de inexecução deve ser invocada segundo o disposto no artigo 163.º, mas não se exige, neste caso, que as circunstâncias invocadas sejam supervenientes.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 177.º, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deve ser realizado, no máximo, no prazo procedimental de 30 dias.”
Reza o artº 163º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que:
1 - Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o excecional prejuízo para o interesse público na execução da sentença.
2 - A causa legítima de inexecução pode respeitar a toda a decisão ou a parte dela.
3 - A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respetivos fundamentos, dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, e só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo.”
Segundo o art.º 166º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
“Quando o tribunal julgue procedente a oposição fundada na existência de causa legítima de inexecução, ordena a notificação da Administração e do exequente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado se for previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo”.
Este preceito não se dirige à convolação do processo executivo numa acção de responsabilidade civil extracontratual destinada a cobrir todos os danos que possam ter resultado da actuação ilegítima da Administração. Do que se trata, em primeira linha, é de assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo simplificado, uma “compensação pelo facto da inexecução”.
Conforme se deu como provado, acima, o tribunal, no processo nº 1965/16.6BEPRT decidiu apenas declarar ilegais as disposições contidas no ponto VI, n.º1, al. f), do Convite à Apresentação de Propostas e na alínea j) do número 8 do art.º 5.º do Caderno de Encargos relativos ao procedimento para aquisição de serviços de vigilância e segurança humana no edifício sede das entidades demandadas e anular o ato que havia excluído a proposta ora Autora, bem como o ato de adjudicação da proposta da contrainteressada Securitas (mais condenando as demandadas a abster-se de celebrar o contrato relativo à prestação de serviços de vigilância visados pela abertura do procedimento).
No entanto, julgou improcedente o pedido formulado pela Autora relativo à adjudicação da sua proposta e consequente celebração do contrato.
É, pois, injustificada, a pretensão da Autora no sentido de lhe teria sido adjudicado o concurso e todas as conclusões que retira com isso em mente.
A questão é “o que ficou por executar e porquê?”
Em relação a saber o que ficou por executar basta atentar no segmento decisório da sentença proferido no processo 1965/16.6BEPRT, acima transcrito. A mesma apenas declarou ilegais as disposições contidas no ponto VI, n.º1, al. f), do Convite à Apresentação de Propostas e na alínea j) do número 8 do art.º 5.º do Caderno de Encargos relativos ao procedimento para aquisição de serviços de vigilância e segurança humana no edifício sede das entidades demandadas e anulou o ato que havia excluído a proposta ora Autora, bem como o ato de adjudicação da proposta da contrainteressada Securitas.
Em relação ao porquê, ou seja, os pressupostos imanentes à decisão das Exequentes de interromper o procedimento e não proferir decisão de adjudicação já foram escrutinados à suficiência no processo n.° 1023/17.6BEPRT que correu termos neste tribunal. Essa acção foi julgada improcedente por sentença proferida em 25 de Outubro de 2017 e confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de Fevereiro de 2018.
Tanto mais que a sentença proferida pelo tribunal, no processo nº 1965/16.6BEPRT, não impunha às ora Executadas a obrigação de relançar o procedimento. Partindo do princípio que o interesse na prossecução do mesmo se mantinha, então, ter-se-iam de adoptar as medidas impostas pelo tribunal (correcções ao Convite à Apresentação de Propostas e Caderno de Encargos; admissão da proposta da Exequente, etc).
No que respeita à Autora e respectivas expectativas isso apenas queria dizer que tinha a possibilidade de voltar a apresentar a sua proposta (tinha sido excluída) e a fazê-lo em conformidade com algumas alterações que o tribunal ordenou fossem introduzidas ao Convite à Apresentação de Propostas e ao Caderno de Encargos.
No entanto, sem prejuízo do que se disse acima, a Exequente tinha isso mesmo: uma expectativa, uma chance. E é essa perda de chance que procuraremos debelar com o presente processo.
Aqui chegados:
O processo executivo não podia proporcionar à exequente a reparação de todos os possíveis danos que a actuação ilegal da Administração lhe pudesse ter causado. Não faz, por isso, sentido atribui esse alcance ao mecanismo indemnizatório previsto no artº 166º, acima transcrito, que apenas visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado.
Neste sentido, veja-se o vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte, datado de 08.09.2011, e publicado em www.dgsi.pt e onde se refere que:
“(…)
II -Essa indemnização, a arbitrar na execução do julgado, apenas visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal.
III – Na indemnização referida em I não se pode incluir o montante dos honorários pagos a um advogado nem das despesas resultantes da afectação de um funcionário da exequente à análise do processo, quer porque não está provado que essas quantias se reportam ao processo executivo, quer porque tais danos se verificariam ainda que a sentença pudesse ser integralmente executada, não sendo, por isso, a respectiva execução apta a removê-los.
IV – O afastamento ilegal de um candidato a um concurso com perda da oportunidade de nele poder obter um resultado favorável constitui um dano indemnizável, o qual, não podendo ser quantificado com exactidão, deverá ser fixado com recurso à equidade, tomando como referentes a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e a possibilidade que o lesado teria de a alcançar.
V – Porque se está perante a efectivação de responsabilidade por facto lícito, os juros de mora são devidos desde a data da sentença se a iliquidez não é imputável ao devedor.”
Note-se que o juízo de equidade a formular não é juízo arbitrário. É um juízo que terá de partir sempre do direito positivo, enquanto expressão histórica da justiça numa sociedade organizada, lançado mão de elementos, técnicos e formais, exigíveis no juízo estritamente legal (cfr. MENEZES CORDEIRO, in “A Decisão Segundo a Equidade2, O Direito, Ano 122º, II, página 280).
Nele devem ser sopesados elementos factuais apurados e tidos por pertinentes, que ajudem o tribunal a balizar os contornos a dar à indemnização, e ainda princípios estruturantes do direito, tal como o da justiça e o da proibição do enriquecimento sem causa.
Cumpre, pois, julgar existir causa legítima de inexecução e convidar as partes a, nos termos e para os efeitos previstos no artº 178º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.
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Decisão:
Em face do acima exposto, julgo existir causa legítima de inexecução.
Notifiquem-se as partes nos termos e para os efeitos do disposto no artº 178º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos...".
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Ora, tendo em consideração esta decisão judicial, contrariamente ao alegado em sede recursiva, a mesma mostra-se fundamentada, sem as apontadas contradições e inteligível, sem que se mostre eivada destas nulidades, tendo presente todas as argumentações doutrinárias e jurisprudenciais que, porque sobejamente transcritas nas alegações e contra alegações (parte delas, aliás, insertas nas respectivas conclusões e - como veremos - facilmente evidenciadas como inexistentes, entendemos dispensar-nos de aqui repetir toda essa argumentária.
Na verdade, a sentença do TAF do Porto aqui em reapreciação recursiva apenas tirou a conclusão inevitável decorrente das decisões finais transitadas em julgado nos Procs. ns. 1965/16 e 1023/17, subsequentes da decisão possível, legítima e legal das recorrentes terem decidido, após decisão daquele Proc. 1965/16, "interromper o procedimento e não proferir a decisão de adjudicação", com a invocação de que era "impossível dar execução a uma parte do contrato, pois a GOP,EM decidiu deslocalizar a sua sede e escritórios", de que se verificava, efectivamente, causa legítima de inexecução, conforme peticionado em sede de requerimento executivo pela ora recorrida nestes autos e decorrida da decisão final do Proc. 1023/17e reiterado em sede de resposta às excepções Cfr., v.g., arts. 18.º e 28.º a 31.º - fls. 264 do processo físico..
Nenhuma censura merece esta evidente conclusão, aliás, já sobejamente justificada nas decisões de primeira e segunda instância Cfr. sentença do TAF do Porto, de 25/10/2017 e Acórdão de 16/2/2018 deste TCA - N, respectivamente. no Proc. 1023/17.
Depois e apenas com base numa expectativa da Exequente/Recorrida S. de voltar a apresentar-se ao concurso - corrigido o Convite à Apresentação de Propostas e Caderno de Encargos, admissão da proposta da exequente, nos termos definitivamente decididos no Proc. 1965/16 - a sentença apenas conclui - e bem - a "Exequente tinha isso mesmo: uma expectativa, uma chance. E é essa perda de chance que procuraremos debelar com o presente processo".
E, na sequência desse raciocínio, prossegue dizendo que - desculpando-nos pela repetição da transcrição supra efectivada - "... O processo executivo não podia proporcionar à exequente a reparação de todos os possíveis danos que a actuação ilegal da Administração lhe pudesse ter causado. Não faz, por isso, sentido atribuir esse alcance ao mecanismo indemnizatório previsto no artº 166º, acima transcrito, que apenas visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado..." e finalizando chamando à colação um aresto deste TCA, de 8/9/2011, onde se escreveu, inter allia, que "...Essa indemnização, a arbitrar na execução do julgado, apenas visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal Essa indemnização, a arbitrar na execução do julgado, apenas visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal...", o que nos merece a nossa total concordância.
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De uma forma sucinta e tendo em consideração as várias definições apresentadas pela doutrina, podemos afirmar que a “perda de chance” consubstancia a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável.
Trata-se de um dano correspondente à perda de oportunidade de concretização do negócio para que tendia um determinado processo negocial, entendido como lesão de um bem autonomamente tutelável e distinto do interesse na execução do contrato.
Como refere Carlos Alberto Cadilha (in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, págs. 98-100) escreveu “Segundo é geralmente aceite, a indemnização por perda de chance traduz-se na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado. Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade. Nesse sentido, a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e actual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta — e já existente no património do interessado — de obter um resultado favorável. A dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expectativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. A perda de chance não se confunde, neste plano, com o lucro cessante: o lucro cessante pressupõe que o lesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídica que lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude do facto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não incide propriamente sobre os ganhos que se deixaram de obter, mas sobre a titularidade da situação jurídica que permitiria obtê-los, podendo conjecturar-se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrência do dano. No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expectativa de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho. O direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado. A questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expectativa jurídica".
Ainda quanto ao instituto jurídico "perda de chance", pela sua manifesta actualidade, como repositório de prestigiada doutrina e jurisprudência, remetemos para o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do STJ, n.º 2/2022, publicado na I Série do DR, n,º 18/2022, de 26/1/2022, donde se poderiam retirar pertinentes ensinamentos dogmáticos - que, porém, deixamos para melhor análise pelas partes, com possível repercussão na obtenção de algum valor indemnizatório por parte da Recorrida nestes autos, em função do acordo (ou não) a obter entre as partes, sempre sindicável judicialmente e onde, se necessário, se verificarão dos respectivos requisitos e sua relevância para o caso concreto - apenas diremos, transcrevendo uma parte desse aresto jurisprudencial, citando Mota Pinto, que " ... mesmo no direito francês, não obstante a larga projeção que a figura da perda de chance aí alcançou, para que a respetiva indemnização seja admitida, impõem-se determinados requisitos. Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético [...]."
Naturalmente que tiradas estas inevitáveis conclusões jurídicas, outra solução não restava ao TAF do Porto, em cumprimento do disposto no art.º 178.º, n.º1 do CPTA, convidar as partes a acordarem no montante indemnizatório derivado dessa perda de chance, de oportunidade, e só isso, tudo isto decorrente deste juízo jurídico alicerçado nas normas legais do CPTA que aqui se secunda e mantém.
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Parecendo-nos que teremos conseguido dissipar/elucidar as dúvidas existentes facilmente se conclui pela inverificação das nulidades de sentença apontadas pelas recorrentes, ainda que importe referir que, embora se possa concluir que não existe verdadeira e real omissão de pronúncia do TAF no que se refere à resposta/decisão à excepção de impropriedade do meio e de caso julgado e ainda a questionada litigância de má fé por parte da Exequente/Recorrida, o certo é que o TAF do Porto, bem poderia ter feito referência expressa a essas questões, sendo certo que - concordando com a óptica da Recorrida vertida nas suas contra alegações - sempre se pode entender que o seu conhecimento ficou prejudicado pela argumentação/decisão tomada pela sentença recorrida.
Ou seja - decidindo como decidiu -, em procedência da tese da Exequente/Recorrida S., entendeu a sentença recorrida, no seguimento da decisão do Proc. 1023/17, que existindo causa legítima de inexecução - o meio processual utilizado era não só o idóneo, como não violava o caso julgado derivado da decisão final desse processo - e assim também carecia de fundamento a suscitada litigância de má fé imputada à Recorrida pelas Recorrentes, em sede de oposição Ou seja, se o fundamento do pedido de condenação da Exequente como litigante de má fé, numa quantia monetária que fixa em 15.000,00 € - art.º 542.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil - derivava da alegada "falta de fundamento da pretensão deduzida nos presentes autos" - art.º 51.º da oposição - tendo a Exequente/Recorrida obtido provimento no processo executivo em causa - o que nesta decisão apelativa, se corrobora - carece de qualquer fundamento esse pedido de condenação como litigante de má fé..
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Deste modo, importa manter a sentença recorrida, com as legais consequências recursivas.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
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Custas pelas recorrentes.
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Notifique-se.

DN.

Porto, 28 de Janeiro de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
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i) Data da assinatura digital, embora divergente com a data constante de fls. 272 do processo físico -3/10/2018.

ii) Cfr., v.g., arts. 18.º e 28.º a 31.º - fls. 264 do processo físico.

iii) Cfr. sentença do TAF do Porto, de 25/10/2017 e Acórdão de 16/2/2018 deste TCA - N, respectivamente.

iv) Ou seja, se o fundamento do pedido de condenação da Exequente como litigante de má fé, numa quantia monetária que fixa em 15.000,00 € - art.º 542.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil - derivava da alegada "falta de fundamento da pretensão deduzida nos presentes autos" - art.º 51.º da oposição - tendo a Exequente/Recorrida obtido provimento no processo executivo em causa - o que nesta decisão apelativa, se corrobora - carece de qualquer fundamento esse pedido de condenação como litigante de má fé.