Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01070/08.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
"SUBSÍDIO TIR"
ARTIGO 100.º DO CPPT
Sumário:I - Apurar se às quantias pagas a título de “Subsídio TIR” deve ser atribuída natureza compensatória ou remuneratória, implica um trabalho de “qualificação do facto tributário” que por não ter hoje expressão no artigo 100.º do CPPT, nos leva a afastar a possibilidade de no caso sancionar a decisão recorrida, por a dúvida não dever reverter a favor do contribuinte, tratando-se de uma questão jurídica em que o tribunal tem o dever de julgar imposto pelo artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil.
II - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
III – É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
IV - O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
V - Pelo que a Administração Tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correcções respectivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.
VI - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
VII – No caso concreto, atento o probatório, os montantes referentes a “Subsídio TIR” são verdadeiras ajudas de custos, não podendo ser considerados retribuição, na consideração de que é um facto público e notório que, nas datas em causa, ocorria um maior custo de vida no estrangeiro – destino dos camiões da empresa impugnante -, bem como a impossibilidade de documentação de certas despesas efectuadas pelos seus motoristas relativas a consumos correntes de pequeno valor com um custo superior no estrangeiro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto da Segurança Social, I.P.
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto da Segurança Social, I.P. - CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA - interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 03/05/2010, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade S..., LDA, contribuinte n.º 5…, contra a liquidação de contribuições à Segurança Social, relativas a Janeiro de 2003 a Julho de 2007, no montante total de €26 648,91.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) A sociedade “S..., Lda.” deduziu impugnação do acto que exigia o pagamento de contribuições a Segurança Social em falta, no valor de €26.648,91 (vinte e seis mil, seiscentos e quarenta e oito euros e noventa um cêntimos).
B) Da sentença proferida pelo tribunal a quo, resultou “provada e procedente a impugnação, anulando-se a liquidação”, por julgar-se verificada dúvida fundada relativamente à existência do facto tributário.
C) Da douta sentença resultou ainda provado que “a impugnante, durante os anos de 2003 a 2007, pagou aos seus motoristas, o subsídio TIR, sendo o seu valor mensal fixo de 112,50€”, de acordo com o estipulado na Convenção Colectiva do Trabalho entre a ANTRAM, publicada no boletim Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.° 30, de 15.08.1997.
D) O art. 249° do Código do Trabalho engloba na retribuição, enquanto contrapartida do trabalho prestado, quer a remuneração base, que todas as prestações que lhe acresçam, desde que com carácter de regularidade e periodicidade.
E) Presumindo-se que constituiu retribuição, salvo prova em contrário, toda e qualquer prestação regular e periódica da entidade patronal ao trabalhador.
F) No mesmo sentido, o AC TCASuI - proc.05036/01, de 06-05-2003.
G) Em virtude dos factos apurados pela fiscalização, e considerados como provados pela sentença em causa, trata-se aqui de quantias percepcionadas como retribuição, nos termos do art. 249.° do Código de Trabalho e como tal, base de incidência contributiva nos termos do art.° 2.º do Decreto Regulamentar n°12/83.
H) Resultou provado que se tratam de importâncias pagas independentemente das despesas que o trabalhador faça, com natureza regular e periódica, bastando que o trabalhador realize uma deslocação ao estrangeiro para receber por inteiro e não está dependente de assiduidade.
I) Pagas concomitantemente com outras verbas, essas sim ajudas de custo, destinadas a compensar a alimentação e o alojamento no estrangeiro.
J) Devem, ser consideradas como integrando o conceito de retribuição nos termos art. 249.° do Código de Trabalho.
K) Não é à Administração Tributária que incumbe demonstrar que as quantias sobre as quais pretende fazer incidir tributação têm natureza remuneratória.
L) Sendo à impugnante, e não a Administração Fiscal, como sustenta a douta sentença, que compete provar que as importâncias pagas integravam o conceito de ajudas de custo e não o de retribuição.
M) Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. (n.° 3 do art.249° do CT)
N) Os valores qualificados como “ajudas de custo TIR” pagos pela impugnante aos seus trabalhadores integram o elenco - não taxativo - das bases de incidência contributiva para a Segurança Social, previsto no Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, com a redacção introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 53/83, de 22/06, importando interpretar o conceito de remuneração do art.° 2.° a) do referido Decreto Regulamentar à luz do art. 249.° do CT.
TERMOS EM QUE,
Deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo com as devidas consequências legais, como é de JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao ter decidido verificar-se dúvida fundada relativamente à existência do facto tributário. A questão fulcral a decidir neste recurso é a de saber se a verba paga pela Recorrida aos seus motoristas a título de “Subsídio TIR” se integra na contrapartida do trabalho prestado, ou seja, se tem carácter remuneratório e, consequentemente, se está sujeita a incidência da Taxa Social Única (TSU).

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Pelos documentos juntos aos autos com relevância paro o caso, considero provados os seguintes factos:
1. No ano de 2007, a Segurança Social realizou uma acção de fiscalização, à Impugnante, a que foi atribuído o nº 129/2007, na qual liquidou contribuições.
2. Por ofício nº 226703, de 22.10.2007, a entidade a Segurança Social notificou a Impugnante nos seguintes termos: “(...) constatou-se a existência de remunerações não declaradas por Vº. Exa.(s) à Segurança Social, referentes ao período de Janeiro/2003 a Junho/2007, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de 26 648.97 € conforme cópias dos mapas de apuramento que se anexam e se dão como integralmente reproduzidos.
As citadas omissões resultam de não terem sido declaradas como base de incidência de contribuições as remunerações pagas aos motoristas que efectuam transportes internacionais e que são designadas por “Subsídio TIR”. Trata-se de uma verba de valor fixo (€ 112.50) (…) Não é paga em função do n.° de deslocações ou seja basta que o trabalhador realize uma deslocação ao estrangeiro para receber por inteiro e não está dependente da assiduidade. Por outro lado esta verba não se destina a compensar a alimentação e alojamento pois para custear essas despesas é atribuído a cada trabalhador um verba a título de “Ajuda de Custo”, (…) O “Subsídio TIR” é pago independentemente das despesas que o trabalhador faça e tem uma natureza regular. Por esse facto deve considerar-se parte integrante da retribuição conforme estabelece o art. 249.° da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto. Tendo em consideração o preceituado no DR 12/83 de 12/Fevereiro com alterações do DR 53/83 de 22 de Junho concluímos que os valores pagos pelo empresa o título de “Subsídio TIR” deverão estar sujeitos à Taxa Social pois a sua natureza não prefigura a da “Ajuda de Custo”, conforme ela é estabelecida no DL n.° 106/98 de 24 de Abril mas sim a de retribuição/subsídio. (…)” conforme documento constante de fls.144 e 145 do PA, apenso aos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
3. Os “mapas de apuramento” dos anos de 2003 a 2007, englobam os valores apurados pela inspecção, como contribuições em falta, englobando a parcela da responsabilidade da entidade patronal e aquela da responsabilidade dos trabalhadores, devidamente discriminadas. (fIs. 138 a 142 dos autos);
4. No referido ofício notificou a impugnante para se pronunciar querendo em sede de audiência prévia.
5. A Impugnante pronunciou, invocando os argumentos que no seu entendimento justificavam a não declaração de tais valores como remuneração.
6. Por ofício nº 2838431 de 27.12.2007, foi comunicado o despacho o Chefe de Sector do Serviço de Fiscalização, foi decidido o seguimento do apuramento das remunerações efectuadas e o consequente lançamento das remunerações apuradas e registado na conta corrente.
7. Em 13.12.2007 a Impugnante deduziu recurso hierárquico o qual foi objecto de indeferimento em 26.03.2008;
8. Ao longo dos anos de 2003 a 2007, a impugnante teve ao seu serviço um número variável de motoristas de pesados, a fazer serviços de transporte de e para fora de Portugal.
9. Da análise dos recibos de vencimento e das listagens mensais de processamento dos vencimentos, a Segurança Social constatou que, para além do vencimento-base, a empresa pagava regularmente àqueles seus motoristas, denominados de Ajudas de Custo e uma quantia a título de “Subsídio TIR”;
10. Das prestações pagas aos seus trabalhadores, a Impugnante não fez incidir a taxa social única nas ajudas de custo e no subsídio TIR.
11. A impugnante, no período em causa nos autos, pagou aos seus motoristas, o subsídio TIR, sendo o seu valor mensal fixo de 112.50€;
12. O subsídio TIR, destinam-se a compensar os trabalhadores de pequenas despesas, nomeadamente, diferenças de custos de alimentos (café, água, tabaco, telefone, WC, banhos) noutros países, outras despesas relativamente às quais não existem documentos justificativos das mesmas;
13. O subsídio TIR não foi pago nos meses de férias, nem o incluiu no subsídio de Férias ou de Natal.
Formou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso por linha.
Nada mais resulta provado com interesse para a presente decisão.”

2. O Direito

Para se decidir pela procedência da impugnação considerou a decisão recorrida que ocorria dúvida fundada relativamente à existência do facto tributário.
É nossa convicção não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pois que o ónus nele consagrado se refere exclusivamente às situações em que é a AF a afirmar e a quantificar um facto tributário e não às situações em que está em causa a natureza ou qualificação de determinado rendimento, cujo recebimento e quantificação não vêm questionados. In casu, é conhecido o rendimento que ninguém contesta e a sua qualificação como facto tributário depende da qualificação que lhe deva ser dada – cfr. Acórdão do STA, de 05/07/012, proferido no âmbito do processo n.º 0764/10.
Se tal rendimento for considerado como retribuição do trabalho constituirá por certo, e por cair na previsão quer do artigo 2.º do CIRS quer do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 de 12/02, facto tributário quer para efeitos de IRS quer para efeitos de contribuições para a Segurança Social.
Se tal rendimento dever ser considerado como ajuda de custo já ficará excluído das referidas normas de incidência.
É exacto que o artigo 2.º do CIRS estabelece uma ampla regra de incidência, fazendo incidir o imposto sobre qualquer tipo de rendimentos de trabalho, excluindo as ajudas de custo que excedem os limites legais. E, do mesmo modo os artigos 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro.
A sorte da presente impugnação está, pois, dependente de apurar se às quantias pagas a título de “subsídio TIR” deve ser atribuída natureza compensatória ou remuneratória, implicando um trabalho de “qualificação do facto tributário” que, por não ter hoje expressão no artigo 100.º do CPPT, nos levou a afastar a possibilidade de no caso sancionar a decisão recorrida, por a dúvida não dever reverter a favor do contribuinte, tratando-se de uma questão jurídica em que o tribunal tem o dever de julgar imposto pelo artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil (É certo que na redacção original do n.º 1 do artigo 100.º do CPT fazia-se referência a “dúvidas sobre a qualificação do facto tributário”, mas com a Lei n.º 3-B/2000 de 4 de Abril substituiu-se a palavra “qualificação” por “quantificação” o que leva J. Lopes de Sousa, com pertinência e propriedade, no seu CPPT anotado 6.ª edição vol. II pag. 134 e 135, a considerar que se trataria de um lapso da redacção inicial, entretanto reparado pelo legislador, até porque no n.º 1 do artigo 121.º do CPT, a que corresponde hoje o artigo 100.º do CPPT fazia-se referência à quantificação e não à qualificação do facto tributário).
Nestes termos, a fundamentação constante da sentença recorrida não pode manter-se.
Importa, pois, tomar posição quanto à natureza jurídica a atribuir aos montantes pagos pela Recorrida a título de prémios ou ajudas de custo TIR.
Comecemos, então, por dilucidar a natureza das quantias apelidadas de “Subsídio TIR”.
A Impugnante alega que esse montante é pago para ajudar os motoristas ausentes no estrangeiro no acréscimo de pequenas despesas, insusceptíveis de serem documentadas, que tal deslocação acarreta, tais como telefonemas de cabines públicas, utilização de casas de banho públicas, consumo de comida, bebida e tabaco.
A Administração Tributária entende que esse prémio tem natureza certa e regular e que, dada a sua natureza, cria no espírito dos trabalhadores a convicção que é um elemento componente do seu vencimento, constituindo retribuição pelo trabalho prestado.
A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.
Vamos, então, transpor estes conceitos para a situação em análise:
No âmbito de uma acção inspectiva à entidade empregadora Recorrida constatou-se a existência de remunerações não declaradas à Segurança Social, referentes ao período de Janeiro/2003 a Junho/2007, a que correspondem omissões nas contribuições devidas. As citadas omissões resultam de não terem sido declaradas como base de incidência de contribuições as remunerações pagas aos motoristas que efectuam transportes internacionais e que são designadas por “Subsídio TIR”.
A fundamentação do acto aponta para uma verba de valor fixo (€ 112.50), que não é paga em função do n.° de deslocações ou seja basta que o trabalhador realize uma deslocação ao estrangeiro para receber por inteiro e não está dependente da assiduidade. Por outro lado, esta verba não se destina a compensar a alimentação e alojamento, pois para custear essas despesas é atribuído a cada trabalhador uma verba a título de “Ajuda de Custo”. A AT apoiou-se, ainda, no facto de o “Subsídio TIR” ser pago independentemente das despesas que o trabalhador faça e ter uma natureza regular.
Tendo em consideração o preceituado no DR n.º 12/83 de 12/Fevereiro, com alterações do DR n.º 53/83 de 22 de Junho, a AT concluiu que os valores pagos pela Recorrida a título de “Subsídio TIR” deverão estar sujeitos à Taxa Social, pois a sua natureza não prefigura a da “Ajuda de Custo”, conforme ela é estabelecida no DL n.º 106/98 de 24 de Abril, mas sim a de retribuição/subsídio.
Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora aos motoristas que efectuassem transportes internacionais.
Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.
As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado. E estando os montantes pagos registados na contabilidade da Recorrida como ajudas de custo, face ao princípio da veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade ou escrita, quando organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal - artigo 75.º da LGT - incumbe à Administração Tributária provar que tais quantitativos não se destinaram a cobrir as despesas suportadas pelo trabalhador em virtude de estar deslocado do seu posto de trabalho.
Caberia, por isso, à Administração Tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios pertinentes que suportassem essa conclusão.
Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por contraposição a outras verbas que foram atribuídas a cada trabalhador destinadas a compensar a alimentação e alojamento, que têm como documento de suporte um “mapa de viagem” devidamente preenchido e assinado pelo trabalhador e dependente do n.º de dias deslocados. No fundo, este “Subsídio TIR” não teria natureza compensatória por faltarem documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário, por exemplo.
Adiante-se, porém, quanto à falta dos boletins de itinerário/mapas de viagem que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.
Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.
Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».
Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.
Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que os motoristas se deslocavam em serviço para o estrangeiro, não estando em causa que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço.
Ora, no caso dos autos, a verdade é que depois da prova produzida, e não impugnada neste recurso, ficou assente que - cfr. pontos 12 e 13 do probatório:
O subsídio TIR se destina a compensar os motoristas ausentes no estrangeiro pelo acréscimo de pequenas despesas insusceptíveis de serem documentadas que tal deslocação acarreta, tais como telefonemas, utilização de casas de banho – WC e banhos, consumo de alimentos, bebida (água e café) e tabaco.
Mais se provou que o “subsídio TIR” não foi pago nos meses de férias, nem se incluiu no subsídio de férias ou de Natal.
Perante tal factualidade (o fim a que se destina o pagamento de determinada verba ao trabalhador, constitui matéria de facto) com a qual tem de ser julgada a causa, uma vez que a matéria de facto não foi devidamente colocada em questão em sede de recurso, como acima ficou expresso, é patente que as verbas em discussão têm a natureza de ajudas de custo, não sendo passível de incidência de TSU.
Portanto, atento o probatório e na consideração de que é um facto público e notório que, nas datas em causa, ocorria um maior custo de vida no estrangeiro – destino dos camiões da empresa impugnante -, bem como a impossibilidade de documentação de certas despesas efectuadas pelos seus motoristas relativas a consumos correntes de pequeno valor com um custo superior no estrangeiro como consumo de cafés, águas, telefonemas, tabaco etc e que para as compensar a Recorrida abonava uma verba de cerca de €4 diários, o que se aceita, por ser uma verba diminuta e razoável para fazer face aos gastos que visava compensar, e que por eventuais razões de conveniência e organização empresarial, foram suportadas pelos próprios camionistas. É de aceitar, também, a sua consideração genérica a todos os camionistas com idas ao estrangeiro sem atentar no número de viagens efectuadas por cada um, por previsíveis e compreensíveis facilidades de contabilidade e atento o pequeno montante da ajuda de custo em causa, sendo certo e decisivo, que não era paga nas férias nem incluída no subsídio de férias ou de Natal - cfr., em situação idêntica, o Acórdão do STA, de 05/07/012, proferido no âmbito do processo n.º 0764/10.
Assim sendo, no caso, consideramos estar perante verdadeiras ajudas de custo pelo que os montantes em causa não podem ser considerados retribuição, sendo certo que também não demonstrou o Recorrente que a dimensão dos pagamentos excedeu os limites legais anuais admissíveis para o abono de ajudas de custo.
Em consequência, a sentença recorrida é de manter com a presente fundamentação e ao recurso deve ser negado provimento.

Conclusões/Sumário

I - Apurar se às quantias pagas a título de “Subsídio TIR” deve ser atribuída natureza compensatória ou remuneratória, implica um trabalho de “qualificação do facto tributário” que por não ter hoje expressão no artigo 100.º do CPPT, nos leva a afastar a possibilidade de no caso sancionar a decisão recorrida, por a dúvida não dever reverter a favor do contribuinte, tratando-se de uma questão jurídica em que o tribunal tem o dever de julgar imposto pelo artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil.
II - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
III – É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
IV - O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
V - Pelo que a Administração Tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correcções respectivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.
VI - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
VII – No caso concreto, atento o probatório, os montantes referentes a “Subsídio TIR” são verdadeiras ajudas de custos, não podendo ser considerados retribuição, na consideração de que é um facto público e notório que, nas datas em causa, ocorria um maior custo de vida no estrangeiro – destino dos camiões da empresa impugnante -, bem como a impossibilidade de documentação de certas despesas efectuadas pelos seus motoristas relativas a consumos correntes de pequeno valor com um custo superior no estrangeiro.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 07 de Junho de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro