Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00738/05.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/21/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
CUSTOS COMUNS
CLUBES DESPORTIVOS
FUNDAMENTAÇÃO
VIOLAÇÃO DE LEI
Sumário:I - Consideram-se gastos comuns dos clubes desportivos os gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados para efeitos da determinação do rendimento global sujeito a imposto e que não estejam especificamente ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC.
II - Não obstante averiguar a correcção das quantias declaradas como custos comuns implicar um trabalho de “qualificação do facto tributário”, para que o tribunal possa sindicar correcções da AT à matéria tributável a esse respeito é necessário que esses actos que alteraram as declarações do contribuinte se mostrem fundamentados.
III - É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que existem indicadores fundados que legitimam a sua actuação de proceder a correcções às declarações dos contribuintes e provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional; e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
IV - Para apurar se uma decisão está, ou não, fundamentada impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
V - Há situações que se apelidam na jurisprudência de “discricionariedade imprópria”, em que há necessidade de densificação de conceitos indeterminados, que implicam uma margem de livre apreciação, que só podem ser apreciadas pelo tribunal em caso de erro ou critério manifestamente desajustado ou ainda violação dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade.
VI - É precisamente por este motivo que nas situações, como a em apreço, em que têm que se qualificar custos quanto à sua indispensabilidade ou conexão específica na obtenção de rendimentos, existe um dever de fundamentação acrescido, na medida em que somente através da mesma poderemos detectar a existência desse erro palmar.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:V... e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Digníssimo Magistrado do Ministério Público interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 09/01/2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo V…, contra as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, no montante global de €149.577,57.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I - As despesas declaradas pela recorrida, atinentes aos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994 advêm, em parte, de actividades isentas de IRC e, noutra parte, de actividades não isentas desse imposto;
II - Todavia, não procedeu ela à discriminação, como era seu dever legal, assim levando a A. T. a realizar as correcções ora em análise.
III - A sentença em crise, não validando as ditas correcções (antes anulando-as), violou o disposto nos artigos 11º, números 1 e 3, 17º, n.º 3, b) e 49º, n.º 1, todos do CIRC, e 52º, n.º 1, do E.B.F.
IV - Deve, portanto, ser revogada e substituída por outra que declare improcedente a demanda e mantenha a liquidação impugnada.
No entanto, Vossas Excelências venerandos Desembargadores, uma vez mais, farão a melhor JUSTIÇA,
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Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no que tange à qualificação dos custos comuns nos anos de 1991 a 1994.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Matéria de facto provada:
1 - No decorrer do procedimento inspectivo da situação tributária do aqui impugnante, em sede de IRC, a Inspecção Tributária apurou algumas irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, nos períodos de 1991, 1992, 1993 e 1994, em sede de IRC.
2 - Quanto ao exercício de 1991 e 1992 apurou que o sujeito passivo, não aplicou correctamente o disposto no artigo 48.° do CIRC e no artigo 48.° n.° 2 do EBF no que se refere respectivamente ao cálculo e repartição dos custos comuns e ao cálculo do beneficio fiscal dedutível;
3 - Quanto ao período de 1993 e 1994 apurou que na determinação da matéria colectável do IRC, a impugnante incluiu o valor total do rendimento do Bingo, como rendimento não sujeito a imposto, facto este que entendeu contrariar o disposto no n.° 3 do art. 10.º do CIRC.
4 - No que se refere respectivamente ao cálculo e repartição dos custos comuns e ao cálculo do benefício fiscal dedutível, a Inspecção Tributária entendeu que o impugnante, também nesses anos, não aplicou correctamente as disposições legais previstas no CIRC e no EBF.
5 - Na sequência de tal procedimento inspectivo foram efectuadas correcções à matéria colectável da impugnante nos anos em causa nos autos.
6 - Tendo sido o sujeito passivo notificado das liquidações n.° 8310027602 - 1991, n.° 8310027432 - 1992, n.°8310003539 - 1993 e n.° 8310002118 - 1994.
7 - Como forma de reacção contra as liquidações adicionais de 1991 e 1992, a ora Impugnante apresentou as seguintes reclamações graciosas - n.° 97/400 0145 e 97/400 0153, respectivamente em 7 de Fevereiro de 1997 no respectivo Serviço de Finanças de Guimarães.
8 - Quanto às liquidações de 1993 e 1994 em causa nos autos, a ora Impugnante, em 7 de Maio de 1997, procedeu à entrega das respectivas reclamações graciosas com o n. ° 97 400 0293 e 97/400 0285 no respectivo serviço de Finanças.
9 - Ao abrigo do art. 95.° do CPT, as reclamações supra mencionadas foram indeferidas, concluindo-se pela legalidade das correcções.
10 - O impugnante foi notificado do indeferimento das reclamações em 19 de Abril de 2000 para os períodos de 1991 e 1992, e em 24 e 25 de Maio de 1999 quanto aos exercícios de 1993 e 1994, respectivamente.
11 - Do indeferimento das reclamações graciosas, a Impugnante apresentou recursos hierárquicos - com o n.° 9/2000 e n.° 8/2000 - em 17 de Maio de 2000 para os períodos de 1991 e 1992, e em 23 de Junho 1999 a Impugnante apresentou os recursos hierárquicos - como o n.° 41/2000 e n.° 40/2000 - quanto aos períodos 1993 e 1994 nos termos do artigo 76 do CPPT.
12 - Por ter sido entendido não se ter verificado qualquer ilegalidade na actuação dos Serviços da Administração Fiscal, não tiveram provimento os referidos recursos hierárquicos respectivos, tendo sido a Impugnante notificada de todas as decisões em 14 Março de 2005.
13 - Nos contratos de transmissão televisiva celebrados entre o V… e a P… S.A., o V… é remunerado em função da classificação obtida na época anterior.
14 - Nesses contratos consta a previsão contratual da suspensão imediata do contrato em caso de o V… não disputar a prova nacional do escalão maior de futebol sénior.
15 - O contrato de patrocínio técnico exclusivo, celebrado com a K… SA., prevê que em caso do V… não jogar na primeira divisão de futebol o patrocinador pode fazer cessar imediatamente o referido contrato.
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Matéria de facto não provada.
Inexiste.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada, genericamente aceite ou não contestada pelas partes, assenta na prova documental disponível.
Inexiste matéria dada como não provada, por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da causa, para além do que ficou dado como provado.”

2. O Direito

Está em causa sindicar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que gastos com a actividade desportiva são custos comuns, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 48.° Código de IRC.
A presente impugnação judicial tem em vista a anulação das liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios, quanto aos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, que foram, igualmente, objecto de reclamações graciosas e recursos hierárquicos, cujas decisões confirmaram as correcções efectuadas pela AT e, consequentemente, as respectivas liquidações impugnadas.
Foram colocadas várias questões, a primeira prende-se com a caducidade do direito de liquidar, dado que a AT procedeu a correcções das declarações de IRC quanto a prejuízos fiscais declarados no ano de 1990 e deduzidos nos anos seguintes, tendo esta impugnação judicial sido julgada totalmente procedente. Esta questão não é objecto do presente recurso, insurgindo-se o digníssimo Magistrado do Ministério Público somente contra a questão relacionada com as correcções efectuadas pela AT aos custos comuns declarados pelo V… nos anos de 1991, 1992, 1993 e 1994.
Não obstante este impugnante, ora Recorrido, ter imputado aos actos impugnados o vício formal de falta de fundamentação e, apenas “subsidiariamente”, o vício de violação de lei no tratamento dos custos suportados por este com a prática de actividades desportivas, a sentença recorrida avançou directamente para a apreciação das correcções feitas aos custos comuns declarados pelo Recorrido nos anos referidos.
E fê-lo por a Administração Fiscal, na sua contestação nestes autos, ter afirmado que “os custos directamente afectos à actividade desportiva não são dedutíveis ao rendimento global nos termos do art. 47.º CIRC, pelo que o rendimento bruto dos contratos de publicidade contribuem na sua totalidade para a determinação da matéria colectável do IRC”.
Note-se que o impugnante, na sua petição inicial, se refere à dificuldade de lutar contra um acto que lhe é desfavorável e que não está fundamentado, tendo tido necessidade de contrariar razões que desconhecia e que somente supunha estarem subjacentes ao decidido, sendo neste contexto que se refere ao dever de consideração como custos comuns as despesas realizadas com o plantel de futebol profissional do Clube, relacionando-as com as actividades não desportivas desenvolvidas pelo Clube, designadamente a actividade de exploração televisiva e a decorrente de contratos de publicidade:
“A manutenção quer dos contratos de publicidade, quer os de cedência dos direitos televisivos, dependem da manutenção da equipa de futebol profissional na vulgarmente designada primeira divisão de futebol profissional.
Ora essa manutenção só é conseguida com o investimento na equipa desportiva de futebol profissional, ou seja com a necessidade de efectuar gastos com a actividade desportiva, actividade esta que de acordo com o n.º 1 do art.° 10° do CIRC os seus rendimento estão isentos deste imposto.
Mas esses custos face à ligação intrínseca com os rendimentos obtidos da actividade de publicidade e de cedência de direitos desportivos, ou seja, rendimentos sujeitos e não isentos, terão que ser considerados custos comuns nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 48° CIRC.”
A sentença recorrida, em concordância com esta posição defendida pelo impugnante, julgou o seguinte:
“(…) Com efeito, é, até, notório, que o valor e a própria existência de contratos como os de publicidade e transmissão televisiva estão directamente relacionados com a performance desportiva das equipas de futebol profissional.
Estas, só serão capazes de obter contratos dessa índole, e serão capazes de os obter em condições tanto melhores, quanto melhor for a prestação desportiva das suas equipas de futebol profissional.
Essa prestação será, no fundo, condição e medida dos rendimentos que, pelas vias referidas, aquelas equipas serão capazes de obter.
Não será, considera-se, razoável entender que os rendimentos obtidos por essa via são, no fundo, rendimentos sem custos.
Pelo exposto considera-se que os custos com a equipa profissional de futebol do impugnante são, efectivamente, custos comuns relativamente aos proveitos de contratos de publicidade e transmissões televisivas, devendo como tal ser-lhes concedida relevância nos termos legais.
Assim, também nesta parte deve a impugnação proceder. (…)”
No que toca à qualificação dos custos comuns nos anos referidos, considerou provado a decisão sob censura (cfr. pontos 13, 14 e 15) que o Recorrido, naqueles exercícios, auferiu remunerações pela transmissão televisiva dos jogos de futebol profissional e, ainda, em função do patrocínio técnico exclusivo, sujeitas, no entanto, à classificação obtida na época anterior e a manutenção da equipa na primeira divisão do campeonato nacional.
Não obstante este quadro factual ter surgido por força do invocado nos articulados da presente impugnação judicial, a análise do recurso não poderá alhear-se da fundamentação subjacente aos actos de liquidação impugnados, devendo, necessariamente, a sua motivação ser o ponto de partida para a nossa apreciação da situação concreta.
Para tanto, apoiar-nos-emos no relatório de inspecção tributária elaborado no âmbito de fiscalização geral, que incluiu IRC, IRS e IVA, relativamente aos exercícios de 1991 a 1995, à Recorrida – Agremiação Desportiva de Utilidade Pública.
Interessa somente a análise que foi efectuada às declarações de rendimentos (IRC) e as correcções técnicas, conforme descritas no ponto 5 do relatório inspectivo, sendo que quanto aos custos comuns em crise apenas lhes é dedicado o seguinte parágrafo:
“Não aplicou correctamente o disposto no art.º 48.º do CIRC e no art.º 48.º, n.º 2 do EBF no que se refere respectivamente ao cálculo e repartição dos custos comuns e o cálculo do benefício fiscal dedutível”.
De seguida, apresentam-se as correcções realizadas às declarações de rendimentos, num quadro síntese e remetendo também para o Anexo IX (fls. 1 a 8), sem que se compreenda como se obtiveram tais valores, quais os custos considerados e desconsiderados, mesmo concatenando todos os elementos – cfr. fls. 120 a 132 e 160 a 168 do processo administrativo apenso aos autos.
Como havíamos referido, foram apresentadas reclamações graciosas e recursos hierárquicos, cujo teor integral de cada um dos quatro processos administrativos, respectivamente, consta do processo administrativo apenso. A verdade é que unicamente com a apreciação que foi efectuada, designadamente, das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 1991 e de 1992, pudemos aperceber-nos, quanto aos custos comuns em apreço, que a AT teria detectado deficiências na contabilidade: “(…) tendo a actividade principal da reclamante enquadramento nas disposições do artigo 10.º do CIRC, se encontrava isenta de IRC. Contudo, pelo facto de acessoriamente exercer actividades descritas no n.º 3 do referido art.º 10.º do CIRC, obtendo rendimentos sujeitos a IRC, para efeito de determinação do lucro tributável, a sua contabilidade devia observar o disposto na alínea b) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC. Por se verificar a inobservância desta disposição, a fiscalização tributária procedeu à determinação do valor total dos proveitos e custos das diferentes actividades sujeitas ou não a diferentes regimes de tributação de IRC, quantificando igualmente custos comuns no valor de 32 855 769$00.” Quanto ao ano de 1992, relativamente aos custos comuns, pode ler-se na apreciação da reclamação graciosa: “foi legitimada a actuação da fiscalização, na medida em que na determinação da matéria colectável, a reclamante não evidenciou na declaração de rendimentos, a adopção de critérios de natureza contabilística e fiscal – separação da actividade não sujeita ou isenta, da actividade sujeita e não isenta – contrariando as disposições que regulam a incidência e determinação da matéria colectável das entidades que não exercem a título principal, actividade de natureza comercial, industrial e agrícola e qualquer outra sujeita a IRC, tal como definem o n.º 3 do art.º 10.º do CIRC, o n.º 1 do art.º 47.º e os n.º 1 e 2 d art.º 48.º do CIRC”.
Nesta sequência, a decisão da reclamação graciosa, relativamente aos custos comuns, teve o seguinte teor: «Relativamente aos custos suportados directamente com a prática das actividades desportivas, nunca são passíveis de serem tratados como “custos comuns” e, como tal, não podem ser deduzidos ao rendimento global, pois de acordo com o art.º 48.º do CIRC, só aqueles que não estejam especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC e a parte dos custos comuns imputável aos rendimentos sujeitos e não isentos”.
A decisão dos respectivos recursos hierárquicos sancionou esta orientação acrescentando que “a recorrente confundiu custos específicos de cada actividade com custos comuns das distintas actividades. Ao apurar os custos comuns imputáveis às distintas actividades, a fiscalização deu cumprimento ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC.”
Nas decisões dos recursos hierárquicos relativos aos exercícios de 1993 e 1994, reitera-se, genericamente e de forma abstracta, que a imputação dos custos comuns deve ser feita de acordo com a chave de repartição prevista no n.º 2 do artigo 48.º do CIRC.
Não colocamos em causa que a AT tivesse que agir, a ser correcto que o Recorrido não terá elaborado a sua contabilidade segundo as regras do artigo 17.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, de forma a ser possível distinguir os vários regimes de tributação.
Mas, o que urge nos autos e no presente recurso é dilucidar se a actuação da Administração Tributária se mostra correcta, se terá efectuado uma adequada subsunção nos preceitos legais chamados ao caso, se a qualificação dos custos foi feita legalmente com reflexos justos nas correcções técnicas adoptadas.
Os clubes desportivos, enquanto pessoas colectivas, são considerados sujeitos passivos de IRC.
O imposto incide sobre o rendimento global do clube, isto é, o correspondente à soma algébrica dos rendimentos líquidos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.
Ao rendimento global sujeito a imposto são dedutíveis os gastos comuns e outros gastos (desde que não estejam especificamente ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC), bem como eventuais benefícios fiscais.
É pacífico que o Recorrido realiza, no exercício dos seus fins sociais, actividades de natureza cultural, recreativa e desportiva; e isso determina que os rendimentos delas directamente gerados fiquem isentos de IRC, por força do preceituado no artigo 10.º, n.º 1, do CIRC, na sua redacção originária. Mas o normativo consagrado no n.º 3 do mesmo artigo pretere do mesmo benefício os rendimentos advindos de aplicações financeiras, jogo do bingo, publicidade e direitos de transmissão, sob qualquer forma, de imagem ou som.
Como alerta o digníssimo Magistrado do Ministério Público, compreende-se que assim seja, pois deve o Estado incentivar e tratar de forma mais benévola as actividades destinadas à valorização do espírito e do corpo, e tributar de forma incisiva as que visam tão só o lucro.
Daí, pois, a regra, aplicável in casu, do artigo 48.º, n.º 1 do mesmo código, na sua primitiva formulação, estabelecendo critérios diversificados na dedução de custos, consoante estivessem apenas ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos - alínea a) - ou à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos bem como à de rendimentos não sujeitos ou isentos - alínea b).
Ora, nesta ordem de considerações, facilmente se descortina na isenção em apreço um princípio de legalidade estrita incompatível com generalizações, dado que a análise, seja dos rendimentos, seja dos custos, não poderá deixar de ser efectuada em concreto, identificando-se devidamente, para o que ora releva, os gastos, a sua natureza e circunstâncias da sua ocorrência.
Por força dos seus estatutos, o Recorrido é uma associação de utilidade pública, tendo por fim o engrandecimento do desporto nacional, devendo proporcionar aos seus associados, além de outros objectivos, a distracção e a cultura. Sem esquecer que o Recorrido exerceu acessoriamente, em ligação com as actividades culturais, recreativas e desportivas, actividades como a publicidade (patrocínios), transmissões televisivas de jogos e bingo que, nos termos do n.º 3 do referido artigo 10.º do CIRC, geram rendimentos sujeitos e não isentos de imposto.
Não se coloca em causa a evidente conexão de tais rendimentos com a projecção mediática do Recorrido, nem que a equipa de futebol profissional será capaz de obter melhores contratos de patrocínio e outros quanto melhor for a prestação desportiva da equipa, mas, para não subverter o sentido e os fins que presidiram à concessão do benefício fiscal em apreço, instituído para bem das agremiações desportivas, culturais e recreativas, haverá que identificar, particular e concretamente, os custos em apreço para os poder distinguir: se são comprovadamente indispensáveis (o que parece que nunca foi controvertido nos autos), se estão ou não especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC, se estão apenas ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos, ou se estão ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos bem como à de rendimentos não sujeitos ou isentos, dado que somente estes últimos, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, serão imputados da forma prevista no n.º 2 deste artigo 48.º.
Na sequência do que já afirmámos, a aferição da qualificação jurídica dos custos não pode alhear-se dos elementos de facto e de direito considerados nos actos impugnados em apreço e, por isso, necessariamente, partiremos da fundamentação dos actos para a nossa análise.
Lembramos que esta impugnação tem por objecto imediato os actos de indeferimento proferidos no âmbito dos recursos hierárquicos n.º 9/2000, n.º 8/2000, n.º 40/2000 e n.º 41/2000, mas referentes às liquidações de IRC dos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, que já haviam sido objecto de reclamações graciosas.
Note-se que a impugnação judicial de indeferimento de recurso hierárquico (ou de reclamação graciosa) tem por objecto imediato a decisão do recurso (ou da reclamação) e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação, pelo que cabe ao tribunal conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento do recurso (ou da reclamação), quer dos vícios imputados ao acto tributário (neste sentido, entre outros, Acórdãos do STA de 28/10/2009, Processo n.º 595/09, de 18/06/2014, Processo n.º 01942/13 e de 12/10/2016, Processo n.º 0427/16).
Contudo, como já vimos, todos os actos se apresentam essencialmente genéricos e sem qualquer fundamentação de facto, dado desconhecer-se, em concreto, que custos estão realmente em causa.
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correcção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da Lei Geral Tributária que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Do ponto de vista estritamente formal, alcança-se apenas que o Recorrido “não aplicou correctamente o disposto no art.º 48.º do CIRC e no art.º 48.º, n.º 2 do EBF no que se refere respectivamente ao cálculo e repartição dos custos comuns e o cálculo do benefício fiscal dedutível” e que tal conclusão terá surgido na sequência de detecção de eventual inobservância na contabilidade do disposto no artigo 17.º, n.º 3, alínea b) do CIRC.
Por isso, impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Sabemos que a fundamentação dos actos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. É, conforme uniforme jurisprudência do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, suficiente, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dele é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
In casu, a fundamentação do acto não é nem clara nem suficiente, pelo que a AT não satisfez o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, não só não permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, como não deu a conhecer quais foram os gastos declarados como comuns e o que determinou que os considerasse específicos da actividade desportiva; não só não estão identificados os gastos como não constam as razões em que fundou a sua actuação para alterar a qualificação dos custos, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é saber se a Administração Tributária bem fundou as correcções em causa e se os motivos que aponta são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Não podemos esquecer que sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Ora, não sendo possível descortinar dos actos impugnados ou dos elementos que os acompanham se estão em causa, por exemplo, gastos com salários dos jogadores, salários administrativos, seguros, encargos com a segurança social ou se estão em causa outras despesas, é impossível sindicar os actos, mostrando-se inviabilizada a análise da actuação da AT e, consequentemente, não terá bem fundado as correcções em apreço.
Salientamos que a AT, ao longo dos tempos, tem vindo a ser confrontada com dificuldades, tendo surgido dúvidas sobre se os encargos suportados, por exemplo, com as remunerações auferidas pelos jogadores e treinadores, designadamente, salários, prémios de jogo e outros rendimentos do trabalho, poderiam ser considerados gastos comuns; e a prova dessas hesitações, por nem sempre ser clarividente, são as circulares emitidas pela AT dando instruções de procedimento, como a que se mostra junta aos autos – cfr. Circular n.º 14/2011 a fls. 225 e 226 do processo físico.
Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 48.º, na redacção à data do CIRC, consideram-se gastos comuns dos clubes desportivos os gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados para efeitos da determinação do rendimento global sujeito a imposto e que não estejam especificamente ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC.
Todavia, os actos impugnados envolvem a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, pois apesar de não estar em causa o uso de um poder discricionário, sempre haverá necessidade de densificação de conceitos indeterminados, como “custos comuns”, “custos comprovadamente indispensáveis” ou “custos que não estejam especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC” (custos não específicos), que implicam uma margem de livre apreciação, encerrando juízos valorativos, assentes em regras técnicas, que o tribunal tem que ser cuidadoso na sua sindicância, sob pena de se substituir à administração em situações que são próprias da função administrativa e não da função jurisdicional. Estas situações, que se apelidam na jurisprudência de “discricionariedade imprópria”, só podem ser apreciadas pelo tribunal em caso de erro ou critério manifestamente desajustado ou ainda violação dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade.
É precisamente por este motivo que nas situações, como a em apreço, existe um dever de fundamentação acrescido, na medida em que somente através da mesma poderemos detectar a existência desse erro palmar.
Quando a administração actua no âmbito da chamada “discricionariedade técnica”, em que goza de uma certa margem de livre apreciação, não está dispensada de fundamentar os actos, impondo, pelo contrário, o supra citado objectivo da fundamentação, que haja maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo.
In casu, quando nem o relatório de inspecção tributária, nem quaisquer outros documentos ou elementos anexos, permitem compreender quais são os encargos específicos que foram valorados pela AT, que relações foram efectuadas com os rendimentos, em concreto com os rendimentos sujeitos e com os rendimentos não sujeitos a IRC, é impossível ao tribunal averiguar se a qualificação feita dos custos se mostra legal ou se enferma de erro ostensivo, por violação, nomeadamente, de algum princípio fundamental; não sendo legítimo ao tribunal supor as razões que estão subjacentes ao decidido, nem tecnicamente admissível, como o efectuou o impugnante na sua petição inicial, nem conjecturar quais terão sido, em concreto, os custos que foram considerados comuns e quais os considerados específicos da actividade desportiva. Salientamos que em nenhum acto impugnado, em qualquer momento da sua motivação, são identificados factos consubstanciados em gastos com a actividade desportiva ou em investimentos na equipa desportiva de futebol profissional, por exemplo.
Concluindo, a AT até poderá ter razão nas correcções que efectuou, mas falhando a fundamentação formal dos actos impugnados, conforme exposto, é impossível sindicar eventual violação de lei, sendo forçoso retirar a ilação de que os motivos apontados não são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença na parte recorrida com a presente fundamentação.

Conclusões/Sumário

I - Consideram-se gastos comuns dos clubes desportivos os gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados para efeitos da determinação do rendimento global sujeito a imposto e que não estejam especificamente ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC.
II - Não obstante averiguar a correcção das quantias declaradas como custos comuns implicar um trabalho de “qualificação do facto tributário”, para que o tribunal possa sindicar correcções da AT à matéria tributável a esse respeito é necessário que esses actos que alteraram as declarações do contribuinte se mostrem fundamentados.
III - É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que existem indicadores fundados que legitimam a sua actuação de proceder a correcções às declarações dos contribuintes e provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional; e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
IV - Para apurar se uma decisão está, ou não, fundamentada impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
V - Há situações que se apelidam na jurisprudência de “discricionariedade imprópria”, em que há necessidade de densificação de conceitos indeterminados, que implicam uma margem de livre apreciação, que só podem ser apreciadas pelo tribunal em caso de erro ou critério manifestamente desajustado ou ainda violação dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade.
VI - É precisamente por este motivo que nas situações, como a em apreço, em que têm que se qualificar custos quanto à sua indispensabilidade ou conexão específica na obtenção de rendimentos, existe um dever de fundamentação acrescido, na medida em que somente através da mesma poderemos detectar a existência desse erro palmar.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Porto, 21 de Junho de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro