Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01479/16.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
ERRO DE ESCRITA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I – Acolhe e exprime-se no artigo 249.º do Código Civil um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade.
III – Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação.
IV - O erro na declaração ou erro obstáculo existe quando, não intencionalmente –por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
V – O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita.
VI – Se as circunstâncias em que a declaração é efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.
VII - No contrato de garantia bancária vale apenas o que está escrito no documento que o titula, pelo que será através da interpretação da declaração negocial contida no título, efectuada à luz dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e, portanto, segundo a teoria da impressão do destinatário, que se apurará a natureza da garantia prestada e os termos em que o foi.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

“Banco…, S.A.”, NIPC 5…, com sede na Rua…, Porto, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 12/09/2017, que julgou improcedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, consubstanciado no despacho que determinou o accionamento da garantia bancária n.º PB 077/2006, complementado pelo despacho proferido pelo Excelentíssimo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, de 27 de Abril de 2016, através do qual se determina a prossecução dos autos para execução da entidade garante, absolvendo, por conseguinte, a Administração Tributária do pedido.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a reclamação do ato do órgão de execução fiscal, consubstanciado no despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, constante do Ofício n.º 00267/3204.03, de 08.01.2016, complementado pelo despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 2, de 27.04.2016, constante do Ofício n.º 003961/3204.03, de 27.04.2016;
2.ª Como resulta da factualidade dada como provada na sentença recorrida, a solicitação de N… e de J…, o Recorrente emitiu uma garantia bancária no valor de € 150.370,58, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 (cf. ponto 10 da factualidade dada como provada na sentença recorrida);
3.ª Não obstante o exposto, a aludida garantia bancária foi apresentada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3204199801031996, com vista à sua suspensão;
4.ª O Tribunal a quo acolheu o entendimento sufragado pela Fazenda Pública, no sentido de que se está perante um lapso de escrita, revelado pelo próprio contexto da declaração, considerando que “(…) não poderia a garantia bancária destinar-se a acautelar a receita pública no processo de execução fiscal n.º 3204991000039, dado que o mesmo já se encontrava extinto, tendo em 05 de junho de 2014, o executado apresentado requerimento a solicitar que seja oficiado ao BANCO... o levantamento da garantia bancária relativa ao processo 3204199901000039 (facto provado n.º 10), pelo que resulta claro que os processos tinham garantias bancárias diversas e com datas diversas, sendo que a garantia bancária em causa nos presentes autos data de 20 de setembro de 2006 (facto provado n.º 9)” (cf. página 11 da sentença recorrida);
5.ª Não pode o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida;
6.ª Com efeito, e desde logo, não se depreende da citação da sentença recorrida acima transcrita a relação entre o requerimento apresentado pelo executado N… em 5 de junho de 2014 com vista ao levantamento da garantia bancária prestada pelo Recorrente, e a conclusão de que o processo de execução fiscal sub judice e o processo de execução fiscal com o n.º 3204199901000039 têm garantias bancárias diversas e com datas diversas;
7.ª Atendendo a que, tanto quanto depreende o Recorrente, é desta circunstância que se extrai a constatação de que houve um lapso de escrita, considera o Recorrente que a fundamentação em que tal assenta se afigura, com o devido respeito, pouco clara;
8.ª A circunstância de, como se refere na sentença recorrida, o processo de execução fiscal com o n.º 3204199901000039 já se encontrar extinto à data em que foi emitida a garantia sub judice, não desvaloriza o erro na indicação do número do processo como mero lapso de escrita;
9.ª É que, este erro não é isento de consequências e, no limite, caso aquele processo não se encontrasse extinto, colocaria o garante numa posição inadmissível que seria a de poder ser chamado a pagar a dívida no processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 – número de processo referido na garantia – e no processo de execução fiscal n.º 3204199801031996 – número de processo a que foi afeta a garantia;
10.ª Esta é uma situação insustentável e geradora de insegurança para o garante e que leva, assim, à conclusão de que aquele erro não pode ser qualificado como um mero lapso de escrita;
11.ª Independentemente de à indicação daquele número de processo poder subjazer um lapso – a que o Recorrente é alheio – o que é certo, é que, a garantia foi emitida para aquele processo de execução fiscal e não para qualquer outro, não podendo, em qualquer circunstância, ser acionada no âmbito de qualquer outro processo de execução;
12.ª De facto, constatando a administração tributária que a garantia bancária não indicava o número do processo de execução fiscal que, na verdade, se pretendia suspender, deveria o serviço de finanças ter recusado a garantia bancária, solicitando ao Executado que diligenciasse pela obtenção de nova garantia;
13.ª Nos termos do artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil (CC) “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (…).”, pelo que, não tendo o Recorrente garantido o pagamento da dívida exequenda nos presentes autos, não pode, pois, proceder ao seu pagamento;
14.ª Em segundo lugar, importa notar que subjacente à emissão da garantia bancária em apreço está um contrato de garantia celebrado entre o ora Recorrente e o Executado, em benefício da administração tributária, respeitante a uma situação fáctica e jurídica – suspensão do processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 – de que o Recorrente tomou oportunamente conhecimento, através do Ofício n.º 6056, de 28.08.2006, e de cuja valoração resultou a decisão de prestar a garantia;
15.ª Se a situação fáctica apresentada ao Recorrente, em concreto a identificação do processo de execução fiscal, não se encontra correta, por motivos que lhe são alheios, tal facto não lhe pode ser oposto pelo beneficiário da garantia que, aliás, deu causa à situação;
16.ª Tendo em consideração que o Recorrente se constituiu garante no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3204199901000039, e não nos presentes autos de execução, não lhe pode ser exigido o cumprimento da obrigação, nos termos do artigo 200.º, n.º 2, do CPPT, sendo, por isso legítima a sua recusa em proceder ao pagamento;
17.ª Não tendo assim decidido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, devendo ser anulada;
18.ª Assim, em face de todo o exposto, deve julgar-se procedente o presente recurso, anulando a sentença recorrida na parte objeto de recurso;
19.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o que acima se aduziu, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem proceder, sempre se dirá que o presente despacho é ilegal, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida;
20.ª Considerou o Tribunal a este respeito que destinando-se a garantia bancária a assegurar a cobrança de receita tributária, a mesma pode ser imediatamente acionada após o incumprimento do executado, sem lugar a excussão prévia do património do devedor;
21.ª Salvo o devido respeito, a presente sentença incorre também em erro nesta parte;
22.ª Com efeito, o Tribunal efetuou o seu juízo sem ter em consideração que as garantias das obrigações não assumem todas a mesma natureza;
23.ª Não se trata de colocar em causa que a mesma foi prestada para assegurar a cobrança coerciva de uma dívida, mas de atender à sua natureza e aos próprios condicionamentos legais que são impostos a este nível;
24.ª Desde logo, a interpelação do ora Recorrente para, na qualidade de garante e sob pena de ser executado, proceder ao pagamento da dívida objeto da execução só poderia verificar-se caso aquele se tivesse obrigado como principal pagador, isto é, quando se obriga a proceder ao pagamento do montante garantido independentemente de interpelação do devedor, nos termos do artigo 153.º, n.º 1, do CPPT, o que não sucedeu;
25.ª É neste contexto que deve ser perspetivada a citação para pagamento, sob pena de ser executado, prevista no artigo 200.º, n.º 2, do CPPT;
26.ª Ora, tal não sucedeu no caso sub judice, já que da garantia prestada não consta qualquer menção a que o garante se tenha obrigado como principal pagador;
27.ª Deste modo, na falta de disposição expressa, é imperativo concluir que o garante não se obrigou como principal pagador, pelo que não é possível dirigir originariamente a execução sub judice contra o garante, ora Recorrente, resultando, assim, evidente o erro em que incorreu a este respeito a sentença recorrida;
28.ª Efetivamente, tendo presente a falta de disposição expressa no sentido da obrigação como principal pagador, sempre se impunha à administração tributária que tivesse efetuado a prévia notificação do Executado para pagamento da dívida e, caso este não efetuasse o pagamento voluntário da dívida, que tivesse prosseguido a execução contra o mesmo até integral pagamento da dívida, atento o benefício de excussão prévia de que o garante beneficia;
29.ª Com efeito, resulta desde logo da natureza da garantia bancária que a interpelação do ora Recorrente para, na qualidade de garante, proceder ao pagamento da dívida objeto da execução deveria ser acompanhada de prova bastante, que demonstrasse os pressupostos em que assenta o direito ao crédito;
30.ª Isto porque a garantia bancária emitida pelo Recorrente constitui uma garantia acessória ou não autónoma;
31.ª Enquanto que, nas garantias autónomas, a obrigação assumida pelo garante é independente e não acessória da obrigação de prestar ou de indemnizar que recai sobre o devedor do contrato base (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2014, proferido no processo n.º 0507/14), nas garantias acessórias ou não autónomas a obrigação assumida pelo garante está funcionalmente ligada ao contrato base do qual derivam as obrigações garantidas, sendo afetada pelas vicissitudes daquele (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31.01.2006, proferido no âmbito do processo n.º 0523866);
32.ª Quer isto dizer que, nas garantias acessórias ou não autónomas o garante pode recusar o pagamento da dívida garantida (através da invocação de exceções, como será, por exemplo, a inexigibilidade da dívida ou a sua extinção por prescrição) (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2014, proferido no processo n.º 0507/14);
33.ª Ora, no texto da garantia bancária em apreço não é feita qualquer referência à assunção pelo ora Recorrente de uma obrigação própria;
34.ª Deste modo, é pois manifesto que o Recorrente assumiu tão-só uma obrigação acessória, dependente do conteúdo da obrigação do Executado;
35.ª Assim, estando em causa uma garantia não autónoma, impõe-se ao credor – in casu, a administração tributária – que demonstre a exigibilidade, validade e subsistência da dívida cujo cumprimento exige ao garante – in casu, o ora Recorrente;
36.ª Ora, na situação vertente tal só se poderia dar por efetuado se a administração tributária houvesse demonstrado, mediante elemento probatório bastante, (i) a inexistência do fundamento suspensivo do processo de execução fiscal; (ii) a interpelação do Executado para proceder ao pagamento da dívida; e (iii) a excussão de todo o património do Executado;
37.ª Todavia, a administração tributária não comprovou, como se lhe impunha, a verificação do circunstancialismo que constitui pressuposto do nascimento do seu crédito face ao mesmo;
38.ª Assim, não tendo sido efetuada qualquer prova daquele circunstancialismo perante o Recorrente, é evidente a ilegalidade do despacho sub judice, o qual deve, também com este fundamento, ser anulado;
39.ª Razão pela qual deve julgar-se procedente o recurso, determinando-se a anulação da sentença recorrida nesta parte;
40.ª Acresce que, mesmo que subsistissem dúvidas quanto à natureza da garantia prestada, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, e que a mesma fosse suscetível de ser qualificada como uma garantia autónoma, esta sempre assumiria a modalidade de garantia autónoma simples, para cuja interpelação do garante continua a ser necessária prova de exigibilidade da dívida, e nunca a modalidade de garantia autónoma automática;
41.ª Com efeito, a automaticidade da garantia resulta da inclusão, no seu texto, de cláusulas através das quais se possa concluir, de forma inequívoca, pela intenção do garante em assumir uma obrigação independente e de cumprimento automático (cf., a título exemplificativo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 16.06.2011, no âmbito do processo n.º 2760/08.1TBVCD-A.P1);
42.ª Assim, sendo evidente que não resulta da garantia prestada qualquer expressão que aponte para o seu carácter automático, a mesma sempre seria uma garantia autónoma simples, pelo que a interpelação para pagamento da dívida careceria sempre de prova dos factos que sustentam a exigibilidade da dívida;
43.ª Pelo que, não tendo sido efetuada qualquer prova daquele circunstancialismo perante o ora Recorrente, é evidente a ilegalidade da interpelação para pagamento, nos termos do artigo 200.º, n.º 2, do CPPT, razão pela qual não pode o ato sub judice manter-se;
44.ª Deste modo, também com este fundamento se conclui pela ilegalidade da sentença recorrida, a qual deve ser anulada, julgando-se procedente o presente recurso.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação do ato reclamado nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao entender que o erro na garantia bancária de identificação do processo de execução fiscal consubstancia um lapso de escrita e ao considerar legal a interpelação da Recorrente para pagamento, nos termos do artigo 200.º, n.º 2, do CPPT.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1. O processo de execução fiscal 320419801031996 foi instaurado a 01 de outubro de 1998 contra N…, por dívidas de Imposto sobre as Sucessões e Doações do ano de 1998 no valor de € 111.044,75 – cfr. fls. 46 a 52 do processo físico;
2. O executado foi citado a 08 de novembro de 1999 – cfr. fls. 53 e 53 verso;
3. A 19 de outubro de 2000, foi efectuada penhora do imóvel sito na freguesia de Arcozelo, registado na matriz predial urbana sob o artigo 9…º - cfr. fls. 55 a 63 do processo físico;
4. A 21 de julho de 2006 o executado apresentou requerimento no Serviço de Finanças no qual solicita a substituição da penhora sob o imóvel penhorado nos autos por caução bancária a prestar pelo Banco…– cfr. fls. 65 a 67 do processo físico;
5. O requerimento referido em 4) foi dirigido ao processo 3204199901000039, o qual foi instaurado por dívidas de imposto sobre as sucessões e doações do ano de 1998, no valor de € 212.696,60 contra J…, processo esse que foi extinto por pagamento integral a 03 de janeiro de 2003 – cfr. fls. 66, 167, 223 a 230 e 269 do processo físico;
6. Por despacho datado de 28 de agosto de 2006 foi deferida a substituição da garantia prestada, tendo sido fixada o valor desta no montante de €150.370,58 – cfr. fls. 68 do processo físico;
7. Pelo ofício 6056, datado de 28 de agosto de 2006 foi o executado notificado do despacho de deferimento da requerida substituição de garantia – cfr. fls. 70 do processo físico;
8. No referido ofício era identificado o PEF 3204199901000039, referindo-se que o mesmo foi instaurado contra N…– fls. 70;
9. A 25 de setembro de 2006 o executado apresentou junto do Serviço de Finanças a garantia bancária nº PB 077/2006 prestada pelo Reclamante – cfr. fls. 79 do processo físico.
10. A referida garantia, datada de 20 de setembro de 2006, apresenta o teor seguinte:
“Em nome e a pedido de N…, titular do Bilhete de Identidade n.º 7…, emitido em 6 de Abril de 1999, pelos SIC de Lisboa, NIF 1…, residente na Rua…, 4405 Miramar – Vila Nova de Gaia, e de J…, titular do Bilhete de Identidade n.º 2…, emitido em 22 de Maio de 2000, pelos SIC de Lisboa, NIF 1…, residente na Rua…, 4405 Miramar, vem o BANCO…, S.A., sociedade comercial anónima com sede na Rua…, no Porto, pessoa colectiva n.º 5…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º 5…, com o capital social de € 20.000.000, aqui representado pelos seus signatários, declarar que presta, pelo presente instrumento, uma garantia bancária a favor da Direcção-Geral dos Impostos, até ao montante de € 150.370,58 (cento e cinquenta mil trezentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos), respondendo este Banco, dentro desta garantia, pela entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até ao citado limite de € 150.370,58 (cento e cinquenta mil trezentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos), se N…, NIF 1…, residente na Rua…, 4405 Miramar – Vila Nova de Gaia, com elas não entrar no devido tempo.
Esta garantia visa substituir a penhora efectuada sobre o imóvel sito na freguesia de Arcozelo, descrito sob o n.º 02569/241000, no processo executivo n.º 3204.1999.01000039, conforme ofício n.º 6056 de 28 de Agosto 2006.
O valor total desta garantia é, pois, de € 150.370.58 (cento e cinquenta mil trezentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos) e é valida até que a Direcção-Geral dos Impostos – 2.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia comunique o respectivo cancelamento.” – cfr. fls. 80 do processo físico;
11. A 05 de junho de 2014, o executado indicando o PEF 3204199901000039, apresentou requerimento a solicitar que “se oficie ao BANCO... –o levantamento da garantia bancária relativa ao processo em epígrafe” – cfr. fls. 85 e 86 do processo físico;
12. Pelo ofício 00267/3204.3, datado de 08 de janeiro de 2016, com aviso de receção assinado a 14 de janeiro de 2016, foi o Banco BANCO..., S.A. informado que deixou de existir o fundamento suspensivo do processo executivo objeto da garantia bancária e citado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 200.º, n.º 2 do CPPT para no prazo de 30 dias proceder à emissão de cheque à ordem do IGCP para o pagamento da quantia exequenda e acrescidos legais até ao montante da garantia prestada – cfr. fls.130 e 131 do processo físico;
13. Pelo ofício 002349/3204.03, datado de 09 de março de 2016, foi o Banco BANCO..., S.A. interpelado para cumprir o solicitado no ofício referido em 11 – cfr. fls. 132 e 133 do processo físico;
14. A 16 de março de 2016, o Banco BANCO..., S.A. apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças para ser esclarecido sobre:
a. A que processo de execução fiscal se refere o pedido de pagamento;
b. Qual a situação da dívida tributária, designadamente se a mesma se encontra prescrita;
c. Qual o montante a pagar ao abrigo da garantia bancária n.º PB 77/2006 – cfr. fls. 134 e 135 do processo físico;
15. No seguimento deste requerimento o Banco BANCO..., S.A. foi notificado do teor do ofício n.º 002948/3204.3 de 24 de março de 2016, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, e no qual se reitera o último parágrafo do ofício 00267/3204.03 – cfr. fls. 137 e 138 do processo físico;
16. A 20 de abril de 2016, o Banco BANCO..., S.A. apresenta pedido de esclarecimento, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, relacionado com a extinção do processo executivo com o n.º 3204199901000039 – cfr. fls. 216 e 217 do processo físico;
17. O OEF proferiu despacho a 27 de abril de 2016 a ordenar o prosseguimento dos autos para execução da entidade garante – cfr. fls. 218 e 219 do processo físico;
18. Pelo ofício 003961/3204.3, datado de 27 de abril de 2016, foi o Banco BANCO..., S.A. notificado deste despacho, ofício esse recebido a 29 de abril de 2016 – cfr. fls. 220 e 221 do processo físico;
19. O Banco BANCO..., S.A. tem o NIPC 5…e sede na Rua…, no Porto – certidão permanente com o código de acesso 647530817004 a folhas 443 a 470 do processo físico;
20. E o Reclamante Banco…, S.A., tem o NIPC 5…, com sede na Rua…, no Porto - certidão permanente com o código de acesso 220203608652 a folhas 471 a 477, do processo físico;
21. O Reclamante tomou conhecimento dos despachos referidos através do Banco BANCO..., S.A. em 5 de maio de 2016 – cfr. fls. 130 a 133, 137 a 139, 191, 192;
22. Os presentes autos de reclamação foram remetidos por correio registado a 12 de maio de 2016 – cfr. fls. 34 do processo físico.
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MOTIVAÇÃO.
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada um dos pontos, que não tendo sido impugnados, nos mereceram credibilidade.
Dos factos provados em 19 e 20, o Tribunal extrai a conclusão de que o BANCO... e o Banco…são pessoas colectivas distintas. Não obstante as designações de ambas, que induzem tratar-se uma da abreviatura da outra, o certo é que foi demonstrado que têm NIPC distintos e certidões permanentes distintas.
O facto provado de que o R. teve conhecimento dos despachos elencados no probatório através do BANCO..., e que o teve em 5.05.2016, resulta da convicção do Tribunal de que tendo a AT dirigido tais ofícios ao BANCO..., que tem sede no mesmo local do R., é credível que tenha assim chegado ao seu conhecimento nessa data.
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”
*
2. O Direito

A Recorrente insurge-se contra o teor da sentença recorrida por considerar insustentável que o erro cometido na emissão da garantia bancária possa ser qualificado como um mero lapso de escrita.
A decisão recorrida julgou ser exigível o pagamento da quantia exequenda à Reclamante por ser garante nos presentes autos, atribuindo a indicação do processo de execução fiscal constante da garantia bancária a um erro de escrita, nos seguinte termos:
“(…)Da inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda à Reclamante por não ser garante nos presentes autos
O Reclamante alega, em síntese, que a garantia bancária accionada não é garantia nos presentes autos de execução fiscal, mas sim no processo de execução fiscal n.º 3204199901000039, pelo que é inexigível ao Reclamante o pagamento da quantia exequenda.
A Fazenda Pública entende que resulta claramente dos autos de execução fiscal que a garantia bancária em causa nestes autos visava a requerimento do executado substituir a penhora do imóvel sito na freguesia de Arcozelo, pois identifica o executado, o valor a garantir, assim como o ofício que levou ao conhecimento do executado a autorização de substituição de garantia, acrescendo o facto de o processo por lapso indicado na garantia já se encontrar integralmente pago à data da prestação da garantia em causa. Acrescenta que a indicação do n.º do PEF não é um elemento essencial do negócio celebrado, não podendo um erro de escrita como o evidenciado colocar em causa a validade da garantia prestada.
Resulta dos factos provados que o requerente da substituição da penhora do imóvel sito na freguesia de Arcozelo descrito sob o n.º 02569/241000 pela prestação de garantia bancária é N…, contra o qual foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3204981031996 por dívidas de Imposto sobre as Sucessões e Doações do ano de 1998 no valor de € 111.044,75.
Resulta também do probatório que o processo de execução fiscal n.º 3204991000039, no qual foi apresentado o pedido do executado de substituição de penhora de imóvel por garantia bancária, foi instaurado por dívidas de imposto sobre as sucessões e doações do ano de 1998, no valor de €212.696,60 contra J…, processo esse que foi extinto por pagamento integral a 03 de janeiro de 2003.
Ora não poderia a garantia bancária destinar-se a acautelar a receita pública no processo de execução fiscal n.º 3204991000039, dado que o mesmo já se encontrava extinto, tendo em 05 de junho de 2014, o executado apresentado requerimento a solicitar que seja oficiado ao BANCO... o levantamento da garantia bancária relativa ao processo 3204199901000039 (cf. facto provado n.º 10), pelo que resulta claro que os processos tinham garantias bancárias diversas e com datas diversas, sendo que a garantia bancária em causa nos presentes autos data de 20 de setembro de 2006 (facto provado n.º 9), sendo notório que ocorreu um lapso de escrita referente ao n.º do processo de execução fiscal. Este lapso foi iniciado no requerimento do executado de substituição de penhora de imóvel por garantia bancária e originante de uma sequência de lapsos sucessivos nesta indicação (nomeadamente no ofício que autoriza a prestação da garantia) até se chegar ao lapso de escrita referente à indicação do n.º do processo de execução fiscal na garantia bancária n.º PB 077/2006, prestada pelo Reclamante.
O lapso de escrita supra indicado configura um erro de escrita nos termos do artigo 249, do Código Civil, lapso esse que se revela no próprio contexto da declaração e através da circunstâncias em que a declaração é feita. Com efeito, dos factos provados resulta assim que a garantia foi prestada para efeitos de substituir a penhora do imóvel, sito na freguesia de Arcozelo descrito sob o n.º 02569/241000 efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3204981031996 por dívidas de Imposto sobre as Sucessões e Doações do ano de 1998 no valor de €111.044,75, no qual é executado N…, pelo que é a este processo que a mesma se encontra afecta.
Com efeito, os factos que contribuíram para esta decisão são os seguintes:
• O requerimento para substituição da penhora por garantia foi efectuado por N…;
• N… indicou nesse requerimento o PEF 3204199901000039, que havia sido instaurado contra J…;
• A quantia exequenda no PEF 3204199901000039 em que é executado J… é de €212.696,60, enquanto no PEF 3204981031996, em que é executado N… é de €111.044,75, sendo a garantia no valor de €150.370,58;
• A AT defere o requerido, notificando o mandatário de N…, pelo ofício 6056 indicando o PEF 3204199901000039, fazendo ali constar que o mesmo foi instaurado contra N…;
• O ora Reclamante presta garantia ali mencionado que a mesma é prestada a pedido de N… e J…, que visa substituir a penhora de imóvel efectuada no PEF 3204199901000039, conforme ofício 6056, se N… não pagar em tempo.
Relacionando estes elementos, nomeadamente, quem fez o pedido de prestação de garantia, as quantias exequendas e o valor da garantia prestada leva-nos àquela conclusão.
Acresce, que a própria garantia apesar de referir que foi a pedido dos dois executados e de indicar o PEF em que é executado J…, diz que a garantia é prestada em resposta ao ofício 6056 – que corresponde à notificação do deferimento do pedido de prestação de garantia efectuado por N…– fazendo ali constar que será accionada se N… não pagar.
Assim sendo, o Tribunal entende que apesar do lapso indicado no PEF, nunca houve dúvidas para qualquer dos intervenientes de que a garantia foi prestada no PEF em que era executado N… e este era o PEF 3204981031996.
Termos em que é exigível o pagamento da quantia exequenda à Reclamante por ser garante nos presentes autos. (…)”
O erro na declaração é uma figura que consubstancia divergência entre a vontade real e a vontade declarada, e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo.
O erro na declaração ou erro obstáculo existe quando, não intencionalmente – v.g., por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
Acolhe e exprime-se no artigo 249.º do Código Civil um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
Todavia, para o preenchimento legítimo daquela permissão importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade – cfr. Acórdão do STA, de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0586/14.
Os erros dizem-se, portanto, de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – cfr. artigo 249.º do Código Civil.
Nesta conformidade, não podemos acompanhar a Administração Tributária, com a segurança e certeza exigíveis, de que estamos perante um lapso de escrita manifesto, e que a sentença recorrida acolheu.
O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita. Se as circunstâncias em que a declaração foi efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.
A prova que não pode ser considerado um erro de escrita é precisamente a referência, na própria garantia bancária, de que é prestada em resposta ao ofício 6056. Ora, este ofício indica expressamente o mesmo processo de execução fiscal que consta do documento que titula a garantia bancária – cfr. ponto 8 do probatório. O lapso seria, sim, grosseiro e evidente se o ofício identificasse um determinado processo de execução fiscal e a garantia emitida em consequência do teor desse ofício errasse na redacção do número do processo executivo. Mas tal não se verifica: a identificação do processo de execução fiscal no documento que titula a garantia surge na sequência da sucessiva indicação do processo n.º 3204199901000039.
No entanto, existem outras circunstâncias que não revelam a evidência do erro, permitindo a dúvida, inviabilizando a sua rectificação.
O contrato de garantia bancária assenta numa relação comercial tripartida. No âmbito do direito fiscal, podemos definir garantia bancária como sendo o documento emitido pelo banco, a pedido do seu cliente (o requerente), a favor da Fazenda Pública (a beneficiária da garantia idónea) perante o qual o banco assume a obrigação de, nos termos do texto da garantia, pagar a dívida tributária, caso esta não seja cumprida pontual e integralmente pelo seu cliente (o ordenador da garantia).
Isto para dizer que, embora a Fazenda Pública pugne pela verificação de um erro de escrita, não podemos descurar as posições dos outros dois intervenientes (o cliente e o banco). É verdade que estes têm interesses que não se articulam com o interesse da Fazenda Pública, o que pode justificar as posições antagónicas assumidas nos autos. No entanto, não é despicienda, em face do erro em apreço, a postura do declarante: dos comportamentos do cliente (executado no processo de execução fiscal) é possível retirar a ilação de inexistência de erro de escrita.
Seria, realmente, estranho admitir um erro que os próprios declarantes (cliente e banco) não assumem. Salientamos que aqui não existe contestação dos factos declarados, não se admite o lapso com o sentido constante do documento que titula a garantia bancária. Não está, com a segurança e certeza exigíveis, comprovado o facto que se quis declarar e foi erroneamente declarado, principalmente porque não está expressamente contido na declaração.
Por outro lado, também a Fazenda Pública, na qualidade de interessada, não solicitou a rectificação do erro.
Vejamos por que motivo, in casu, o erro não é revelado no próprio contexto da declaração.
Na sequência de liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações, em 1998, dois irmãos não procederam ao pagamento voluntário do mesmo – J… e N… (Processo de Imposto Sucessório n.º 1867 por óbito da mãe).
O processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 foi instaurado por dívidas de imposto sobre as sucessões e doações do ano de 1998, no valor de € 212.696,60, contra J…– cfr. ponto 5 do probatório.
O processo de execução fiscal n.º 320419801031996 foi instaurado contra N…, por dívidas de Imposto sobre as Sucessões e Doações do ano de 1998 no valor de € 111.044,75 – cfr. ponto 1 do probatório.
Em 2000, os dois irmãos executados deduziram processo de impugnação judicial conjuntamente, que correu termos no TAF do Porto, sob o n.º IMP183/00/22, contra essas liquidações de Imposto Sucessório (abrangendo a totalidade respeitante ao J… e ao N…).
Em ambos os processos de execução fiscal foi efectuada penhora dos respectivos direitos dos irmãos sobre o mesmo prédio – cfr. também o ponto 3 do probatório.
No processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 vinha sendo pedida pelo executado J…, desde logo, a substituição da penhora do prédio por caução por fiança pessoal do N…, que, apesar de o J… achar que tal pedido não teria chegado a ser analisado pelos serviços (porque não lhe foi notificada decisão), ao N… foi enviado o ofício n.º 6151, datado de 08/08/2000, para apresentar caução no valor de 63.727.580$00 no âmbito do PEF n.º 3204199901000039, instaurado a J…– cfr. fls. 242 a 245 do processo físico. Entretanto, em 03/01/2003, o J…, no âmbito do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro (aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social), pagou a sua parte da dívida. E, em 25 de Maio de 2006, foi promovido o levantamento da penhora do prédio e o chefe do serviço de finanças ordenou o cancelamento do respectivo registo - cfr. fls. 46 do PA apenso (o que foi recusado pela 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia em 30/06/2006 – cfr. fls. 50 do PA apenso aos autos e fls. 274 do processo físico).
No âmbito do processo n.º IMP183/00/22, por solicitação oficiosa, foi informado pelo serviço de finanças de Vila Nova de Gaia – 2 que o respectivo processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 foi extinto no âmbito do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro. Apesar desta informação que os tributos em causa estariam pagos, foram notificados os impugnantes para juntarem aos autos os elementos probatórios que tivessem disponíveis quanto à existência ou não de bens móveis no património da autora da herança ou requererem as diligências probatórias que entendessem convenientes para prova dos factos invocados nos artigos 49.º a 55.º da petição inicial. Em 30/03/2009, os impugnantes, em face da extinção do processo de execução fiscal, vieram solicitar a extinção da instância, por entenderem verificar-se inutilidade superveniente desses autos. Na verdade, parte do pedido dos impugnantes já se mostrava decidido, por acórdão do STA, faltando, residualmente, apreciar a parte relativa ao pedido de anulação da liquidação respeitante à transmissão de bens móveis presumidos. Uma vez que a situação tributária foi, entretanto, regularizada no âmbito do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, com o pagamento da obrigação tributária e a extinção do respectivo processo de execução fiscal em 24/05/2006, vieram os impugnantes requerer a extinção da instância, por a lide já não ter utilidade, demonstrando, assim, que já não tinham interesse na prossecução dos presentes autos. Ou seja, não obstante somente o J… ter regularizado a sua situação tributária, o órgão de execução fiscal informou o tribunal, no processo que incluía a impugnação das duas liquidações (dos dois irmãos) que já estava tudo pago. Inculcando a ideia que, subjacente às liquidações impugnadas, somente tinha sido instaurado o processo de execução fiscal n.º 3204199901000039. O tribunal entendeu que, em rigor, não se tratava de uma questão de inutilidade da lide. Contudo, uma vez que os elementos dos autos apontavam para a perda de interesse na prossecução dos autos, que decorreu da ocorrência de um facto concreto superveniente, a extinção do processo de execução fiscal, assim tratou a questão, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por sentença prolatada em 30/04/2009 (que se encontra ínsita no presente processo físico a fls. 40 a 44).
Em 21 de Julho de 2006, o executado N… apresentou requerimento no Serviço de Finanças no qual solicitou a substituição da penhora sobre o (mesmo) imóvel penhorado por caução bancária a prestar pelo Banco…, indicando o processo executivo n.º 3204199901000039 – cfr. ponto 4 da factualidade assente. Lembramos que sobre este prédio estavam ainda registadas duas penhoras: do direito de J… e do direito de N… sem determinação de parte do imóvel (cfr. fls. 33 do PA apenso aos autos). Por despacho datado de 28 de Agosto de 2006 foi deferida a substituição da garantia prestada, tendo sido fixado o valor desta no montante de €150.370,58 – cfr. ponto 6 do probatório. Pelo ofício 6056, datado de 28 de Agosto de 2006, foi o executado N… (através do seu mandatário) notificado do despacho de deferimento da requerida substituição de garantia – cfr. ponto 7 do probatório. Neste ofício era identificado o PEF n.º 3204199901000039, referindo-se que o mesmo foi instaurado contra N…– cfr. ponto 8 (quando, na verdade, este foi instaurado contra o irmão J…). Em 25 de Setembro de 2006, o executado N… apresentou junto do Serviço de Finanças a garantia bancária n.º PB 077/2006 prestada pelo Reclamante, ora Recorrente – cfr. ponto 9 do probatório.
Em 05 de Junho de 2014, o executado N… (mais uma vez, através do seu advogado), indicando o PEF n.º 3204199901000039, apresentou requerimento a solicitar que “se oficie ao BANCO... – Banco… o levantamento da garantia bancária relativa ao processo em epígrafe” – cfr. ponto 11 da factualidade apurada.
Ora, não vislumbramos como possa na sentença recorrida afirmar-se resultar claro que os dois processos de execução fiscal tinham garantias bancárias diversas e com datas diversas, dado que somente resultou provada a existência de uma única garantia bancária prestada, a que foi emitida em 20/09/2006, e cujo teor foi transcrito no ponto 10 do probatório.
Tudo se nos apresenta bastante duvidoso e cada elemento que acresce gera mais incerteza, impossibilitando a conclusão da verificação de um erro de escrita, antes apontando para circunstâncias que terão influenciado a formação da vontade.
Efectivamente, não se compreende que, estando já só pendente o processo de execução fiscal n.º 320419801031996, tenham ambos os irmãos (N… e J…) pedido à Recorrente a emissão da garantia bancária n.º PB 077/2006, quando o J… somente era executado no PEF n.º 3204199901000039. De todo o modo, não podemos esquecer que neste último o J… havia pedido a substituição da penhora do direito sobre o prédio por caução por fiança pessoal do N…, podendo tal explicar que no teor da garantia bancária sejam ambos a efectuar o pedido, aí constando que responde o Banco, ora Recorrente, dentro desta garantia, pela entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até ao limite de € 150.370,58 (cento e cinquenta mil trezentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos), se N…, NIF 1…, com elas não entrar no devido tempo.
Na verdade, tudo parece indiciar que os irmãos estariam convictos da existência somente de um único processo de execução fiscal (o n.º 3204199901000039), já que o processo de imposto sucessório seria o mesmo (n.º 1867), mas, confrontados com a recusa de levantamento do registo de penhora sobre o prédio (porque eram duas, incidiam sobre o direito do J… e sobre o direito do N…), tiveram que solicitar a substituição dessa garantia pela prestação da garantia bancária em crise.
A Administração Tributária não tratou de esclarecer atempada e devidamente a tramitação dos dois processos de execução fiscal, tendo mesmo contribuído para a total confusão, enviando o ofício 6056 também com a indicação do PEF n.º 3204199901000039 e aceitando, sem questionar, a garantia bancária n.º PB 077/2006 com referência, mais uma vez, ao processo n.º 3204199901000039.
Provavelmente, os irmãos terão sido também induzidos em erro pela informação prestada pelo serviço de finanças no âmbito do processo de impugnação n.º IMP183/00/22. Por outro lado, mal se compreende que somente após o pedido do executado N…, em 05/06/2014, de levantamento da garantia bancária, e de que lhe fosse certificado que sobre ele não pendia qualquer acção executiva, a Administração Tributária tenha pedido, por ofício de 30/07/2015, informação ao TAF do Porto acerca de um processo de impugnação onde havia sido proferida sentença final em 30/04/2009 – cfr. fls. 87 a 91 do processo físico.
Ora, não sendo o erro em apreço de fácil detecção, isto é, a própria declaração ou as circunstâncias em que ela foi feita não permitem a sua imediata identificação (aliás, os declarantes afirmam que a vontade expressa corresponde à vontade real, tudo apontando, ao invés, para eventual vício na formação da vontade), resta concluir que é inexigível à Recorrente o pagamento da quantia exequenda, por não ser garante nos presentes autos.
São várias as definições de garantia bancária que podemos apresentar, mas chegamos sempre à conclusão que a mesma visa garantir a execução de obrigações assumidas pelo cliente de determinado Banco, designado ordenador, perante terceiros, os beneficiários, assentando numa relação comercial tripartida. Isto é, primeiramente numa relação entre o devedor mandante da garantia e o beneficiário; numa relação entre o referido mandante e o Banco e por último numa relação entre o Banco e o beneficiário.
No âmbito fiscal temos que o beneficiário da garantia bancária é a Fazenda Pública, e a mesma tem como objectivo garantir determinada dívida fiscal.
Assim, resulta bem patente a preocupação e a necessidade de a Administração Fiscal efectuar uma apreciação rigorosa das garantias que são apresentadas para análise no sentido de assegurar os créditos tributários.
In casu, a Administração Tributária, claramente, descurou essa obrigação que sobre si impende, tendo como consequência inevitável a inexigibilidade à Recorrente do pagamento da dívida exequenda em análise nos presentes autos.
O Banco é o devedor, sendo legítimo que pretenda estar certo e seguro de que paga bem, sob pena de não poder exigir do devedor principal o reembolso da quantia liquidada.
Com efeito, no contrato de garantia bancária vale apenas o que está escrito no documento que o titula, pelo que será através da interpretação da declaração negocial contida no título, efectuada à luz dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e, portanto, segundo a teoria da impressão do destinatário, que se apurará a natureza da garantia prestada e os termos em que o foi.
Nestes termos, bem se compreende que a Recorrente se oponha ao pagamento da dívida exequenda, principalmente atenta a postura já evidenciada nos autos do devedor mandante, que, em 05/06/2014, já havia pedido o levantamento da garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3204199901000039 – cfr. ponto 11 do probatório.
Logo, urge conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, não existindo necessidade de mais considerações e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso.
Assim, impõe-se eliminar da ordem jurídica os actos que informam a Recorrente que deixou de existir o fundamento suspensivo do processo executivo objecto da garantia bancária, que deve proceder ao pagamento da quantia exequenda e acrescidos legais até ao montante da garantia prestada e que ordena o prosseguimento dos autos para execução da entidade garante.
Conclusões/Sumário

I – Acolhe e exprime-se no artigo 249.º do Código Civil um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade.
III – Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação.
IV - O erro na declaração ou erro obstáculo existe quando, não intencionalmente –por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
V – O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita.
VI – Se as circunstâncias em que a declaração é efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.
VII - No contrato de garantia bancária vale apenas o que está escrito no documento que o titula, pelo que será através da interpretação da declaração negocial contida no título, efectuada à luz dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e, portanto, segundo a teoria da impressão do destinatário, que se apurará a natureza da garantia prestada e os termos em que o foi.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a reclamação procedente e anular os actos reclamados.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, salvo quanto a taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou.
Porto, 07 de Dezembro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves