Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00339/10.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COLIGAÇÃO DE OPONENTES
Sumário:I - Embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, se se verificarem os requisitos em que a coligação é admitida pelo CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, alínea e), do CPPT.
II - Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, nos termos do art. 30.º do CP (actual 36º do CP)C).
III - Não se verificando qualquer dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494.º, alínea f), do CPC (actual 577º do CPC) pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [alínea e) do n.º 1 do art. 288.º do CPC (actual 278º, nº1 al. e)].
IV - Tendo os oponentes deduzido oposição com uma causa de pedir comum e outras próprias de cada um deles, não se justifica que a oposição prossiga para conhecimento daquela, motivo por que não cumpre notificar os oponentes nos termos do art. 31.º-A do CPC (actual 38º do CPC ).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... e outra
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributáriodo Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

M... e MA..., devidamente identificados nos autos, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 16.09.2010, que absolveu a Fazenda Pública da instância na oposição por estes deduzida à execução fiscal instaurada originariamente contra a sociedade de Camionagem L..., Lda. para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo a 2002 e 2003, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo a 2003 e de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo a 2002, 2004, 2005 e 2006 no valor de €32.657,95 e acrescido, contra eles revertida pelo órgão de execução fiscal na qualidade de responsáveis subsidiários, cujo processo corre termos no Serviço de Finanças de Barcelos, sob o nº 0353200401001906 e Apensos.

Peticionaram ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que declarasse «os oponentes partes ilegítimas nos presentes autos e extinta a reversão da execução contra os mesmos, absolvendo-os do pedido executivo».

Alicerçaram a sua posição tendo para o feito invocado como fundamentos comuns aos dois revertidos (i)a inexistência de prova bastante da fundada insuficiência do património da devedora originaria, (ii)a ausência de culpa pela insuficiência patrimonial da primitiva devedora para satisfazer os créditos fiscais, (iii) a prescrição da divida exequenda, (iv) e como fundamento exclusivo da Oponente Ma..., (v) o não exercício da gerência de facto.

O Mm.Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga começou por apreciar a questão suscitada relativa à ilegalidade da coligação dos Oponentes, invocada pela Fazenda Pública e na qual fora secundada pelo Ministério Público no seu parecer, para considerar que, apesar de a coligação ser possível nas situações em que o Código de Processo Civil (CPC) a prevê, no caso não se verifica a conexão de que o art. 30.º(actual 36 º) daquele Código faz depender a admissibilidade da coligação, designadamente porque nem as causas de pedir invocadas por um e outro oponente são as mesmas, nem existe prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados por um e outro, nem sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

Nesse entendimento, absolveu a Fazenda Publica da instância por considerar verificada a excepção dilatória consubstanciada na ilegal coligação dos Oponentes, sendo que, no entendimento de «que com nenhuma das causas de pedir invocadas, poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os coligados», considerou“não fazer sentido”notificar os Oponentes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 31.º-A do CPC( actualart.38º),ou seja, para esclarecerem qual(ais) o(s) pedido(s) que pretendiam ver apreciado(s) no processo.

Inconformados com a decisão, os Oponentes dela interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte, recurso que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os Recorrentes apresentaram alegações, que resumiram nas seguintes conclusões:

«1. Tal como apresentado na petição de oposição, há quatro causas de pedir que, além de serem iguais e únicas são comuns aos dois oponentes. Só uma quinta é diferente. Por tal motivo, pelo menos quanto àquelas sempre será permitida a coligação. Não admitindo, a sentença recorrida violou o disposto no nº1 do art.30º do CPC, primeira parte.

2. A procedência das quatro referidas causas de pedir depende, não só da apreciação dos mesmos factos, mas também da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. Contudo, o exercício do cargo de gerente, a quinta causa de pedir, tem que ser apreciado não apenas em relação à oponente, Ma..., mas também em relação ao oponente, M..., por se tratar dum pressuposto essencial da reversão fiscal. Por tal motivo, também neste caso, estamos perante a apreciação dos mesmos factos, e a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, sendo, por via disso, permitida a coligação. Decidindo diferentemente o Tribunal a quo violou o disposto no nº2 do art. 30º do CPC.

3. Podendo a oposição prosseguir em relação aos pedidos e às quatro causa de pedir comuns aos dois oponente coligados, por serem únicas e iguais, deveria o tribunal a quo ter notificado os oponentes para dizerem quais os pedidos e respectivas causas de pedir que pretendiam ver apreciados nos autos. Não o tendo feito violou o disposto no art. 31-A do CPC».

A recorrida Fazenda Pública não contra alegou.

Recebidos os autos neste Tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que emitiu o douto parecer inserto a fls. 126 no sentido de que seja negado provimento ao presente recurso,no entendimento de que «a douta sentença recorrida não é passível de censura, devendo manter-se inalterada.»uma vez que :«[…]A questão essencial suscitada no recurso consiste em saber se, no caso em apreço, se mostram ou não preenchidos os pressupostos legalmente previstos de coligação activa para efeitos de dedução de oposição à execução fiscal.

Conforme se salienta na douta sentença recorrida “os factos concretos em que e fundam as pretensões dos oponentes são distintos, conforme decorre, desde logo, do facto de o oponente invocar a sua falta de culpa na insuficiência patrimonial verificada e de a oponente invocar o não exercício da gerência de facto.

Com efeito alega-se na petição inicial, sob os nºs 22º a 35, “ que a executada Ma... apenas exerceu o cargo de gerente da sociedade devedora originária até 28 de Abril de 2002”. Ora conforme se verifica a fls. 30 a 33, as quantias exequendas são todas referentes a períodos temporais posteriores a 28/04/2002, data a partir da qual a oponente alega não ter sido gerente de facto da sociedade devedora.

Assim é manifesto que os factos jurídicos de que emergem os pedidos formulados por cada um dos oponentes são manifestamente diferentes e, consequentemente, não se verificam os pressupostos legalmente estabelecidos nos nºs 30º do CPC e 12º do CPTA , “ex vi” do art.2º do CPPT.

De igual modo, como igualmente foi decidido com nenhuma das causas de causas de pedir invocadas poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os oponentes, não se aplicando o estabelecido nos art. 31º -A do CPC. (…)»

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

Tendo presente que são as conclusões que delimitam o âmbito e objecto do recurso (arts. 684.º, n.º 3, actual 635º nº4e 685.º-A, n.º 1, actual 639ºdo CPC), as questões que cumpre apreciar e decidir são as de determinar se o tribunal a quofez correcto julgamento quando entendeu não poder conhecer das causas de pedir invocadas,por considerar não estarem verificados os requisitos para a coligação dos Oponentes e, na eventualidade de não se aceitar a legalidade da coligação, quando entendeu não notificar os Oponentes para usarem da faculdade prevista no art. 31.º-A(actual 38º)do CPC, ou seja, para «dizerem quais os pedidos e respectivas causas de pedir que pretendiam ver apreciados nos autos».



* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não efectuou o julgamento da matéria de facto de modo destacado, o que bem se compreende em face do teor da decisão proferida,ou seja, de absolvição da instância.

Em todo o caso, da decisão recorrida extraímos a seguinte factualidade pertinente à decisão:

a) Em 07.01.2004 o Serviço de Finanças de Barcelos instaurou contra uma sociedade CAMIONAGEM L... .LDA uma execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo a 2002 e 2003, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo a 2003 e de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo a 2002, 2004, 2005 e 2006 no valor de €32.657,95 e acrescido, cujo processo ali corre termos sob o nº 0353200401001906 e Apensos.

b) Em 04.12.2009, por despacho do Exmo Senhor Chefe de Finanças Adjunto, do SFBarcelos, no exercício de poderes delegados ordenou a reversão da execução fiscal contra M...e MA..., ora recorrentes, na qualidade de responsáveis subsidiários.

c) Em 25.01.2010, os Oponentes apresentaram no Serviço de Finanças do Porto-4 uma petição inicial mediante a qual se vieram opor à execução fiscal.

QUESTÕES QUE CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

Conforme já referido supra, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga absolveu a Fazenda Pública da instância no processo de oposição à execução fiscal que foi deduzido, através da mesma petição inicial, por dois revertidos.

Considerou, em síntese, que não se verificam os requisitos legais da coligação dos Oponentes, uma vez que não existe identidade de causas de pedir, porquanto, apesar de os Oponentes terem invocado algumas causas de pedir em comum, invocaram outras que são próprias e exclusivas de cada um deles, a que acresce o facto de que não existe prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados por um e outro Oponente, nem, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

Assim, entendeu o Tribunal a quo que não se impunha cumprir o preceituado no art. 31.º-A do CPC, «uma vez que com nenhuma das causas de pedir invocadas, poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os Oponentes(…)».

Oponente insurge-se contra a decisão proferida, sustentando, em síntese, que ao afirmar que não pode conhecer dos fundamentos da oposição por se verificar a ilegal coligação dos Oponentes, o Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no art.30º do CPC porquanto “como apresentado na petição de oposição, há quatro causas de pedir que, além de serem iguais e únicas são comuns aos dois oponentes. Só a quinta é diferente. Por tal motivo, pelo menos quanto àqueles sempre será permitida a coligação.»

Entendem, assim, que não ocorre a ilegal coligação dos Oponentes, porquanto, pese embora tenham deduzido uma única «petição de oposição, em que os ora recorrentes se apresentam coligados” esta “ está esquematizada em cinco itens a saber:1. Da pretensa insuficiência do património; 2. Da culpa pela pretensa insuficiência do património; 3.Da prescrição; 4. Do exercício do cargo de gerente por parte da oponente Ma...; 5. Tempestividade da oposição.(…) razão pela qual (…)Em termos gerais, poderemos dizer que quatro quintos da petição e da factualidade alegada - itens 1,2,3 e 5 – se refere a ambos os oponentes e que apenas um quinto – item 4 - se refere unicamente a um deles, à oponente. Deste modo, a causa de pedir é a mesma e única em relação aos dois oponentes, com excepção daquela que se refere unicamente a esta , o item 4 (…)”.

Acrescentam, ainda, que a coligação não viola o disposto no art. 30.º do CPC, uma vez que « a procedência das referidas causas de pedir depende, não só da apreciação dos mesmos factos mas também da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito». Assim, ao não aceitar a legalidade da coligação, «podendo a oposição prosseguir em relação aos pedidos e às quatro causas de pedir comuns aos dois oponentes coligados, por serem únicas e iguais» deveria o Tribunal recorrido ter ordenado a notificação dos Oponentes para, querendo, usarem da faculdade prevista no art. 31.º-A, do CPC, ou seja, para «dizerem quais os pedidos e respectivas causas de pedir que pretendiam ver apreciados nos autos.»

Como é sabido, a ilegal coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494.º, alínea f), do CP (actual 577º al. f) ), pelo que, verificada que seja, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º do CP (actual 278ºnº1al.e)].



DA (I)LEGALIDADE DA COLIGAÇÃO DOS OPONENTES

Insurgem-se os Recorrentes, como referido, contra a decisão recorrida que julgou ilegal a coligação dos Oponentes.

Contudo, o tribunal a quo, apesar de admitir que a coligação é possível nas situações em que o CPC a prevê, considerou que in casu não se verifica a conexão de que o art. 30.º (actual 36º) daquele Código a faz depender, designadamente porque nem as causas de pedir invocadas por um e outro oponente são as mesmas, nem existe prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados por um e outro, nem, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

Nesse entendimento, absolveu a Fazenda Publica da instância por considerar verificada a excepção dilatória consubstanciada na ilegal coligação dos Oponentes.

Os Recorrentes discordam deste entendimento, alegando, em síntese, que «, há quatro causas de pedir que, além de serem iguais e únicas são comuns aos dois oponentes. Só a quinta é diferente. Por tal motivo, pelo menos quanto àqueles sempre será permitida a coligação. (…) A procedência das quatro referidas causas de pedir depende, não só da apreciação dos mesmos factos, mas também da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. Contudo, o exercício do cargo de gerente, a quinta causa de pedir, tem que ser apreciado não apenas em relação à oponente, Ma..., mas também em relação o oponente, M..., por se tratar dum pressuposto essencial da reversão fiscal. Por tal motivo, também neste caso, estamos perante a apreciação dos mesmos factos, e a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, sendo, por via disso, permitida a coligação.»

Perscrutada a decisão recorrida, resulta que esta tem nela explanada com clareza os motivos por que se entendeu não resultarem verificados os pressupostos da coligação de autores requeridos pelo n.º 2 do art. 30.º do CPC(Como expressa e correctamente foi realçado pelo Tribunal a quo, é ao abrigo do regime ínsito neste preceito, aplicável ex vi da alínea c) do art. 2.º do CPPT, que deverá aferir-se a legalidade da coligação), concretamente,as causas de pedir invocadas por um e outro Oponente são diferentes, não existe entre os pedidos formulados qualquer relação de prejudicialidade ou dependência e, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.(Sobre esta questão e neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, áreas Editora 2007, volume II, anotação 11 ao art. 206.º, págs.407/408.)

Ora, preceitua o art. 30.º do CPC( actual 36º):

«1. É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.

2. É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas. (…)».

Para dilucidar a questão em apreço fazemos, ainda apelo aos doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa plasmados in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado,II Volume,pag408,segundo qual «aplicando o regime do art. 30.º do CPC, adaptado ao processo de oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de oponentes quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção ou suspensão da execução fiscal) seja a mesma e única e quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.()»

Alegam os Recorrentes em defesa da legalidade da coligação de Oponentes de que lançaram mão para vir a juízo discutir o seu chamamento à execução que «há quatro causas de pedir que além de serem iguais e únicas são comuns aos dois oponentes», ou seja , são as mesmas.

Será que lhes assiste razão?

Ora, como é sabido a causa de pedir é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. art. 498.º, n.º 4, do CPC, actual 581º nº4), rectius, é o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas, ou seja, é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o seu pedido.

Posto isto e perscrutada a petição inicial, será que podemos afirmar que no caso subjudice os oponentes invocaram efectivamente a(s) mesma(s) causa(s) de pedir?

Numa leitura apriorística e singela,seriamos levados a afirmar que algumas das causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes são as mesmas, nomeadamente as elencadas pelo Recorrentes nos seguintes termos:«1.Da insuficiência do património da devedora originária; 2. Da culpa pela insuficiência do património; 3. Da prescrição; 4. Da Tempestividade da oposição.»

Contudo, numa análise mais detalhada dos fundamentos esgrimidos pelos coligados, somos levados concluir que apenas um deles assume efectivamente uma situação de inequívoca igualdade, como ao deante melhor se explicitará.

Salvo sempre o respeito por opinião diversa, apenas a fundada insuficiência do património da devedora originária pode considerar-se como a mesma causa de pedir invocada pelos dois oponentes. Senão vejamos.

Desde logo, no que concerne à falta de responsabilidade pela dívida exequenda, fundamento invocado por ambos os Oponentes, resulta do articulado inicial que enquanto o Oponente a faz assentar na falta de culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas, a Oponente ancora-a na falta de exercício efectivo de funções de gerência, pelo que não pode afirmar-se que a causa de pedir seja a mesma.

Por outro lado, a própria prescrição, invocada por ambos os Oponentes como causa de pedir, apesar de integrar o mesmo fundamento de oposição à execução fiscal, não constitui a mesma causa de pedir, porquanto, como é sabido está intrinsecamente dependente de factos inerentes a um e outro Oponente, sendo que eventuais causas de interrupção e suspensão serão distintas para cada um deles.

Logo, apenas e tão só a insuficiência do património da primitiva devedora, porque concernente à efectiva solvabilidade da executada originária, e não a dos responsáveis subsidiários, poderá considerar-se a mesma causa de pedir, ou seja, uma causa de pedir que atenta a sua natureza é efectivamente comum a ambos os Oponentes.

Porém, o n.º 1 do art. 30.º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a mera exigência dessa identidade, impondo, ainda, que a causa de pedir seja única.

Se bem interpretamos a ratio legis da norma em análise, o legislador não a redigiu no sentido de esta apenas admitir uma só causa de pedir, mas sim, no sentido de que de que não (co)existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores.

Esta exigência torna-se tanto mais compreensível, quanto não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem, cada um deles, causas de pedir próprias (exclusivas), sob pena de as razões de economia processual subjacentes à coligação de autores saírem postergadas.

É efectivamente o que ocorre no caso subjudice, em que, em rigor, a par de uma causa de pedir comum a ambos os Oponentes, coexistem causas de pedir próprias (exclusivas) de cada um deles.

Alegam, ainda, os Recorrentes, a fim de justificar a admissibilidade da coligação dos Oponentes, que a procedência dos respectivos pedidos «depende não só da apreciação dos mesmos factos mas também da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.(…) esclarecendo que “ Quanto a este –o item 4- , porque se refere ao exercício do cargo de gerente e porque esta condição não poderá deixar de ser apreciada não apenas em relação à oponente, Ma... , mas também em relação ao oponente M... , por se tratar dum pressuposto legal de reversão ….(…)».

Ora, também aqui falece razão aos Recorrentes. Tal resulta à evidência no caso da falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda e pela prescrição, causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes.

Relativamente a essas causas de pedir, os factos não serão seguramente os mesmos e também as regras de direito a aplicar não serão ou, pelo menos, poderão não ser as mesmas.

Na verdade, a fim de integrar a primeira dessa causas de pedir, enquanto o Oponente alega a falta de culpa pela situação de insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, a Oponente alega a falta de exercício da gerência; quanto à segunda, como dissemos já, os factos relevantes, designadamente os que respeitam a eventuais causas de interrupção e de suspensão serão diferentes para um e outro. O que, tudo, exige ou, pelo menos, pode exigir a interpretação e aplicação de regras jurídicas diferentes.

Mais acresce salientar, como consignou o Tribunal a quo, também não se verifica entre os pedidos formulados qualquer relação de prejudicialidade ou dependência.O que significa que bem andou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao considerar ilegal a coligação dos Oponentes.

Na esteira de todo o vertido supra, urge, por último, notar que nenhum sentido faria ordenar a prossecução da oposição à execução fiscal para conhecer da causa de pedir comum a ambos os Oponentes, absolvendo-se a Fazenda Pública da instância quanto ao demais, uma vez que, nessa eventualidade, sempre aqueles poderiam deduzir novas oposições, no prazo de 30 dias a contar do respectivo trânsito em julgado, renovando aí os pedidos com as causas de pedir próprias de cada um, caso em que as novas oposições se considerariam deduzidas na data em que a presente oposiçãofoi apresentada em juízo (art. 31.º, n.º 5, do CPC, aplicável analogicamente, actual art.37ºnº5).

Assim sendo, em vez das duas oposições que teríamos, caso os Oponentes não se tivessem coligado, seríamos confrontados com três oposições, o que se traduziria numa pulverização processual de todo contrária aos princípios da celeridade e economia processual visados pela possibilidade de coligação de autores.( Sobre esta matéria e neste sentido vide, entre outros , os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.10.2006 proferido no Rec. 232/06, de 17.10.2012 proferido no Rec. 0702/12 e de 09. 07 .2014. proferido no Rec.0194/13) .



DA NOTIFICAÇÃO DOS OPONENTES AO ABRIGO DO ART. 31.º-A DO CPC

Por último, cumpre averiguar se, como sustentam os Recorrentes, o Tribunal a quo deveria, ao invés de ter desde já proferido decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, ter, previamente, ordenado a notificação dos Oponentes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 31.º-A do CP ( actual 38º do CPC), ou seja, para, querendo, «por acordo, esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo».

Na decisão recorrida, o Tribunal a quo ponderou expressamente essa possibilidade, que claramente veio posteriormente a afastar com o argumento de que «com nenhuma das causas de pedir invocadas, poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os Oponentes».

Ainda que, em abstracto, a oposição à execução fiscal pudesse prosseguir para conhecimento da única causa de pedir que, entendemos ser comum a ambos os Oponentes, qual seja a insuficiência do património da devedora originária, todavia, conforme já supra exposto, a tal obsta o disposto no n.º 1 do art. 30.º do CPC( actual 36º do CPC), que exige que a causa de pedir susceptível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única. O que bem se compreende, porquanto, como também já acima se salientou, da prossecução da oposição para conhecimento dessa causa de pedir comum nenhum ganho resultaria para os ora Recorrentes, em termos de economia processual, em face da possibilidade de cada um dos autores coligados poder vir apresentar a sua própria oposição suportada pela causa ou causas de pedir próprias.

Face ao exposto, entendemos não haver lugar àquela notificação.


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Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, se se verificarem os requisitos em que a coligação é admitida pelo CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, alínea e), do CPPT.

II - Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, nos termos do art. 30.º do CP (actual 36º do CP)C).

III - Não se verificando qualquer dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494.º, alínea f), do CPC (actual 577º do CPC) pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [alínea e) do n.º 1 do art. 288.º do CPC (actual 278º, nº1 al. e)].

IV - Tendo os oponentes deduzido oposição com uma causa de pedir comum e outras próprias de cada um deles, não se justifica que a oposição prossiga para conhecimento daquela, motivo por que não cumpre notificar os oponentes nos termos do art. 31.º-A do CPC (actual 38º do CPC ).


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3. DECISÃO

Termos em que, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 30 de Outubro de 2014

Ass. Ana Paula Santos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Vital Lopes