Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02460/16.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/07/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PROVA TESTEMUNHAL; PROBABILIDADE DE PROCEDÊNCIA
Sumário:1 – Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.
Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, continuando a recair sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e, se for caso disso, do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).
2 – Não obstante vir requerida a produção de prova testemunhal, em processo cautelar, por natureza urgente, caso a prova atendível se mostre predominantemente documental, nada obstará ao indeferimento daquela, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, mormente quando perfunctoriamente se percecione que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão a proferir, e que só teria efeitos meramente dilatórios.
3 - Para que uma providência cautelar possa ser concedida, terá de haver uma probabilidade séria da existência do direito a que se arroga o Requerente, o que implica que o juiz cautelar admita ser provável a verificação dos vícios assacados ao ato impugnado, probabilidade determinada com base numa análise necessariamente perfunctória.
4 - A ponderação por parte do tribunal sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes perfunctórios, materializados num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita que o Tribunal assente na probabilidade do êxito da pretensão principal.
Verificar-se-á o critério referenciado quando a ilegalidade do ato a suspender resulte provável dos elementos disponíveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:DSO
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna/SEF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
DSO, com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Ministério da Administração Interna/SEF, tendente à “suspensão da eficácia de ato administrativo de decisão de afastamento de Portugal…”, inconformada com a decisão proferida no TAF do Porto, em 14 de dezembro de 2016, através da qual foi decidido julgar improcedente a presente providência cautelar, veio recorrer da decisão proferida.
Assim, em 5 de janeiro de 2017, concluiu o seu Recurso DSO:
“A) O presente recurso tem por objeto a reapreciação da decisão que indeferiu o pedido de suspensão da decisão de afastamento de Portugal, da eficácia de quaisquer atos praticados ao abrigo da decisão de afastamento de território nacional e dos atos conexos consubstanciados na execução da expulsão de território nacional para o seu país de origem - Brasil, interdição de entrada em território nacional por um período de 5 anos, suspensão da sua inscrição na lista nacional de pessoas não admissíveis pelo período da referida interdição de entrada, suspensão da execução da sua inscrição no sistema de informação Schengen (SIS) para efeitos de não admissão por um período de 3 anos, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 96º, apreciável nos termos do art.º 112º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen.
B) A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 118º, n.º 1 e 5 do CPTA e o artigo 120 CPTA.
C) A decisão recorrida deveria ter ordenado a produção de prova requerida pela Recorrente no requerimento inicial uma vez que a produção dos meios de prova requeridos facilmente permitiria ao Tribunal apurar da natureza e do carácter estável do trabalho independente que a Recorrente desenvolve em vez de concluir a fls 9 da sentença que, para o que aqui interessa, “Desconhece-se (porque não foi alegado) a natureza e o carácter estável do trabalho independente que a A., alegadamente, desenvolve”.
D) O Juiz tem o poder, que não dever, de ordenar a produção da prova requerida ou outras que se lhe afigurem essenciais à averiguação da verdade material, ou indeferir as que considere dispensáveis, mas quando exista matéria de facto relevante suscetível de ser obtida através desse meio de prova, o Juiz deve deferir a produção de prova ou até mesmo ordenar a produção de outros meios de prova que se adequem ao caso concreto.
E) O deferimento deste meio de prova assumia extrema importância para efeitos de avaliação dos requisitos a que deve obedecer a atribuição da providência cautelar requerida, mormente quanto à verificação do periculum in mora decorrente do afastamento imediato da Recorrente de território nacional.
F) A sentença recorrida ao indeferir a produção de prova testemunhal violou o disposto no art.º 118º 1 e 5 do CPTA e, por via disso, é nula nos termos do disposto no art.º 615 n.º 1 alínea d) do CPC.
G) A sentença recorrida violou o art.º 120º do CPTA, uma vez que deu prevalência a critérios estritamente legalistas e formais, bem como aos interesses de ordem interna e ordem pública em prejuízo dos interesses do recorrente que jamais colocam em perigo a segurança pública e interna.
H) À Recorrente deveria ter sido dada a possibilidade de produzir prova relativamente às condições que se encontram descritas no Requerimento Inicial e deveria ter sido analisada toda a prova documental junta com o seu articulado em favor da Recorrente.
I) Ainda que o Tribunal recorrido entendesse que não havia lugar à produção de prova, sempre teria de atender à prova documental que se encontra junta aos autos e que serviu de base para a prolação da sentença, concluindo-se da sua análise que existe um sério prejuízo para a Recorrente com o indeferimento da providência requerida.
J) Da análise do Requerimento Inicial resulta que se encontram alegados todos os requisitos essenciais para o decretamento da providência, nomeadamente o periculum in mora, ou seja, o fundado receio de que à data em que vier a ser proferida decisão no processo principal os prejuízos causados pela execução da medida de afastamento são de difícil reparação ou a decisão seja inútil por a Recorrente já não se encontrar em Portugal.
K) Para efeitos de verificação do requisito do fumus boni iuris o art.º 120º, n.º 1 do CPTA deve ser interpretado no sentido de que basta que não seja manifesta a falta de fundamentação formulada ou a formular no processo principal para que aquele requisito seja preenchido.
L) A providência cautelar apresentada pela Recorrente tem natureza conservatória e não antecipatória, ou seja, o que pretende a Recorrente com a providência que apresentou é manter ou preservar o statu quo ante, que no caso dos autos se traduz na permanência em Portugal da Recorrente até que possa ver apreciada definitivamente a sua situação e obter autorização de residência como está a diligenciar e demonstrou nos autos.
M) A Recorrente pretende que o SEF não execute a decisão de expulsão até que esta esgote os mecanismos legais à sua disposição no âmbito da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, conservando o direito a permanecer em Portugal, ainda que de forma irregular.
N) Nos termos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho a circunstância de existir um processo de expulsão não é obstáculo à apresentação e apreciação de um pedido de Autorização de Residência ao abrigo de um qualquer dos normativos que se encontram naquele diploma legal e que, no caso concreto da Recorrente, será o pedido de reapreciação da manifestação de interesse apresentada ao abrigo do art.º 88º, n.º 2 da Lei supra referida ou, caso aquele venha a ser indeferido, o pedido de apreciação da manifestação de interesse ao abrigo do art.º 89º do mesmo diploma legal, dado que a Recorrente exerce duas atividades profissionais como se encontra demonstrado e provado documentalmente nos autos.
O) A Recorrente entrou legalmente em território nacional por ser cidadã brasileira, o que por aplicação do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil a dispensava de visto prévio, donde teve uma entrada regular em Portugal... o que de acordo com as atuais diretrizes do SEF é essencial para ver a sua situação apreciada.
P) “Manteve-se igualmente a atribuição de um grau de intensidade diferenciado ao critério do fumus boni juris, i. e., ao juízo sobre a verosimilhança da existência do direito invocado e da ilegalidade da atuação administrativa consoante se trate de conceder uma providência conservatória ou antecipatória [art.º 120º, n.º 1 alíneas a e b), 2ª parte do PCPTA, correspondentes às atuais alíneas b) e c) do CPTA]. Tal configura, a nosso ver, uma solução justa e adequada à repartição do risco de o processo principal vir a ser desfavorável à pretensão do requerente da providência e que se compagina com as regras sistémicas do ónus da prova.”
R) Apesar de haver alguma probabilidade da pretensão da Recorrente poder ser indeferida, o certo é que a mesma não tem falta de fundamento desde logo pelo facto de, conforme alegado no Requerimento Inicial, a permanência irregular poder ser sancionada com a aplicação de uma coima em processo de contraordenação a instaurar pelo SEF e os motivos que sustentam a própria decisão de expulsão posta em crise reportam-se apenas e só à permanência irregular.
S) Existe nos autos matéria de facto assente suficiente para que o Tribunal recorrido desse por provado que a execução imediata da decisão causa graves e irreparáveis prejuízos à Recorrente pois da prova documental junta aos autos e constante da fundamentação de facto, o Tribunal dá como provado que a Recorrente tem um contrato de trabalho, o qual foi comunicado à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, a Recorrente desenvolve atividade independente que comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira, efetua pagamentos mensais de Segurança Social e entregou a sua declaração de IRS quanto aos rendimentos obtidos em 2015.
T) A providência cautelar requerida destina-se a proteger a Recorrente contra a perda do seu trabalho, quer dependente quer independente, que ocorrerá no dia em que a Recorrente for afastada de território nacional porquanto atentos os prazos normais de duração duma ação principal desta natureza, não é previsível que em 30 dias a questão se encontre resolvida.
U) Não existindo nos autos do processo de expulsão e nos presentes autos qualquer referência quanto ao perigo que a permanência da Recorrente em Portugal representa para a segurança e ordem públicas, não vê qual o alcance da “especial premência na expulsão” pois que com a execução imediata da decisão de expulsão a Recorrente perderá tudo quanto construiu ao longo dos anos que permaneceu em Portugal, regressando a um país com o qual já pouca ou nenhuma ligação tem.
v) À data que tal decisão vier a ser proferida a Recorrente já perdeu tudo o que construiu em Portugal e que não poderá levar para o Brasil donde saiu em 2007.
X) A matéria de facto dada por assente bem como todos os elementos constantes dos autos, são suficientes para ordenar a suspensão da execução da decisão de expulsão porquanto a suspensão de tal decisão não viola o interesse público uma vez que o interesse privado existente no caso dos autos não colide com aquele, antes impõe-se a compressão do interesse público na medida do possível para coabitar com o interesse público.
Z) A sentença recorrida ao indeferir a providência requerida por considerar que inexiste periculum in mora com a execução de decisão de expulsão violou o art.º 120º, n.º 1 e 2 do CPTA.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida e, em consequência, ordenando-se o prosseguimento dos autos em causa, nomeadamente para inquirição de testemunhas a fim de ser decretada a providência cautelar requerida. Decidindo conforme se requer será feita, JUSTIÇA!”

O Recorrido/MAI/SEF não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

Em 7 de fevereiro de 2017 foi proferido despacho de admissão do Recurso, mais se tendo indeferido o requerido efeito suspensivo do recurso e entendido não constituir nulidade o indeferimento da produção de prova testemunhal (Cfr. fls. 145 e 146 Procº físico).

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 7 de março de 2017, veio a emitir Parecer em 6 de março de 2017, concluindo no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida” (Cfr. fls. 204 a 208 Procº físico).

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, se se mostram preenchidos os requisitos e pressupostos constantes do Artº 120º do CPTA, tendentes ao deferimento da providência cautelar, ao que acresce a necessidade de verificar se se verificará a invocada nulidade resultante do indeferimento da prova testemunhal.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
“1) A Requerente é cidadã brasileira, titular do passaporte n.º YA… com validade até 09.07.2017 (fl. 46 do p.a.)
2) Entrou em Portugal no dia 26 de outubro de 2007 (fl. 5 do p.a.).
3) Foi detida e sujeita a interrogatório judicial em 31.03.2008 tendo-lhe sido aplicada a medidas de coação de termo de identidade e residência e apresentações periódicas (fls. 4 a 7 do p.a.).
4) Em 10.04.2008 o Diretor Regional do SEF determinou a instauração de processo de expulsão à Requerente, processo ao qual foi atribuído o n.º 43/08 (fl. 9 do p.a.).
5) A Requerente não cumpriu as medidas de coação que lhe foram aplicadas (fls. 12, 32 e 75 do p.a.).
6) Em junho de 2009, a Requerente apresentou registo de exposições nos termos do art.º 88º/89º-2 da Lei n.º 23/2007 o qual mereceu parecer negativo do SEF e despacho do Diretor Nacional do SEF nos termos do qual tal pedido não seria objeto de apreciação, despacho que lhe foi notificado (fls. 19, 20 e 23 do p.a.).
7) No dia 02.10.2012 a A. compareceu nas instalações do SEF e prestou as declarações (no âmbito do processo de expulsão n.º 43/08) que se encontram documentadas a fls. 44 e 45 do p.a..
8) Por despacho da Diretora Nacional do SEF do SEF de 15 de junho de 2016 foi determinado o afastamento da Requerente do território nacional, a sua interdição de entrada em território nacional por 5 (cinco) anos, a sua inscrição na lista nacional de pessoas não admissíveis pelo mesmo período, a sua inscrição no S.I.S. para efeitos de não admissão por três anos (fls. 76 a 87 do p.a.).
9) A Requerente foi notificada de tal decisão no dia 22 de julho de 2016 (fl. 93 do p.a.).
10) Em 17 de outubro de 2016 a Requerente foi detida, tendo sido determinada, pela Instância Local da Comarca do Porto (processo 553/08.5), a sua restituição à liberdade, sujeita a TIR e obrigações de apresentação periódica, em virtude da instauração do presente processo cautelar (fls. 103 e 112 a 115 do p.a.).
11) Em 12 de agosto de 2016 entre a Requerente e a “Sustentável e Imbatível – Energias Renováveis, SA” foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, perlo prazo de seis meses (fls. 37 a 40 do suporte físico do processo).
12) Nesse mês a Requerente auferiu remuneração no valor líquido de €458,30 (fl. 63 do s.f.p.).
13) Tal contrato foi comunicado à Segurança Social, à Autoridade para as condições do trabalho e à Autoridade Tributária e Aduaneira (fls. 41 a 44 do s.f.p.).
14) A Requerente procedeu à entrega da declaração de início de atividade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (fl. 45 do s.f.p.).
15) Em 10.04.2015 a Requerente tentou efetuar o “registo de exposições” nos termos do art.º 89º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, o que não foi possível (cfr. fls. 46 do s.f.p.).
16) Em 28.05.2016 a Requerente entregou a declaração de IRS relativa ao ano de 2015 declarando rendimentos brutos da categoria B no valor de € 5 108,06 (fls. 47 a 54 do s.f.p.).
17) Em 20.05.2015, 25.06.2015, 05.08.2015, 24.11.2015, 08.01.2016, 12.0 1.2016, 13.05.2016, 25.05.2016, 21.07.2016 e 16.09.2016 a Requerente efetuou pagamentos à Segurança Social relativos a “trabalhadores independentes” nos valores parcelares de €62.04 relativos aos meses de abril de 2015 a agosto de 2016 (fls. 55 a 61 do s.f.p.).
18) Em 17.12.2007 a Requerente inscreveu-se no Centro de Saúde SR sendo beneficiária n.º 1… (fls. 63 do s.f.p.).

IV - Do Direito
Vem nos presentes Autos requerida a “suspensão da eficácia de ato administrativo de decisão de afastamento de Portugal…”, da aqui Recorrente.

Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Continua a recair sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.

Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

Analisemos então, com a necessária perfunctoriedade, o suscitado:

Desde logo e no que concerne à invocada nulidade resultante do indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas, importa referir o que a este propósito se referiu na decisão recorrida:
“Não obstante tenha sido requerida a produção de prova (testemunhal e declarações de parte), considera-se que a prova documental já constante dos autos é suficiente para a apreciação dos requisitos de decretamento da providência cautelar nos termos que infra se apreciarão pelo que se decide, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, indeferir o requerimento probatório apresentado pela Requerente.”

Com efeito, atenta a matéria controvertida, verifica-se que a prova relevante é predominantemente documental, em face do que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão que viesse a ser proferida, tendo consequências meramente dilatórias.

Na realidade, como resulta do anteriormente transcrito, o indeferimento da prova testemunhal mostra-se suficiente e adequadamente fundamentado, ao entender “que os autos já dispunham de elementos suficientes, nomeadamente prova documental, para a boa decisão da causa”.

Improcede assim a suscitada nulidade.

Para além da invocada nulidade, já abordada, o Recorrente, mais do que imputar à decisão recorrida quaisquer vícios, centrou a sua argumentação no retomar da imputação de vícios à decisão administrativa cuja suspensão requereu.
Relativamente à decisão proferida pelo tribunal a quo, que é o que aqui está em causa, importa desde já evidenciar, e tal como aí se decidiu, que se não vislumbra que se mostre preenchido o requisito do fumus boni iuris, previsto no art.º 120°, n° 1 do CPTA.

Em qualquer caso, pela sua relevância em termos de enquadramento da situação controvertida, infra se transcreverão algumas passagens “de direito” da decisão do tribunal a quo:
“A Requerente encontra-se em Portugal há mais de nove anos sem qualquer título que a tanto a habilite, à margem da lei que regula as condições de permanência de estrangeiros em território nacional e furtando-se ao cumprimento de medidas de coação que lhe foram judicialmente impostas, manifestando assim um claro desrespeito pela Lei Portuguesa.
Afigura-se-nos ainda que o facto de, recentemente, ter apresentado declaração de rendimentos junto da Autoridade Tributária e de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social não lhe confere qualquer direito de permanência em território nacional. Muito menos o facto de, já em data posterior à notificação do ato impugnado, ter celebrado um contrato de trabalho a termo.
Da matéria factual sumariamente demonstrada não resulta que o Requerido tenha consentido tacitamente na sua permanência em território nacional. O que resulta de tal factualidade é que a Requerente não compareceu quando foi para tanto notificada, desrespeitou o termo de identidade e residência e a medida de apresentações periódicas, impossibilitando assim a tomada da decisão que ora pretende suspender.
O facto de um cidadão estrangeiro manter um comportamento conforme à Lei e ao Direito não lhe confere um direito de permanência em território nacional.
Não se vislumbra o sentido da alegação da Requerente de acordo com a qual a decisão suspendenda “não se funda em razões de interesse público ou que vise assegurar a segurança interna” já que o SEF se encontrava vinculado ao estrito cumprimento da lei, o que fez, independentemente de, em concreto, se ter colocado em perigo a segurança e a ordem pública (requisitos de que prescinde a lei para a expulsão de um cidadão estrangeiro que se encontre ilegalmente em Portugal), não tendo violado quaisquer princípios de atuação administrativa, designadamente os princípios da proporcionalidade e da justiça.
Não tem fundamento legal a pretensa suspensão do processo de expulsão até que a Requerente regularizasse a sua situação.
Apesar de se ter provado que “em 10.04.2015 a Requerente tentou efetuar o “registo de exposições” nos termos do art.º 89º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, o que não foi possível”, não se alegou nem provou que a Requerente tenha vindo a tentar renovar tal pedido e que a formulação de tal pedido se tenha frustrado novamente, por motivos que não lhe seriam imputáveis. Antes alega, a Requerente, que sempre pretendeu regularizar a sua situação em Portugal para que pudesse solicitar junto do SEF a reapreciação da sua manifestação de interesse ao abrigo do art.º 88º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho “só não o tendo feito ainda porque se encontrava a aguardar o decurso do prazo de duração do seu contrato individual de trabalho a fim de perfazer 6 meses de descontos para a Segurança Social como trabalhadora por conta de outrem para a Segurança Social”.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a Requerente não entrou em Portugal munida do visto adequado à finalidade da sua deslocação (art.º 10º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007 de 4 de julho), que não foram desrespeitados os limites previstos no art.º 135º do mesmo diploma legal, sendo ilegal a sua permanência em Portugal (art.º 181º, n.º 2) o que constitui fundamento para a decisão de afastamento do território nacional, nos termos do art.º 134º, n.º 1 da mesma Lei
Em suma, afigura-se-nos que a decisão do SEF foi praticada em conformidade com o regime jurídico interno e europeu aplicável, não padecendo dos vícios que lhe são imputados pelo que não se verifica o fumus boni iuris.”

Aqui chegados, importa sublinhar que as providências cautelares têm como objetivo essencial a composição provisória de uma situação jurídica por forma a acautelar o efeito útil de futura e eventual decisão de procedência da ação principal (periculum in mora).

A tutela cautelar tende assim a salvaguardar o efeito útil da sentença a proferir na correspondente ação principal, enquanto garante da tutela jurisdicional efetiva.

O Juiz terá assim de se colocar na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da ação principal, verificando perfunctoriamente se existirão razões para julgar que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.

Na redação atual dada ao CPTA pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva, idêntica àquela que anteriormente constava da alínea c) do n° 1 do art.º 120° do CPTA.

Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos no artigo 120° n.º 1 do CPTA, a análise da verificação da aparência do bom direito assume particular relevância nos presentes autos, na medida em que é necessário que se verifique uma efetiva probabilidade de procedência da pretensão principal, sendo que os requisitos aplicáveis são de preenchimento cumulativo.

A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redação do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA do substantivo "provável", que imprime uma menor flexibilidade à análise que se fará.

Assim, atento o direito aplicável, em função da factualidade dada como provada, importa assim aferir da probabilidade de êxito da ação principal.

Como refere Isabel Celeste Fonseca, o requisito do fumus boni iuris na formulação positiva, obriga a um juízo positivo de probabilidade através da "intensificação da cognição cautelar", ou seja, duma "apreciação mais profunda e intensa da causa". (Cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos novos processo urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura), págs. 66 a 68).

No mesmo sentido aponta Mário Aroso de Almeida, no seu Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 452, onde refere que com a reforma do CPTA de 2015 se consagrou "um regime homogéneo quanto a este ponto para os dois tipos de providências, estabelecendo que, tanto umas, como outras, só podem ser adotadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, veio introduzir uma novidade sem precedentes no nosso ordenamento jurídico, com o evidente alcance de limitar o acesso dos cidadãos à tutela cautelar em processo administrativo: a de submeter ao critério do fumus boni iuris, com a configuração que, em processo civil, lhe atribui o n° 1 do artigo 368° do CPC, a adoção das providências cautelares conservatórias e, em particular, da providência da suspensão da eficácia de atos administrativos -- providência cuja atribuição, importa recordá-lo, nunca, até à entrada em vigor do CPTA, tinha estado dependente da formulação de qualquer juízo sobre o bem fundado da pretensão impugnatória do requerente".

A ponderação por parte do tribunal sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes perfunctórios, materializados num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita que o Tribunal assente na probabilidade do êxito da pretensão principal.

Verificar-se-á o critério referenciado quando a ilegalidade do ato a suspender resulte provável dos elementos disponíveis.

Em concreto, o tribunal de 1ª instância entendeu, sem que se alcance qualquer censurabilidade, que não é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a proceder.

Tal como se transcreveu já, refere-se sintomaticamente na decisão recorrida que a "Requerente encontra-se em Portugal há mais de nove anos sem qualquer título que a tanto a habilite, à margem da lei que regula as condições de permanência de estrangeiros em território nacional e furtando-se ao cumprimento de medidas de coação que lhe foram judicialmente impostas, manifestando assim um claro desrespeito pela Lei Portuguesa".

Mais se refere que na recorrida decisão que "afigura-se-nos ainda que o facto de, recentemente, ter apresentado declaração de rendimentos junto da Autoridade Tributária e de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social não lhe confere qualquer direito de permanência em território nacional. Muito menos o facto de, já em data posterior à notificação do ato impugnado, ter celebrado um contrato de trabalho a termo.
Da matéria factual sumariamente demonstrada não resulta que o Requerido tenha consentido tacitamente na sua permanência em território nacional. O que resulta de tal factualidade é que a Requerente não compareceu quando foi para tanto notificada, desrespeitou o termo de identidade e residência e a medida de apresentações periódicas, impossibilitando assim a tomada da decisão que ora pretende suspender".

A aqui Recorrente só se poderá pois queixar de si própria, na medida em que tendo entrado em Portugal já em 2007, indocumentada, no que concerne ao objetivo da sua deslocação, nos termos do art.° 10°, n.º 1 da Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho, o qual refere expressamente que “Para a entrada em território nacional, devem igualmente os cidadãos estrangeiros ser titulares de visto válido e adequado à finalidade da deslocação concedido nos termos da presente lei ou pelas competentes autoridades dos Estados partes na Convenção de Aplicação”.

Acresce ao referido, a circunstância de se não mostrar preenchida qualquer das exceções previstas no Artº 135º do mesmo diploma.

Efetivamente, o referido Artº 135º da Lei nº 23/2007, apenas exceciona relativamente às situações de expulsão, “os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

Não foi alegada e muito menos provada, a verificação de qualquer das exceções que obstaria ao determinado afastamento do território nacional da aqui Recorrida.

Assim, sendo ilegal a permanência em Portugal da Recorrente, nos termos do art.° 181°, n.º 2, da referida Lei nº n.º 23/2007 de 4 de Julho, o que só por si constitui fundamento para a decisão de afastamento do território nacional, nos termos do art.° 134°, n.º 1 do mesmo diploma, é assim patente que se mostra provável a improcedência da ação principal correspondente, não restando ao tribunal outra alternativa que não a de inviabilizar a suspensão do ato cuja suspensão vinha originariamente requerida.

Revestindo o preenchimento dos requisitos previstos no Artº 120º do CPTA natureza cumulativa, atenta a conclusão a que se chegou, mostra-se inútil proceder a qualquer acrescida ponderação quanto ao periculum in mora ou mesmo face à ponderação de interesses.

Em face do que precede, não merece igualmente censura o entendimento adotado em 1ª instância ao considerar como inverificado o fumus boni iuris, enquanto probabilidade de ocorrência, à luz do Artº 120º nº 1 CPTA.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Porto, 7 de abril de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia