Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00701/19.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Hélder Vieira
Descritores:RJUE – REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO, PRÉ-FABRICADO DE MADEIRA, EDIFICAÇÃO, UTILIZAÇÃO DO SOLO,
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I — Destinando-se um pré-fabricado existente num prédio a utilização humana, designadamente a estabelecimento de restauração e bebidas, o mesmo consubstancia uma operação urbanística, pela utilização do solo para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários florestais, mineiros ou de abastecimento público de água — na relevância do disposto no artigo 2º, alíneas a), b) e j), do RJUE.

II — O carácter amovível do pré-fabricado não descaracteriza a relevância da sua finalidade, a utilização humana, concretamente como estabelecimento de bebidas ou restauração e bebidas, ocorrendo, independentemente da execução ou não execução de fundações, rasas ou enterradas no solo, a sua ligação a infraestruturas com carácter de permanência que a utilização a que se destina implica ou pressupõe, na salvaguarda de interesses públicos e privados, quer de abastecimento de água, equipamentos de saneamento, rede de electricidade, de gás, telecomunicações, entre o mais.

III — A mera instalação ou implantação do pré-fabricado no prédio implica necessariamente alterações, designadamente, do revestimento natural do solo, de carácter duradouro, não transitório e irreversível, pelo menos na área de implantação, nos seus acessos e bem assim da sua ligação às referidas infraestruturas.
IV — Assim, determinado para utilização humana como estabelecimento de restauração e bebidas, o pré-fabricado, ainda que de amovibilidade seja susceptível, instala-se necessariamente no solo de forma estável, e, com tais sinais, incluindo a sua necessária infraestruturação já referida, é de concluir que a sua "deslocação" ou ''desmontagem'' do solo em que se implantou o compromete de tal forma que a sua instalação e reposição na situação anterior virá a carecer de intervenções de grande monta, especialmente ao nível da infraestruturação.

V — Em sede de audiência prévia, não tendo o interessado sido notificado dos fundamentos pelos quais a legalização do edificado era inviável, impondo-se a sua demolição não pode ter-se por cumprido o nº 2 do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), uma vez que a notificação deve fornecer não só o projecto de decisão, como também os demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito.

VI — Tendo a decisão administrativa sido a de ordenar a demolição da construção, todo o esteio fundamentador atinente à impossibilidade de legalização do edificado, de facto e de direito, na relevância do disposto no artigo 106º, nº 2, do RJUE, se apresenta como de primordial relevância e o seu conhecimento prévio pelo interessado de fundamental importância para o exercício do direito de audiência prévia, devendo integrar a notificação do atinente acto ao interessado.

VII — A possibilidade de consulta do processo administrativo pelo interessado, prevista no nº 2, «in fine», do artigo 122º do CPA não obvia ao dever de fornecimento, com a notificação para audiência do interessado, do projecto de decisão, como também os demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município (...)
Recorrido 1:R., LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recurso independente.
Recorrente: Município (...)
Recorrido: R., Ldª

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a acção administrativa e anulou o acto impugnado, a decisão do Vereador da Gestão Urbanística da Câmara Municipal (...), de 06-06-2019, a qual indeferiu requerimento de arquivamento do processo, apresentado em 08-04-2019, e ordenou a demolição da obra executada sem licença (edifício com cerca de 42 m2 destinado a estabelecimento de bebidas).
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
“1. Não obstante a correta apreciação que fez no que concerne ao cumprimento do dever de audiência prévia pelo Município, o Tribunal a quo já não decidiu bem sobre o cumprimento do estatuído no n.º 2 do artigo 122.º do novo CPA.
2. Tendo decidido pela procedência da acção administrativa e, em consequência, anulado o ato administrativo impugnado nos autos, simplesmente porque o município não remeteu ao autor cópia da informação de 30.05.2019.
3. Salvo o devido respeito, decidiu mal, tendo em conta, primeiramente, o facto da notificação para pronúncia em sede de audiência prévia, sobre o projecto de decisão do ato impugnado, enviada à autora em 15.03.2019, ter cumprido com o estatuído no artigo 122.º n.º 2 do novo CPA.
4. No caso em pareço, foi dado como provado que o Município (...) notificou o Autor em 15.03.2019, mediante o ofício n.º 1714, para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre o projecto de decisão (ponto 11 da fundamentação de facto da sentença).
5. A referida notificação para exercício do direito de audiência prévia foi acompanhada de cópia da informação de 18 de Janeiro de 2019 (Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR).
6. É certo que não foi endereçada ao autor, juntamente com a notificação de 15.03.2019 (ofício n.o 1714), a informação de 2018-11-29, mas isso não significa que não lhe tenham sido facultados todos os elementos necessários e dados a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, como exigido no artigo 122.° n.º 2 do novo CPA.
7. Com efeito, a informação de 18 de Janeiro de 2019 (Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR), na parte respeitante aos "DOS FACTOS", na alínea c) refere que "Em 2018-11-29 a Unidade de Operações Urbanísticas e licenciamentos (UOUL) informou que não é garantido o cumprimento do RPDM. "
8. Portanto, o Autor tomou conhecimento da violação do RPDM e que havia uma informação de 29 de Novembro de 2018 que também se referia à desconformidade da obra com o RPDM.
9. Sabendo da existência da informação de 29 de Novembro de 2018, o Autor no exercício do direito de audiência poderia, ao abrigo do artigo 121.° n. ° 2 do novo CPA, ter pedido cópia dessa informação.
10. Porém, não o fez, apostando a sua argumentação no facto da construção visada pelo ato impugnado não estar sujeita a controlo prévio, por não integrar o leque previsto no artigo 4.° do RJUE, quando um simples olhar para as fotografias da edificação revelam que é totalmente falso estarmos perante um "artefacto" de madeira e marquise, amovíveis e sem carácter de permanência e que podem ser removidos a todo o tempo
11. E não apresenta melhores contributos para a alteração do sentido muito provável da decisão que lhe foi dada a conhecer pela autarquia no exercício do dever de conceder audiência prévia dos interessados, simplesmente, porque conhece os fundamentos que conduziram à conclusão da impossibilidade de legalização da construção no local em que foi edificada, e sabe que não tem argumentação susceptível de contribuir para uma decisão diferente daquela em que se consubstanciou o ato impugnado.
12. Tanto assim é que, no ponto 19.º da PI o Autor refere que "porém, admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que todos os argumentos invocados não procedam ao arquivamento do processo, a arguida declara, desde já total disponibilidade para proceder ao suprimento de quaisquer irregularidades que se afigurem necessárias, nos termos do n.º 2 do artigo 106.º do RJUE, bem assim como nos termos do n.º 03 do artigo 20.º do Decreto-Lei 166/2008 de 22 de agosto, considerando, o que não pode deixar de ser sublinhado, que as unidades em causa preenchem a exceção da ZONA REN, prevista no dispositivo legal indicado, visto que funcionam como espaço de apoio às actividades náuticas de recreio em águas interiores. ";
13. logo, O Autor conhece o mencionado na informação de 29 de Novembro de 2018, relativamente à localização da edificação em servidão administrativa da REN, designadamente no ponto 2 da predita informação.
14. São, assim, absolutamente claras as razões que determinaram a prolação do acto impugnado, a saber, falta de licenciamento da construção e utilização e a insusceptibilidade da sua legalização, e a autora demonstrou tê-las entendido, tanto assim que delas discordou, apresentando os seus argumentos, razão pela qual improcede o vício em causa.
15. De facto, no que concerne ao dever de realização de audiência prévia, importa, aqui, sublinhar que a justificação e necessidade da sua concretização têm por base uma ponderação finalista que lhe é inerente, que se prende com a sua adequação à concretização de dois objectivos:
• Dar a oportunidade aos particulares de fazerem valer as suas posições; e
• Auxiliar a Administração a melhor decidir a causa e, assim, melhorar a prossecução do interesse público.
16. O primeiro dos objectivos foi concretizado, dado ter sido dado conhecimento ao Autor da existência de violação ao RPDM de (...), mediante o envio de cópia de uma informação de 18 de Janeiro de 2019, que confirma o conteúdo da informação de 29 de Novembro de 2018, fazendo referência a esta última.
17. O segundo fim, também foi assegurado, tendo em conta os fundamentos que conduziram à conclusão da insusceptibilidade de legalização descritos nas informações de informações técnicas proferidas no processo administrativo n.º 89/2018/TLUR (informações de 29/11/2018, 18101/2019, 22/02/2019 e 30/05/2019 (PA n.º 89/2018 - TLUR - folha de movimento do processo, fls. 3/10 a 4/10, 5/10 a 6/10, 9/10 a 10/10).
18. Por conseguinte, a forma como a audiência foi realizada no caso em apreço foi a adequada à satisfação dos fins por ela visados, não tendo ocorrido défice de ponderação quanto aos contributos que poderiam ter sido invocados nesta fase do procedimento.
19. Por outro lado, o raciocínio lógico desenvolvido na sentença sobre o cumprimento do dever de audiência prévia reforça este entendimento de que foram asseguradas as finalidades desta formalidade essencial do procedimento. Senão vejamos:
20. Refere o Tribunal, a fls. 19 da sentença, que o cumprimento do dever de audiência deve traduzir-se na possibilidade efectiva do administrado influenciar a decisão, com a correlativa necessidade da Administração ponderar os argumentos aduzidos.
21. Acrescenta, porém, que da parte do administrado a audiência não deve ser utilizada para fins meramente dilatórios e que o dever da Administração ponderar os argumentos Que lhe são trazidos assenta em pelo menos duas premissas: a pertinência dos argumentos apresentados e a não obrigatoriedade da Administração rebater todos os pontos.
22.No último paragrafo, a fls. 19 da sentença, o Tribunal constata Que a pronúncia apresentada em sede de audiência dos interessados "( ... ) tece, em larga medida, considerações sem qualquer contexto por referência à proposta de decisão, denotando-se, aliás, pelos seus próprios termos que é o aproveitamento de uma defesa escrita apresentada no âmbito de um processo de contraordenação. “.
23. E que, diz também a sentença a fls. 20, bem sabendo a Autora que o município tinha o entendimento que se tratava de uma edificação para efeitos do RJUE, insistiu na tese que se tratava de um mero artefacto sem relevância urbanística, não sendo de esperar que o município alterasse essa posição.
24. Tendo o Tribunal por certo, como refere no 2.º paragrafo a fls. 20 (à semelhança do entendimento feito pelo município), que a exposição apresentada apenas visa acrescentar um expediente dilatório ao procedimento, não acrescentando nada que possa levar ao arquivamento do processo.
25. Isto posto, se a sentença, no que respeita ao cumprimento do dever de audiência prévia conclui que:
• A exposição apresentada apenas visa acrescentar um expediente dilatório ao procedimento;
• A Autora bem sabia que o município tinha o entendimento de que se tratava de uma edificação para efeitos do RJUE, insistiu na tese que se tratava de um mero artefacto sem relevância urbanística, não sendo de esperar que o município alterasse essa posição.
• A pronúncia apresentada em sede de audiência dos interessados "( ... ) tece, em larga medida, considerações sem qualquer contexto por referenda à proposta de decisão (. .. )".
• Sendo de afastar qualquer violação ao disposto no artigo 126.º do CPA (último parágrafo, fls. 20).
Só poderá ser entendido que foram asseguradas as finalidades desta formalidade essencial do procedimento.
26. A tudo isto acresce, o uso do presente processo por parte do Autor para perpetuar uma construção ilegal, conseguindo assim por via das manobras dilatórias no processo administrativo e na procedência desta acção conseguir protelar no tempo um fim proibido na lei.
27. Foi, de resto, confirmado na sentença, que a exposição apresentada apenas visa acrescentar um expediente dilatório ao procedimento (fls. 20), conduta que tem sido regra ao longo dos vários procedimentos administrativos relacionados com a edificação objecto do ato administrativo impugnado.
28. Demonstrativo desta utilização abusiva e ardilosa dos procedimentos administrativos é, como referido na contestação do município a entrega pela autora de um total de nove apresentações de mera comunicação prévia, nas quais o município concluiu que a edificação em causa não tem enquadramento na definição de «Atividade de restauração ou de bebidas não sedentária» estabelecida na alínea k) do art. 2º do DL nº 10/2015, de 16 de Janeiro (PA 103/2018 LZER, PA 132/2018 LZER, PA 153/2018 LZER, PA 165/2018 LZER, PA 176/2018 LZER, PA 1/2019 LZER, PA 60/2019 LZER, e PA 105/2019 LZER).
29. Aliás, já no âmbito dos processos contra-ordenacionais, nas informações da fiscalização municipal de 19 de Junho de 2018 e 22 de Junho de 2018 (ver artigos 68.º e seguintes da contestação) é mencionados que a localização da construção, está inserida em área de Equipamentos Estruturantes propostos, e em área de Reserva Ecológica Nacional, Faixas de Proteção às albufeiras, Zonas inundáveis e ARU de Entre-as-Rios, e que deve desde já ser ordenada a cessação da atividade e respectiva Utilização e notificar-se a requerida R., LDA., para vir apresentar processo tendente à legalização das obras realizadas (PA n.º 9416/2018 - AF46439 pasta dos docs. anexados em 26/6/2018 - pasta do PA n.º 89/2018 TLUR).
3o. Sendo a pronúncia em sede de audiência prévia uma simples repetição da defesa apresentada no âmbito do processo de contraordenação, como muito bem percebeu o Tribunal no último parágrafo da sentença, a fls 19, onde se lê: "( ... ), denotando-se: aliás, pelos seus próprios termos que é o aproveitamento de uma defesa escrita apresentada no âmbito de um processo de contraordenação.”.
31. E não obstante as chamadas de atenção do município, no âmbito da sua acção fiscalizadora, como já informado no artigo 69.0 da contestação, o Autor avançou sem medos, prosseguindo com ampliações do já edificado sem controlo prévio, verificando-se um acréscimo significativo de construção nas fotografias mais recentes, de 5 de Abril de 2019, no PA n.º 60/2019 LZER e as existentes no PA n.º 89/2018 (ver documentos AF 46430 a 46436, pasta dos does. anexados em 26/6/2018 - pasta do PA n.º 89/2018 TLUR e AF 91975 e AF91976 - pasta dos docs. anexados em 5/4/2019 - pasta do PA n.º 6012019 LZER).
32. E esse carácter de permanência e aproveitamento de meios administrativos (e agora judiciais) para protelar uma ilegalidade, decorre da própria PI, quando é afirmado logo nos artigos 3.° e 4.° que a contra-interessada viu aprovado o respectivo projecto de arquitectura, no âmbito do processo n.º 164/2017 - LOED e que "Nesse interlúdio, a Autora colocou sobre o solo do prédio referido no artigo 2. º um pré-fabricado de madeira (casca de pinheiro) (…)”.
33. Isto significa que os trabalhos de construção versados pelo ato impugnado permanecerão no "interlúdio" até execução da obra objecto de processo de licenciamento n.º 164/2017 - LOED.
34. Percebendo-se claramente, pela leitura do artigo 70.° da PI, que o objectivo pretendido pela Autora é a continuidade da ilegalidade urbanística (construção e utilização), até que a remoção ocorra na sequência da emissão da licença de construção a emitir no âmbito do PA n.º 164/2017 LOED?!!!
35. Por conseguinte, podemos concluir que julgar a acção administrativa procedente, com base no vício de violação do direito de audiência prévia, na dimensão prevista no artigo 122.° n.º 2 do CPA, como decidiu a sentença, tem como efeito prático permitir ao Autor e contra-interessado a utilização das vias administrativas e judiciais para a obtenção de um fim proibido por lei, frustrando a própria função da JUSTIÇA.
NESTES TERMOS DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, QUE DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE IMPROCEDA TODAS AS NUUDADES IMPUTADAS AO ATO IMPUGNADO.”.

O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos, concluindo dever improceder o recurso interposto.
Recurso subordinado.
Recorrente: R., Ldª
Recorrido: Município (...)
O objecto do recurso subordinado é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
“1. O tribunal pode e deve conhecer dos factos alegados pelas partes e instrumentais que resultem da discussão da causa elou que sejam do seu conhecimento, ou públicos e notórios.
2. E fixá-los, de modo vinculado à prova documental autêntica ou não impugnada, aos suportes de presunção, à confissão e à sua livre convicção, nomeadamente decorrente, nomeadamente, da prova testemunhal e, em determinados casos, pericial e inspetiva, de modo lógico, coerente e isenta.
3. Nesta circunstância, deverá ser alterada a redação do facto dado como assente sob o n.º 6 do probatório, de modo a ficar com a seguinte redação:
"Sucede que, já antes, a aqui autora colocou sobre o solo do prédio referido no ponto 1 dos factos provados um pré-fabricado de madeira, com teto em DaS, suportado em traves de madeira, ao qual acrescentou ainda uma marquise envidraçada, apoiada na estrutura de madeira",
4. Quer porque não foi acordado entre as partes, quer por que foi impugnado pela Autora/Recorrente, quer porque, face a tal impugnação e falta de acordo, não existem nos autos prova suficiente (que não pode ser, nessa medida, apreendida por meras fotografias sem adequada resolução e identificação da realidade, e cujo teor, na parte da incorporação no solo, a Autora não aceitou, mas apenas por prova mais sólida - inspetiva, pericial, ou, quando muito, inabalável prova testemunhal -, o que não aconteceu.
Doutro passo, e passando para o recurso em matéria de direito,
5. Contrariamente ao decidido pela sentença proferida pelo tribunal a quo, o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação.
6. Com efeito, tendo o ato impugnado consistido num ato de mera concordância (nos termos do artigo 153.°, n.º 1, do CPA), sob informação técnica, rectius relatório (cfr. artigo 126.° do CPA) de 30.05-2019, que integra o facto n.º 13 do probatório, que integra o seguinte segmento: Na continuidade da descrição dos factos (veja-se informação técnica datada de 2019-02-22, informa-se: ( … )".
7. Sendo que o teor de tal informação técnica de 2019-02-22, a que este relatório dá seguimento, não consta de qualquer facto do probatório, nem nunca foi da mesma dado conhecimento à Recorrida [nem consta do probatório que o foi].
8. Ou seja, o autor do ato adere ao teor de um relatório cujos fundamentos de facto não foram dados como provados nos autos, nem que, a terem existido, tenham chegado ao conhecimento da interessada aqui Recorrida.
9. Quer isto dizer que, de acordo com o disposto no artigo 126.° do CPA, estava o responsável pela direção do procedimento obrigado e enunciar perante o autor do ato os factos sobre os quais assentava o seu relatório, os quais, segundo o mesmo relatório, constavam de uma alegada informação de 22-02-2019, cujo teor não foi dado como provado nos autos.
10. E se não foi dado como provado, ou que existisse, significa que a fundamentação do ato está totalmente viciada por falta de fundamentação.
11. É que, desta forma, resulta contraditória, ou pelo menos obscura e insuficiente a fundamentação do ato, ao levar em conta um acervo de factos que integram uma informação desconhecido dos interessados e não dado como provado nos autos,
12. E de se perceber a sua eventual articulação com as demais informações dadas como provadas e invocadas na motivação da sentença sub juditio, mormente a articulação e consonância de tais factos com a conclusão tirada na sentença recorrida quando afirma, que ainda que se forma sucinta, na não notificada informação de 29.11.2018, que "o certo é que a entidade demandada esclarece que, no seu entender, a obra, com as caraterísticas enunciadas, não pode cumprir os artigos 27.º e 53.º do RPDM de (...)."
13.Como é possível concluir-se assim, sem incertezas e perplexidades, se não foram dados como provados factos, ou os factos, que concorreram para tal conclusão?
14. É que, embora se reconheça que a fundamentação, como se diz na douta sentença recorrida, pode ser sucinta, a mesma não pode gerar incertezas e perplexidades no modo como se apresenta e é comunicada aos interessados, tornando-a, como é o caso, obscura ou insuficiente (cfr. artigo 153.°, n.º 2, do CPA).
15.Até porque, não se deve esquecer que a administração tem outras obrigações conexas com a fundamentação, as quais embora se conectem com a perfeição do ato, não deixam de chamar a atenção e de relembrar, no momento da sua comunicação, para a obrigação da primeira em fundamentar de modo claro e suficiente, de facto e de direito, o ato lesivo para esfera jurídica do segundo, mormente o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 114.° do CPA.
16. Assim, verifica-se que existe vicio de falta de fundamentação do ato impugnado, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 153.° do CPA (conjugado com o disposto no respetivo n.º 1, e com os artigos 126.° e 114.°, n.º 2, do mesmo diploma).
Sem prescindir,
17. Para o caso de assim se não entender, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, sempre padece a sentença de nulidade, nos termos previstos na alínea c) do artigo 615.° do CPC, o que, nesta hipótese subsidiária, se requer seja declarado,
18. Pois, face à evidência de não ter sido dado como provado a existência e teor de tal informação, verifica-se que os fundamentos da decisão sobre o vício de falta de fundamentação colidem com o teor da decisão,
19. Ou pelo menos mostram-se ambíguos ou obscuros, de modo a não se entender como se incorpora na fundamentação de ato administrativo factos que não foram dados como provados e que se mostram cruciais na dita fundamentação, mormente na sua articulação com os demais factos e informações que integram o probatório e as normas jurídicas invocadas. Por outro lado,
20. Contrariamente ao decidido pela sentença proferida pelo tribunal a quo, o ato impugnado padece do vício de falta de audiência prévia os Segundos Contrainteressados, tal como estava a entidade administrativa obrigada a fazer, em cumprimento do disposto no disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 106.° do RJUE.
21- Pois, contrariamente ao referido na motivação da sentença sub judítío, a ao ato impugnado afeta a sua esfera jurídica, tal como resulta do probatório, mormente da conjugação dos factos ali assentes sob os n.ºs 1 a 5 e 14, com o disposto nos artigos 65.°, n.º 1, aI. b), e n.º 2, do CPA, e 68.°, n.º 1, do CPA.
22. Na verdade, verifica-se que existem três razões pelas quais os referidos Contrainteressados, ou pelo menos a Contrainteressada L., deveriam ter participado na formação do ato, em sede de audiência prévia.
23. A primeira é que os citados contrainteressados, ou pelo menos a contrainteressada L., se constituiu e consta como efetiva interessada na sorte do presente procedimento, uma vez que é a Requerente no Processo n.º 164/2017-LOED, que integra o Processo Administrativo junto aos autos, e que foi abundantemente referido no probatório, quer nos citados pontos 1 a 5, quer nas informações internas da Recorrida que sobre o mesmo versam, mormente a citada no ponto 13 do probatório.
24. E tal como consta expressamente do facto n.º 13 do probatório, o projeto de arquitetura foi aprovado com a previsão constante da planta de implantação de alterações, que previa que a demolição do dito pré-fabricadora por eles, ou ela, segundos contrainteressados, durante a execução da obra, ou seja, após a emissão de licença de construção e até à emissão da licença de utilização; e nunca no prazo concedido no ato impugnado.
25. Assim, dúvidas não restam que está cumprido o previsto no referido artigo 65.° do CPA, mormente no seu n.º 2, e 68.°, n.º 1, por nele a segunda contrainteressada (em representação do casal) se ter constituído expressamente como interessada e requerente, para cuidar dos seus interesses legalmente protegidos.
26. Por outro lado, e em segundo lugar, tal como resulta da conjugação dos factos assentes sob os n.ºs 3., 4., 5., e 13., a aprovação do projeto de arquitetura, importava que, como se disse, no momento da execução das obras aprovadas fossem cumpridas as condicionantes constantes da planta implantação das alterações de 2019-05-27, onde se propunha a demolição do pré-fabricado.
27.0u seja, para além de o Município Recorrido ter reconhecido a referida contrainteressada na questão da demolição, reconheceu-lhe igualmente que a dita demolição deveria acontecer de acordo com o planeamento de obras que a mesma projetou no referido processo,
28. As quais deverão ser encadeadas de determinado modo, e a empreitada de construção e demolição poderia elou deve ser encomendada como um todo, pelo que a referida contrainteressada tinha todo o interesse em participar na referida decisão, uma vez que a mesma colidia ou é suscetível de com o que se vem de referir.
29.0u seja, os prazos e modos da dita demolição não eram os mesmos, nem os destinatários de cada uma das decisões coincidem entre si.
30. E, ainda assim, se pudessem ter tido a oportunidade de analisar as questões suscitadas nas informações, poderiam os segundos contrainteressados dar os seus contributos e mesmo juntar argumentos com vista à possibilidade de legalização do pré-fabricado em causa, se fosse o caso, e até alterar a sua proposta urbanística, no sentido de garantir a sua manutenção do referido espaço.
31. Ora, com a sua falta de notificação, ficaram os ditos contrainteressados, ou pelo menos a contrainteressada L., impedidos de se poderem pronunciar e exercer os seus direitos legítimos de participação num ato, que como se viu, com maior ou menor intensidade, atingiu a sua esfera jurídica, e a quem a entidade licenciadora reconheceu o estatuto de interessado.
32. Finalmente, e sem prescindir, sempre se deverá, em terceiro lugar, reconhecer que o objeto do contrato de comodato não integra todo o prédio referido no ponto 1 dos factos assentes, mas apenas uma parte: a parte que corresponde ao artigo 9 e os elementos que integram a cláusula 1. a do mesmo e referidos no ponto 2 do probatório.
33. Assim, dado que há uma parte do prédio que foi dada de comodato e outra não, e não ter resultado provado em que parte se situa o referido pré-fabricado, se numa, se noutra, se em ambas, sempre importaria que os proprietários do imóvel, os referidos contrainteressados, independentemente de ter sido a aqui Recorrente a ter colocado o pré-fabricado no local, pronunciarem-se sobre a referida demolição,
34. Uma vez que sempre lhes importaria perceber as razões por que a mesma estava a ser decretada, em que medida isso afetaria o contrato de comodato e quais as repercussões patrimoniais a respetiva demolição acarretaria para a sua propriedade, nomeadamente a não comodatada, por exemplo na necessidade de ser utilizada por qualquer máquina, veículo, homens, materiais, etc.
35. Ou seja, sempre a sua esfera jurídica seria afetada, ou se mostrava suscetível de ser afetada, com a prolação do ato em causa, pelo que, sempre haveriam, também por esta razão, e igualmente, os referidos contra interessados serem reconhecidos como interessados para efeitos do disposto no artigo 106.°, n.ºs 3 e 4, do RJUE e 122.°, n.º 1, do CPA.
36. Ao não ter decido assim, a sentença em crise padece, neste capítulo, de evidente erro de julgamento, por violação dos artigos 65.º, n.º 1, aI. b), e n.º 2, do CPA, 68.°, n.º 1, 122.°, n.º 1, do CPA, 267.°, n.º 5, da CRP, e 106.°, n.ºs 3 e 4, do RJUE.
Finalmente,
37. Contrariamente ao decidido pela sentença proferida pelo tribunal a quo. o ato impugnado padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, mormente por violação do disposto nos artigos 2.°, alíneas a) e b), e 4.° do RJUE.
38. Mormente por a colocação do pré-fabricado não se poder integrar no conceito de edificação, ou no de obras de construção, e, por conseguinte, não estar sujeito a qualquer controlo prévio, mediante procedimentos previstos no art.º 4.° do RJUE.
39. Com efeito, tendo em conta a nova redação do ponto 6 do probatório, verifica-se que a motivação da sentença recorrenda assentou, erradamente, no pressuposto de que o dito pré-fabricado foi implantado no solo do imóvel em causa.
40. Ora, Para se configurar como uma obra de edificação à qual é aplicável o RJUE, uma obra terá de, ou, por um lado, ser a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, ou, por outro lado, ser uma construção que se incorpore no solo com carácter de permanência.
41.Assim, na definição do conceito de «edificação» o legislador utiliza duas classificações: por um lado reporta-se a um bem imóvel (critério estritamente material); e por outro lado reporta-se à incorporação no solo com carácter de permanência, independentemente da mobilidade de uma construção (critério material/temporal).
42. Ora, nessa senda, quer isto dizer que, tratando-se v.g. da construção, ainda que destinada a utilização humana, de um bem móvel, ou amovível, num determinado local, independentemente do tempo que nele permaneça, tal construção não satisfaz o critério estritamente material necessário à primeira parte da definição do conceito de "edificação", pois apenas se reporta a bens imóveis.
43.Assim, independentemente de ser destinado para utilização humana ou não - no presente caso é -, para que se a Mma. Juíza do tribunal a quo desse como cumprido o primeiro critério estritamente material do conceito de "edificação", teria necessariamente que ter concluído que a dita construção pré-fabricada se tratava de um imóvel.
44. Sendo que o pré-fabricado dos autos, como decorrer da sua propria idiossincrasia - foi fabricando antes de ser colocado - não integra o elenco dos bens imóveis previsto no n.o 1 do artigo 204.° do CC.
Doutro passo,
45. E passando para o segundo critério - "material/temporal'- verifica-se que não foram verificados os seus dois requisitos cumulativos, pois, nem se provou que o referido pré-fabricado se encontrava Incorporado no solo; tal como não resultou provado que o mesmo tinha caráter de permanência.
Sem prescindir,
46. Mesmo que assim não fosse, sempre se haveria necessariamente de concluir que, mesmo se concedendo que o dito pré-fabricado estava de algum modo (que não se apurou) incorporado no solo, tinha de preencher o segundo requisito, o temporal, ou seja, o do seu caráter permanente.
47.Porém, não se fez prova desse caráter permanente, não tendo tal facto integrado qualquer dos factos assentes no probatório da sentença em crise.
48. Por isso, também por esta razão, não se mostrando verificado que o pré-fabricado dos autos, integrava o conceito de "edificação", não estava a Recorrida habilitada a tomar a concreta a decisão que tomou, pelo que a mesma é anulável, devendo proceder o invocado vício e alterada a sentença sob escrutínio, igualmente nesse sentido, e anulando-se a decisão nesta parte e dando-se provimento ao mesmo.
49. Não fazendo qualquer sentido a sua comparação com os denominados bungalows existentes, nomeadamente, nos aldeamentos turísticos, unidades hoteleiras e parques de campismo, dado que, atentas as suas funções habitacionais, por norma é fácil às entidades Iicenciadoras verificar e demonstrar a sua implantação no solo - mormente através das redes de abastecimento de água, de saneamento, etc. - e provar o seu caráter permanente, o que não resultou provado quanto ao pré-fabricado nos autos.
50. Assim, nesta parte, a sentença recorrida, violou, entre o mais o disposto nos artigos 2.°, alíneas a) e b), e 4.° do RJUE e n.º 1 do artigo 204.° do CC.
Tudo isto deverá conduzir à revogação da sentença dos autos, no sentido vindo de propugnar, julgando-se verificados os vicias de falta de fundamentação - ou, subsidiariamente, ser conhecida, nesta parte, a nulidade da sentença recorrida, com as legais consequências -, o vício de violação de audiência prévia e de violação de lei por não terem sido ouvidos os segundos contrainteressados (ou pelo menos da segunda contrainteressada mulher), tal como do invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, tal como se requer que venha a ser julgado no acórdão a proferir por este Venerando Tribunal de recurso,
Com o que farão V. Exas., Alíás como sempre, Inteira e sã JUSTIÇA!”.



O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos, concluindo dever ser negado provimento ao recurso subordinado.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e não se pronunciou.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, quanto ao recurso subordinado, e de facto e de direito, quanto ao recurso subordinado, nos aspectos adiante pontualmente indicados, relativamente a ambos os recursos.
Sublinha-se que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm, como vimos, o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, a qual apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal «a quo» ou, no adequado contexto impugnatório, que aí devessem ser oficiosamente conhecidas.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
II.1.1 – Matéria de facto assente na sentença recorrida:
«1 – Factos Provados
Com relevo para a decisão a proferir, está provado que:
1. Os aqui contrainteressados R. e L. são donos do imóvel composto por casa de três pisos com logradouro, e terreno de cultura e ramada e eira de pedra, denominado “campo da porta e sorte da minga”, situado no lugar de Entre-os-Rios, freguesia de Eja, concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 700 – Eja, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 634, e na matriz predial rústica sob o art.º 9.º - cf. documento correspondente ao ficheiro intitulado “AF_13786”, constante da pasta designada “164-2017-LOED”, em concreto da pasta “documentos adicionados a 13-11-2017”, por sua vez na pasta com o nome “arquitetura”;

2. Em 15.02.2017, entre os contrainteressados referidos no ponto anterior e a aqui autora, foi firmado documento escrito intitulado “contrato de comodato”, no qual se pode ler o seguinte:
(…)
Objeto do contrato
Cláusula 1.ª O presente contrato tem como objeto, a transferência a titulo gratuito, pelo comodante ao comodatário, dos direitos de uso e gozo do prédio rústico e de todos os bens móveis que a ele estão associados, nomeadamente, zona de relvado e prado, dispensa associada à casa, zona de entrada e escadaria a nascente, prédio esse inscrito na matriz sob n° 9 o da freguesia de Eja, sito na Rua Fonte do Nogueira SN, freguesia de Eja, Penafiel.
(…)
Duração
Cláusula 6.ª. Este contrato é de prazo indeterminado, iniciando-se em 15 de fevereiro de 2017.
(…)”;
Cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial;
3. Pela contrainteressada L. foi apresentado junto dos serviços da Câmara Municipal (...), em Novembro de 2017, requerimento tendo em vista obter licença para obras de edificação (ampliação e reconstrução) no prédio mencionado em 1., o qual deu origem ao processo que correu termos naqueles serviços sob o número 164/2017-LOED – cf. pasta junta ao PA denominada “164-2017-LOED”;
4. No âmbito desse processo n.º 164/2017-LOED foi proferido em 31.05.2019 despacho de aprovação do projeto de arquitetura – cf. ficheiro denominado “Folha de Movimentos de Processo 164-2017 LOED”, constante da Pasta “164-2017-LOED”, junta ao PA apenso aos autos;
5. Tendo a referida contrainteressada sido notificada dessa decisão, bem como para apresentar os inerentes projetos de especialidade, mediante ofício datado de 03.06.2019, de referência Proc. N.º 164/2017 – LOED, mais lhe sendo aí concedido o prazo de 6 meses para apresentar os ditos projetos de especialidades – cf. ficheiro denominado “doc_03-06-2019”, constante da Pasta “164-2017-LOED”, junta ao PA apenso aos autos;
6. Sucede que, já antes, a aqui autora implantou no mesmo prédio um pré-fabricado de madeira, com teto em OSB, suportado em traves de madeira, ao qual acrescentou ainda uma marquise envidraçada, apoiada na estrutura de madeira;
7. No dia 18.06.2018 o contrainteressado J. apresentou junto da entidade demandada um requerimento escrito, no qual se pode ler o seguinte:
(…)
Na qualidade de cidadão/munícipe do concelho de Penafiel venho informar que a empresa R., Lda., está a construir um bar na Avenida (…), num espaço adquirido pela empresa, onde pretende construir “A CASA (...)”, aliada a este bar de apoio na parte exterior, projecto divulgado na Internet.
A construção é ilegal, uma vez que penso não existir alvará de licença de construção da Câmara Municipal (...).
Foi feita uma entrada, a partir da avenida principal (Avenida (...)).
Igualmente, não há licença do POACLE, através da APDL, sendo que está em zona de cheia e houve remoção de terras sem presença de arqueólogos, já que esta zona está classificada como zona histórica, tendo noutros casos sido solicitado pelo museu de Penafiel a presença de arqueólogos, o que, estranhamente, não aconteceu desta vez.
A APA (Agência Portuguesa do Ambiente) não deu qualquer parecer, assim como os RH (DGADR – Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural) e o IPAR (Direção-Geral do Património Cultural).
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “AF_46437”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR”, constante do PA apenso aos autos;
8. Este requerimento deu origem ao procedimento que correu termos sob o n.º 89/2018 TLUR nos serviços municipais de Penafiel, os quais, em 18.01.2019 elaboraram informação, na qual se pode ler designadamente o seguinte:
(…)
Introdução
A presente informação surge na sequência das informações da Unidade de Operações Urbanísticas e Licenciamentos (UOUL) e da Seção de Apoio Administrativo (SAA).
Dos Factos
a) Em 2018-06-18 foi apresentada denúncia;
b) Em 2018-06-21 a UFM elaborou dois Autos de Contraordenação a R., Lda., referindo:
1) Procedeu à construção de um anexo com cerca de 42 metros quadrados destinado a estabelecimento de bebidas, bem como procedeu à demolição de um muro para abertura de uma entrada com cerca de 3 metros de comprimento a face da via pública e ainda colocou chapim em toda a extensão do muro existente à face da via pública, sem que para isso esteja devidamente licenciado.
2) Procede à ocupação de um anexo destinado a estabelecimento de bebidas, sem que para isso esteja munido da competente autorização de utilização.
c) Em 2018-11-29 a Unidade de Operações Urbanísticas e Licenciamentos (UOUL) informou que não é garantido o cumprimento do RPDM.
d) Em 2018-11-29 o mandatário de J. , Dr. J. , apresenta exposição.
Enquadramento
A) A alínea a) do ponto 1 e as alíneas e) e f) do ponto 2 do artigo 102.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na sua redação atual, referem:
Artigo 102.º
Reposição da legalidade urbanística
1. Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;
2 As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:
e) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;
f) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos;
(...).
B) O artigo 106.º do RJUE refere:
Artigo 106.º
Demolição da obra e reposição do terreno
1- O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
3 A ordem de demolição ou de reposição a que se refere a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator.
Análise
Assim, considerando que:
1. Em 2018-06-21 a UFM elaborou dois Autos de Contraordenação à requerida, por ter construído e por estar a ocupar um edifício destinado a estabelecimento de bebidas sem licença;
2. A informação técnica da UOUL que refere que a edificação não cumpre com o regulamento do plano diretor municipal de Penafiel, na sua redação atual (PDM), entre outras não conformidades;
3. A legalidade urbanística tem de ser reposta conforme previsto no artigo 102.º do RJUE.
Conclusão
Face ao exposto, propõe-se superiormente:
I. Notificar o requerido para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre a intenção de ser ordenada a demolição do edificado executado sem controlo prévio, bem como a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos (edifício com cerca de 42m2 destinado a estabelecimento de bebidas), conforme previsto no n.º 3 do artigo 106.º do RJUE;
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” constante do processo administrativo apenso aos autos;
9. Com efeito, já antes, no âmbito do mesmo procedimento 89/2018-TLUR, os serviços municipais haviam elaborado informação em 29.11.2018, do seguinte teor:
(…)
Face à informação da UFTV, a #7 (06.07.2018) e passos seguintes, no sentido de a "UOUL se pronunciar relativamente à viabilidade de legalização do edifício, com uma área de cerca de 42m2, de madeira, destinado a estabelecimento de bebidas", informa-se o seguinte:
1. De acordo com o aferido nos extratos das cartas de ordenamento e condicionantes do PDM e nas cartas do POACL verifica-se que a prédio em causa está localizado em:
área de equipamentos estruturantes propostos: turístico reserva ecológica nacional (REN) áreas de proteção e enquadramento ao património (35.3 - Burgo de Entre-os-Rios, Eja, Entre-os-Rios, Época Moderna/Contemporânea, Património Classificado e Arqueológico UOPG 32 ARU de Entre-os-Rios
Zonas Inundáveis
No contexto do POACL (RCM n.º 187/2007, de 21/12) o prédio encontra-se em áreas de utilização recreativa e de lazer do tipo 2.
2. Nestes termos, a pretensão fica sujeita ao cumprimento do disposto no RPDM (art.º 7.º, face à servidão administrativa da REN, art.º 9.º, 11.º, art.º 26.º e 27.º, art.º 51.º, art.º 52.º e 53.º, art.º 64.º ponto 32) e ainda às regras constantes dos demais regulamentos, nomeadamente do RMUE, RGEU, legislação específica (aplicável a estabelecimentos de restauração/bebidas) e ao cumprimento do disposto no Regulamento do POACL, art.º 31.º e 32.º.
Está, também, sujeita a pareceres da CMPCP (devido à localização em área de proteção ao património) e da entidade APA - Agência Portuguesa do Ambiente, em função do POACL e da localização em áreas de utilização recreativa e de lazer, do tipo 2 e, ainda, da CCDRN, atendendo à localização em área afeta à REN.
3. Contudo, e sem prejuízo do que pudesse ainda vir a ser informado pela CMPCP e pelas entidades externas, verifica-se desde já, que não é garantido o cumprimento do RPDM nos seguintes pontos:
a) art.º 27.º, que refere:
1 - Estas áreas devem ser alvo de projeto específico e garantir: a) O enquadramento urbano, paisagístico e volumétrico do conjunto; b) Áreas de aparcamento automóvel de acordo com as necessidades inerentes ao uso definido.
2 - Enquanto não forem elaborados os projetos referidos no número anterior, nestas áreas e sem prejuízo do uso atual, são proibidas ações que comprometam a sua futura afetação, nomeadamente: a) A execução de quaisquer construções; b) Alterações à topografia do terreno; c) Destruição do solo vivo e do coberto vegetal, exceto o necessário a operações de limpeza; d) Derrube de árvores; e) Descarga de lixo e entulho.
b) art.º 53.º, que dispõe:
As intervenções nestas zonas devem subordinar-se às seguintes condições: a) Só é admitida a construção de novos edifícios em situações de colmatação ou em substituição de outros existentes, exceto quando destinados a equipamentos urbanos reconhecidos como de interesse público pelo município, em que a edificabilidade se rege pelo disposto para a categoria de espaço em causa; b) Não são admitidas edificações cuja cota de pisos inferiores não seja superior à cota local da maior cheia conhecida; c) Em todos os espaços não afetos a edifícios só são admitidos pavimentos que garantam a permeabilidade do solo e devendo ser munidos dos competentes sistemas de drenagem de águas pluviais.
4. Acrescenta-se que a construção aqui a legalizar encontra-se localizada no logradouro do prédio objeto de licenciamento de obras de alteração e reconstrução, que decorre através do processo 164/2017 LOED (cujo titular é L. ), situação que se estranha e que pode interferir com o referido procedimento de licenciamento.
(nota: no âmbito do processo 164 2017 LOED, em devido tempo serão pedidos esclarecimentos à requerente desse processo, nomeadamente porque o levantamento topográfico apresentado não identificou a construção aqui em análise).
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” no processo administrativo apenso aos autos;
10. Sobre estas informações recaiu despacho de concordância do vereador da Câmara Municipal (...) em 12.03.2019 - cf. ficheiro intitulado “Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” constante do processo administrativo apenso aos autos;

11. Em consequência, foi a aqui autora notificada para, querendo, se pronunciar sobre esta projetada decisão, mediante ofício n.º 1714, datado de 15.03.2019, no qual se pode ler o seguinte:
(…)
Em cumprimento do despacho do Vereador da Gestão Urbanística de 12/03/2019, fica V. Exa. notificado para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre a intenção de ser ordenada a demolição do edificado executado sem controlo prévio, bem como a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos (edifício com cerca de 42m² destinado a estabelecimento de bebidas), conforme previsto no n.º 3 do art.º 106.º do RJUE, de acordo com a informação emitida em 18-01-2019, pela Unidade de Fiscalização Técnica e Vistorias, desta Câmara Municipal, da qual se remete fotocópia.
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “doc_2019_1714_7594_1”, na pasta denominada “89-2018-TLUR” constante do processo administrativo apenso aos autos;
12. Tendo a autora respondido a esta notificação, apresentando requerimento escrito tendente a pronunciar-se sobre a decisão projetada, podendo aí ler-se o seguinte:
(…)
5. °
In casu, o anexo a que se refere o processo, na realidade é um bem amovível, pré-fabricado em madeira (casca de pinheiro), com teto em OSB (aglomerado de partículas de madeira longas e orientadas) e sem fundações, tendo como suporte traves em madeira, ao qual foi acrescentado uma marquise envidraçada, que se apoia na estrutura de madeira e está aparafusada a lajes (pedras rectangulares) amovíveis.
6. °
É possível encontrar na lei a definição de unidade amovível como: “construção assente sobre fundação não permanente e executada com materiais prefabricados, modulados ou ligeiro, permitindo a sua fácil remoção ou desmontagem”.
7.º
A prova de que o bem é amovível e não uma edificação prende-se com o facto de o mesmo ser retirado do local e colocado noutro local num curto espaço de tempo, assim como o facto de todo o contentor ser de madeira, estando apenas apoiado num chão sólido que consistem em lajes (placas de pedra) que se encontram apoiadas no solo, mas não a este cimentadas. A marquise envidraçada é aparafusada, amovível e desmontável, o que, desde logo, nunca implicaria uma demolição, como o pretendido pelo denunciante mas tão-só a sua remoção e subsequente deslocação.
8. °
Assim sendo, não existiu uma construção de um edificado mas sim a colocação de uma unidade amovível para exploração de restauração e bebidas não sedentária e apoio de atividades de motonáutica e de recreio balnear e promoção do turismo na localidade.
9.°
De acordo com a alínea a) do artigo 2.° do RJUE, edificação consiste na “actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência.”
Ora,
10°
O contentor é amovível e a respetiva marquise não são imóveis, não tendo pois carácter de permanência.
11.°
Prova disso é que existe, junto da autoridade administrativa, um processo a decorrer (PROCESSO LOED-164/2017), esse sim, para reconstrução de um imóvel, localizado paralelamente ao contentor por nós instalado.
Pelo que,
12°
Quando esse processo estiver concluído - o que se presume que estará em breve- dado que já está na fase de especialidades, tendo o projeto arquitetónico sido aprovado e o parecer da Agência Portuguesa do Ambiente favorável - o carácter permanente da estrutura (amovível) atualmente instalada será revelado no futuro, pois a mesma será removida, quando o projeto principal para a casa paralela estiver aprovado.
13.°
Para além disso, a arguida possui um protocolo com a Federação Portuguesa de Motonáutica cujo teor se prende com a colaboração e parceria de ambas as entidades para que sejam promovidos eventos náuticos na cidade, nomeadamente, na zona de Entre-os-Rios, sendo que a Federação Portuguesa de Motonáutica se apoia nas nossas instalações para a promoção dos seus eventos (veja-se Protocolo que se junta em anexo).
14.º
Relativamente à reposição do terreno nas condições em que ele se encontrava, as poucas alterações ocorridas na sua morfologia não foram praticadas nem pela arguida nem pela sua sócio-gerente, mas sim por um dos comproprietários do terreno, que o comodatou à arguida já com as alterações efetuadas, nomeadamente na zona de entrada, a qual terá sido, pelo comodante, necessária alargar para permitir o acesso de pessoas e alfaias agrícolas (veja-se contrato de comodato).
15.º
Todavia, ao que sabemos, o mesmo responsável pelas alterações ao terreno, nomeadamente pelo alargamento da entrada do prédio, encontra-se disponível para legalizar as alterações efetuadas, bem como assim para colaborar com a autoridade administrativa.
16.º
A arguida atuou na convicção de que estava a cumprir a lei, nunca tendo a intenção de infringir qualquer norma, porquanto, para a arguida, o pré-fabricado trata-se de um bem amovível.
17.º
A arguida é uma empresa recente, constituída apenas em 2017, a qual visando o desenvolvimento da sua atividade social, promove o desenvolvimento do turismo na zona, promovendo, inclusive, o associativismo, o desporto e a cultura locais, não deixando, por isso, de promover o interesse público.
18.º
Assim, e caso se entenda que a sobredita estrutura não é amovível, deve considerar-se a existência de um erro sobre a ilicitude, pois a arguida agiu sem culpa, dado que atuou sem consciência da ilicitude do facto, sendo, em consequência, que o erro não lhe é censurável.
19. °
Porém, admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que todos os argumentos invocados não procedam ao arquivamento do processo, a arguida declara, desde já, total disponibilidade para proceder ao suprimento de quaisquer irregularidades que se afigurem necessárias, nos termos do n.º 2 do art.º artigo 106 do RJUE , bem assim como nos termos do n.º 3 do artigo 20.° do Decreto-Lei 166/2008 de 22 de agosto, considerando, o que não pode deixar de ser sublinhado, que as unidades em causa preenchem a exceção da ZONA REN, prevista no dispositivo legal indicado, visto que funcionam como espaço de apoio às atividades náuticas de recreio em águas interiores.
20. °
Acresce que, a remoção da estrutura em apreço e, consequentemente, a cessação da atividade comercial aí desenvolvida levaria a consequências gravosas para os trabalhadores -a maioria deles residentes no concelho- e parceiros da arguida, nomeadamente confrarias gastronómicas e de outras naturezas, com sedes no concelho e fora deste, bem como outras associações e outras entidades de utilidade publica, de que é exemplo a Federação Portuguesa de Motonáutica.
21°
Por outro lado, com a hipotética decisão administrativa de remoção da estrutura aludida, o Município (...) estaria a comprometer a actividade turística daquela área do concelho, que, crê a arguida, não ser pretensão do município, antes sendo notório o interesse deste no desenvolvimento local.
22.°
Logo, tal decisão de remoção, além de outros, ofenderia o princípio da proporcionalidade e do interesse público como princípios basilares do direito.
23.º
Mais ainda, a circunstância de que isto não é mais do que um ato hostil e desleal de um concorrente, o qual desenvolve a mesma atividade da arguida e, espantemo-nos, em estruturas de igual natureza à da arguida, pelo que, a proceder a pretensão de remoção da estrutura da arguida, não deixaria de também terem que ser removidas as estruturas do concorrente e denunciante, sob pena de ofensa do princípio de igualdade de tratamento dos munícipes.
24.º
Esse mesmo concorrente e denunciante, J. , tem, como resulta do exposto, como único propósito prejudicar quaisquer concorrentes e, nessa medida, garantir para si mesmo, o monopólio da atividade de restauração e bebidas não sedentária naquela área de elevado potencial turístico, comprometendo-se, assim, desde logo, a sã concorrência de que beneficiarão os consumidores e, simultaneamente, o desenvolvimento daquela relevante zona do concelho, sobrepondo os seus interesses puramente privados, ainda que legítimos, ao interesse público que incumbe ao Município (...) promover e que, acredita a arguida, este não deixará de o fazer arquivando o processo a que agora se apresenta defesa.
(…)”;
Cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial, e ficheiro intitulado “Doc_Af_92488”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” no processo administrativo apenso aos autos;
13. Após o que, em 30.05.2019, os serviços municipais de Penafiel elaboraram informação, sempre no âmbito do procedimento 89/2018-TLUR, na qual se pode ler o seguinte:
(…)
Introdução
A presente informação surge na sequência do requerido ter apresentado exposição a solicitar o arquivamento do processo.
Dos Factos
Na continuidade da descrição dos factos (veja-se informação técnica datada de 2019-02-22) informa-se:
a) Em 2019-03-15 o requerido foi notificado para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre a intenção de ser ordenada a demolição do edificado executado sem controlo prévio (licença), conforme previsto no n.º 3 do artigo 106.º do RJUE;
b) Em 2019-04-08 o requerido apresentou exposição a solicitar o arquivamento do processo.
Análise
Considerando:
1. Que o pedido de arquivamento efetuado pelo requerido não tem qualquer fundamento;
2. Que a requerente, L. , do processo n.º LOED-164/2019 apresentou planta de implantação de alterações em 2019-05-27, propondo a demolição da edificação em apreciação neste processo;
3. A informação técnica da Unidade de Operações Urbanísticas e Licenciamentos (UOUL), datada de 2018-11-29, refere que a edificação viola o Plano Diretor Municipal de Ordenamento do Território (PDM), entre outras não conformidades;
4. A legalidade urbanística tem de ser reposta (cfr. artigo 102.º do RJUE).
Enquadramento
A) A alínea a) do número 1 e as alíneas e) e f) do número 2 do artigo 102.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na sua redação atual, referem:
Artigo 102.º
Reposição da legalidade urbanística
1 Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;
2 As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:
e) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;
f) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos;
B) O artigo 106.º do RJUE refere:
Artigo 106.º
Demolição da obra e reposição do terreno
1- O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
3 A ordem de demolição ou de reposição a que se refere a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator
Conclusão
Face ao exposto, propõe-se superiormente que seja:
I. Indeferido o pedido efetuado em 2019-04-08, uma vez que a exposição apresentada apenas visa acrescentar expediente dilatório ao procedimento, não acrescentando nada que possa levar ao arquivamento do processo;
II. Ordenada a demolição da obra executada sem licença (edifício com cerca de 42m2 destinado a estabelecimento de bebidas), fixando um prazo para o efeito (cfr. n.º 1 do artigo 106.º do RJUE);
III. Notificado o requerido, mediante carta registada com aviso de receção, para proceder à demolição voluntária do edifício no prazo fixado;
IV. Informado o requerido de que, caso não proceda à demolição voluntária da obra no prazo fixado poderá ser determinada a respetiva demolição por sua conta (cfr. n.º 4 do artigo 106.º do RJUE);
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” constante do processo administrativo apenso aos autos;
14. Sobre esta informação foi aposto despacho pelo vereador da Câmara Municipal (...) em 06.06.2019, do seguinte teor: “Concordo, nos termos legais, 1 vai indeferido o requerido em 08-04-2019. 2 - Ordeno a demolição do edificado sem licença Municipal, nos termos propostos. 3 - Notifique-se, fixando-lhe o prazo de 120 dias.” - Cf. ficheiro intitulado “Folha de Movimentos do Processo 89-2018-TLUR”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” no processo administrativo apenso aos autos;
15. Tal despacho foi notificado à autora por ofício de 07.06.2019, com o número 4300/2019, do seguinte teor:
(…)
Para os devidos efeitos, e de acordo com o despacho do Vereador da Gestão Urbanística de 06-06-2019, comunico a V. Exa. que foi indeferido o requerido.
Mais comunico a V. Exª que, foi ordenada a demolição das obras executadas sem licença Municipal.
No entanto, fica V. Exa. notificado para, no prazo de 120 dias, de acordo com a informação técnica emitida pela Unidade de Fiscalização Técnica e Vistorias (UFTV), para proceder à demolição voluntária da obra executada sem licença.
Mais se informa de que, caso não proceda à demolição voluntária da obra no prazo fixado poderá ser determinado a respectiva demolição por sua conta (cfr. n.º 4 do artigo 106.º do RJUE).
Para conhecimento remetemos a V. Ex.ª fotocópia da informação técnica acima mencionada.
(…)”;
Cf. ficheiro intitulado “doc_2019_4300_9067_1”, constante da pasta denominada “89-2018-TLUR” constante do processo administrativo apenso aos autos.
*
2 – Factos Não Provados
Com relevo para a decisão a proferir, não existem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.
*».
II.1.2 – Da impugnação da matéria de facto no recurso subordinado
Pretende a Recorrente a reapreciação da matéria de facto dada como provada, por modificação do teor do texto do ponto 6 do probatório, decorrente da prova documental que consta dos autos.
O ponto 6 do acervo de matéria assente por provada tem o seguinte teor: «6. Sucede que, já antes, a aqui autora implantou no mesmo prédio um pré-fabricado de madeira, com teto em OSB, suportado em traves de madeira, ao qual acrescentou ainda uma marquise envidraçada, apoiada na estrutura de madeira;».
A Recorrente entende dever ser substituído o verbo «implantar» pelo verbo «colocar», uma vez que, segundo alega, o assentamento deste facto, segundo o qual «… a aqui autora implantou no mesmo prédio um pré-fabricado de madeira…» (nosso itálico) “não foi acordado entre as partes, quer por que foi impugnado pela Autora/Recorrente, quer porque, face a tal impugnação e falta de acordo, não existem nos autos prova suficiente (que não pode ser, nessa medida, apreendida por meras fotografias sem adequada resolução e identificação da realidade, e cujo teor, na parte da incorporação no solo, a Autora não aceitou, mas apenas por prova mais sólida - inspetiva, pericial, ou, quando muito, inabalável prova testemunhal -, o que não aconteceu.”.
A relevância da questão verbal é revelada pela Recorrente ao equiparar o verbo «implantar» ao verbo «incorporar», na alegação de que não procedeu à execução de quaisquer fundações da construção em crise e na pretensão de caracterizar aquela construção como “amovível e não uma edificação”, concluindo não ter havido a “construção de um edificado, mas sim a colocação de uma unidade amovível” ou, como também alegou, a “colocação de um artefacto de madeira e marquise sobre o solo amovível e sem carácter de permanência…”.
É inatendível a sua pretensão.
A Recorrente não carreia argumentos jus-normativos — que também não se vislumbram — dos quais se retire que o verbo «implantar», no contexto em causa, (i) assimile o específico conceito de «incorporação» a que se refere a alínea a) do artigo 2º do RJUE e, por outro lado, (ii) seja inadequado a descrever a acção da Autora que culmina com a existência do referido pré-fabricado no prédio em causa ou (iii) implique, por si, um juízo jus-dirimente.
De resto, no presente caso, o pré-fabricado existente naquele prédio destina-se, independentemente da possibilidade da sua amovibilidade, a utilização humana — estabelecimento de bebidas ou restauração e bebidas —, consubstanciando uma operação urbanística, ou seja, a utilização do solo para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários florestais, mineiros ou de abastecimento público de água — na relevância do disposto no artigo 2º, alíneas a), b) e j) do RJUE.
Na verdade, o carácter amovível do pré-fabricado não descaracteriza a relevância da sua finalidade, a utilização humana, concretamente como estabelecimento de bebidas, ocorrendo, independentemente da execução ou não execução de fundações, rasas ou enterradas no solo, a sua ligação a infraestruturas com carácter de permanência que a utilização a que se destina implica ou pressupõe, necessariamente umas, eventualmente outras, quer de acesso, quer de abastecimento de água, equipamentos de saneamento, rede de electricidade, de gás, telecomunicações, entre o mais, com as necessárias alterações, designadamente, do revestimento natural do solo, de carácter duradouro, não transitório e irreversível, pelo menos na área de implantação, nos seus acessos e bem assim da sua ligação a infraestruturas.
Tanto a jurisprudência como a doutrina têm carreado o entendimento de que a noção de operações urbanísticas que nos é dada pelo RJUE, em especial o conceito de obras de edificação, não cobre todo o tipo possível de actuações sobre o território, como nos dá conta Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 2016, 4ª ed,. Pág. 100 e seguintes, e, v.g., o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-02-2006, processo nº 0600/05, que interpreta o requisito da permanência, embora relativamente a anterior legislação: «Nos termos do art. 1º do D-L nº 445/91 estão sujeitas a licenciamento, em geral, as obras de construção civil, aí se compreendendo instalações para pintura e comercialização de automóveis levadas a efeito em madeira, chapa, alvenaria e metal, bastando que exista uma ligação mais ou menos permanente ao solo e sem ser preciso que haja fundações.».
No presente caso, estamos perante uma afetação do solo a um determinado fim e a uma determinada utilização humana, mediante instalação ou, o mesmo é dizer, implantação de um pré-fabricado.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.

II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
II.2.1. - Recurso independente
Posto em crise impugnatória na acção foi o acto da autoria de vereador da Câmara Municipal (...), de 06-06-2019, mediante o qual foi ordenada a demolição de obra, executada sem licença, correspondente a edifício com cerca de 42 m2 destinado a estabelecimento de bebidas.
A Autora havia imputado ao acto impugnado os vícios de violação do direito de audiência prévia, falta de fundamentação, incompetência do autor do acto impugnado para a sua prática, violação de audiência prévia e de violação de lei por não terem sido ouvidos os segundos contra-interessados (os donos do prédio), violação de lei por erro0 nos pressupostos de facto e de direito, violação dos princípios da proporcionalidade, da prossecução do interesse público e da igualdade.
Tendo apreciado aqueles vícios, o Tribunal «a quo» veio a concluir pela verificação do vício da violação do direito de audiência prévia e inverificação de todos os demais e, tendo ponderado a possibilidade de afastamento do efeito anulatório daquele vício, concluiu pela impossibilidade do seu afastamento e anulou o acto impugnado.
O Recorrente Município (...) insurge-se contra essa decisão, cujo teor aqui transcrevemos nos seus fundamentos, designadamente:
«Violação do direito de audiência prévia – dever de ponderação dos contributos do interessado
Começa então a autora por invocar a violação do direito de audiência prévia, na vertente da desconsideração dos contributos do interessado. Basicamente, entende que, tal como resulta da jurisprudência do STA, embora a entidade decisora não esteja obrigada a rebater todas as razões aduzidas pelo interessado, está pelo menos vinculada a ponderar os respetivos contributos. Neste sentido, alega que, no âmbito do exercício do seu direito de audiência prévia, invocou o erro nos pressupostos de facto e de direito, a violação dos princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, bem como do princípio da igualdade, mas a entidade demandada omitiu qualquer pronúncia sobre esses argumentos, ao contrário do que lhe era imposto. Mais concretamente, refere-se ainda à violação do disposto nos artigos 122.º, n.º 2, e 126.º do CPA.
A entidade demandada refuta esta argumentação, dizendo que os serviços analisaram a audiência prévia, concluindo pela impertinência da argumentação invocada.
Vejamos.
É sabido que o princípio da participação constitui um dos princípios basilares da atividade administrativa, como tal consagrado no art.º 267.º, n.º 5, da CRP, nos termos do qual o processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito. Daí que a autora se refira a este preceito, bem como aos artigos 11.º e 12.º do CPA.
Pois bem, neste sentido uma das manifestações mais relevantes do princípio da participação é precisamente o direito de audiência prévia, como tal assumido na formulação do princípio da participação consagrado no art.º 12.º do CPA. É precisamente neste diploma, em concreto nos seus artigos 121.º e seguintes, que melhor se desenvolve o direito de audiência prévia.
Assim, no art.º 121.º do CPA pode ler-se o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.
3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.
Já de acordo com o art.º 122.º, n.º 2, do mesmo CPA a notificação fornece o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.
Com efeito, o cumprimento do dever de audiência prévia não se pode reduzir à mera observância de uma formalidade imposta por lei, devendo antes traduzir-se na possibilidade efetiva de o administrado influenciar a decisão, discutindo-a antes de ser definitiva, com a correlativa necessidade de a Administração ponderar os argumentos aduzidos. Porém, também é preciso considerar que, da parte do administrado, a audiência prévia não deve ser utilizada para fins meramente dilatórios, com invocação de razões sem respaldo nos fundamentos da decisão.
Neste sentido, é certo que a Administração está obrigada a ponderar os argumentos que lhe são trazidos pelo administrado; tal qual resulta da jurisprudência mencionada em contestação, entre outra, considerando-se esse ponto pacífico.
Porém, e como de certo modo já se aludiu, este dever deve ser encarado à luz de, pelo menos, duas premissas: a primeira, a constatação de que, no âmbito da audiência prévia, o interessado invoca argumentos com pertinência para a decisão final; a segunda, considerar que a Administração não está obrigada a apreciar ponto por ponto a audiência prévia, v.g., não está obrigada a rebater todos os argumentos.
Ora, vem a autora dizer que, no exercício do seu direito de audiência prévia, invocou o erro nos pressupostos de facto e de direito (porque a instalação do “artefacto” não se enquadra na al. a) do art.º 2.º do RJUE, ou porque a regularização da situação era viável, mediante a emissão de licença no procedimento a correr termos sob o n.º LOED-164/2017); a violação dos princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público e ainda do princípio da igualdade. Porém, a entidade demandada não emitiu qualquer pronúncia sobre esses segmentos argumentativos.
Antes de mais, é de constatar que a pronúncia apresentada – cujo teor quase integral se levou ao ponto 12 dos factos provados – tece, em larga medida, considerações sem qualquer contexto por referência à proposta de decisão, denotando-se, aliás, pelos seus próprios termos que é o aproveitamento de uma defesa escrita apresentada no âmbito de um processo de contraordenação.
Depois, no que diz respeito à questão do erro nos pressupostos de facto, bem sabia a autora que o Município tinha o entendimento de que se tratava de uma edificação para efeitos do RJUE, insistindo na tese de que se trata apenas de um “artefacto”, sem relevância urbanística. Ora, não era de esperar que o Município alterasse a sua posição perante essa argumentação, ficando claro das informações produzidas que, para a entidade demandada, estamos perante uma edificação para efeitos urbanísticos. E nada de novo trouxe a autora ao procedimento, além de uma alteração de semântica, não negando que a descrição da obra feita no procedimento era a correta. Como tal, esta questão foi apreciada no procedimento; o mesmo sucede com a possibilidade de legalização por via do processo de licenciamento a decorrer sob a referência LOED-164/2017, da titularidade da contrainteressada, já que na informação que consta do ponto 9 dos factos provados se faz constar expressamente que nesse mesmo processo estava prevista (curiosamente) a demolição da edificação em apreciação no processo. É falso, por isso, que não tenha sido abordada a questão do relacionamento com esse outro processo de licenciamento.
No restante, a entidade demandada considerou que a exposição apresentada apenas visa acrescentar expediente dilatório ao procedimento, não acrescentando nada que possa levar ao arquivamento do processo. O que temos por certo. É que lendo a audiência prévia, só se pode concluir que os restantes argumentos são efetivamente inócuos; desde logo, a violação do princípio da proporcionalidade constitui uma alegação sem o efeito pretendido, dado que, perante a violação do RPDM (o que torna a obra insuscetível de legalização) a vontade da Administração torna-se irrelevante, e sucumbe ao princípio da legalidade; e o mesmo se diga em relação ao princípio do interesse público que, neste caso, se garante precisamente pela observância estrita da legalidade. De resto, no que a este aspeto diz respeito, está mais em causa o interesse privado da autora do que qualquer interesse público – o qual, em todo o caso, e conforme referido, não assume qualquer pertinência perante a mencionada violação do RPDM. E o mesmo se diga quanto à invocação do princípio da igualdade, na medida em que nunca poderia ocorrer uma situação de igualdade na ilegalidade, razão pela qual esta invocação também nunca seria suscetível de alterar a decisão final.
Por tudo isto, e ao que se julga bem, o Município classificou como “expediente dilatório” o exercício do direito de audiência prévia. E refira-se que reputar a argumentação de dilatória constitui já um juízo crítico, na medida em que está a ser considerado não apenas que os argumentos são inócuos, como são uma mera instrumentalização da formalidade de audiência prévia por parte do administrado.
Porém, se assim é, melhor ponderação merece já a referência à violação do disposto no art.º 122.º, n.º 2, do CPA. Antes disso, diga-se que é de afastar qualquer violação do art.º 126.º do CPA, dado que, como se constata, foi elaborada uma informação (ou relatório, para usar o termo da lei), que se encontra referido no ponto 13 dos factos provados, sobre o qual foi aposto o despacho.
Mas, dizíamos, mais atenção deve ser dispensada ao art.º 122.º, n.º 2, do CPA. De facto, logo no art.º 11.º da PI a autora diz que nunca lhe chegou a ser dado conhecimento da informação técnica aludido no ponto 3 do capítulo análise da informação de 30.05.2019.
O que se constata ser verdadeiro. Com efeito, resulta provado do respetivo teor [cf. ponto 8 dos factos provados] que a informação que antecede o despacho remete para uma outra, de 29.11.2018 [referida no ponto 9 dos factos provados], na qual se invocam violações do RPDM, impeditivas, no entender da entidade demandada, da legalização da obra. Sucede que, como decorre do teor do ofício mencionado no ponto 11 dos factos provados, à autora apenas foi remetida cópia da informação de 18.01.2019; tal como no caso da notificação da decisão final apenas lhe ter sido remetida cópia da informação de 30.05.2019 [cf. ponto 15 dos factos provados].
Ou seja, o que se constata e pode concluir dos factos provados, é que a entidade demandada não comunicou à autora, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, a informação na qual tecia os considerandos relativos à insusceptibilidade de legalização; sendo certo que estes dados assumem particular relevo em matéria urbanística, atendendo ao art.º 102.º-A do RJUE.
Assim sendo, efetivamente há que concluir que assiste razão à autora quando alega a violação do disposto no art.º 122.º, n.º 2, do CPA, dado que: impunha-se que a notificação para audiência prévia fosse acompanhada de todos os elementos necessários para o interessado conhecer os aspetos relevantes para a decisão; em matéria urbanística, e sendo proposta a demolição, um dos aspetos relevantes é a ponderação sobre a suscetibilidade de legalização; a entidade demandada elaborou uma informação com esse fim, mas não a comunicou ao interessado, que ficou sem saber quais as razões pelas quais não havia lugar a legalização; como tal, incumprido o disposto no art.º 122.º, n.º 2, do CPA, forçoso se mostra concluir que não foi validamente cumprida a formalidade de audiência prévia.
Pelo que ocorre vício de forma, com base na alegada violação do art.º 122.º, n.º 2, do CPA, suscetível de gerar a anulabilidade do ato.».
Fim da transcrição.
Portanto, o cerne da decisão de procedência do vício de falta de audiência prévia é este: «…o que se constata e pode concluir dos factos provados, é que a entidade demandada não comunicou à autora, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, a informação na qual tecia os considerandos relativos à insusceptibilidade de legalização; sendo certo que estes dados assumem particular relevo em matéria urbanística, atendendo ao art.º 102.º-A do RJUE. Assim sendo, efetivamente há que concluir que assiste razão à autora quando alega a violação do disposto no art.º 122.º, n.º 2, do CPA…».
Vejamos, tendo presente os argumentos do Recorrente acima transcritos.
Em causa está, designadamente, a existência no prédio identificado em 1 da matéria assente de um pré-fabricado de madeira, com teto em OSB, suportado em traves de madeira, ao qual foi acrescentado uma marquise envidraçada, apoiada na estrutura de madeira.
A partir da notícia de tal construção (facto 7), foram implementados os procedimentos de que a informação de 18-01-2019 (facto 8) dá conta, tendo sido apurado que ali se havia procedido à construção de um anexo com cerca de 42 metros quadrados destinado a estabelecimento de bebidas, bem como à demolição de um muro para abertura de uma entrada com cerca de 3 metros de comprimento a face da via pública e ainda colocou chapim em toda a extensão do muro existente à face da via pública, sem que para isso estivesse o seu autor devidamente licenciado, e, ainda, havia procedido à ocupação de um anexo destinado a estabelecimento de bebidas, sem que para isso estivesse munido da competente autorização de utilização.
Nessa mesma informação, com invocação do disposto na alínea a) do nº 1 e as alíneas e) e f) do nº 2 do artigo 102º e artigo 106, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redação actual, e com assento nas considerações de que “1. Em 2018-06-21 a UFM elaborou dois Autos de Contraordenação à requerida, por ter construído e por estar a ocupar um edifício destinado a estabelecimento de bebidas sem licença; 2. A informação técnica da UOUL que refere que a edificação não cumpre com o regulamento do plano diretor municipal de Penafiel, na sua redação atual (PDM), entre outras não conformidades; 3. A legalidade urbanística tem de ser reposta conforme previsto no artigo 102.º do RJUE”, veio a ser proposto “Notificar o requerido para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre a intenção de ser ordenada a demolição do edificado executado sem controlo prévio, bem como a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos (edifício com cerca de 42m2 destinado a estabelecimento de bebidas), conforme previsto no n.º 3 do artigo 106.º do RJUE”.
Do despacho de concordância com essa informação de 18-01-2019 foi a interessada notificada para se pronunciar sobre a intenção de ser ordenada a demolição do edificado executado sem controlo prévio, bem como a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos, tendo-lhe sido remetida cópia da informação de 18-01-2019.
Esta intenção de demolição do edificado mostra-se assente numa outra informação dos serviços do Município (...), de 29-11-2018, que se debruçou extensamente sobre o tema da viabilidade de legalização do edificado, designadamente:
“(… ) 1. De acordo com o aferido nos extratos das cartas de ordenamento e condicionantes do PDM e nas cartas do POACL verifica-se que a prédio em causa está localizado em:
área de equipamentos estruturantes propostos: turístico reserva ecológica nacional (REN) áreas de proteção e enquadramento ao património (35.3 - Burgo de Entre-os-Rios, Eja, Entre-os-Rios, Época Moderna/Contemporânea, Património Classificado e Arqueológico UOPG 32 ARU de Entre-os-Rios
Zonas Inundáveis
No contexto do POACL (RCM n.º 187/2007, de 21/12) o prédio encontra-se em áreas de utilização recreativa e de lazer do tipo 2.
2. Nestes termos, a pretensão fica sujeita ao cumprimento do disposto no RPDM (art.º 7.º, face à servidão administrativa da REN, art.º 9.º, 11.º, art.º 26.º e 27.º, art.º 51.º, art.º 52.º e 53.º, art.º 64.º ponto 32) e ainda às regras constantes dos demais regulamentos, nomeadamente do RMUE, RGEU, legislação específica (aplicável a estabelecimentos de restauração/bebidas) e ao cumprimento do disposto no Regulamento do POACL, art.º 31.º e 32.º.
Está, também, sujeita a pareceres da CMPCP (devido à localização em área de proteção ao património) e da entidade APA - Agência Portuguesa do Ambiente, em função do POACL e da localização em áreas de utilização recreativa e de lazer, do tipo 2 e, ainda, da CCDRN, atendendo à localização em área afeta à REN.
3. Contudo, e sem prejuízo do que pudesse ainda vir a ser informado pela CMPCP e pelas entidades externas, verifica-se desde já, que não é garantido o cumprimento do RPDM nos seguintes pontos:
a) art.º 27.º, que refere:
1 - Estas áreas devem ser alvo de projeto específico e garantir: a) O enquadramento urbano, paisagístico e volumétrico do conjunto; b) Áreas de aparcamento automóvel de acordo com as necessidades inerentes ao uso definido.
2 - Enquanto não forem elaborados os projetos referidos no número anterior, nestas áreas e sem prejuízo do uso atual, são proibidas ações que comprometam a sua futura afetação, nomeadamente: a) A execução de quaisquer construções; b) Alterações à topografia do terreno; c) Destruição do solo vivo e do coberto vegetal, exceto o necessário a operações de limpeza; d) Derrube de árvores; e) Descarga de lixo e entulho.
b) art.º 53.º, que dispõe:
As intervenções nestas zonas devem subordinar-se às seguintes condições: a) Só é admitida a construção de novos edifícios em situações de colmatação ou em substituição de outros existentes, exceto quando destinados a equipamentos urbanos reconhecidos como de interesse público pelo município, em que a edificabilidade se rege pelo disposto para a categoria de espaço em causa; b) Não são admitidas edificações cuja cota de pisos inferiores não seja superior à cota local da maior cheia conhecida; c) Em todos os espaços não afetos a edifícios só são admitidos pavimentos que garantam a permeabilidade do solo e devendo ser munidos dos competentes sistemas de drenagem de águas pluviais.
4. Acrescenta-se que a construção aqui a legalizar encontra-se localizada no logradouro do prédio objeto de licenciamento de obras de alteração e reconstrução, que decorre através do processo 164/2017 LOED (cujo titular é L. ), situação que se estranha e que pode interferir com o referido procedimento de licenciamento. …)”.
Todavia, daquela informação de 18-01-2019, a única enviada à interessada no procedimento administrativo, consta apenas que “Em 2018-11-29 a Unidade de Operações Urbanísticas e Licenciamentos (UOUL) informou que não é garantido o cumprimento do RPDM”, ou seja, uma referência sintética insusceptível de abarcar a totalidade dos fundamentos relevantes constantes da informação de 29-11-2018, sequer parcialmente, pois sempre ficariam — e ficaram — por mencionar as razões pelas quais não era garantido o cumprimento do RPDM e que aquela informação de 29-11-2018 bem especifica.
Por outro lado, a informação de 29-11-2018 não foi enviada à interessada no procedimento e aquela mera referência sintetizada à ausência de garantia de cumprimento do RPDM é manifestamente insuficiente para levar ao conhecimento da interessada os fundamentos e razões pelas quais a legalização do edificado era inviável e se impunha a sua demolição, na certeza de que o nº 2 do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) assim o exige, uma vez que a notificação deve fornecer não só o projecto de decisão, como também os demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, como é o caso presente.
Na verdade, tendo a decisão sido a de ordenar a demolição da construção, todo o esteio fundamentador atinente à impossibilidade de legalização do edificado, de facto e de direito, na relevância do disposto no artigo 106º, nº 2, do RJUE, se apresenta como de primordial relevância e o seu conhecimento prévio pelo interessado de fundamental importância para o exercício do direito de audiência prévia.
E a tal conclusão também não obsta o restante alegado pelo Recorrente.
Na verdade, a possibilidade de consulta do processo administrativo pelo interessado, prevista no nº 2, «in fine», do artigo 122º do CPA não obvia ao dever de fornecimento, com a notificação para audiência do interessado, do projecto de decisão, como também os demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito.
Se assim não fosse, careceria de sentido e seria letra morta a exigência legal de a notificação fornecer tais elementos, como expressamente a lei prevê — «a notificação», que não uma outra qualquer via, designadamente a consulta do processo.
Por outro lado, o alegado no artigo 19º da petição inicial (cfr. conclusões 10ª a 14º da alegação de recurso) não permite a conclusão de que a Autora conhecia o teor da informação de 29-11-2018, relativamente à qual, de resto, o ora Recorrente admite não ter sido enviada ao interessado juntamente com a notificação do acto impugnado (conclusão 6ª da alegação de recurso); pelo contrário, ao invés de combater os específicos e vastos fundamentos daquela informação, a Autora disponibiliza-se para, na improcedência dos argumentos que suscitou visando o arquivamento do processo, suprir as irregularidades que se afigurem necessárias, nos termos das normas legais que invoca e na consideração — sua — de que as unidades em causa preenchem a excepção da zona REN.
Finalmente, a consideração, na sentença recorrida, de que, em síntese, a exposição apresentada em sede de audiência de interessados terá carácter de expediente dilatório ao procedimento, nada acrescentando que pudesse levar ao arquivamento do processo, em nada obvia à conclusão acima explanada do incumprimento da audiência prévia, tal como acima explanado; pelo contrário, uma tal exposição permite, nesse mesmo regime dedutivo/especulativo, concluir pelo seu contrário, o desconhecimento do integral teor daquela informação de 29-11-2018 pela interessada no procedimento.
Improcedem totalmente os fundamentos o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida por não se mostrar violadora da juridicidade que o Recorrente convoca.
Em suma, à luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», pelo que é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.
II.2.2. – Recurso subordinado
A Autora, Recorrida no recurso independente, apresentou recurso subordinado circunscrito aos seguintes pontos e transcreve-se:
«— reapreciação da matéria de facto dada como provada, por modificação do teor do texto do ponto 6 do probatório, decorrente da prova documental que consta dos autos;
— reapreciação da aplicação do Direito, quanto aos invocados vícios de falta de fundamentação, violação de audiência prévia e de violação de lei (por não terem sido ouvidos os segundos Contra-interessados) e de violação de lei – artigos 2,º, als. A) e b), e n.º 4 do RJUE (por erro nos pressupostos de facto e de direito)…”.
Quanto à reapreciação da matéria de facto, já acima foi efectuada no capítulo atinente à matéria de facto.
Vejamos agora de direito.
Para tanto, tenhamos presente que, como se sabe, o objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida (artigo 627º do CPC) e não o acto administrativo sobre o qual esta se pronunciou, o que obriga o recorrente, na alegação de erro de julgamento, a demonstrá-lo nas alegações e conclusões do recurso, atacando os seus fundamentos com indicação das razões que levam a concluir pela sua alteração ou revogação, observando o disposto, designadamente, nos artigos 639º e 640º do CPC.
Se o não fizer e se se limitar a repetir os argumentos impugnatórios do acto recorrido, não se pode, nessa medida, tomar conhecimento do recurso nessa parte, precisamente pela ignorância das razões pelas quais devem os fundamentos da decisão recorrida ser afastados.
II.2.2.A
Entende a Recorrente — conclusões 5ª a 16ª — que, contrariamente ao decido pela sentença sob recurso, o acto impugnado padece de vício de falta de fundamentação.
Quanto a esta questão ponderou a sentença recorrida, designadamente:
«(…)
Acontece que, ao contrário do que é referido, os serviços municipais ponderaram e justificaram a insusceptibilidade de legalização da obra em causa, através de informação elaborada em 29.11.2018, e que consta do ponto 9 dos factos provados.
Lendo esta informação, em concreto o seu ponto 3., dali resulta que, mesmo havendo informação positiva por parte da comissão municipal responsável pelo património cultural e das entidades externas, ocorria a violação dos artigos 27.º e 53.º do RPDM, impeditivas da respetiva legalização. Por isso, o certo é que a ponderação em causa ocorreu. Mas, como a autora não conhecia esta informação [como exposto aquando da alegada violação do direito de audiência prévia], é natural que venha invocar a ausência de fundamentação a este respeito.
Cumpre acrescentar que esta informação de 29.11.2018 foi acolhida depois na ulterior informação de 18.01.2019 [ponto 8 dos factos provados] e, por inerência, no despacho de 12.03.2019 [cf. ponto 10 dos factos provados]. A sobredita informação de 29.11.2018 volta a ser referida na informação de 30.05.2019 [cf. ponto 13 dos factos provados], sendo por essa via acolhida no despacho impugnado nos autos.
Porém, não corresponde à verdade o que alega a entidade demandada no sentido de ter sido dado conhecimento à autora do teor daquela informação de 29.11.2018, em que se anotam os fundamentos quanto à insusceptibilidade de legalização (aqui se repetindo, de certa forma, o que já antes ficou referido sobre o assunto). Com efeito, de acordo com o ofício que consta do ponto 11 dos factos provados apenas foi remetida cópia da informação de 18.01.2019 elaborada pela unidade de fiscalização técnica e vistorias da câmara municipal, mas não daquela outra informação anterior que justificava a impossibilidade de legalização, por violação do RPDM.
Não obstante esta conclusão, é de referir que essa circunstância (como aliás já exposto no precedente capítulo) não tem influência na questão da fundamentação; isto porque não se pode confundir a falta de fundamentação com a circunstância de a mesma não ter sido comunicada ao interessado, o que assume relevo no âmbito da audiência prévia. Porém, em face dos factos provados é de concluir que a fundamentação sobre a insusceptibilidade de legalização da obra existia aquando da prática do ato.
Mas dizer que a fundamentação existe não significa que ela seja suficiente. Em todo o caso, relendo a informação de 29.11.2018, referida no ponto 9 dos factos provados, ainda que a mesma se possa reputar de sucinta, não deixa de ser suficiente.
De facto, e em concreto sobre os requisitos da fundamentação, no art.º 153.º, n.º 1, do CPTA é dito que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato. Acrescenta o n.º 2 que equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Além disso, como também tem vindo a ser assinalado, o dever de fundamentação exige que o decisor exponha o iter cognoscitivo e valorativo do seu raciocínio, permitindo ao interessado conhecer por que motivo a decisão foi tomada num sentido em detrimento de outro. Todavia, a fundamentação não ter de ser prolixa ou exaustiva, bastando-se com a sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito.
Sublinhe-se, ainda, que estamos a falar neste caso do cumprimento do dever formal de fundamentação; ou seja, apenas está em questão saber se a entidade expôs ou não as razões que subjazem à sua decisão, mas já não se são verdadeiras do ponto de vista de facto, ou corretas no que respeita à subsunção jurídica. Noutros termos, importa apenas saber se o Município enunciou os motivos da decisão, mas não se eles são materialmente corretos – aí estaremos perante os vícios de violação de lei e/ou erro nos pressupostos de facto.
E, neste caso, o certo é que a entidade demandada esclarece que, no seu entender, a obra, com as características enunciadas, não pode cumprir os artigos 27.º e 53.º do RPDM de (...), com breve descrição dos mesmos. Pode ou não ser verdade o que se sustenta aí, mas o certo é que a fundamentação existe e, apesar de sucinta, é suficiente para permitir compreender por que motivo, do ponto de vista da entidade demandada, não era viável a legalização. Se estava certa ou errada, não se sabe, nem sobre isso se pôde pronunciar a autora, conforme antes expostos (mas essa questão colide já com o vício de violação do direito de audiência prévia).
Soçobra, destarte, o invocado vício de falta de fundamentação.».
A estes argumentos não opõe a Recorrente atinentes fundamentos impugnatórios, mas antes e apenas fundamentos pelos quais entende que o acto impugnado padece de falta de fundamentação.
Todavia, se o acto impugnado foi objecto de sindicância pelo Tribunal «a quo», já aqui, nesta sede recursiva, o objecto do recurso é a sentença recorrida e, como tal, na sua impugnação deve o objecto do recurso pautar-se pelas razões de discordância do decidido, o que não ocorre no caso, mas antes expõe razões pelas quais o acto impugnado padeceria de eventual falta de fundamentação.
Resta apenas a questão suscitada na conclusão 13ª, na sequência do alegado na conclusão 12ª.
Quanto a esta questão, é a própria sentença recorrida que responde, como resulta do ali exarado e aqui transcrito com nosso sublinhado: «E, neste caso, o certo é que a entidade demandada esclarece que, no seu entender, a obra, com as características enunciadas, não pode cumprir os artigos 27.º e 53.º do RPDM de (...), com breve descrição dos mesmos. Pode ou não ser verdade o que se sustenta aí, mas o certo é que a fundamentação existe e, apesar de sucinta, é suficiente para permitir compreender por que motivo, do ponto de vista da entidade demandada, não era viável a legalização. Se estava certa ou errada, não se sabe, nem sobre isso se pôde pronunciar a autora, conforme antes expostos (mas essa questão colide já com o vício de violação do direito de audiência prévia)».
À luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», pelo que é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.
II.2.2.B
Subsidiariamente à questão do erro de julgamento sobre a questão do vício de falta de fundamentação do acto impugnado, a Recorrente — conclusões 17ª a 19ª — argui a nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos na alínea c) do artigo 615º do CPC, em ambas as vertentes ali previstas.
A Recorrente entende que, em face de não ter sido dado como provado nos autos a existência e teor da informação de 22-02-2019, referenciada pela informação de 30-05-2019 — assim: “Na continuidade da descrição dos factos (veja-se informação técnica datada de 2019-02-22) informa-se (…)”(veja-se facto 13) —, verifica-se que os fundamentos da decisão sobre o vício de falta de fundamentação colidem com o teor da decisão.
Não se verifica, porém, a apontada oposição entre os fundamentos e a decisão da questão da alegada falta de fundamentação do acto impugnado, uma vez que, tal como acima já enfatizado, ali foi expresso que «Pode ou não ser verdade o que se sustenta aí, mas o certo é que a fundamentação existe e, apesar de sucinta, é suficiente para permitir compreender por que motivo, do ponto de vista da entidade demandada, não era viável a legalização».
O que significa que à consideração da existência de suficiente fundamentação — e essa foi a decisão — é indiferente a veracidade dos factos em que assentou o acto impugnado.
Na apreciação de tal vício do acto impugnado não está em causa a qualidade da sua fundamentação — o que tem a ver com eventuais erros ou vícios quanto ao mérito —, mas sim a mera existência e suficiência de fundamentação — qual seja! — da decisão adoptada.
A sentença recorrida, na decisão quanto à questão da alegada falta de fundamento do acto impugnado, não carreia fundamentos que se encontrem em oposição com a decisão, mas, pelo contrário, conjuga fundamentos que se harmonizam logicamente com a decisão.
A nulidade não se verifica.
Vejamos agora a segunda vertente da arguida nulidade.
Quanto aos referidos fundamentos, a Recorrente alega, ainda, que “…pelo menos mostram-se ambíguos e obscuros, de modo a não se entender como se incorpora na fundamentação de ato administrativo factos que não foram dados como provados e que se mostram cruciais na dita fundamentação, mormente na sua articulação com os demais factos e informações que integram o probatório e as normas jurídicas invocadas”.
Todavia, sem ponta de razão.
A sentença recorrida, quanto aos fundamentos da decisão de não verificação do vício de falta de fundamentação, não apresenta tal obscuridade, nem poderia, pela via invocada, na medida em que a premissa de que parte a Recorrente não se verifica.
A Recorrente diz “não se entender como se incorpora na fundamentação de ato administrativo factos que não foram dados como provados e que se mostram cruciais na dita fundamentação”.
O que significa que imputa uma eventual ambiguidade ou obscuridade ao acto administrativo impugnado, coisa que a sentença recorrida não esclareceu — nem se impunha que o fizesse — por conhecimento expresso na apreciação da questão do vício de falta de fundamentação do acto impugnado; todavia, a sentença esclareceu — e bem —que «Pode ou não ser verdade o que se sustenta aí, mas o certo é que a fundamentação existe e, apesar de sucinta, é suficiente para permitir compreender por que motivo, do ponto de vista da entidade demandada, não era viável a legalização» (nosso sublinhjado).
A nulidade não se verifica.
II.2.2.C
Mais entende a Recorrente — conclusões 20ª a 36ª — que, contrariamente ao decidido pela sentença sob recurso, o acto impugnado padece do vício de falta de audiência prévia dos segundos contra-interessados.
Quanto a esta questão lê-se na sentença sob recurso, designadamente:
«(…) Resulta dos n.ºs 3 e 4 do art.º 106.º do RJUE:
3 - A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator.
Convém ainda mencionar a propósito o art.º 122.º, n.º 1, do CPA, que manda ouvir os interessados. Sendo certo que, à luz do art.º 65.º, n.º 2, do mesmo código são considerados interessados os sujeitos da relação jurídica procedimental referidos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 que como tal nele se constituam.
Ora, in casu, estando provada a existência de um contrato de comodato, nem assim se vê a necessidade de ouvir os segundos contrainteressados, e menos ainda como sai violado o disposto no art.º 106.º do RJUE, nos seus n.ºs 3 e 4.
Com efeito, a relação estabelece-se apenas entre o promotor/infrator e a edilidade; é àquele que vai dirigida a ordem de demolição, e a mais ninguém. Como tal, o procedimento apenas a esses sujeitos diz respeito, não havendo necessidade de ouvir os comodantes, em relação aos quais não se afeta a respetiva esfera jurídica.
Razão pela qual o vício em causa não existe.».
A Recorrente reitera argumentos de viciação assacados ao acto impugnado e faz assentar em três razões a sua motivação.
A primeira é a de que “a contrainteressada L. se constituiu como efetiva interessada na sorte do presente procedimento, uma vez que é a Requerente no Processo n.º 164/2017-LOED, que integra o processo administrativo junto aos autos…”.
Na verdade, a Recorrente não afirma assertivamente que a alegada interessada L. se haja constituído como interessada no procedimento no qual foi adoptado o acto impugnado, nos termos e com a legitimidade que a lei prevê, designadamente os artigos 65º e 68º, ambos do CPA.
De resto, sobre esta questão não se pronunciou expressamente — apenas se pronunciou implicitamente em negação dessa ocorrência — a sentença recorrida, sem que omissão de pronúncia venha arguida.
Em todo o caso, o acto impugnado foi proferido em procedimento distinto daquele invocado, mais exactamente no procedimento que correu termos nos serviços municipais de Penafiel sob o nº 89/2018 TLUR e não há notícia de que aquela comodante se tenha constituído neste procedimento administrativo como interessada, nos termos que a lei determina, ou seja, do disposto nos artigos 65º e 68º, designadamente o seu nº 1, ambos do CPA.
O que impõe igualmente improcedência às restantes duas razões, uma vez que, em face do disposto no nº 2 do artigo 65º do CPA, são considerados interessados os sujeitos da relação jurídica procedimental referidos nas alíneas b), c) e d) do seu nº 1 que como tal nele se constituam, o que, no caso, não aconteceu.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.
II.2.2.D
Finalmente, é entendimento da Recorrente — conclusões 37ª a 50ª — que, contrariamente ao decido pela sentença recorrida, o acto impugnado padece de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, mormente por violação do disposto nos artigos 2º, alíneas a) e b), e 4º do RJUE.
Quanto a esta questão, lê-se na sentença sob recurso:
«No art.º 2.º do RJUE encontram-se definidos diversos conceitos, de entre os quais “edificação” e “obras de construção”. Segundo a al. a) deste artigo 2.º, a edificação corresponde à atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. Já de acordo com a al. b) do mesmo artigo, as obras de construção correspondem às obras de criação de novas edificações.
Na tese da autora, como a colocação do “artefacto” não se pode integrar no conceito de edificação, ou no de obras de construção, não estava sujeita a qualquer controlo prévio, mediante os procedimentos previstos no art.º 4.º do RJUE, com a inerente violação dos preceitos assinalados.
Ora, está provado que a autora implantou no prédio em questão um pré-fabricado de madeira, com teto em OSB, suportado em traves de madeira, ao qual acrescentou ainda uma marquise envidraçada, apoiada na estrutura de madeira – cf. ponto 6 dos factos provados.
Assim sendo, para que seja possível falar de edificação, para os efeitos do RJUE, será necessário (i) estar perante a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel, (ii) destinado a utilização humana; ou então que se trate de uma construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. A definição divide-se, assim, em duas vertentes.
Neste sentido, não oferece grande dúvida que a factualidade provada corresponde ao resultado de uma construção, independentemente dos materiais mais ou menos resistentes que possam ter sido utilizados. Bem como que, pelas suas características, se destina nitidamente a utilização humana. Logo, pelo menos por esta via, está preenchido o conceito de edificação.
De resto, julgamos que dando guarida à interpretação proposta pela autora (com a peculiar designação de “artefacto”, para conceptualização da sua atuação) muito facilmente se defraudaria a lei; e, se assim fosse, qualquer espécie de construção feita com materiais leves, com eventual facilidade de remoção, deixaria de ser considerada edificação – resultado que, claramente, o legislador não quis, porquanto apenas exige que estejamos perante a atividade ou o resultado da construção ou alteração de um imóvel (como sucedeu in casu), com a finalidade de utilização humana; ou, numa segunda alternativa, quando ocorra incorporação no solo. Por exemplo, a colocação de pequenas casas pré-fabricadas em madeira, sem alicerces no solo (conhecidos como bungalows), deixaria de ter qualquer controlo urbanístico, o que não se concebe à luz do conceito legal.
Inerentemente, e em face do exposto, é de considerar que a autora procedeu a obras de construção, na medida em que criou uma nova edificação. Como tal, esta atividade estava sujeita a controlo prévio administrativo, nos termos do art.º 4.º do RJUE.
Inexiste, por isso, violação dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 4.º, deste diploma legal.».
A alegação impugnatória da Recorrente, que aqui se tem presente e dá por reproduzida, culmina na alegação de que, designadamente, “…independentemente de ser destinado para utilização humana ou não - no presente caso é -, para que se a Mma. Juíza do tribunal a quo desse como cumprido o primeiro critério estritamente material do conceito de "edificação", teria necessariamente que ter concluído que a dita construção pré-fabricada se tratava de um imóvel.
Sendo que o pré-fabricado dos autos, como decorrer da sua própria idiossincrasia - foi fabricando antes de ser colocado - não integra o elenco dos bens imóveis previsto no n.º 1 do artigo 204.° do CC.
Doutro passo,
E passando para o segundo critério - "material/temporal'- verifica-se que não foram verificados os seus dois requisitos cumulativos, pois, nem se provou que o referido pré-fabricado se encontrava Incorporado no solo; tal como não resultou provado que o mesmo tinha caráter de permanência.
Sem prescindir,
Mesmo que assim não fosse, sempre se haveria necessariamente de concluir que, mesmo se concedendo que o dito pré-fabricado estava de algum modo (que não se apurou) incorporado no solo, tinha de preencher o segundo requisito, o temporal, ou seja, o do seu caráter permanente.
Porém, não se fez prova desse caráter permanente, não tendo tal facto integrado qualquer dos factos assentes no probatório da sentença em crise. (…)”.
Como já acima vimos, a propósito da impugnação da matéria de facto (facto 6), no presente caso, o pré-fabricado existente naquele prédio destina-se, independentemente da possibilidade da sua amovibilidade, a utilização humana — estabelecimento de bebidas ou restauração e bebidas —, consubstanciando uma operação urbanística, ou seja, a utilização do solo para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários florestais, mineiros ou de abastecimento público de água — na relevância do disposto no artigo 2º, alíneas a), b) e j), do RJUE.
Na verdade, o carácter amovível do pré-fabricado não descaracteriza a relevância da sua finalidade, a utilização humana, concretamente como estabelecimento de bebidas ou restauração e bebidas, ocorrendo, independentemente da execução ou não execução de fundações, rasas ou enterradas no solo, a sua ligação a infraestruturas com carácter de permanência que a utilização a que se destina implica ou pressupõe, necessariamente umas, na salvaguarda de interesses públicos e privados (v.g., gás, electricidade), eventualmente outras, quer de acessos, quer de abastecimento de água, equipamentos de saneamento, rede de electricidade, de gás, telecomunicações, entre o mais.
Além disso, a mera instalação ou implantação do pré-fabricado implica necessariamente alterações, designadamente, do revestimento natural do solo, de carácter duradouro, não transitório e irreversível, pelo menos na área de implantação, nos seus acessos e bem assim da sua ligação às referidas, entre outras eventualmente, infraestruturas.
Tanto a jurisprudência como a doutrina têm carreado o entendimento de que a noção de operações urbanísticas que nos é dada pelo RJUE, em especial o conceito de obras de edificação, não cobre todo o tipo possível de actuações sobre o território, como nos dá conta Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 2016, 4ª ed., pág. 100 a 101, que, com a devida vénia, se adopta totalmente em fundamentação e aqui se transcreve:
«A noção de operações urbanísticas que nos é dada pelo RJUE, em especial o conceito de obras de edificação, não cobre, como já aludimos, todo o tipo possível de atuações sobre o território. Se esta delimitação de competências não nos merece, em princípio, reservas, a verdade é que ela tem potenciado o surgimento de múltiplas situações em que “novas” formas de utilização do solo, com grande impacto neste, parecem não ter um suficiente ou inequívoco enquadramento legislativo.
Um dos requisitos legais que mais tem potenciado esta situação prende-se com a exigência, para que se esteja perante uma obra de edificação, de que a mesma seja um imóvel destinado a utilização humana ou trate de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. Ora, novas formas de "edificação" como os pré-fabricados, as estufas (sobretudo quando inseridas em grandes empreendimentos agrícolas), e, mesmo, os contentores (seja para fins de armazenagem, seja para habitação, sobretudo de trabalhadores rurais), têm vindo a proliferar muitas das vezes a reboque do entendimento que a instalação de tais atividades não carecem de qualquer controlo municipal, o que as torna de mais fácil instalação e de mais difícil deteção sobretudo pelas entidades da Administração central (lembre-se que muitas destas utilizações se inserem em áreas com condicionantes, o que agrava ainda mais os impactos urbanísticos e ambientais delas decorrentes). Vide, a este propósito, Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes, "Estufas Agrícolas em Solo Urbano: Solução Contraditória ou Adequada?”, in Questões Atuais de Direito Local, n.º 10, maio/junho 2016, p. 125 a 136.
Julgamos que é hora de aqueles requisitos das "obras de edificação" passarem a ser entendidos de forma adequada, em especial o critério da permanência. Deverá bastar para que este critério se mostre cumprido que a construção, ainda que amovível se instale no solo de forma estável e que a sua "deslocação" ou ''desmontagem'' do solo em que se implantou o comprometa, de tal forma que a sua instalação e reposição na situação anterior venham a carecer de intervenções de grande monta (movimentos de terras, infraestruturação, etc.)
E não se diga que não podemos ler o carácter de inamovibilidade (aliado ao de permanência) de forma diferenciada da noção civilística de imóvel. Isto porque cada ramo da ordem jurídica tem a sua intencionalidade própria, devendo os respetivos conceitos ser lidos em consonância com ela (é o caso/por exemplo, da noção do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis que presume o caráter de permanência de edifícios e construções que, ainda que móveis, estejam assentes no mesmo local por período superior a um ano - artigo 2.º, n.º 3). E é por isso mesmo que a alínea a) do artigo 2.º do RJUE acrescenta à noção de imóvel a de ''outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”; precisamente para indiciar que ambas não se confundem, não se tendo de exigir uma ligação tal que converta uma construção móvel numa construção absolutamente marcada pela fixidez.
Não resistimos aqui a citar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de fevereiro de 2006, proferido no processo 0600/05, que, ainda que ao abrigo de legislação anterior, acolhe esta que é a melhor interpretação do requisito de permanência: Nos termos do art. 1.º do DL n.º 445/91 estão sujeitas a licenciamento, em geral, as obras de construção civil, aí se compreendendo instalações para pintura e comercialização de automóveis levadas a efeito em madeira, chapa, alvenaria e metal, bastando que exista uma ligação mais ou menos permanente ao solo e sem ser preciso que haja fundações”».
No presente caso, estamos perante uma utilização do solo, com afetação a um determinado fim e a uma determinada utilização humana (estabelecimento de restauração e bebidas), mediante instalação ou, o mesmo é dizer, implantação de um pré-fabricado, com carácter de permanência e ligação estável ao solo, mais não houvera — não determinado nos autos quanto a incorporação no solo mediante fundações e, em qualquer caso, independentemente da execução de fundações incorporadas no solo —, pela infraestruturação necessária à sua finalidade e destinada utilização, que inclui, para além dos acessos, ligação a infraestruturas com carácter de permanência, v.g., de abastecimento de água, equipamentos de saneamento, rede de electricidade, de gás, etc.
Em face do fim a que se destina, determinado para utilização humana como estabelecimento de restauração e bebidas, o referido pré-fabricado, ainda que de amovibilidade seja susceptível, instala-se indubitável e necessariamente no solo de forma estável, e, com tais sinais, a que acresce a sua necessária infraestruturação já acima explicitada, é de concluir que a sua "deslocação" ou ''desmontagem'' do solo em que se implantou o compromete de tal forma que a sua instalação e reposição na situação anterior virá a carecer de intervenções de grande monta, especialmente ao nível da infraestruturação.
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso, mantendo-se a decisão recorrida, acrescida dos fundamentos ora expendidos.
Em suma, à luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», pelo que é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento a ambos os recursos.

Custas, em ambos os recursos, pelos Recorrentes (artigo 527º do CPC).

Notifique e D.N..

Porto, 14 de Janeiro de 2022

Helder Vieira
Alexandra Alendouro
Paulo de Magalhães