Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00994/23.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cfr. artigo 342.º do CC, artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT).

II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.

III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

[SCom01...], Lda., com o NIPC ...77, com sede no Lugar ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 19/09/2023, que julgou improcedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, proferido pela Direcção de Finanças ..., datado de 05/04/2022, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...04 e apensos, peticionando a anulação do referido despacho com todas as consequências legais.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1- Vem o presente recurso interposto, dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mm°. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, através do qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças ..., formulado no processo de execução fiscal n.° ...71 e apensos instaurado contra a sociedade devedora originária denominada de [SCom01...], LDA.;
2- Em sede de processo de Impugnação de Liquidação pugna a ali Impugnante pela anulação das correções efetuadas em sede de IVA e IRC decorrentes do Procedimento de Inspeção Tributária, sendo as liquidações que daí resultaram, anteriormente identificadas, igualmente anuladas, por vício de violação de lei que decorre de uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alínea j), art.° 19.°, n.° 3, 7 e 8, artigo 36.°, n.°5 al. b) Código do IVA, artigo 226.° da Diretiva 2006/112/CE e artigo 23.° do Código do IRC e 266.° da Constituição da República Portuguesa;
3- Mais afirma que resulta da factualidade alegada e provada na Petição Inicial do Processo de Impugnação, assim como do parecer vinculativo da AT, junto aos presentes autos, que os bens vendidos e os serviços prestados pela Autora não se enquadram na regra da inversão do IVA, porquanto os módulos fornecidos e acoplados no local constantes dos autos não carecem de serviços de construção civil, nem os mesmos são integrados no solo com carácter de permanência, não sendo, consequentemente, bens imóveis;
4- Não se encontrando ainda prolatada a sentença no processo de Impugnação, o prosseguimento do processo de Execução com consequente penhora dos saldos bancários, único bem da Executada, dita a falência da sua actividade, com consequente Insolvência por não poder cumprir com as suas obrigação, uma vez que depende da sua tesouraria para levar a cabo o seu escopo social;
5- Sucede que, de acordo como o artigo 52.° n.° 4 da LGT, para que seja deferida a dispensa de garantia, alternativamente, importa provar que:
i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou
ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
6- Cumulativamente, cumpre demonstrar:
iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT);
7- Como bem afirma a AT e secunda o Tribunal “a quo”, a Reclamante, ora Apelante, não tem bens móveis ou imóveis sujeitos a registo, dando-se por adquirido este facto: “(...) A Executada, de acordo com os elementos disponíveis para consulta nas aplicações informáticas da AT, não consta como proprietária de qualquer bem móvel ou imóvel sujeito a registo”;
8- Ora, facilmente se conclui que a AT procedeu às habituais buscas para verificar se existem bens do sujeito passivo capazes de salvaguardar interesses públicos subjacentes à execução fiscal;
9- Alega contudo na sua contestação a AT que existe um estabelecimento comercial, mas fá-lo de forma meramente conclusiva sem cumprir com dever de alegação de facto, concretizando de que estabelecimento se trata, designação comercial ou activos tangíveis e intangíveis,
10- Acresce que a AT não ignora qual a situação financeira e patrimonial da Executada, porquanto a Execução foi precedida de procedimento inspectivo, estando a AT dotada de todo o acervo documental e contabilístico da Executada, nada mais havendo a aportar aos autos;
11- Porém, por previdência de patrocínio, foi remetida a necessária prova documental pela Executada para que a AT pudesse aferir a partir do balancete de 2021 quais os bens da Executada e o seu valor actualizado, designadamente em termos de activos tangíveis e intangíveis a essa data;
12- Documentos que não foram impugnados em sede de contestação, sendo, em nosso modesto entendimento, suficientes os elementos de prova quanto à inexistência de bens, tendo a Reclamante dado cumprimento ao ónus probatório que sobre ela impedia;
13- Resulta da leitura do Balancete Razão que os activos da sociedade a 31 de dezembro de 2021 eram de €6.047,61 e que os depósitos à ordem eram nessa mesma data de €107.743,35;
14- Malogradamente o valor da execução e seus acrescidos é de mais do dobro do valor do património financeiro da Reclamante/Apelante;
15- Sucede que o SP Apelante simplesmente não tem bens, excepção feita aos saldos bancários, cujo extrato se juntou aos autos e à própria Reclamação, cujo saldo actualizado em fevereiro de 2022 era de €90.672,40;
16- Assim encontra-se preenchido e satisfeito o ónus probatório da Reclamante/Apelante;
17- Em segundo lugar carece, pois, de prova, que a atuação da Executada configura um forte indício de que a situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis seja culpa sua;
18- Não se pode concluir que a administração tributária logrou alegar e cumprir o seu ónus probatório da existência de fortes indícios de atuação dolosa da Reclamante na inexistência de bens penhoráveis;
19- Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, fez o tribunal “a quo” uma errada interpretação dos artigos 52.º n.º4, 74.º n.º1 ambos da LGT e artigos 342.º n.º1 do Código Civil.
20- E a verdade é que, tal circunstância, per se, acarreta um vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
21- Termos em que, atentas as razões acima descritas, se requer a V. Ex.cias seja recebido o presente recurso, julgado procedente, por provado, e em consequência, seja anulada a decisão recorrida no sentido em que decidiu manter a decisão proferida pelo Director de Finanças ... que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia da Reclamante;
22- Seja a AT condenada no pagamento das custas de parte, nos termos legais.
NESTES TERMOS
E com o douto suprimento de Vs. Exs.ª deverá ser dado provimento ao recurso e no sentido das conclusões, assim se fazendo J U S T I Ç A”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao manter o acto reclamado de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:
“Com relevância para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 25.03.2022 deu entrada, na Divisão de Justiça da Direção de Finanças de ..., requerimento apresentado pela Reclamante, junto do Serviço de Finanças ..., relativo ao pedido de apensação e de dispensa de prestação de garantia nos processos de execução fiscal n.º ...04 e apensos – cfr. página 125 do PEF de fls. 250-265 do processo eletrónico.
2. Do pedido em questão consta, entre o mais, o seguinte:
“(...) Feito o presente resumo do Peticionado na Impugnação Judicial, cumpre fundamentar e provar os factos que permitem requerer a dispensa de garantia nos termos do artigo 170.º do CPPT e 52.º n.º 4 da LGT.
50. Desde logo, conforme prova dos elementos contabilísticos que se juntam, o SP não tem bens móveis nem imóveis susceptíveis de penhora, exceção feita às contas bancárias.
51. Ora, se é certo que o SP tem contas bancárias, é também evidente que a penhora dos saldos bancários do SP implicam o seu imediato falecimento, pois ver-se-á imediatamente impedido de prosseguir com a sua atividade económica, vendo-se forçado a requerer a sua insolvência.
52. Aliás, como é de bom senso comum, carece o SP Requerente de recorrer aos seus saldos bancários para cumprir o exercício económico do seu objecto social e garantir assim a necessária liquidez para a eventual satisfação das suas obrigações tributárias, com as quais sempre pontual e integralmente cumpriu.
53. Na verdade, esta insuficiência de bens, não decorrente da sua actuação dolosa, e apenas resultará da ilegal actuação da Administração Tributária em sede de processo inspectivo.
54. Assim, nenhum proveito existe na penhora dos saldos bancários para os interesses públicos que esta visa tutelar, pois a dissolução da sociedade que daí inevitavelmente decorrerá, não só prejudicará o SP como a própria receita tributária pela ausência de actividade geradora de tributação.
55. Deve assim ser salvaguardado o prejuízo irreparável decorrente da penhora que se venha a concretizar no âmbito da execução fiscal, admitindo-se a dispensa de garantia pelo prazo de um ano para a suspensão da mesma, ou até decisão nos autos de Impugnação Judicial, caso esta seja anterior aquela. (...)
Pelo que estão alegados e demonstrados os factos que sustentam o pedido de ISENÇÃO DE GARANTIA PARA A CONCEÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO por impugnação judicial da legalidade das liquidações.
Pede e espera deferimento.
Junta: 3 Documentos (Petição Inicial; Balanço; Extrato Bancário) e procuração forense.” - cfr. páginas 22 e 23 do PEF a fls. 138-157 do processo eletrónico, doravante PEF.
3. Com o requerimento em questão o Reclamante juntou o seguinte documento intitulado “Balancete do Razão” – Contabilidade Geral, [SCom01...], Lda., 2021:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. página 24 do PEF de fls. 138-157 do PEF.
4. Mais juntou o Reclamante, com o requerimento aludido no ponto 2., o seguinte extrato de conta, emitido pelo Banco 1..., referente ao mês de Fevereiro de 2022:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. extrato de conta de páginas 25 do PEF de fls. 138-157 do processo eletrónico;
5. Em 05.04.2022 o Diretor de Finanças ... proferiu despacho de concordância com a informação elaborada pela Direção de Finanças ..., de 01.04.2022, no sentido do indeferimento do pedido de dispensa de apresentação de garantia – cfr. despacho de página 127 do PEF a fls. 250-265 do processo eletrónico.
6. Da informação aludida no ponto anterior consta, entre o mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
”- cfr. páginas 133 e 134 do PEF a fls. 250-265 do processo eletrónico.

7. Em 05.04.2022 a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ... remeteu ofício de notificação, endereçado ao mandatário da aqui Reclamante, referente ao conteúdo do despacho e informação aludidos nos dois pontos anteriores – cfr. páginas 137-138 do PEF a fls. 250-265 do processo eletrónico.
8. Em 18.04.2022 a Reclamante apresentou a reclamação que deu origem aos presentes autos, através de mensagem de correio eletrónico enviada pelo mandatário daquela – cfr. página 139 e seguintes do PEF a fls. 250-265 do processo eletrónico e página 162 a fls. 290-305 do processo eletrónico.
Factos não provados
Nada mais se provou com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir e o pedido.
*
Motivação
Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente, em cada número, o(s) documento(s) que contribuíram para a extração de tal facto.
A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais.”

2. O Direito

A Recorrente interpôs o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação da decisão proferida pelo órgão de execução fiscal de indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia.
Portanto, essa decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga manteve na ordem jurídica o acto de indeferimento do órgão de execução fiscal, por falta de alegação e prova, pela reclamante ora Recorrente, de que não dispõe de meios económicos para prestar a garantia em causa, limitando-se a alegar que a eventual penhora de saldos bancários causaria o seu “imediato falecimento” por impossibilidade de prosseguir a sua actividade económica, com a inevitável consequência de ter de apresentar-se à insolvência, sem ter demonstrado de que forma tal prejuízo se relacionaria com a prestação de garantia idónea.
A Recorrente dissente do assim decidido, afirmando que o tribunal “a quo” fez uma errada interpretação dos artigos 52.º, n.º 4, 74.º, n.º 1 ambos da LGT e artigos 342.º, n.º1 do Código Civil.
Alerta que a AT alegou a existência de um estabelecimento comercial, sem cumprir com o dever de alegação de facto, não concretizando de que estabelecimento se trata, apontando, implicitamente, que a AT deveria ter adoptado uma actuação mais proactiva na determinação da situação patrimonial concreta da interessada. Tanto mais, enfatiza, que a AT não ignora a sua situação financeira e patrimonial devido ao conhecimento do procedimento inspectivo prévio e de todos os elementos que o integram; concluindo que a AT está, por isso, dotada de todo o acervo documental e contabilístico da executada. Neste circunstancialismo, afirma nada mais haver a aportar aos autos, entendendo que deu cumprimento ao seu ónus probatório ao juntar o balancete-razão com o seu pedido de dispensa de prestação de garantia. Assim sendo, afirma ser a AT que não cumpriu com o seu ónus probatório de demonstrar os fortes indícios de actuação dolosa na inexistência de bens penhoráveis.
Em suma, reitera a manifesta falta de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, acentuando que a penhora dos saldos bancários (único bem) ditaria a sua insolvência. Portanto, em termos de regras do ónus da prova, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, poderemos, agora nós, retirar a ilação de que, na óptica da Recorrente, a AT é que não deu cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório.
Para julgar improcedente a reclamação, o tribunal recorrido considerou que «(…) Da legalidade da decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia
Atenta a questão a decidir, a saber, se a decisão que indeferiu o pedido de dispensa de garantia da Reclamante padece, ou não, de ilegalidade, importa agora analisar o quadro normativo aplicável. Quanto à suspensão da execução dispõe o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT o seguinte:
A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda (...) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.”
Relativamente às garantias, preceitua o artigo 199.º do CPPT o seguinte:
“1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.”.
Com referência à dispensa de garantia, dispõe o artigo 52.º n.º 4 da LGT, que: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”.
Do quadro normativo acabado de expor, e com referência à questão a decidir nos presentes autos, resulta que o executado pode requerer a dispensa de garantia, em requerimento dirigido à administração tributária, cabendo-lhe invocar e provar que reúne os pressupostos da isenção da prestação de garantia.
De acordo com a lei, os pressupostos para a concessão de dispensa de garantia, por parte da administração fiscal, são: i) a existência de um prejuízo irreparável ou, ii) a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda bem ainda iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
No caso, recorde-se que a Reclamante dirigiu requerimento à administração tributária em que alega, em suma, que “não tem bens móveis nem imóveis susceptíveis de penhora, exceção feita às contas bancárias.”.
Reitera que “(...) é certo que o SP tem contas bancárias”.
Constata, sem mais, que é “evidente que a penhora dos saldos bancários do SP implicam o seu imediato falecimento, pois ver-se-á imediatamente impedido de prosseguir com a sua atividade económica, vendo-se forçado a requerer a sua insolvência. 52. Aliás, como é de bom senso comum, carece o SP Requerente de recorrer aos seus saldos bancários para cumprir o exercício económico do seu objecto social e garantir assim a necessária liquidez para a eventual satisfação das suas obrigações tributárias, com as quais sempre pontual e integralmente cumpriu.”.
Defende que a “(...)insuficiência de bens, não decorrente da sua actuação dolosa, e apenas resultará da ilegal actuação da Administração Tributária em sede de processo inspectivo.”.
Conclui que “ (...) nenhum proveito existe na penhora dos saldos bancários para os interesses públicos que esta visa tutelar, pois a dissolução da sociedade que daí inevitavelmente decorrerá, não só prejudicará o SP como a própria receita tributária pela ausência de actividade geradora de tributação.”.
Para prova do alegado juntou a Reclamante ao seu requerimento dois documentos, a saber, um documento intitulado “Balancete do Razão” – Contabilidade Geral, [SCom01...], Lda., 2021 e um extrato de conta do Banco 1..., referente ao mês de Fevereiro de 2022 (cfr. pontos 2, 3, e 4 dos factos provados).
Por outro lado, da decisão de indeferimento da Direção de Finanças ... resulta a confirmação de que não constam, dos elementos disponíveis para consulta nas aplicações informáticas da AT, bens móveis ou imóveis suscetíveis de registo, da propriedade da Reclamante.
Discorre a decisão em crise que, não obstante a falta de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, sempre caberia à executada ter oferecido qualquer outra das garantias previstas no artigo 199.º do CPPT, a saber, garantia bancária, caução, seguro-caução, hipoteca voluntária ou, ainda, oferecer à penhora o estabelecimento comercial de que é detentora, enquanto universalidade jurídica.
Refere ainda a decisão que a Reclamante se limitou a alegar que a eventual penhora de saldos bancários causaria o seu “imediato falecimento” por impossibilidade de prosseguir a sua atividade económica, com a inevitável consequência de ter de apresentar-se à insolvência, sem ter demonstrado de que forma tal prejuízo se relacionaria com a prestação de garantia idónea.
Da análise da decisão resulta que esta não chegou, sequer, a apreciar a existência, ou não, dos pressupostos da isenção da garantia, concluindo pela insuficiência de alegação e de prova dos pressupostos da isenção porquanto “dos elementos carreados para os autos pela executada, não é possível avaliar o impacto que a prestação duma garantia teria na sua situação económica e/ou financeira, nem tão pouco aferir do prejuízo irreparável que a prestação de garantia lhe poderia causar”.
Tendo em conta o acabado de expor deverá adiantar-se, desde já, que nada há que apontar à decisão do órgão de execução fiscal.
Na verdade, o requerimento da Reclamante para dispensa de garantia apresenta-se parco em factos, sendo manifestamente conclusivo quanto à existência de prejuízo irreparável, traduzido no seu “falecimento imediato” na eventualidade de lhe virem a ser penhoradas as contas bancárias.
Assim, é forçoso concordar com a análise efetuada pelo órgão de execução fiscal quanto à falta de alegação e de demonstração dos factos que permitiriam aferir da manifesta insuficiência de bens da Reclamante ou do alegado prejuízo irreparável.
Da mesma forma concede-se razão decisão do órgão de execução fiscal quanto à insuficiência dos elementos documentais que a Reclamante juntou para sustentar o seu pedido, designadamente um balancete e um extrato bancário relativamente a uma conta do Banco 1....
Com efeito, não basta à Reclamante apresentar um balancete e esperar que o órgão de execução fiscal daí retire as conclusões que poderão favorecer a pretensão da Reclamante se esta, logo à partida, não cuidar de invocar os factos que pretende provar com o mesmo.
Da análise do requerimento da Reclamante, e do balancete por esta apresentado, efetivamente não se retira que factos pretende a Reclamante provar com a junção do mesmo, sequer, qual o valor do estabelecimento comercial da Reclamante e a razão pela qual o mesmo não foi oferecido à penhora.
Igualmente não se pode retirar da apresentação de um extrato de uma única conta bancária da Reclamante, a real situação patrimonial da Reclamante, especialmente tendo em conta que a mesma alega no seu requerimento ser “certo que o SP tem contas bancárias”.
Na verdade, cabia à Reclamante fazer prova da sua efetiva situação patrimonial, designadamente, juntando comprovativo das contas bancárias que detém, passado pelo Banco de Portugal, e respetivos saldos, bem como de todas as diligências que efetuou na prossecução da obtenção de uma garantia bancária, devidamente acompanhado do comprovativo de recusa do seu Banco em prestar a garantia ou que outras diligências efetuou na prossecução da obtenção de uma garantia de outra natureza (de que é exemplo a avaliação do seu estabelecimento comercial).
Acrescente-se que, além de os documentos juntos pela Reclamante não fazerem prova, por si só, da manifesta insuficiência de bens, a Reclamante também não alegou, nem provou, o nexo de causalidade que alega existir entre a decisão de indeferimento de prestação de garantia e o seu “falecimento imediato”.
Ora, ainda que, conforme refere a Reclamante, seja “do senso comum” que a penhora de saldos bancários poderá impedir o executado de exercer a atividade respeitante ao seu objeto social, era necessário que, no caso concreto, a Reclamante tivesse concretizado de que forma a penhora de saldos bancários impactaria a sua atividade, designadamente, que despesas mensais fixas deixaria de poder pagar, de que forma tal impedimento se refletiria na atividade da empresa, referir eventual impossibilidade de obter financiamento, entre outras.
Pelo exposto, considerando tudo quanto se disse, deverá manter-se a decisão do órgão de execução fiscal devendo improceder a reclamação. (…)»
Antes de mais, urge acentuar que do preceito normativo constante do artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT) resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto nesse n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Não pode, por isso, o tribunal conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, pelo que apenas lhe compete apreciar a legalidade da decisão, neste âmbito, proferida pela Administração Tributária. Compete-lhe apenas aferir da legalidade/ilegalidade das decisões proferidas pela administração, verificando da ofensa/não ofensa dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa, e, anular/não anular o acto reclamado, sem qualquer possibilidade legal de, em substituição da Administração Tributária, definir se a Recorrente fica ou não dispensada de prestar garantia – cfr. Acórdão do STA, de 15/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0918/14.
Portanto, a apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
O pedido foi indeferido com a fundamentação que consta da informação reproduzida supra, que foi apropriada pela Direcção de Finanças .... Ou seja, foi indeferido com o fundamento de que à Recorrente, que pretendia ser dispensada da prestação de garantia por manifesta falta de meios económicos, cumpria alegar e provar os factos constitutivos do respectivo direito, como resulta do disposto no artigo 342.º do Código Civil (CC), do artigo 74.º, n.º 1, da LGT e do artigo 170.º do CPPT, sendo que a mesma não logrou a demonstração da inexistência ou insuficiência de bens, requerida pelo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, tanto mais que não aludiu à circunstância de ser detentora de um estabelecimento comercial, que é um bem penhorável, e, enquanto universalidade jurídica, integra vários elementos, sendo estes enumerados no acto de indeferimento (desde activos tangíveis, a activos intangíveis ou instrumentos financeiros, por exemplo).
A Recorrente sustenta, agora, nesta sede recursiva, em síntese, que a decisão que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia é ilegal, porque se impunha que o órgão da execução fiscal, previamente à decisão, tivesse averiguado a real e verdadeira situação patrimonial da Recorrente, na medida em que tem acesso a esses elementos, não só através das suas bases de dados, mas, essencialmente, porque a AT levou a cabo um procedimento inspectivo previamente, podendo aceder a todos os documentos contabilísticos e financeiros da executada, realçando, portanto, que tais elementos se encontram na posse da Recorrida (AT), sendo, por isso, suficientes os elementos documentais que juntou ao seu requerimento de dispensa de prestação de garantia.
A Recorrente, apesar da sua alegação, não parece ignorar que recai sobre o executado o ónus de demonstrar a falta de meios económicos invocada como fundamento do pedido de dispensa de prestação da garantia. Todavia, estará a apontar para o princípio do inquisitório, no sentido de se impor ao órgão da execução fiscal a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, como suporte da decisão a proferir.
A questão que se coloca consiste, pois, em saber se a sentença padece do invocado erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 52.º, n.º 4 e 74.º, n.º 1, ambos da LGT, e no artigo 342.º do CC, na apreciação que fez da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no artigo 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal, como já havíamos salientado supra.
O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (cfr. artigos 151.º, n.º 1, e 276.º do CPPT).
Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo [Com interesse sobre a questão e dando conta da melhor jurisprudência, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao artigo 52.º, págs. 428/429]. Esse procedimento da iniciativa do executado (cfr. artigo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o artigo 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cfr. n.º 3 do artigo 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cfr. artigo 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cfr. n.º 3 do artigo 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo – cfr. Acórdão do STA, de 04/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 289/20.9BEALM.
In casu, a Recorrente pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia. Como resulta dos pontos 3 e 4 da decisão da matéria de facto, a Recorrente juntou ao pedido dois documentos: o balancete-razão e extracto de conta bancária.
Nesta conformidade, a reclamante invocou no seu requerimento que “(…) conforme prova dos elementos contabilísticos que se juntam, o SP não tem bens móveis nem imóveis susceptíveis de penhora, exceção feita às contas bancárias.
51. Ora, se é certo que o SP tem contas bancárias, é também evidente que a penhora dos saldos bancários do SP implicam o seu imediato falecimento, pois ver-se-á imediatamente impedido de prosseguir com a sua atividade económica, vendo-se forçado a requerer a sua insolvência.
52. Aliás, como é de bom senso comum, carece o SP Requerente de recorrer aos seus saldos bancários para cumprir o exercício económico do seu objecto social e garantir assim a necessária liquidez para a eventual satisfação das suas obrigações tributárias, com as quais sempre pontual e integralmente cumpriu.
53. Na verdade, esta insuficiência de bens, não decorrente da sua actuação dolosa, e apenas resultará da ilegal actuação da Administração Tributária em sede de processo inspectivo.
54. Assim, nenhum proveito existe na penhora dos saldos bancários para os interesses públicos que esta visa tutelar, pois a dissolução da sociedade que daí inevitavelmente decorrerá, não só prejudicará o SP como a própria receita tributária pela ausência de actividade geradora de tributação.
55. Deve assim ser salvaguardado o prejuízo irreparável decorrente da penhora que se venha a concretizar no âmbito da execução fiscal, admitindo-se a dispensa de garantia pelo prazo de um ano para a suspensão da mesma, ou até decisão nos autos de Impugnação Judicial, caso esta seja anterior aquela. (…)”
A AT indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com o fundamento de que, da análise dos elementos carreados para os autos pela executada, não era possível avaliar o impacto que a prestação de uma garantia teria na sua situação económico-financeira, nem tão-pouco aferir do prejuízo irreparável que a prestação de garantia lhe poderia causar, e que a executada, contrariamente ao que alegou, possuía um estabelecimento comercial, que é um bem suscetível de penhora, ou seja, podia servir o desígnio da prestação de garantia.
No fundo, o que determinou o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia foi, tão-só, a falta de prova da inexistência de bens reveladora da invocada manifesta falta de meios económicos. Por outro lado, quanto à alegação de que a prestação de garantia iria causar à Recorrente um prejuízo irreparável, tal foi realizado de forma vaga e genérica, aludindo ao consequente seu “falecimento”.
O tribunal recorrido, indica, a título exemplar, que a executada não diligenciou no sentido de demonstrar a tentativa de obtenção de qualquer garantia idónea para garantir o pagamento da dívida e do acrescido ou que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia e o real impacto que essa garantia teria na sua situação económica.
É nossa convicção que impor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar a existência ou não de bens, e o seu valor, que a executada não se propôs oferecer em garantia e de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.
Note-se ainda que o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal – a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal – e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cfr. artigo 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no artigo 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária – cfr., neste sentido, o citado Acórdão do STA, de 04/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 289/20.9BEALM.
A Recorrente alega, também, que a AT, podia ou devia ter-se socorrido dos elementos documentais constantes do procedimento inspectivo realizado previamente (que culminou com liquidação de imposto), para observar a sua situação contabilística e financeira ou para atestar, inequivocamente, a existência de activos penhoráveis. Porém, como referimos, trata-se de procedimentos distintos, com diferentes finalidades. Não pode considerar-se, porque existiu um procedimento inspectivo prévio, que o executado, perante o órgão de execução fiscal, se desincumbiu do seu ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou verificar a existência de bem susceptível de ser dado em garantia (estabelecimento comercial). Manifestamente, era a Recorrente que deveria ter ido mais longe na alegação e demonstração da sua falta de condições para prestar garantia.
Como bem nota a sentença recorrida, a Recorrente ficou-se por generalidades/conclusões, sem invocar qualquer facto simples subsumível à sua real situação económico-financeira ou às concretas repercussões que a prestação de garantia teria na sua subsistência.
Nestes termos, face ao disposto no artigo 342.º, do Código Civil, e no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. De resto, o texto do artigo 170.º, n.º 3, do CPPT, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão. A fundamentação do acto em crise vai precisamente no sentido de a Recorrente não se ter desincumbido do seu ónus, o que, como vimos, corresponde à realidade, pelo que o acto reclamado deverá ser mantido, conforme julgou o tribunal recorrido.
Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso, mantendo na ordem jurídica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

Conclusões/Sumário

I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cfr. artigo 342.º do CC, artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.
III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Novembro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais