Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00021/18.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/04/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P./NÚCLEO DE PRESTAÇÕES PREVIDENCIAIS;
PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE APOIO EM EMPREENDEDORISMO E À CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO;
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», contribuinte fiscal n.º ..., residente na avenida ..., ..., ..., instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., em ..., por meio da qual peticionou a anulação do ato administrativo contido na decisão proferida pela Exma. Sra. Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais, do Centro Distrital ..., datado de 11/08/2017, que ordenou a restituição da quantia de €9.797,92, que lhe havia sido paga a título de montante global das prestações de desemprego, no âmbito do Programa de apoio em Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção.
Recorrendo, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1º. A Recorrente ficou desempregada no dia 23 de Outubro de 2012, mostrando-se à data preenchidas todas as condições estabelecidas na lei para a atribuição do subsídio de desemprego nos termos do disposto no DL nº 220/06, de 3.11, o qual lhe foi atribuído pelo montante diário de € 26,07 (reduzido em 10% a partir do 181º dia) por um período de 600 dias, com início em 29 de Outubro de 2012;

2º. A Recorrente, ao abrigo do regime previsto no art. 34º do DL nº 220/06, de 3.11 e demais legislação conexa (Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE)), requereu o pagamento global do subsídio de desemprego a que tinha direito, pedido que lhe foi deferido nos termos do ofício nº ...99 do IEFP, datado de 19.3.13;

3º. Na sequência do que constituiu a sociedade [SCom01...], Lda., criou 5 postos de trabalho, incluindo um para a Recorrente, empresa que, desde então, tem, ininterruptamente, vindo a desenvolver a sua actividade;

4º. No dia 28 de Maio de 2014, a Recorrente constituiu a sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., pessoa colectiva nº ..., na qual exerce o cargo de gerente não remunerada;

5º. Nos termos do nº 3 do art. 4º dos estatutos da sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda, a remuneração ou não do cargo de gerente depende de deliberação social;

6º. O exercício da gerência de uma sociedade comercial por quotas (aqui se incluindo as unipessoais) não só não é normal e necessariamente remunerado, como, em boa verdade, essa decisão e a fixação dessa remuneração, se for o caso, está sempre dependente de uma prévia decisão do(s) sócio(s) obrigatoriamente plasmada numa acta - – vd., arts. 255º, nº 1, 270º-G, 270º-E, nºs 1 e 2 do CSC;

7º. Em face do que antecede, é manifesto que não se mostra verificada a hipótese prevista no art. 34º, nº 3, do DL nº 220/06, normativo que é invocado na decisão proferida;

8º. O regime instituído nos arts. 4º, a), 6º, b) e 34º, nº 1, do DL 220/06 e as verbas disponibilizadas ao trabalhador na sequência da aprovação de uma candidatura de apoio à criação do próprio emprego, passa pela antecipação da globalidade das prestações de desemprego a que o trabalhador tem direito pelo facto de se encontrar numa situação de desemprego involuntário;

9º. Por isso que, o regime do pagamento antecipado das prestações de desemprego no âmbito de um projecto de criação do próprio emprego, não pode deixar de ser lido, enquadrado e interpretado à luz do regime estabelecido para a atribuição ao beneficiário das prestações de subsídio de desemprego previstas nas diferentes disposições do DL nº 220/06 – cfr., arts. 8º, 9º, nº 1, 18º, nº 1, 52º, nº 1, al. a), do DL nº 220/06;

10º. O direito ao recebimento das prestações de subsídio de desemprego mantém-se mesmo quando o desempregado exerça a gerência de uma sociedade comercial, desde que não aufira qualquer remuneração pelo exercício desse cargo, situação que não afasta a existência de desemprego involuntário, nem quadra ao exercício de uma actividade profissional, seja por conta própria, seja por conta de outrem – vd., doc nº 1 (Guia Prático do ISS, Prestações de Desemprego, Montante Único);

11º. Entendimento que, de resto, para lá de ser pacífico, é o que resulta do Ac. STA (Pleno) de 14.3.13, Proc. nº 01209/12:
“Na caracterização da situação de desemprego, para efeitos de atribuição do correspondente subsídio, o que releva é a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho. Assim, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respectivamente”;

12º. Se se entendesse que o exercício não remunerado do cargo de gerente traduzia o exercício de uma actividade profissional (como se pretende na douta decisão recorrida), daí seguir-se-ia, necessariamente, que um desempregado nessa situação não teria o direito a receber a prestação de subsídio de desemprego;

13º. Ao admitir-se que um desempregado que exerce a gerência não remunerada de uma sociedade comercial tem direito a receber as prestações de desemprego, daí segue-se, necessariamente, que, enquanto beneficiário de prestações de desemprego, tem o direito a lançar mão da prerrogativa prevista nos arts. 4º, a), 6º, b) e 34º, nº 1 do DL 220/06 – cfr., arts. 1º, nº 1 e nº 2, al. c), 12º, nº 1, da Portaria nº 985/09, de 4.9;

14º. Em face do que antecede, tendo em conta, (i) por um lado, que o exercício não remunerado da gerência de uma sociedade comercial não impede o acesso ao regime da protecção no desemprego previstas no DL nº 220/06 e ao recebimento das prestações de desemprego previstas nesse diploma e, (ii) por outro lado, que quem tem o direito a receber aquelas prestações de desemprego pode requerer, nos termos dos arts. do DL nº 220/06 e da Portaria nº 985/09, de 4.9, que as mesmas lhe sejam pagas de uma só vez por forma a criar o seu próprio emprego, é forçoso concluir que o exercício não remunerado de um cargo de gerência não pode consubstanciar uma violação do regime do apoio à criação do próprio emprego nem enquadrar-se na previsão do art. 34º, nº 3, do DL nº 220/06 e, como tal, fundamentar e conduzir à revogação do apoio concedido;

15º. Seria absolutamente ilógico admitir que alguém que, não obstante ser gerente não remunerado de uma sociedade comercial, estando na situação de desempregado e beneficiando do direito ao recebimento das prestações de desemprego, reúne as condições para receber aquelas prestações de desemprego e requerer o seu pagamento antecipado e de uma só vez com vista à criação do seu próprio emprego (e de ter o direito de ver ser-lhe atribuído esse apoio) e, do mesmo passo, considerar-se que o exercício não remunerado daquele cargo de gerência poderia traduzir-se na violação do regime do apoio à criação do próprio emprego e, nessa conformidade, fundamentar e conduzir à sua revogação;

16º. À luz dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 1º, 2º, 13º, nº 1 e 2 e 18º, nº 2, da Constituição, não encontra justificação razoável e, como tal, não é constitucionalmente aceitável, o entendimento seguido na decisão proferida e na sentença recorrida no sentido de se considerar incumprido o regime previsto no art. 34º, nº 1 e 2 do DL nº 202/06 e no Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (considerando-se indevida a obtenção antecipada e global das prestações de desemprego), quando, posteriormente, o administrado venha a desempenhar uma função de gerente numa sociedade de uma forma não remunerada;

17º. Pois, caso contrário, sem qualquer justificação razoável, estabelecer-se-iam condições mais gravosos para um beneficiário que pediu a antecipação das prestações futuras do subsídio de desemprego a receber e que criou o seu próprio emprego, do que para um beneficiário que continuasse mensalmente a receber a prestação do subsídio de desemprego a que teria direito, quando, num caso e noutro, o beneficiário exercesse, sem remuneração, o cargo de gerente de uma sociedade;

18º. A interpretação das disposições legais constantes do DL nº 220/06, de 3.11, designadamente do seu art. 34º, nº 1, 2, 3 e 4, no sentido pugnado na decisão proferida e constante do ofício notificado à Recorrente e na sentença recorrida, ofende o direito à dignidade humana e à protecção no desemprego involuntário que integra o núcleo essencial do direito fundamental à segurança social, tal qual o mesmo vem previsto e definido nos arts. 1º, 59º, nº1, al. e) e 63º, nº 1 e 3 da CRP e bem assim os princípios da igualdade e proporcionalidade consagrados nos arts. 1º, 2º, 13º, nº 1 e 2 e 18º, nº 2 da CRP;

19º. Violação, aliás, evidente, gravosa e chocante se se atender, como é mister, que, na data em que passou a exercer o cargo de gerente da [SCom02...], faltavam apenas 24 dias para que a Recorrente deixasse de beneficiar do subsídio de desemprego e que, caso não tivesse requerido o pagamento antecipado do valor global das prestações de subsídio de desemprego a que tinha direito, apenas lhe seria, no limite (e sem prescindir), negado o direito ao recebimento do subsídio de desemprego referente a esses 24 dias;

20º. Afigurando-se manifestamente desproporcionado obrigar-se a Recorrente a restituir a totalidade do montante do valor do subsídio de desemprego que recebeu antecipadamente (€ 9.797,92), quando, na data em que se verificou o suposto incumprimento imputado à Recorrente – o que não se concede e apenas se admite a benefício de raciocínio –, o valor do subsídio de desemprego correspondente àqueles 24 dias que faltavam para o termo do prazo de recebimento de subsídio de desemprego que lhe foi fixado, era de apenas € 562,46;

21º. A demonstrar à saciedade a iniquidade da posição manifestada pela Recorrida na douta decisão impugnada, tenha-se presente que a jurisprudência tem acolhido o entendimento que deve ser considerado justificado o exercício, a título parcial e não permanente, de uma segunda actividade remunerada, em incumprimento das condições impostas pelo Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à criação do Próprio Emprego, sempre que a mesma seja motivada pela necessidade do beneficiário se manter a si própria, ao seu agregado familiar e à empresa criada ao abrigo desse mesmo programa – cfr., Ac. TCAS de 24.11.16, Proc. nº 13106/16;

22º. Ora, se a jurisprudência tem considerado justificado o incumprimento mesmo quando seja exercida paralelamente uma actividade remunerada, há que, forçosamente, concluir pela inexistência desse incumprimento nos casos em que – como sucede na hipótese dos autos – o beneficiário exerce uma outra actividade paralela pela qual, comprovadamente, não aufere qualquer remuneração;

23º. No âmbito do direito de audição previsto nos art.s 121º, nº 1, 122º, nºs 1 e 2 do CPA, 267º, 5, da CRP, a Recorrente não foi notificada do despacho proferido em 23 de Maio de 2017 pela Exma. Sra. Directora do Núcleo de Prestações Previdenciais nos termos do qual terá sido projectada a decisão de proferir uma decisão conducente à restituição da verba atribuída à Recorrente no âmbito do projecto de criação do próprio emprego que apresentou, o que impediu o cabal exercício do direito de audição para o qual foi notificada, não lhe permitindo conhecer a argumentação fáctico-jurídica dele constante e o sentido da decisão nele projectada;

24º. Por outro lado, na parte final da notificação remetida à Recorrente para o exercício do direito de audição constava o que se segue:
“Mais se informa que, na falta de resposta a cessação ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Directo do ISS, IP,
- 3 meses para recorrer contenciosamente”

25º. É manifestamente violador dos direitos de defesa da Recorrente e do exercício do direito de audição, pretender-se que em caso de falta de exercício do direito de audição para que foi notificada, se pudesse considerar, de uma forma automática, já proferida a decisão final abrindo-se, sem mais, o prazo para a Recorrente reagir administrativa ou contenciosamente contra ela;

26º. O que, assim sendo, significa que, em violação da lei, a decisão final já teria sido proferida, pois o facto de se dizer que a decisão se tornava definitiva findo o prazo para o exercício do direito de audição no caso de o mesmo não ser exercido e que o prazo de reacção contra aquela decisão se iniciava no termo daquele prazo, pressupõe, necessariamente, que, ao tempo, a decisão final já tinha sido proferida;

27º. Sendo certo que a decisão final, à luz da lei, teria, necessariamente, de ser proferida (e notificada à Recorrente) após o decurso do prazo fixado para o exercício do direito de audição e nunca em momento anterior;

28º. Ilegalidade procedimental sai ainda mais reforçada pelo facto de a Recorrente não ter sido notificada, no âmbito do suposto exercício do direito de audição, de qualquer decisão ou projecto de decisão mas apenas de um ofício no qual é indicado o sentido de uma suposta decisão a proferir sem que o mesmo tenha sido acompanhado do despacho que consubstanciava aquela suposta decisão;

29º. Por outro lado, neste segmento final da notificação remetida à Recorrente refere-se que “na falta de resposta a cessação ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido”, sendo certo que, in casu, não está em questão nenhuma hipótese de cessação do que quer que seja mas apenas de restituição de montantes já pagos à Recorrente, o que, em boa verdade, tornou incompreensível o ofício notificado à Recorrente e o sentido da decisão projectada;

30º. Em face do que antecede, é manifesto que a Recorrida (i) ao não remeter à Recorrente, em sede de direito de audição, o despacho proferido em 23 de Maio de 2017 pela Exma. Sra. Directora do Núcleo de Prestações Previdenciais, (ii) ao estabelecer que o prazo para reagir da decisão final se contava a partir do termo do prazo para o exercício do direito de audição que lhe foi fixado (o que pressupõe que a decisão final já tinha sido proferida e que não ocorreria qualquer outra notificação da mesma) e (iii) ao invocar que a cessação ocorreria no primeiro dia útil após o decurso daquele prazo (o que tornou a notificação incompreensível uma vez que, in casu, não se trata de nenhuma hipótese de cessação do que quer seja), violou o dever de audição da Recorrente que lhe estava carregado nos termos do disposto no art. 121º e ss do CPA, o que acarreta a nulidade da decisão final proferida no procedimento ou, no limite, a sua anulabilidade – cfr., arts. 11º, 12º, 161º, nº 2, al. d) e l) e 163º, nº 1, do CPA;

31º. Por outro lado, a Recorrente em face dos vícios de que padecia a notificação para o exercício do direito de audição que lhe foi remetida pela Recorrida, requereu no ponto 20 e 21 do requerimento que remeteu à Recorrida no dia 16 de Junho de 2017 que lhe fosse remetido o despacho em falta e o projecto da decisão a proferir, que fosse esclarecido o alcance do trecho final da notificação enviada e que, consequentemente, lhe fosse fixado um novo prazo para o exercício do direito de audição, pretensão que não mereceu qualquer apreciação e resposta por parte da Recorrida, o que reforça a violação do direito de audição da Recorrente e consubstancia a violação de dever de decisão que recai sobre a Recorrida e convoca a nulidade da decisão final proferida ou, no limite, a sua anulabilidade - cfr., art. 11º, 12º, 13º, nº 1, 94º, nº 1, 161º, nº 2, al. d) e l), 163º, nº 1, do CPA;

32º. Na sequência da notificação para o exercício do direito de audição, a Recorrente remeteu à Recorrida o requerimento de fls. ... (doc. nº ... da petição inicial), onde, para lá de ter suscitado os vícios da própria notificação para o exercício do direito de audição acima assinalados, e sem prescindir de ser nova e regularmente notificada para o exercício daquele mesmo direito de audição, invocou diferentes questões (vd., 24 das alegações que aqui se dá como reproduzido) e requereu a produção de prova;

33º. Sucede que na decisão final remetida à Recorrente, a Recorrida não apreciou nem tomou posição sobre aquelas questões, não levou a cabo os meios de prova requeridos pela Recorrente nem justificou a desnecessidade ou a falta de oportunidade da sua produção;

34º. Em termos materiais, quer a falta de apreciação dos argumentos fáctico-jurídicos invocados pela Recorrente no requerimento de fls. ..., quer a não realização das diligências probatórias que se impunham, designadamente a produção daquelas reclamadas pela Recorrente, equivale ao incumprimento do dever de audição e do dever de decisão a que a Recorrida estava vinculada, pelo que, por vício procedimental, é ilegal a decisão final proferida, o que impõe a sua nulidade, ou sempre e em todo o caso, a sua anulação e revogação - cfr., art. 11º, 12º, 13º, nº 1, 94º, nº 1, 121º e ss do CPA;

35º. A decisão proferida em 11 de Agosto de 2017, pela Exma. Sra. Directora do Núcleo de Prestações Previdenciais, da Unidade de Prestações e Contribuições, do Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P., e impugnada nos presentes autos, padece de falta de fundamentação porquanto na mesma não se surpreendem as razões fáctico-jurídicas pelas quais a Recorrida considera verificada a previsão do art. 34º, nº 3, do DL nº 220/06, porquanto nela não é minimamente concretizado porque é que o exercício do cargo de gerência é normalmente remunerado;

36º. Omissão que revela a falta de fundamentação da decisão impugnada e impõe a sua nulidade, ou quando assim não se entenda, a sua anulabilidade – cfr., art. 151º, nº 1, al. d), 152º, nº 1, als. a) e e), 153º, nº 1 e 2, 161º, nº 2, al. d) e l) e 163º, nº 1, do CPA;

37º. Na decisão recorrida, foram violados os normativos supra indicados;

Termos em que, pelos fundamentos expostos ou pelos que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso com todas as legais consequências legais
Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. «AA», ora autora, viu ser-lhe atribuído subsídio de desemprego, no montante diário de €26,04, pelo período de 600 dias, com início em 29/10/2012, e com data de fim 28/06/2014 (Cfr. doc. n.º ... junto aos autos com a petição inicial e fls. 9 e 10 do PA "MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
B. Em 5/02/2013, a autora apresentou um projeto de criação do próprio emprego, requerendo o pagamento global do subsídio de desemprego (Cfr. fls. 2, 3 e 6 do PA "MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
C. Através do ofício n.º ...99, de 19/03/2013, junto como doc. n.º ... com a petição inicial e cujo teor se tem por integralmente reproduzido, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., deu conhecimento à autora de que sobre o seu projeto havia sido emitido parecer técnico positivo;
D. Em 20/05/2013 foi proferido despacho a deferir o pedido de pagamento do montante global das prestações de desemprego formulado pela autora, com efeitos a 1/05/2013 (Cfr. fls. 8 e 12 do PA "MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
E. Através de ofício com data de 21/05/2013, foi dado conhecimento à autora de que o requerimento apresentado pela mesma havia sido deferido nos seguintes termos:
“Pagamento do montante global das prestações de desemprego no valor de 9.797,92EUR (nove mil, setecentos e noventa e sete euros e noventa e dois cêntimos), referente ao período de 2013-05-01 a 2014-06-28, por ter sido considerado viável, pelo respetivo centro de emprego, o projeto de criação do próprio emprego.
Mais se informa, que o emprego deve ser mantido pelo período mínimo de três anos, sendo o pagamento do montante global ou parcial das prestações de desemprego considerado indevido em caso de incumprimento injustificado, sem prejuízo da aplicação do regime jurídico das contraordenações ou penas (n.º 4do artº 34.º, Decreto-lei n.º 220/2006 e alínea b) do n.º 9 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009, acima mencionados) (Cfr. fls. 12 do PA “MU – Montante Único de Prestação de
Desemprego");
F. Na sequência do deferimento do pedido, a autora criou a empresa “[SCom01...] Lda.", com início de qualificação na Segurança Social como “membro de órgão estatutário" a 31/05/2013 (Cfr.2 fls. 12 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
G. A empresa em causa tem vindo a desenvolver ininterruptamente a sua atividade, mantendo o posto de trabalho da autora (Não controvertido);
H. No dia 28 de Maio de 2014, a autora constituiu a sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., pessoa coletiva nº ..., tendo a mesma sido nomeada como gerente no próprio ato de constituição da sociedade (Cfr. doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integrado e reproduzido);
I. Do nº 3 do artigo 4º dos estatutos da sociedade identificada na alínea anterior resulta que a gerência será ou não remunerada conforme decisão do sócio (Cfr. doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integrado e reproduzido);
J. Em 28/05/2014, em sede de reunião da assembleia geral da firma [SCom02...] Unipessoal, Lda., foi decidido não atribuir qualquer remuneração à autora pelo exercício do cargo de gerente em que a mesma foi investida (Cfr. doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial);
K. Na sociedade [SCom02...] foram criados 2 postos de trabalho (Cfr., doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial);
L. Em 4/04/2017 pela Unidade de Prestações e Contribuições, Núcleo de Prestações Previdenciais, foi proferida a informação n.º ...17, junta a fls. 1 e 2 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego", cujo teor se tem por integralmente reproduzido, e pela qual, em síntese, era considerado parecer “ter havido um incumprimento injustificado, resultando do exercício de outras actividades normalmente remuneradas no período da exclusividade obrigatória perante a actividade promovida", imputável à autora, pelo qual ali se propunha que “seja exigida a reposição do valor recebido a título de montante único de prestações de desemprego";
M. Em 23/05/2017 pela Sra. Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais, ao abrigo de competência subdelegada, foi proferido despacho de concordância com a informação identificada na alínea anterior (cfr. fls. 1 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
N. Em 8 de Junho de 2017, a autora tomou conhecimento do ofício da Unidade de Prestações e Contribuições, Núcleo de Prestações Previdenciais, a fls. 3 do PA, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, para, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de recepção do referido ofício, exercer o direito de audição em relação à pretensão daqueles serviços reclamarem a restituição da quantia de € 9.797,92, valor esse pago à autora a título de montante global das prestações de desemprego no âmbito do projeto de criação do próprio emprego apresentado e aprovado nos termos do DL 220/06, e de onde se extrai o seguinte excerto:
“(...)
Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição deve-se ao facto de se verificar o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego, dado que exerceu outras atividades normalmente remuneradas no período de exclusividade obrigatória (dos n.° 3 e 4.° do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro alterado pelo Decreto-Lei n.° 64/2012, de 15 de março e n.°10 do Despacho n.º 7131/2011, publicado no DR, 2a Série, de 11 de maio de 2011);
- O Decreto-Lei n.° 64/2012, de 15 de março, que alterou o artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, veio estabelecer que os beneficiários não podem acumular o exercício da atividade criada com recurso ao pagamento global das prestações de desemprego (CPE) com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade;
- Recebeu o valor para exercer a desenvolvimento da atividade de comércio por grosso e acabamentos de vestuário, através da Pessoa Colectiva NISS ... - [SCom01...], LDA. Da consulta à informação constante do Sistema de Informação da Segurança Social, verifica-se que em 2014/05/28 iniciou actividade como Membro dos Órgãos Estatutários da Pessoa Colectiva NISS ... - [SCom02...], UNIPESSOAL LDA, período em que estava obrigado a exercer a atividade pela qual recebeu o apoio em exclusividade;
- Assim, encontra-se V. Exa. numa situação de incumprimento qualificado de injustificado, nos termos dos n.° 3 e 4 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro alterado pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março e n.° 10 do Despacho n.º 7131/2011, publicado no DR, 2a Série, de 11 de maio de 2011, sendo exigível o valor anteriormente identificado.
Mais se informa que, na falta de resposta a cessação ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do ISS, IP,
- 3 meses para recorrer contenciosamente." (Cfr. fls. 3 e 4 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
O. Em 21/06/2017, a autora apresentou junto dos serviços do réu o documento junto de fls. 5 a 21 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego", cujo teor se tem por integralmente reproduzido, pelo qual peticionou que não fosse proferida a decisão projetada, determinando-se o arquivamento dos autos, e onde indicou duas testemunhas;
P. Em 11/08/2017 foi proferida a informação para despacho de restituição constante de fls. 22 do PA, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, de onde se extrai o seguinte excerto:
“Em sede de audiência prévia, o beneficiário: (...) Juntou documentos e alegou factos que não obstam à decisão de exigência. (...)
Pelo que se propõe que seja proferido despacho definitivo de restituição do valor que foi pago a título de montante global das prestações de desemprego com base nos seguintes fundamentos: (...)
-A beneficiária em 2017/06/16 respondeu, referindo elementos que podemos considerar não objectarem à pretensão de decisão deste organismo, na medida em que refere que a atividade iniciada como Membro dos Órgãos Estatutários não poderá ser considerada como normalmente/regularmente remunerada, por ter sido decidido que aquela tarefa seria não remunerada e porque terá sido nomeado para o exercício daquelas funções por impedimento do outro sócio.
- No entanto, o exercício da gerência presume-se remunerado, sendo seu exercício uma atividade normalmente remunerada. Acresce que o n.º 3 e 4 do art.º 34 referem a proibição da acumulação independentemente da prova da remuneração.
-Verificou-se assim, o incumprimento injustificado do projecto antes do decurso dos três anos obrigatórios, a contar da data de início do projectp (artigo 8.º e alínea b) do n.º 9 do art. 12º da Portaria 985/2009, de 4/09 e nº 9 e 10 do Despacho n.º ...09, publicado no Diário da República, 2.ª Série – N.º 181, de 17/09).
- (...) " (Cfr. fls. 22 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
Q. Em 11/08/2017, pela Sra. Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais foi proferido despacho de concordância com a informação que antecede (Cfr. fls. 22 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de Desemprego");
R. Em 12/10/2017, a autora tomou conhecimento do ofício n.º ...75, com a referência UPC/BNPP/EPD, com o assunto: Incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego - acumulação com outra actividade. Notificação de Decisão Definitiva (...)", de onde se extrai o seguinte segmento:
“Avaliada a resposta apresentada por V. Exa. na qualidade de procurador da beneficiária «AA» em 2017/06/16, e dado que não foram apresentados novos factos que pudessem alterar o sentido da decisão comunicada por este serviço, cumpre-nos informar que por despacho proferido em 2017/08/11 da Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais, proferido no uso de competência subdelegada conforme Desp. n.° 5620/2015, publicado no DR, 2.a série — N.° 102 — 27 de maio de 2015, comunica-se V. Exa a decisão definitiva de cessação do montante único de prestações de desemprego por incumprimento injustificado e a decisão de restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de € 9.797,92 (nove mil setecentos e noventa e sete euros e noventa e dois cêntimos) nos termos e com os fundamentos a seguir indicados:
- Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 64/2012, de 15 de março ao Decreto- Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, a partir de 2 de abril de 2012, não podia a V. Exa. acumular a atividade pela qual recebeu o apoio com outra atividade normalmente remunerada, pelo que incumpriu quanto a esta situação quando iniciou atividade como Membro dos Órgãos Estatutários perante a Pessoa Coletiva NISS ... - [SCom02...], UNIPESSOAL LDA em 2014/05/28, data que ainda se encontrava abrangida pelo período de 3 anos a que estava obrigado a manter a atividade em exclusividade (n.° 3 do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, na sua atual redação)
- Desta acumulação foi V. Exa. notificada em sede de audiência de interessados em 2017/06/08.
- O exercício da gerência presume-se remunerado, sendo o seu exercício uma atividade normalmente remunerada. Acresce que o n.° 4 do art.° 34° refere a proibição da acumulação, independentemente da prova da remuneração.
- Face à acumulação identificada, verifica-se que V. Exa. se encontra numa situação de incumprimento injustificado das suas obrigações, nomeadamente a obrigação de não acumular a atividade pela qual recebeu o apoio, com outra atividade normalmente remunerada, no período de 3 anos em que estava obrigada a exercer aquela atividade em exclusividade (n.° 3 do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, na sua atual redação).
A cessação das prestações de desemprego determina a reposição dos valores já pagos, pelo que será brevemente notificado do valor a repor.
Mais se informa que, em caso de não concordância com os termos da decisão, poderá recorrer hierarquicamente no prazo de três meses para a Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., ou contenciosamente no mesmo prazo. (Cfr. fls. 23 a 25 do PA “Cessação MU – Montante Único de Prestação de
Desemprego”);
S. Em 2/04/2015 a Sra. Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições, «BB», proferiu o despacho n.º ...15, do qual se extrai o seguinte excerto:
(...)
Subdelegação de competências
Nos termos do disposto nos artigos 35.º e 36.º do Código de Procedimento Administrativo e no uso dos poderes que me foram conferidos no Despacho n.º ...13, de 16 de julho de 2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 192, de 4 de outubro do mesmo ano; e ainda no Despacho n.º ...14, de 5 de novembro de 2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 239, de 11 de dezembro do mesmo ano, subdelego:
(...)
4 - Subdelego na Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais, Licenciada «CC», as seguintes competências específicas, desde que sejam observados os pressupostos, os condicionalismos legais, os regulamentos aplicáveis e as orientações técnicas do Conselho Diretivo, a competência para analisar e decidir a atribuição, ou não, suspensão e cessação, das seguintes prestações, exceto quanto a processos em fase de impugnação administrativa:
4.1 - Prestações no âmbito da doença, nas situações de risco clínico durante a gravidez, interrupção da gravidez, parentalidade, adoção, assistência a filho em caso de deficiência ou doença crónica e assistência a netos;
4.2 - Prestações compensatórias de subsídio de férias, de Natal e outras de natureza análoga,
4.3 - Prestações de desemprego, e de outros legalmente previstos, exceto para a atribuição do montante único para criação do próprio emprego e de prestações e ou compensações pecuniárias relacionadas com a redução temporária do período normal de trabalho, suspensão ou cessação dos contratos de trabalho;
4.4 - Subdelego ainda a competência para:
4.4.1 - Decidir sobre a realização de revisões oficiosas das incapacidades, sempre que
haja indícios de irregularidades ou as circunstâncias o aconselhem;
4.4.2 - Arquivar os processos relativos a faltas dos beneficiários a convocatórias emitidas pelo sistema de verificação de incapacidade, nas situações em que decorreu o prazo legal e não foi apresentada qualquer justificação pelo beneficiário;
4.4.3 - Arquivar os processos por falecimento do requerente, sem direito a análise nos termos do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 360/97 de 17 de dezembro;
4.5 - Subdelego ainda a direção da instrução procedimental necessária no âmbito dos seguintes processos:
4.5.1 - Para atribuição do montante único para criação do próprio emprego de atribuição de prestações e ou compensações pecuniárias relacionadas com a redução temporária do período normal de trabalho, suspensão ou cessação dos contratos de trabalho;
4.5.2 - Para atribuição das prestações de invalidez, velhice, morte, complemento por dependência e reembolso das despesas de funeral, bem como colaborar com o Centro Nacional de Pensões na atualização dos dados do respetivo sistema de informação;
4.5.3 - Organizar, instruir e acompanhar os pedidos de reembolso de prestações de doença, pagas a beneficiários por atos de responsabilidade de terceiros;
4.5.4 - Apoiar as ações médicas no âmbito do sistema de verificação de incapacidades;
4.5.5 - Organizar processos de verificação da subsistência da incapacidade temporária para o trabalho;
4.5.6 - Organizar os processos de verificação de incapacidade permanente para o trabalho, com vista à atribuição de prestações que exijam este requisito;
4.5.7 - Proceder ao tratamento das reclamações resultantes das notas de restituição das prestações indevidamente pagas, elaborando as necessárias propostas para anulação de notas de reposição emitidas indevidamente. (...)” (Cfr. Diário da República, n.º 102/2015, Série II, de 27/05/2015);
T. Em 13/01/2018 a autora deu entrada em juízo da petição inicial com que se iniciaram estes autos (Cfr. fls. 1 dos autos).
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
Não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa.
E, em sede de motivação da matéria de facto assente, consignou:
A factualidade considerada provada resultou da análise da prova documental junta aos autos, do processo administrativo, e nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas.
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou improcedente a acção.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, e decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Ora, a questão decidenda é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a acção impugnatória do despacho da Directora do Núcleo de Prestações Previdenciais do Centro Distrital de ... da Segurança Social impositivo da reposição de €9.797,92 de prestações de desemprego com o fundamento de ter iniciado o cargo de gerente uma sociedade por quotas.
Para decisão do presente dissídio são decisivos dois elementos, um de facto, outro jurisprudencial.
O primeiro é que no probatório em “J” se deu como provado:
“J. Em 28/05/2014, em sede de reunião da assembleia geral da firma [SCom02...] Unipessoal, Lda., foi decidido não atribuir qualquer remuneração
à autora pelo exercício do cargo de gerente em que a mesma foi investida (cfr. doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial);”
O segundo é que o STA, em Pleno da Secção do CA, de 14/03/2013, rec. 1209/12, uniformizou jurisprudência nestes termos:
“I. Para efeitos de recurso para uniformização de jurisprudência, a circunstância de os acórdãos em confronto terem sido proferidos na vigência de diplomas legais diversos não obsta à existência de oposição de julgados, se as normas aplicadas contiverem regulamentação jurídica essencialmente idêntica.
II - Na caracterização da situação de desemprego, para efeitos de atribuição do correspondente subsídio, o que releva é a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho.
III - Assim, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respectivamente.”
A questão está, pois, ultrapassada.
Assim, vejamos,
Como decidimos em 05/05/2023, no âmbito do proc. 1377/16.1BEBRG,
“Veja-se neste sentido, a questão discutida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n° 1209/12 de 14.03.2013 e no âmbito do qual veio a ser fixada jurisprudência através do seu Acórdão Uniformizador n° 4/2013.
Ali, "O Instituto de Segurança Social (ISS), invocando oposição de julgados, recorre para este Tribunal Pleno do acórdão, de 23.3.2012, da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que, concedendo provimento ao recurso do acórdão, de 20.10.2010, do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, revogou essa decisão e julgou procedente a acção administrativa especial, intentada por …..contra aquele ISS, para anulação do despacho, de 4.12.2008, do Director do Núcleo de Prestações de Desemprego, pelo qual foi declarado nulo o acto que atribuíra a esse … subsídio de desemprego e determinada a restituição das quantias pelo mesmo recebidas a esse título, entre 3.8.2005 e 2.8.2006. Segundo a entidade recorrente, a invocada oposição verifica-se entre o acórdão recorrido, de 23.3.2012, e o acórdão da mesma Secção de Contencioso Administrativo do TCAN, de 13.5.11, proferido no processo nº 491/08.". Ou seja, já em outubro de 2010, quase um ano e meio antes de janeiro de 2012 (data em discussão nestes autos), existiam decisões dos Tribunais Superiores, no sentido da atribuição de subsídio de desemprego aos membros estatutários com fundamento nas seguintes normas:
-artº 6° n° 1 do DL 119/99, de 14.04: "1 - Para efeitos do presente diploma, é considerado desemprego toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho."
-artº 2° n° 1 do DL 220/2006, de 03.11: "Para efeitos do presente decreto-lei é considerado desemprego toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego."
Assim e com base nestas disposições legais foi fixada jurisprudência nos termos constantes do sumário daquele acórdão uniformizador de jurisprudência n° 4/2013: "I - Para efeitos de recurso para uniformização de jurisprudência, a circunstância de os acórdãos em confronto terem sido proferidos na vigência de diplomas legais diversos não obsta à existência de oposição de julgados, se as normas aplicadas contiverem regulamentação jurídica essencialmente idêntica;
II - Na caracterização da situação de desemprego, para efeitos da atribuição do correspondente subsídio, o que releva é a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho;
III - Assim, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do Dl 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro.”.
Neste contexto, nos termos do entendimento vertido naquela decisão, reportada a factos ocorridos muito antes de janeiro de 2012, determinou-se que, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, mesmo sem direito a qualquer remuneração, não obsta à caracterização da respetiva situação como de desemprego, pelo que, cai por terra o elemento literal e teleológico utilizado pela sentença recorrida para julgar a ação improcedente por não provada, porquanto, se conforme da mesma consta para cálculo das quotas de cessações de contrato de trabalho por acordo, se devem considerar apenas os trabalhadores com potencial para poder vir a receber subsídio de desemprego, então nestes - nos termos das normas em vigor em janeiro de 2012 e já transcritas e do Acórdão mencionado -, devem incluir-se os membros estatutários, «DD» e «EE».
A sentença ora em crise ao decidir em sentido contrário ao que aqui vem exposto, violou o artº 6°/1, do DL n° 119/99, de 14.02 e o artº 2°/1 do DL 220/2006, de 03.11.”
(…).
Para além disso e como destes autos também já consta - vide o parecer do MP junto do STA:
”Neste recurso, essencialmente discute-se uma questão: saber se o exercício de uma actividade enquanto Membro dos Órgãos Estatutários (MOE) duma empresa, concretamente a gerência, ainda que não remunerada, é ou não impeditivo de acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada, durante o período em que está obrigado a manter aquela atividade, nomeadamente pela verificação de uma situação de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego, no âmbito do regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, estabelecido nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, alterado, sucessivamente, pelo Decreto -Lei n.º 68/2009, de 20 de Março, pela Lei n.º 5/2010, de 5 de Maio, pelo Decreto -Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho e pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro. II. Apreciação No dizer da sentença recorrida, “(…) a autora acumulou, durante o período em que estava sujeita a exclusividade, a atividade na empresa [SCom01...], Lda., com a da empresa [SCom02...], Unipessoal Lda. (cfr. als. F) e H) dos factos provados). Foi com base nestes factos que, entendeu o réu que se verificou um incumprimento injustificado daquela obrigação, nos termos do n.º 4 do artigo 34.º do Decreto-lei n.º 220/2006, porquanto o exercício da atividade de gerente é normalmente remunerado. (…) Com efeito, tal resulta do … artigo 255.º, n.º1 do CSC, bem como das regras de experiência comum, da verosimilhança e plausabilidade pois que, estando em causa o exercício de uma função de gerência de uma sociedade comercial, cujo escopo é a busca de lucro, a regra será a remuneração de quem exerce aquela atividade.”, razão porque, “(…) Não tendo a autora justificado o incumprimento da obrigação a que estava sujeita, (…), ter-se-á de concluir estar-se perante um incumprimento injustificado do preceituado no n.º 1 e n.º 9, alínea b), do n.º 9 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09, republicada pela Portaria n.º 58/2011, de 28 de Janeiro, do Despacho n.º 7131/2011, de 11 de Maio, e do n.º 3, do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, o que, nos termos do artigo 34.º, n.º 4 deste diploma implica a revogação do apoio concedido, ao abrigo do regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas.”
Não restam dúvidas de que à Recorrente foi atribuído subsídio de desemprego, no montante diário de €26,04, pelo período de 600 dias, com início em 29/10/2012, e com data de fim 28/06/2014, e que, em 5/02/2013 apresentou um projeto de criação do próprio emprego, tendo recebido o pagamento global do subsídio de desemprego – factos A) a G), da matéria de facto dada como provada pelo TAF de .... De igual modo, se verifica que está demonstrado que no dia 28/05/2014, constituiu a sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., pessoa coletiva nº ..., para a qual foi nomeada gerente sem qualquer remuneração – factos H) a J), da matéria de facto dada como provada pelo TAF de .... Desde já, duas notas que nos parecem ressaltar: (i)Ao contrário do decidido pelo TAF de ..., o facto de a ora recorrente ter sido nomeada gerente, por si só não permite que se extraia a conclusão de que a mesma auferia uma remuneração, para efeitos do disposto no art.º 34.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro; (ii) de igual modo, não é verdade que do disposto no art.º 255.º, n.º 1 do CSC, resulte que “em regra” o cargo de gerente seja remunerado. Efectivamente, apesar de se prever que o gerente tem direito a uma remuneração, a expressão “Salvo disposição do contrato de sociedade em contrário” indica que o referido preceito deixa à vontade dos sócios, a “possibilidade” de fixarem uma remuneração a quem exercer tal cargo.
Efectivamente, atividade normalmente remunerada é aquela que é desempenhada no âmbito de uma relação de emprego, caracterizada pelo pagamento de uma remuneração. E, para os efeitos do regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, estabelecido nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, tal como exige o seu art.º 2.º, n.º 1 e 2, o desemprego caracteriza-se como “ (…) toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego” e, ainda, “ (…) nas situações em que, cumulativamente com o trabalho por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, o beneficiário exerce uma actividade independente cujos rendimentos não ultrapassem mensalmente 50% da retribuição mínima mensal garantida.”. Ou seja, na situação de desemprego, a pessoa deixa de receber qualquer quantia por contrapartida de uma relação de trabalho ou do exercício de uma actividade independente cujos rendimentos não ultrapassem 50% da retribuição mínima mensal garantida, deixando por isso de se manter a si própria e/ou ao seu agregado familiar – sublinhado nosso. Significa isso que, tal como decidido pelo Ac. do Pleno do STA, de 14-03-2013, Proc. n.º 01209/12, em www.dgsi.pt, cuja doutrina tem plena aplicação no caso sob análise, “Na caracterização da situação de desemprego, para efeitos de atribuição do correspondente subsídio, o que releva é a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho”. Ou seja, do mesmo passo, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, releva que os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade em que recebam qualquer retribuição, ou no caso de actividade independente, que aufiram rendimentos superiores a 50% da retribuição mínima mensal garantida. Por isso, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego e, por conseguinte, nas situações de criação do próprio emprego não obsta ao pagamento do montante global das prestações de desemprego, por não se verificar uma actividade normalmente remunerada.
O acto aqui contenciosamente impugnado baseou-se em considerar que a ora recorrente, no período em que estava obrigada a exercer a atividade pela qual recebeu o apoio em exclusividade, iniciou actividade como gerente de sociedade comercial, pelo que, não cumpria um pressuposto fundamental do apoio social de que beneficiou – não exercer uma actividade remunerada –, pelo que, se encontrava numa situação de incumprimento qualificado de injustificado, nos termos dos n.º 3 e 4, do art.º 34.º, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, devendo devolver integralmente o benefício recebido. Porém, ao contrário do afirmado na sentença sob recurso, tal como referenciado no Ac. do Pleno do STA que vimos citando, competia ao ISS alegar e provar que a ora recorrente recebia enquanto sócia e gerente da identificada sociedade comercial “(…) o rendimento mensal superior a 50% da remuneração mínima garantida à generalidade dos trabalhadores. O que não fez.” Assim sendo, o facto de ser membro de órgão estatutário de pessoa colectiva, sem qualquer remuneração, não é impeditivo do recebimento do subsídio de desemprego e, também, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego não obsta ao seu recebimento, conforme arts. º 2.º, n.º 2 e 34.º, n.ºs 3 e 4, do DecretoLei n.º 220/2006, de 3 de novembro. Nestes termos é nosso entendimento que a sentença recorrida deve ser revogada, por nela se ter efectuado errada interpretação jurídica, não tendo feito boa aplicação do direito ao julgar, como julgou, improcedente a acção, mantendo válido e eficaz o acto de cessação do montante único de prestações de desemprego atribuído à ora recorrente «AA», por incumprimento injustificado e determinando-se a restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego.
Neste entendimento, o recurso merece provimento de acordo com jurisprudência emitida por este STA, designadamente o citado Ac. do Pleno do STA, de 14-03-2013, Proc. n.º 01209/12, relativamente à qual não se vê razão para discordar ou acrescentar algo que não tenha sido ponderado.”
Tornam-se, pois, despiciendas quaisquer outras considerações.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se procedente a acção.
Custas pelo Réu/Recorrido, e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 04/10/2023

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Nuno Coutinho