Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00339/21.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONCURSO PÚBLICO; SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA HUMANA; EXCLUSÃO DA PROPOSTA; INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES LABORAIS; N.º 2 DO ARTIGO 1.º-A, E ALÍNEA E) DO ARTIGO 70º DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS;
ESCLARECIMENTOS; N.º2 DO ARTIGO 72º DO CÓDIGO DE CONTRATOS PÚBLICOS; PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA; PREÇO ANORMALMENTE BAIXO; POSSIBILIDADE DE OBTER UM AUXÍLIO DE ESTADO; ALÍNEA E) DO N.º4 DO ARTIGO 71º DO CÓDIGO DE CONTRATOS PÚBLICOS; APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO NÃO DISCRIMINATIVO DO TRABALHO PRESTADO EM DIAS ÚTEIS E AO FIM-DE-SEMANA; ARTIGOS 57º, N.º1., ALÍNEA C), E 70.º, N.º 2, AL. A) DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
Sumário:1. Da conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 1.º-A, e na alínea e) do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos que o incumprimento de normas laborais, patente numa proposta, é fundamento legal, imperativo, para a exclusão da sua proposta num concurso da aquisição de serviços de vigilância e segurança humana.

2. Incumprimento da lei laboral que não poderia ser superado em sede de esclarecimentos porque tal se traduziria, no caso, numa proposta substancialmente diversa, sendo certo que o valor da proposta era um factor decisivo e essencial no concurso – n.º2 do artigo 72º do Código de Contratos Públicos.

3. Não se pode invocar aqui o princípio basilar da concorrência nos concursos públicos porque este apenas permite admitir o maior leque possível de propostas que possam ser consideradas legais.

4. Por o preço proposto só ter sido possível pelo incumprimento de normas laborais, caso contrário seria mais alto, deverá considerar-se “preço anormalmente baixo” nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos.

5. A possibilidade de obter um auxílio de Estado não serve para afastar a imperatividade, neste caso, da exclusão desta proposta face ao disposto alínea e) do n.º4 do artigo 71º do Código de Contratos Públicos.

6. Sendo os apoios ou incentivos ao emprego no caso, para além de meramente hipotéticos, incompatíveis com a obrigação constante da cláusula 12.3 das condições gerais do caderno de encargos, e que resulta do artigo 285º, n.ºs 1,2 e 10 do Código de Trabalho, a de manter os trabalhadores ao serviço no mesmo posto, não havia justificação legal para não excluir a proposta e apreço.

7. Constando do programa do concurso a exigência de a apresentação, enquanto documento da proposta, de uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)” é motivo de exclusão a apresentação de um documento em que não discrimina, em concreto, o trabalho prestado em dias úteis e ao fim-de-semana, englobando tudo no mesmo preço/hora, nos termos das disposições combinadas do artigos 57º, n.º1., alínea c), e 70.º, n.º 2, al. a) do Código dos Contratos Públicos, pois tal equivale à não apresentação do documento exigido no programa do concurso, dado ser essencial essa discriminação, para verificação do cumprimento ou não, das obrigações laborais.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A NO---, L.da, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12.11.2021, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção de contencioso pré-contratual, por si intentada contra o Município (...), para impugnação do acto de adjudicação da aquisição de serviços de vigilância e segurança humana do Convento de (...), no âmbito do “Concurso Público Internacional nº8/2021, à Contra-interessada VI--- Lda, acção na qual é peticionada, para além da anulação do acto de adjudicação, a exclusão da proposta vencedora, a anulação de eventual contrato entretanto celebrado na pendência da acção e a consequente adjudicação do contrato à Autora.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida viola, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e) e f), do Código dos Contratos Públicos, dado que, ao contrário do decidido, a proposta da Contra-Interessada VI--- deveria ter sido excluída, não só por apresentar um preço anormalmente baixo, como também por violar igualmente vinculações leais e regulamentares aplicáveis e ainda por não ter apresentado um dos documentos da proposta tal como exigido pelo programa do concurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
*

Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. O litígio apreciado pelo douto Tribunal a quo tem origem no Concurso Público Internacional para Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Privada lançado pela Recorrida, com a referência n.º 8/2021, no âmbito do qual a proposta da Recorrente foi graduada em 2.º lugar e o Recorrido adjudicou, através do Acto de Adjudicação, a proposta da Contra-Interessada VI---.

B. Tendo o presente Recurso por objecto a Sentença de 12.11.2021, através da qual o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a acção, por entender, em suma, que não se verifica qualquer causa de exclusão da proposta da Contra-Interessada VI---, mormente, por não apresentar a mesma um preço anormalmente baixo e por não implicar qualquer violação de disposições legais ou regulamentares aplicáveis.

C. Não se pode concordar com a posição vertida na douta Sentença, porquanto a mesma padece de evidentes erros de julgamento, na interpretação das normas legais aplicáveis, desde logo na norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a), e), e alínea f) do CCP, tal como se demonstrará de seguida:

I. Do erro de julgamento na interpretação da norma contida no artigo 70.º, n.º 2 alínea e), do CCP – Do Preço Anormalmente Baixo da Proposta da VI---.

D. Entende o douto Tribunal a quo que a Entidade Adjudicante não estava obrigada a excluir a proposta da Contra-Interessada VI---, uma vez que, do regime previsto nos artigos 71.º e 70.º, n.º º, al. e) do CCP, a mesma apenas se encontra adstrita a uma “faculdade”, de “exercício discricionário, e não um dever”, numa errada interpretação do regime legal aplicável e do espírito que subjaz ao mesmo, tendo em conta a factualidade apurada e dada por provada:

a) Foi fixado como preço base (“PB”) nos termos da cláusula 6.3 do CE, o valor de €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), para a duração do contrato de 12 meses, cfr. cláusula 5.1 do CE, não tendo sido fixado, previamente, qualquer limiar de preço anormalmente baixo (“PAB”).
b) Como critério de adjudicação fixou-se na cláusula 8.ª do PC, o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1, al. b) do CCP, sendo avaliado o preço como único aspecto da execução do contrato a submeter à concorrência.
c) No âmbito deste Concurso, a NS--- apresentou proposta da qual consta o preço de €204.122,54 e a Contra-Interessada VI--- apresentou proposta, com o valor de €186.759,04.
d) Tendo a VI--- apresentado no documento da proposta “Atributos da Proposta”, como “Metodologia justificativa de preço apresentado”, cfr. facto provado 10., o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


e) O Júri proferiu Relatório Final, cfr. facto provado 13. entendendo-se não se verificar qualquer preço anormalmente baixo por parte da Contra-interessada VI---, tendo ordenado esta em 1.º lugar e a NS--- em 2.º lugar.

E. Desta factualidade resulta, sem margem para dúvidas e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo que a proposta da VI--- configura uma proposta não séria e incongruente, ao apresentar um preço que não representa a totalidade dos custos mínimos e obrigatórios a ter em conta na prestação de serviços de segurança privada e, em particular, para efeitos do contrato a celebrar na sequência do Concurso.

F. Mal andando o douto Tribunal a quo, porquanto, incorreu em manifesto erro de direito na interpretação que faz da norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alínea e), do CCP, nos termos da qual são excluídas as propostas cuja análise revele um preço ou custo anormalmente baixo.

G. De facto, pese embora a Entidade Adjudicante não tenha, previamente, fixado um critério para a definição do preço anormalmente baixo, nas peças do procedimento, tal não a exime de, casuisticamente, averiguar da seriedade das propostas apresentadas, garantindo a salvaguarda do interesse público na obtenção da proposta economicamente mais vantajosa.

H. Perante cada proposta e situação concreta, cabe à Entidade Adjudicante, obrigatoriamente (e não por mera faculdade) averiguar da seriedade de cada uma das propostas apresentadas, verificando que cada proposta contém a devida demonstração de que a adjudicação conduzirá à celebração de um contrato no qual não exista um risco de incumprimento - ou a suspeita de que o mesmo irá ocorrer durante a execução do contrato.

I. Tal resulta consolidado, de resto, pela nova redacção do artigo 71.º, n.º 2 do CCP, na versão introduzida pela Lei n.º 30/2021, de 21.05 que prevê expressamente:

“2 - Mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato.”.

J. Nas palavras de PEDRO SÁNCHEZ, in “A Revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos”, AAFDL, 2021:

“(…) o único dever de fundamentação que se mantém agora na Revisão de 2021 incide – nos termos do renovado n.º 1 do artigo 71.º - sobre o critério que presidiu à fixação do limiar do preço anormalmente baixo, mas não sobre a circunstância de ter sido fixado um determinado limiar. Portanto, o decisor público não fica punido com um dever procedimental agravado resultante da opção de combater preços anómalos; não existe qualquer incentivo negativo à eliminação do limiar do preço anormalmente baixo – qual seria inexplicável à luz do dever, que incide sobre toda a Administração Pública, de promoção dos objectivos horizontais de natureza ambiental, social e laboral em toda a actividade pública, incluindo a actividade contratual.”.

K. De facto, pese embora a Entidade Adjudicante não tenha, previamente fixado um critério para a definição do preço anormalmente baixo, nas peças do procedimento, tal não a exime de, casuisticamente, averiguar da seriedade das propostas apresentadas, garantindo a salvaguarda do interesse público na obtenção da proposta economicamente mais vantajosa.

L. Tal era já o sentido da anterior revisão do CCP, de 2017, conforme vem sublinhando a Doutrina desde então:

“Não está sequer em causa uma escolha discricionária: o n.º 2 do artigo 1.º-A impõe uma obrigação de escrutínio de comportamentos ilícitos ou predatórios de operadores económicos a que a entidade adjudicante se não pode furtar. Não se trata de uma norma permissiva para o exercício de uma competência discricionária, mas sim de uma norma atributiva de uma competência vinculada” (cfr. PEDRO SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, Volume II, AAFDL, 2021, pp. 289-290).

“Em primeiro lugar, o artigo 18.º, n.º 2, da Directiva 2014/24/UE e o artigo 36.º, n.º 2, da Directiva 2014/25/UE, conferem expressamente às entidades adjudicantes o mandato para que, na execução dos contratos, assegurem «que os operadores económicos respeitam as normas em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional» (…)Em termos que expressamente conferem às entidades adjudicantes uma habilitação legal para verificar o cumprimento pelos concorrentes das suas obrigações em matéria laboral, social e ambiental, assim postergando o entendimento sustentado pela jurisprudência nacional assente no princípio da legalidade das competências.” (cfr. ANA SOFIA ALVES, “Alterações ao Regime do Preço Anormalmente Baixo”, in E-Book Contratação Pública, Abril de 2018, pp. 73-74).

Assim como defendido no Acórdão do Tribunal Geral de 10.09.2019, proferido no Processo n.º T-741-17, n.º 43 (supra citado no ponto 29.)

M. Igualmente não se pode concordar com o vertido na Sentença recorrida quando se afirma que o preço proposto pode ser suportado com base nos resultados globais da empresa, ou seja, que “não tem de ser o pagamento do preço proposto, somente, a permitir à adjudicatária cumprir as suas obrigações legais e contratuais na relação com os trabalhadores”.

N. Não é admissível, à luz da actual configuração normativa, que um concorrente possa escapar à exclusão da sua proposta quando apresenta preços abaixo dos custos mínimos e obrigatórios, desde que compense através de outros proventos da sua actividade ou através de uma redistribuição dos seus custos – esta é uma perspectiva incorrecta e ilegítima à luz do Direito da União Europeia e que se encontra completamente ultrapassada à data de hoje.

O. Neste sentido veja-se o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 02.07.2021, proferido no âmbito do Processo n.º 00108/21.9BEPRT (supra citado no ponto 35.).

P. À luz da Jurisprudência e da Doutrina, é hoje claro que a redistribuição de custos ou proventos por vários contratos, as circunstâncias concretas ou a gestão dos custos são irrelevantes para a verificação do conceito de preço anormalmente abaixo.

Q. Igualmente não pode o Tribunal a quo socorrer-se da anterior redacção do artigo 71.º do CCP, anterior à Revisão de 2017, para dizer que não estando em causa uma diferença de mais de 50% da proposta da Contra-Interessada face ao preço base, que não poderá verificar-se um PAB.

R. É que para se averiguar se uma proposta apresenta PAB basta que a mesma contemple um incumprimento das obrigações legais e regulamentares ou uma inobservância dos custos mínimos e obrigatórios naquelas matérias, que foi o que ocorreu com a proposta da Contra-interessada VI---.

S. Ora, analisando em concreto todos os itens que compõem tal preço proposto pela VI--- concluímos pela existência de PAB e pelo incumprimento de vinculações legais ou regulamentares:

a) a rúbrica atinente ao seguro de acidentes de trabalho da proposta da VI--- (obrigatório nos termos do artigo 283.º, n.os 1 a 8, do CT), de 0,08%, corresponde a um valor ficcionado, divergindo da realidade, devendo, ao invés, ter sido indicado o valor de 1,40% (6.374,16 : 452 650), cfr. cópia de um recibo do seguro de acidentes de trabalho da VI---, que se encontra juntou à pronúncia apresentada pela NS---, em sede de audiência prévia ao Relatório Preliminar, cfr. facto provado 12, tudo tal como demonstrado supra a pontos 45. a 52..

b) as rúbricas atinentes ao Subsídio de Férias e Subsídio de Natal que a VI--- apresenta não remunera os seus trabalhadores de acordo com a legislação em vigor, aplicando o mesmo valor (0,42026 €) quer no trabalho diurno, quer no trabalho nocturno. Ora, o trabalho nocturno confere direito a uma retribuição superior (25%) comparativamente com o trabalho prestado em regime diurno, pelo que os subsídios de férias e Natal têm que reflectir essa majoração, o que não ocorreu na proposta da VI---, cfr. supra demonstrado a pontos 55. a 60..

c) Acresce ainda que, partindo dos valores apresentados pela Contra-Interessada o preço proposto não corresponde ao preço mínimo que deverá ser suportado de modo a dar cumprimento a todos os custos obrigatórios em matéria social e laboral, atento o seguinte:

I. O valor do salário hora do Vigilante resulta da divisão do valor do salário mensal do vigilante pela carga horária mensal do vigilante: 800,17€ / 173,33 = 4,62€ = valor hora; II. O custo mensal do Vigilante afere-se multiplicando o valor do salário base do Vigilante pelos 14 meses de salários auferidos num ano (considerando a obrigatoriedade de pagamento de subsídio de férias e de subsídio de natal), cujo resultado será dividido pelos 12 meses: 800,17€ x 14 : 12 = 933,53€; III. O custo da Taxa Social Única/ “Encargos Sociais” a cargo do empregador afere-se multiplicado ao custo mensal do Vigilante a taxa devida pelo empregador, de 23,75%: 933,53€ X 1,2375 = 1.155,25€; IV. O custo do subsídio de alimentação, cujo cálculo deve considerar o valor fixado em Convenção Colectiva de Trabalho (“CCT”) para um turno de 8 horas - para apurar o incremento de remuneração do subsídio de alimentação, não sujeito a TSU, no valor hora, basta dividir o valor de tal subsídio por 8 horas de serviço: 6,12€ / 8 x 730 = 558,45€; V. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho nocturno, há que considerar que a prestação de trabalho nocturno dá direito a retribuição especial igual a 25 % do valor base hora de trabalho equivalente prestado durante o período diurno. Assim, o valor do acréscimo de 25 % de remuneração ao valor hora (valor do salário base/hora atrás calculado com base na fórmula determinada na Convenção Colectiva de Trabalho): 0,25 x 4,62 x 1,2375 = 1,43€ | 1,43 x 263,25 = 376,45€. V). Para o cálculo dos custos com a remuneração do trabalho em dia feriado, há que acrescer o valor de 4,62€, que corresponde ao acréscimo de 100 % ao valor hora de remuneração do trabalho em dia feriado. Sobre este valor há que aplicar a contribuição obrigatória da taxa social única, 23,75%: 4,62€ x 1,2375 = 5,72€ | 5,72 x 17,5 = 100,05€. VIII. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho nocturno feriado, a qual dá direito a retribuição especial igual a 100 % do valor base hora de trabalho equivalente prestado durante o período nocturno, acrescido do complemento nocturno: 7,14€ x 10,5 = 74,97€;

Pelo que, o custo que uma empresa de segurança privada tem que suportar com um posto 24 Horas totaliza 6.424,07€ = (4,6 x 1 155,25€) + 376,45€ + 100,05€ + 74,97€ + 558,45€ - acima do valor proposto de apenas 6.213,50€, que é manifestamente inferior ao necessário para cobrir os custos mínimos legais obrigatórios.

II. Do erro de julgamento na interpretação da norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do CCP – Da violação de vinculações legais ou regulamentares da Proposta da VI---.

T. Sem prejuízo do supra exposto, o incumprimento da proposta da Contra-Interessada VI--- das obrigações legais e regulamentares em matéria social e laboral configura, para além de um preço anormalmente baixo, uma verdadeira violação de vinculações legais ou regulamentares, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. f) do CCP.

U. Ao que acresce uma outra violação, atinente a um termo ou condição exigido a cláusula 12.3 Condições Gerais do CE do qual resulta a obrigação da adjudicatária “respeitar as normas relativas à transmissão de estabelecimento por adjudicação de fornecimento de serviços, bem como a manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos pelos trabalhadores, como sejam retribuição, antiguidade, categoria profissional, conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos, conforme o disposto na Lei n.º 18/2021, de 08 de abril de 2021, sem prejuízo do direito de oposição do trabalhador”.

V. Ora a Contra-Interessada VI--- propõe um preço mediante a aprovação de uma eventual candidatura do IEFP, tal como afirma na sua proposta, cfr. facto provado 10:

W. O que não se compagina com o exigido no CE, já que se a execução da proposta da Contra-Interessada VI--- depende dos apoios / incentivos à empregabilidade, não poderá, obviamente, dar cumprimento ao disposto na cláusula 12.3 das Condições Gerais, do CE, ou seja, não conseguirá manter os trabalhadores ao serviço no posto, objecto deste procedimento.

X. Fazendo a VI--- depender o valor do preço proposto às referidas medidas de apoio ao emprego, que serão, no entanto, impossíveis de aproveitar no presente contrato, atento o facto de a Adjudicatária ter a obrigação de assumir o quadro de pessoal que já prestava os serviços de vigilância, nas mesmas condições, em cumprimento da referida cláusula 12.3 do CE e do disposto no artigo 285.º, n.º 1, 2 e 10 do CT.

Y. Defende, porém o Tribunal a quo, que a VI--- pode formar o concreto preço apresentado na sua proposta através da indicação de apoios à empregabilidade que possa eventualmente apresentar/beneficiar em sede de outros concursos, o que se demonstra, salvo o devido respeito, inconcebível, já que a justificação da formação do preço proposto no presente concurso deve ter em conta a execução do concreto contrato que será adjudicado, no cumprimento exacto dos termos e condições exigidos nas peças procedimentais, pelo que não pode o Tribunal a quo encontrar subterfúgio num argumento puramente ficcional.

Z. Ao que acresce o facto de não poder ser valorada, como pretende o Tribunal a quo, a mera declaração genérica que é feita na proposta da VI--- de que serão cumpridas todas as obrigações legais, quando o contrário resulta do teor da proposta apresentada, não sendo suficiente nem podendo tal declaração ilibar a entidade adjudicante ou as instâncias judiciais de fiscalizar o efectivo cumprimento da legalidade da proposta apresentada pela Contra-Interessada ou da decisão do Recorrido.

AA. Ao invés e pelo supra exposto impunha-se a exclusão da proposta da VI---, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. f) do CCP, sendo a decisão de adjudicação do Recorrido ilegal por ter adjudicado a proposta a uma concorrente que deveria ter sido excluída.

III. Do erro de julgamento na interpretação da norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alínea a), do CCP – Da violação do exigido no PC enquanto documento da proposta

BB. Exigia-se, de acordo com o ponto 6.1, al. e) do PC a apresentação, enquanto documento da proposta, de uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)”.

CC. Da proposta da Contra-Interessada VI--- não consta tal discriminação, englobando dentro do mesmo preço/hora os dias úteis e os fins de semana.

DD. Não se podendo, mais uma vez, aceitar o defendido pelo Tribunal a quo de que “não existe diferença de preço entre as horas em dias de semana e as horas em sábados e domingos – são, por esse motivo, suficientes”.

EE. Ora, pese embora a VI--- não diferencie na sua proposta o valor/ hora em dias úteis e em fins de semana, tal distinção não era indiferente, razão pela qual fora exigida pela Entidade Adjudicante, existindo efectivamente uma necessária diferença de valores que deve ser praticado relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório, cfr. artigo 232.º do CT, que fixa o Domingo como descanso semanal obrigatório (sem falar sequer do dia de descanso complementar, que corresponde em princípio ao Sábado) e a Cláusula 39.º do referido CCT que prevê para esses dias uma “remuneração especial, a qual será igual à retribuição em singelo, acrescida de 200 %.”.

FF. Não cumprindo a VI--- com o exigido no PC, não apresentado um dos atributos, na medida em que não efectua uma cabal discriminação do preço apresentado, deveria ter sido excluída nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. a) do CCP pelo Recorrido, em respeito do princípio auto-vinculação à regra que estabeleceu no PC.

GG. Por tudo o exposto, torna-se evidente que a proposta da Contra-Interessada VI--- deveria ter sido excluída, não só por apresentar um preço anormalmente baixo, como também por violar igualmente vinculações leais e regulamentares aplicáveis e ainda por não ter apresentado um dos documentos da proposta tal como exigido pelo PC., nos termos do artigo 70.º, n.º 2, als. a) e) e f) do CCP., als. a) e) e f) do CCP.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A Câmara Municipal (...) deliberou abrir um concurso público internacional para o fornecimento de serviços de vigilância e segurança nas instalações municipais do Convento de (...) (facto não controvertido).

2. O aviso de abertura do referido concurso foi publicado no Diário da República, II Série, nº 105, de 31 de Maio de 2021 e no Jornal Oficial da União Europeia de 01 de Junho 2021 (Cfr. Diário da República a fls. 29 e 30 dos autos e print de anúncio no website do TED, a folhas 31 e 32 dos autos).

3. O programa do referido concurso contém uma cláusula, identificada sob o número 6, da qual consta designadamente o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(Cfr. programa do concurso a fls. 23 e seguintes dos autos).

4. O programa do referido concurso contém igualmente cláusula com o seguinte teor, identificada sob o número 8:

“8. Adjudicação
8.1. A modalidade do critério de adjudicação será: avaliação do preço.
8.2. Em caso de igualdade entre propostas ordenadas em primeiro lugar, o critério de desempate será o seguinte:
a) periodicidade das visitas de supervisão;
b) sorteio presencial a comunicar oportunamente”
(Cfr. programa do concurso a folhas 23 e seguintes dos autos).

5. Não consta do programa do visado concurso, nem de qualquer outra peça do procedimento, a fixação de um critério de identificação de preço anormalmente baixo (facto não controvertido).

6. O caderno de encargos do visado concurso contém uma cláusula identificada sob o ponto 6.3, com o seguinte teor:

“O preço base, isto é, o preço máximo que o Município (...) está disposto a pagar, é de 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor este preço base inclui o valor dos serviços extra indicado nas condições técnicas.”

(Cfr. caderno de encargos, a folhas 33 e seguintes dos autos).

7. O caderno de encargos do visado concurso contempla uma cláusula identificada sob o ponto 12 da qual consta, designadamente, o seguinte teor:

“(…)
12.2. Com a execução do contrato, o cocontratante deverá respeitar as normas aplicáveis em vigor diretamente relacionadas com o objeto do contrato, bem como as normas relativas a matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género.

12.3. Com a assinatura e execução do contrato, o cocontratante deverá respeitar as normas relativas à transmissão de estabelecimento por adjudicação de fornecimento de serviços, bem como a manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos pelos trabalhadores, como sejam retribuição, antiguidade, categoria profissional, conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos, conforme o disposto na Lei n.º 18/2021, de 08 de abril de 2021, sem prejuízo do direito de oposição do trabalhador (…)”

(Cfr. caderno de encargos, a folhas 33 e seguintes dos autos).

8. Apresentaram propostas no âmbito do visado concurso, designadamente a ora autora NS--- e a Contra-Interessada VI---, Lda (Cfr. documentos a folhas 50 e seguintes e 69 e seguintes dos autos).

9. A proposta apresentada pela Contra-Interessada VI--- Lda contém documento intitulado “Atributos da Proposta” do qual consta, designadamente, o seguinte teor:

“ (…)
2. Valor hora (s/ IVA)
• Preço hora homem diurno de 2ª a domingo exceto feriados – 6h-21h: 7,55€ (sete euros e cinquenta e cinco cêntimos)
• Preço hora homem noturno de 2ª a domingo – 21h -06h: 9,53€ (nove euros e cinquenta e três cêntimos)
• Preço hora homem diurno em dias de feriado – 6h-21h: 13,26€ (treze euros e vinte e seis cêntimos)
• Preço hora homem noturno em dias de feriado – 21h-06h: 15,25€ (quinze euros e vinte e cinco cêntimos)

Valor hora para serviços extras (s(IVA):
• Preço hora extra homem diurno de 2ª a domingo exceto feriados – 6h-21h: 12,00€ (doze euros)
• Preço hora extra homem noturno de 2ª a domingo - 21h-06h: 15,00€ (quinze euros)
• Preço hora extra homem diurno em dias de feriado – 6h-21h: 17,00€ (dezassete euros)
• Preço hora extra homem noturno em dias de feriado – 21h-06h: 20,00€

Número médio de horas mês por posto:
• Edifício do Convento de (...)
Horas diurnas de 2ª a Domingo: 438,75
Horas noturnas de 2ª a domingo – 263,25
Horas diurnas feriado – 17,50
Horas noturnas em feriado – 10,5

• Edifício do Convento de (...), piso 0
Horas diurnas de 2ª a Domingo – 351
Horas noturnas de 2ª a domingo – 117
Horas diurnas feriado – 14
Horas noturnas em feriado – 4,67

• Estacionamento do Convento de (...):
Horas diurnas de 2ª a Domingo – 409,5
Horas noturnas de 2ª a domingo – 117
Horas diurnas feriado – 16,33
Horas noturnas em feriado – 4,67 (…)”

(Cfr. documento intitulado “Atributos da Proposta” a folhas 69 e 70 dos autos).

10. O documento integrante da proposta da contrainteressada VI---, Lda. contém ainda, sob o ponto 7, intitulado “Metodologia justificativa do preço apresentado”, o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)

Mais se declara que se renuncia a foro especial e se submete, em tudo o que respeitar à execução do seu contrato, ao que se achar prescrito na Legislação Portuguesa em vigor.

Os valores apresentados pressupõem, para a sua definição, que a estrutura de custos directos inclui os definidos nº 4 do artº 71º do CCP, nomeadamente os incentivos à empregabilidade atribuídos pelo IEFP e pela Segurança Social.”

(Cfr. documento constante de folhas 72 a 73 dos autos).

11. Em 07.07.2021 o Júri do visado concurso elaborou relatório preliminar, no qual foi proposta a exclusão das propostas apresentadas por 8 concorrentes e a ordenação das propostas admitidas, constando de tal relatório preliminar, designadamente, o seguinte teor:

“14. Assim sendo, as propostas são ordenadas da seguinte forma:
1º VI---, – 186,759,04€
2º NO--- Lda – 204 122,54€
3º RR---, Lda – 217 890,69€
4ª SS--- S.A. – 219 827,92€
5ª ES---, S.A. – 219 998,84€”

(Cfr. relatório preliminar do Júri integrante do processo administrativo junto aos autos).

12. Em 14.07.2021 a ora autora NS--- apresentou junto do Júri do visado concurso uma pronúncia, em sede de audiência de interessados, da qual consta designadamente o seguinte teor, no qual estão sintetizados os diversos fundamentos que aduziu:

“(…)
Trecho constante da decisão recorrida que aqui se dá por reproduzido.
(…)”

(Cfr. pronúncia da autora em sede de audiência de interessados, constante de folhas 77 e seguintes dos autos e integrante do processo administrativo apenso aos mesmos).

13. Em 16.07.2021 o Presidente da Câmara (...) proferiu despacho de homologação do relatório final do visado procedimento concursal, do qual consta, designadamente, o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Cfr. despacho e relatório final do procedimento a folhas 17 a 21 dos autos).
*
III - Enquadramento jurídico.

As questões essenciais que aqui se colocam são: 1 – a violação da lei, em matéria laboral, como motivo de exclusão do concurso, esteja ou não previsto esse motivo de exclusão no programa do concurso - n.º 2 do artigo 1.º-A, do Código de Contratos Públicos; 2- a ser fundamento de exclusão a violação da lei em matéria laboral, o afastamento deste motivo de exclusão pela possibilidade obter um auxílio de Estado, ainda não concedido; 3- o preço anormalmente baixo como fundamento para a exclusão da proposta vencedora, da Contra-Interessada, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea e), do Código dos Contratos Públicos; 4- a falta de apresentação de documento exigido no ponto 6.1, alínea e), do programa do concurso, como motivo de exclusão, nos termos do disposto artigo 70.º, n.º 2, al. a) do Código dos Contratos Públicos.

Vejamos.

1. A violação da lei, em matéria laboral, como motivo de exclusão do concurso, esteja ou não previsto esse motivo de exclusão no programa do concurso - n.º 2 do artigo 1.º-A, do Código de Contratos Públicos; o documento exigido no ponto 6.1, alínea e), do programa do concurso.

Dispõe a alínea e) do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos que são excluídas as propostas cuja análise revele:

“Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte”.

E determina o artigo 71º do mesmo diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 170/2019, de 0412, diploma em vigor à data de abertura do concurso e do acto de adjudicação aqui em causa, sob a epígrafe: “Preço ou custo anormalmente baixo”:

“1 - As entidades adjudicantes podem definir, no programa de concurso ou no convite, as situações em que o preço ou o custo de uma proposta é considerado anormalmente baixo, tendo em conta o desvio percentual em relação à média dos preços das propostas a admitir, ou outros critérios considerados adequados.

2 - A entidade adjudicante deve fundamentar a necessidade de fixação do preço ou do custo anormalmente baixo, bem como os critérios que presidiram a essa fixação, designadamente os preços médios obtidos na consulta preliminar ao mercado, se tiver existido.

3 - O órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de exclusão de uma proposta com essa justificação, solicitando previamente ao respetivo concorrente que preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta.

4 - Na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente nos termos do número anterior, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente:

a) À economia do processo de construção, de fabrico ou de prestação do serviço;
b) Às soluções técnicas adotadas ou às condições excecionalmente favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação objeto do contrato a celebrar;
c) À originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos;
d) Às específicas condições de trabalho de que beneficia o concorrente;
e) À possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente concedido;
f) À verificação da decomposição do respetivo preço, por meio de documentos comprovativos dos preços unitários incorporados no mesmo, nomeadamente folhas de pagamento e declarações de fornecedores, que atestem a conformidade dos preços apresentados e demonstrem a sua racionalidade económica;
g) Ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no n.º 2 do artigo 1.º-A.

Da conjugação dos preceitos contidos nestes dois artigos, e em particular dos termos utilizados “podem” (n.º1 do artigo 71º), “pode tomar-se em consideração” e “designadamente”, poderíamos ser levados a concluir, como na decisão recorrida, que o não cumprimento das obrigações laborais por parte do operador económico concorrente, patente nas peças da proposta apresentada, não é motivo de exclusão se não estiver definido no programa do concurso o que seja “preço anormalmente baixo” nem o preço proposto tenha sido considerado como tal, “ad hoc”, pela entidade adjudicante.

Sucede que o artigo 1º-A do Código de Contratos Públicos, sob a epígrafe “Princípios”, para o qual remete a alínea g) do n.º4 do artigo 71º do mesmo diploma, acima citado, impõe, entendemos, a solução defendida no caso concreto, pela Recorrente e pelo Ministério Público:

“1 - Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação.

2 - As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.

3 - Sem prejuízo da aplicação das garantias de imparcialidade previstas no Código do Procedimento Administrativo, as entidades adjudicantes devem adotar as medidas adequadas para impedir, identificar e resolver eficazmente os conflitos de interesses que surjam na condução dos procedimentos de formação de contratos públicos, de modo a evitar qualquer distorção da concorrência e garantir a igualdade de tratamento dos operadores económicos.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se conflito de interesses qualquer situação em que o dirigente ou o trabalhador de uma entidade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da entidade adjudicante, que participe na preparação e na condução do procedimento de formação de contrato público ou que possa influenciar os resultados do mesmo, tem direta ou indiretamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do referido procedimento.”

O n.º 2 deste artigo não deixa margem para dúvidas de que impende sobre as entidades adjudicantes o dever de assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria laboral.

Ou seja, o controle do respeito das normas em matéria laboral não é uma mera faculdade, é um dever para as entidades adjudicantes.

E é um dever não apenas na fase de execução do contrato, como parece depreender-se da decisão recorrida, mas logo no momento de formação dos contratos.

No caso concreto não se vê como poderia o Município demandado assegurar o cumprimento da legislação laboral por parte da Contra-Interessada, logo na fase de formação do contrato, que não fosse pela exclusão da sua proposta.

De acordo com os cálculos efectuados pela Recorrente, resumidos na conclusão S) das suas alegações, o cumprimento das obrigações laborais, designadamente do pagamento dos acréscimos devidos pelo trabalho nocturno e em dias feriados, implicaria para a Contra-Interessada apresentar uma proposta com um mínimo de 6.424€07 para um posto 24 horas de vigilância, acima do valor apresentado, de 6.213€50.

Daí que fosse essencial a apresentação, enquanto documento da proposta, de uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)”.

Ora nem em sede de esclarecimentos poderia este incumprimento da lei laboral ser superado pois tal se traduziria numa proposta substancialmente diversa, sendo certo que o valor da proposta era um factor decisivo e essencial no concurso – n.º2 do artigo 72º do Código de Contratos Públicos.

Conclui-se que o incumprimento de normas laborais, patentes na proposta da Contra-Interessada, são fundamento legal, imperativo, para a exclusão da sua proposta.

Daí que também não se possa invocar aqui o princípio basilar da concorrência nos concursos públicos porque este apenas permite admitir o maior leque possível de propostas que possam ser consideradas legais.

O que não é o caso, por ser patente do próprio teor da proposta, o incumprimento das obrigações laborais por parte da Contra-Interessada.

2 – O afastamento da exclusão pela violação da lei em matéria laboral com base na possibilidade obter um auxílio de Estado, ainda não concedido.

Pelo que acabou de se expor, forçoso se torna concluir que a possibilidade de obter um auxílio de Estado, invocado para afastar a exclusão da proposta da Contra-Interessada, não serve para afastar a imperatividade, neste caso, da exclusão desta proposta.

A parte final da alínea e) do n.º4 do artigo 71º do Código de Contratos Públicos determina expressamente que apenas pode tomar-se em consideração para justificar um preço anormalmente baixo a possibilidade de obter um auxilio de Estado “desde que legalmente concedido”.

Em primeiro lugar porque na fase de apresentação das propostas – e logo aqui se devia verificar o cumprimento das obrigações laborais – não foi documentado ou sequer invocado que esse apoio foi concedido, legalmente ou não.

Depois porque o apoio ou incentivos ao emprego eram neste caso incompatíveis com a obrigação constante da cláusula 12.3 das condições gerais do caderno de encargos, e que resulta do artigo 285º, n.ºs 1,2 e 10 do Código de Trabalho, a de manter os trabalhadores ao serviço no mesmo posto, no Convento de (...), em causa neste procedimento de concurso.

Pelo que não havia justificação para não excluir a proposta da Contra-Interessada.

3- O preço anormalmente baixo como fundamento para a exclusão da proposta vencedora, da Contra-Interessada, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea e), do Código dos Contratos Públicos.

Também aqui se impõe concluir pela imposição legal de exclusão da proposta da Contra-Interessada.

Na verdade, como acima se defendeu, a alínea e) do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos determina que podem ser excluídas do concurso as propostas cuja análise revele um preço anormalmente baixo e no caso concreto a proposta apresentada pela Contra-Interessada tem um valor inferior ao mínimo que o cumprimento das obrigações laborais lhe imporia, não justificando o preço apresentado a possibilidade, futura, hipotética e incompatível com o caderno de encargos, de obter apoios do Estado.

Pelo que face à imposição legal de a entidade adjudicante controlar, logo da fase de formação do contrato, o cumprimento das obrigações laborais- n.º 2 do artigo 1.º-A, do Código de Contratos Públicos -, forçoso se torna concluir que é um preço anormalmente baixo um preço que está abaixo dos mínimos que o cumprimento das leis laborais impõe.

4- A falta de apresentação de documento exigido no ponto 6.1, alínea e), do programa do concurso, como motivo de exclusão, nos termos do disposto artigo 70.º, n.º 2, al. a) do Código dos Contratos Públicos.

Do programa do concurso, - ponto 6.1 alínea e) – constava a exigência de a apresentação, enquanto documento da proposta, de uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)”.

Ora a Contra-Interessada não apresentou documento com estas exigências. Apresentou um documento em que não discrimina, em concreto, o trabalho prestado em dias úteis e ao fim-de-semana, englobando tudo no mesmo preço/hora.

O que equivale à não apresentação do documento exigido no programa do concurso, dado ser essencial essa discriminação, para verificação do cumprimento ou não, das obrigações laborais, nos termos acima expostos.

Estando a Entidade Adjudicante, face às normas acima indicadas, vinculada a exigir o cumprimento das obrigações laborais por parte dos operadores económicos, é de pressupor que quis que os concorrentes se vinculassem nos termos desse documento.

O que torna a não apresentação de tal documento, com os custos do trabalho discriminado por espécies, motivo de exclusão, nos termos das disposições combinadas do artigos 57º, n.º1., alínea c), e 70.º, n.º 2, al. a) do Código dos Contratos Públicos.
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De tudo o exposto se conclui que, ao contrário do decidido, se impunha excluir do concurso a proposta da Contra-Interessada.
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Excluída a proposta da Contra-Interessada e sendo o preço o único critério de adjudicação ao Município demandado não restava outra alternativa legal que não fosse adjudicar o serviço posto a concurso à Autora, a segunda classificada e a cuja proposta não foi imputada qualquer causa de exclusão.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam a acção totalmente procedente e, assim:

1. Anulam o acto de adjudicação impugnado.

2. Condenam o Município Demandado a excluir do concurso a proposta da Contra-Interessada e a adjudicar a prestação de serviços à Autora.

3. Anulam o contrato que tenha sido celebrado com a Contra-Interessada a coberto deste concurso.

Custas por ambos os demandados na Primeira Instância.

Custas apenas pela Contra-Interessada no presente recurso, dado o Município Demandado não ter apresentado contra-alegações.
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Porto, 29.04.2022


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre