Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00235/23.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC;
SUBIDA A FINAL;
Sumário:
I – O processo tributário de reclamação previsto no artigo 276º e seguintes do CPPT constitui o meio processual de controlo judicial da legalidade da atividade do órgão da execução fiscal no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade de atuação desse órgão à luz da fundamentação do ato que ele praticou e dos vícios que o reclamante lhe imputa.

II – Sendo o ato objeto desta reclamação o que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, estava vedado ao Tribunal a quo o conhecimento, neste âmbito, de quaisquer outros atos praticados pelo OEF, especialmente se contra eles também já foi deduzida reclamação autónoma, com subida diferida, e não está demonstrado que já tenha ocorrido a penhora e venda.

III - O direito à tutela judicial efetiva impõe que seja reconhecido ao interessado o direito de solicitar a intervenção do Tribunal mediante requerimento dirigido ao juiz do processo de execução fiscal para que determine a subida ao tribunal da reclamação de atos do órgão de execução fiscal.

IV – No entanto, esse requerimento deve ser autonomamente apresentado, pois o Juiz do processo de reclamação tem os seus poderes de congnição limitados ao concreto ato objeto da reclamação.

V – Se o Recorrente não concretiza os motivos pelos quais sustenta que se mostram violados os artigos 20º, nº 4 da CRP e 6º da DEDH não é possível emitir pronuncia sobre esta questão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 18.09.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada totalmente improcedente a reclamação contra o ato de indeferimento da isenção de prestação de garantia na execução fiscal nº ...98, contra si revertida.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1 - considera o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que o Recorrente tem o dever de, em nova reclamação, suscitar perante o Recorrido, nova remessa para Tribunal dos processos, quando é a própria lei que regula o dever de lhe serem remetidos os processos de reclamação, a final.
2 - O Recorrido tem conhecimento das decisões proferidas, tendo-o pois também das reclamações.
3 – Decorre expressamente do 278 nº 1 do CPPT que:
O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.”
4 – Tendo sido realizado o pagamento, e inexistindo penhoras e venda judicial em curso, o processo está em condições se ser apreciado a final, no que concerne às reclamações apresentadas,
5 – Apreciação que o Tribunal a quo tinha o dever de realizar, pois tem o dever de decidir.
6- Se as decisões judiciais proferidas nas reclamações dizem que são decididas a final não se espera que um contribuinte reclamante tenha que fazer uma nova reclamação, que afinal não teria por efeito qualquer ato da administração, sendo ato meramente burocrático, contrariando o principio da decisão, a tutela jurisdicional efetiva para o ato lesivo reclamado o principio da adequação e celeridade processual.
7 - Na reclamação apresentada, o Recorrente além das questões relacionadas com a dispensa de garantia e pagamento a prestações vem invocar a violação da segurança e certeza jurídicas, na medida em que foram várias as divergências nos valores apresentados pela Recorrida no que concerne ao valor em dívida, estando em causa o direito e interesse legitimo em saber com de forma certa e coerente que tributos lhe são imputados.
8 - O mesmo se aplicando quanto à problemática da aplicação de valores de penhoras a dívidas anteriores do Recorrente, em relação às quais o mesmo não teve qualquer possibilidade de defesa, desconhecendo sequer se contra si corriam processos de execução fiscal, sendo existindo processos de execução fiscal nos quais o mesmo tinha sido citado, era nesses processos que as valores deviam ter sido alocados, sob pena de uma crassa violação do seu direito de defesa, por exemplo, impedindo-o de invocar a prescrição ou outra matéria de excepção…
9 - Todas essas questões foram legitimamente levantadas em virtude dos erros crassos cometidos pela Recorrida no âmbito da execução fiscal e apensos em causa, e chegando-se à recta final competia ao Tribunal a quo apreciar todas as reclamações apresentadas nos processos apensados, ou pelo menos, ordenar que a Recorrida reunisse o expediente e remetesse para que fosse proferida a tão aguardada decisão final…
10 - Ao invés, o Tribunal deixa o Recorrente num limbo, em que a Recorrida se limita a referir que da sentença não consta qualquer obrigação de remeter as reclamações para decisão final, em especial a dos presentes autos.
11 - Devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que conheça de todas as reclamações ou ordene a remessa do expediente para que o Tribunal conheça de todas as reclamações nos processos de execução fiscal apensados, mostrando-se violado o artigo 278º do CPPT, 20º, nº 4 da CRP, 6º CEDH.
JUSTIÇA!!!».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, que finalizou nos termos que seguem:
«- O recorrente não sindica a totalidade da douta decisão recorrida, mas apenas a parte do segmento decisório no âmbito do qual é referido, além do mais, o seguinte: No que concerne à certeza da dívida, isto é, da imputação de pagamentos em sede executiva, tal matéria não consta do requerimento subjacente ao ato reclamado e, em rigor, tem subjacente a invocação de pagamento da dívida exequenda e respetivos juros. Tal petição inicial não respeita ao ato reclamado e deve ser apresentada pelo Oponente, aqui Reclamante, junto do órgão de execução fiscal no prazo de trinta dias a partir da data de ocorrência do facto superveniente (o pagamento), a fim de obter a redução ou extinção, total ou parcial, da instância executiva (cf. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) e 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT).
- Temos assim, que através do presente recurso o recorrente apenas pretende sindicar aquele excerto daquele segmento decisório, motivo pelo qual se impõe concluir que o objeto do presente recurso está delimitado ao conhecimento não da totalidade da douta sentença sob recurso, mas apenas e tão só à parte daquele segmento.
- Neste contexto, pretendendo apenas sindicar aquela parte do segmento decisório da douta decisão sob recurso, impõe-se concluir que o pedido formulado pelo recorrente não se encontra em consonância com a causa de pedir, uma vez que o recorrente ao limitar de forma clara e objetiva a sua pretensão recursiva àquele segmento da douta decisão, o pedido formulado pelo mesmo terá necessariamente de se ajustar na exata medida da pretensão que submete à reapreciação deste Venerando Tribunal.
- Tal significa, que o pedido do recorrente não poderá consubstanciar-se na revogação total da decisão sob recurso, mas apenas numa eventual anulação parcial, porquanto, o recorrente não sindica nestes autos as demais questões que foram objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal “ a quo”, motivo pelo qual, nos restantes segmentos decisórios, a douta sentença recorrida deverá manter-se inalterada na ordem jurídica.
- (…)
- Ora, salvo o devido respeito pela interpretação que é efetuada pelo ora recorrente, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, uma vez que a mesma, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, limitou-se a apreciar a legalidade do ato reclamado proferido pelo órgão de execução fiscal, que recaiu sobre os pedidos de pagamento em prestações e o pedido de dispensa de prestação de garantia, que o ora reclamante formulou perante aquele.
- E tal como bem refere a douta decisão recorrida, “No que concerne à certeza da dívida, isto é, da imputação de pagamentos em sede executiva, tal matéria não consta do requerimento subjacente ao ato reclamado e, em rigor, tem subjacente a invocação de pagamento da dívida exequenda e respetivos juros. Tal petição inicial não respeita ao ato reclamado e deve ser apresentada pelo Oponente, aqui Reclamante, junto do órgão de execução fiscal no prazo de trinta dias a partir da data de ocorrência do facto superveniente (o pagamento), a fim de obter a redução ou extinção, total ou parcial, da instância executiva (cf. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) e 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT) – (nosso destacado).
- Com efeito, conforme resulta do ato reclamando que foi objeto de reclamação para o Tribunal “a quo”, a decisão de indeferimento proferida pela Diretora de Finanças recaiu sobre os pedidos formulados pelo ora recorrente, consubstanciados no pagamento da dívida exequenda em 60 prestações e no pedido de isenção de garantia - vide despacho proferida pela Diretora de Finanças constante dos autos.
- Resulta assim, que a questão relativa à alegada certeza da divida, por força da aplicação dos montantes cobrados em penhoras sobre a devedora originária que foi suscitada pelo ora recorrente não poderia ter sido apreciada pelo Tribunal “ a quo”, uma vez que tal questão não foi apreciada no âmbito do ato reclamado, consequentemente não poderia ser objeto de apreciação e decidiu pelo Tribunal “ a quo”, sob pena de excesso de pronuncia.
- E mais se diga, o ora recorrente, à revelia da fundamentação de facto e de direito que sustentou o ato reclamando, pretendia que o Tribunal “ a quo” apreciasse a questão relativa ao procedimento que foi adotado pelo órgão de execução fiscal na forma como os valores dos créditos penhorados à sociedade devedora originária foram imputados aos PEF’s há mais de 20 anos (vide -PEF n.ºs ...98 e apensos -fls. 337-344; 421- 425; a fls.757-760)
- Para além de tal questão extravasar o conteúdo do ato reclamado, o ora recorrente tem perfeito conhecimento da forma como os referidos valores foram imputados aos diferentes PEF’s, instaurados em nome da sociedade devedora originária, tanto mais que apresentou reclamações ao abrigo do artigo 276º do CPPT, as quais foram autuadas com os nºs 466/21.5BEVIS e 102/22.2BEVIS, no âmbito das quais o ora recorrente sindicou a forma como foram aplicados os referidos montantes – vide reclamações nºs 466/21.5BEVIS e 102/22.2BEVIS, cujas decisões já transitaram em julgado.
- Assim, no que se refere ao pedido de decisão relativa à certeza da divida quanto ao valor por força da aplicação dos valores cobrados em penhoras sobre a devedora originária, há que concluir, por um lado, que tal pedido extravasa o âmbito do ato reclamando e consequentemente não poderia ser apreciada pelo Tribunal “ a quo”, tanto mais que o ora recorrente já tinha conhecimento dos valores das penhoras efetuadas em 2001 à sociedade devedora originária e da imputação dos valores das mesmas aos PEF’s.
- Quanto a esta questão o Tribunal “ a quo” entendeu que “o pedido referente aos autos de reclamação n.º 25/23.8BEVIS, por não integrar o objeto do ato reclamado, não poderá ser apreciado nos presentes autos. Tratando-se de decisão proferida em distinto requerimento e processo de reclamação, deve o Reclamante apresentar requerimento ao órgão de execução, referente à execução da referida decisão, caso entenda que a mesma deve ser objeto de execução voluntária ou, caso assim entenda, socorrer-se, nos prazos e forma previstos na lei, dos meios de reação processuais, nomeadamente de uma ação de execução de julgados.
- Veja-se que de forma muito clara, o Tribunal “a quo” para além de fundamentar a sua decisão dá a conhecer ao recorrente qual o meio processual que poderá acionar para eventualmente poder fazer valer a sua pretensão.
- Não obstante, o recorrente optou por voltar a colocar a questão perante este Venerando Tribunal, como se esta instância superior se tratasse de um Tribunal de 1ª instância, quando na realidade bem sabe que esta instância superior apenas pode reapreciar as questões que foram objeto de apreciação e decisão por parte da 1ª instância e aferir da sua conformidade com o quadro legal aplicável, em ordem a concluir ou não, pela sua manutenção na ordem jurídica.
- Sucede que o presente recurso, no que ao seu objeto concerne, uma vez que as questões que aqui são suscitadas, não foram apreciadas pelo Tribunal “ a quo” cai fora do âmbito da competência deste Venerando Tribunal, devendo, em consequência improceder.
- Acresce referir, que tal como este douto Tribunal poderá confirmar pela consulta dos autos de reclamação nº 25/23.8BEVIS, o TCA Norte proferiu Acórdão em 14 de abril de 2023, no âmbito do qual decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente, mantendo na ordem jurídica, a sentença proferida pelo TAF de Viseuvide autos de reclamação nº 25/23.8BEVIS, na tramitação SITAF.
- Por outro lado, tal como este Venerando Tribunal poderá confirmar da consulta aos autos de reclamação nºs 466/21.5BEVIS e 102/22.2BEVIS – cujas decisões já transitaram em julgado - a discordância do ora recorrente relativamente ao procedimento que foi adotado pelo órgão de execução fiscal na aplicação dos créditos penhorados à sociedade devedora originária, para pagamento da divida exequenda – na parte em que foi revertida contra os reclamantes – é uma questão que está que já objeto de apreciação e decisão naqueles autos, mas que por algum motivo o ora recorrente considera que independentemente do transito em julgado, será no seu entendimento, algo intemporal.
- Em suma, a pretensão do ora recorrente em ver apreciadas questões que não foram objeto de apreciação por parte do Tribunal “ a quo”, uma vez que as mesmas não integravam o ato reclamado, não podem ser apreciadas por este Venerando Tribunal, cuja competência se traduz na reapreciação das decisões proferidas em primeira instância.

Termos em que, deverá manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, uma vez que o Tribunal “ a quo” face aos factos que considerou como provados e que o ora recorrente não colocou em causa, não poderia ter decidido de modo diferente daquele em que decidiu.».

1.4. O DMMP junto da 1ª instância também apresentou contra-alegações, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1.5. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e aderiu às contra-alegações do MP de 1ª instância.

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à impossibilidade de aqui conhecer das reclamações já apresentadas junto do OEF, designadamente a que deu origem ao processo nº 25/23.8BEVIS.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém, na parte que interessa apreciar, a seguinte fundamentação:
«III – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto dos presentes autos, tal como decorre do artigo 276.º do CPPT, consiste na análise da legalidade de decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que, no processo, afete os direitos e interesses legítimos do Executado, ora Reclamante.
Nesta matéria, tendo em conta que o ato reclamado propriamente dito concerne a pedido de pagamento em prestações e dispensa de prestação de garantia, a matéria atinente à (in)certeza da dívida e invocada discrepância da quantia exequenda, bem como da invocada errada aplicação dos créditos que foram penhorados à devedora originária, não consistem em matéria suscetível de ser apreciada em sede de reclamação do ato em causa.
Note-se que tal matéria não visa a apreciação da legalidade do ato reclamado que contende com o plano prestacional e, mais concretamente, na parte efetivamente reclamada, com o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
De igual modo, o pedido referente aos autos de reclamação n.º 25/23.8BEVIS, por não integrar o objeto do ato reclamado, não poderá ser apreciado nos presentes autos. Tratando-se de decisão proferida em distinto requerimento e processo de reclamação, deve o Reclamante apresentar requerimento ao órgão de execução, referente à execução da referida decisão, caso entenda que a mesma deve ser objeto de execução voluntária ou, caso assim entenda, socorrer-se, nos prazos e forma previstos na lei, dos meios de reação processuais, nomeadamente de uma ação de execução de julgados.
Igualmente não se vislumbra que a invocada violação do artigo 5.º do regime geral de proteção de dados (por invocado acesso a dados de terceiros, mais concretamente da filha) contenda com a legalidade da fundamentação do ato reclamado, que menciona o rendimento do Reclamante e da respetiva cônjuge e procede à identificação do agregado familiar.
No que concerne à certeza da dívida, isto é, da imputação de pagamentos em sede executiva, tal matéria não consta do requerimento subjacente ao ato reclamado e, em rigor, tem subjacente a invocação de pagamento da dívida exequenda e respetivos juros. Tal petição inicial não respeita ao ato reclamado e deve ser apresentada pelo Oponente, aqui Reclamante, junto do órgão de execução fiscal no prazo de trinta dias a partir da data de ocorrência do facto superveniente (o pagamento), a fim de obter a redução ou extinção, total ou parcial, da instância executiva (cf. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) e 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT).
Por fim, no que concerne à consignação/apresentação de garantia respeitante a créditos sobre terceiros e resultantes de processos judiciais, tal pedido não poderá ser formulado em sede de reclamação dado que terá de ser previamente formulado perante a Entidade Reclamada e apenas do indeferimento de tal pedido poderá ser apresentada a respetiva reclamação.
Note-se que efetivamente e não obstante todas as questões suscitadas pelo Reclamante, este explicita na petição inicial, no que concerne ao ato reclamado propriamente dito, que “é da parte desse despacho (parte b – apreciação do pedido de dispensa de garantia) que se reclama essencialmente” (Vide ponto 34 da reclamação).
Assim sendo, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar consistem em aferir se ocorreu:
i) a violação do direito a audiência prévia em sede de pedido de isenção de garantia;
ii) o erro nos pressupostos de facto do indeferimento do pedido de isenção de garantia, nomeadamente por violação dos artigos 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT.».

3.2. DE DIREITO
O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, na parte supra transcrita, porquanto é a própria lei que regula o dever de lhe serem remetidos os processos de reclamação, a final, pelo que tendo sido realizado o pagamento, e inexistindo penhoras e venda judicial em curso, o processo está em condições se ser apreciado a final, no que concerne às reclamações apresentadas. Entende que não devia ter de fazer uma nova reclamação para fazer subir as reclamações ao Tribunal, uma vez que as questões foram legitimamente levantadas em virtude dos erros crassos cometidos pela Recorrida no âmbito da execução fiscal e apensos em causa, e chegando-se à reta final competia ao Tribunal a quo apreciar todas as reclamações. Conclui, assim, que a sentença viola os artigos o 278º do CPPT, 20º, nº 4 da CRP e 6º CEDH.
Vejamos, então:
A presente reclamação vem apresentada contra o ato do OEF que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pelo Recorrente.
O Recorrente alega que, na pendência da execução fiscal, deduziu outras reclamações, designadamente no que respeita à imputação de verbas captadas para pagamento das dívidas exequendas – facto que não é controvertido.
Aliás, as partes aludem expressamente à reclamação que corre termos sob o nº 25/23.8BEVIS, sendo que a Fazenda Pública faz ainda, referência às reclamações autuadas sob os números 466/21.5BEVIS e 102/22.2BEVIS, no âmbito das quais o ora recorrente sindicou a forma como foram aplicados os referidos montantes, esclarecendo que já transitaram em julgado as decisões nelas proferidas.
Desde logo, importa salientar que o processo tributário de reclamação previsto no artigo 276º e seguintes do CPPT constitui o meio processual de controlo judicial da legalidade da atividade do órgão da execução fiscal no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade de atuação desse órgão à luz da fundamentação do ato que ele praticou. Controlo que tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação.
Por isso, os poderes de cognição do tribunal não podem ir além dos fundamentos (factuais e jurídicos) de que o ato reclamado explicitamente partiu e das questões que nele foram apreciadas e decididas, cabendo-lhe unicamente uma função fiscalizadora da legalidade dos atos praticados pelo órgão administrativo incumbido de tramitar a execução, pelo que, no caso, o tribunal de 1ª instância só podia aferir da legalidade do ato reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica e à luz dos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa.
O objeto da reclamação é, pois, o concreto ato praticado pelo OEF que o reclamante identifique, não podendo o Tribunal conhecer senão da validade desse concreto ato, em função dos vícios que lhe sejam apontados e da fundamentação nele acolhida.
Por consequência, sendo o ato objeto desta reclamação o que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, estava vedado ao Tribunal a quo o conhecimento, neste âmbito, de quaisquer outros atos praticados pelo OEF, especialmente se contra eles também já fora deduzida reclamação autónoma.
Ademais, não está demonstrado nos autos que já tenha ocorrido a penhora e venda, o que, atento o teor do acórdão proferido no processo nº 25/23.8BEVIS, não aconteceu até à data sua prolação, em 14.04.2023, dado que ali foi confirmada a sentença de 1ª instância que determinou a subida da reclamação apenas “a final”.
Daí que, pese embora as reclamações que ficaram de subir a final, após a penhora e venda, devam ser oficiosamente remetidas pelo OEF ao Tribunal, para que delas conheça, não podemos reconhecer razão ao Recorrente ao pretender que nesta reclamação sejam apreciados todos os atos anteriormente reclamados.
De resto, ainda que o Tribunal Tributário possa, caso a questão seja perante si suscitada em processo autónomo, ordenar a subida de reclamações indevidamente retidas no OEF, o legislador não confere ao Juiz tributário o poder de avocar reclamações pendentes de apreciação, motivo por que, não tendo sido remetidas ao Tribunal pelo OEF, estava este impedido de delas conhecer.
Não obstante o que vem referido, acaso as reclamações pendentes não sejam espontaneamente remetidas pelo OEF ao TAF, após a penhora e a venda, pode o Recorrente requerer-lhe que o faça para, uma vez autuadas, serem jurisdicionalmente apreciadas.
E, se o OEF assim o não fizer, o direito à tutela judicial efetiva impõe que seja reconhecido ao interessado o direito de solicitar a intervenção do Tribunal, mediante requerimento autónomo dirigido ao juiz do processo de execução fiscal, para que determine a subida ao tribunal da reclamação de atos do órgão de execução fiscal, porque no processo de execução fiscal é o juiz quem tem a tutela da atividade da administração fiscal nesse processo.
Neste sentido sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume IV, pag. 271, que «se ocorrer inércia da administração tributária em apreciar a arguição ou se se tratar de uma situação em que a omissão provoca, só por si, uma lesão imediata dos interesses do requerente, não poderá deixar de reconhecer-se a este interessado o direito de solicitar imediatamente a intervenção do tribunal, como exige a garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.º 1, da CRP).».
Este requerimento deve, porém, ser autonomamente apresentado, uma vez que os poderes de cognição do Juiz em processo de reclamação estão limitados à apreciação do ato reclamado.
A decisão recorrida não infringe, portanto, o disposto no artigo 278º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Por outro lado, o Recorrente não concretiza os motivos pelos quais sustenta que se mostra violado o artigo 20º, nº 4 da CRP, segundo o qual «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.» ou o artigo 6º da DEDH que consagra o direito a um processo equitativo, o que nos impede de emitir pronuncia sobre esta questão.
Em suma, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe vem apontado, ao considerar que não podia apreciar nesta sede outros atos do OEF (para além do identificado pelo reclamante como objeto destes autos), objeto de distintas reclamações, cujo conhecimento tenha sido relegado para final.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:
I – O processo tributário de reclamação previsto no artigo 276º e seguintes do CPPT constitui o meio processual de controlo judicial da legalidade da atividade do órgão da execução fiscal no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade de atuação desse órgão à luz da fundamentação do ato que ele praticou e dos vícios que o reclamante lhe imputa.
II – Sendo o ato objeto desta reclamação o que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, estava vedado ao Tribunal a quo o conhecimento, neste âmbito, de quaisquer outros atos praticados pelo OEF, especialmente se contra eles também já foi deduzida reclamação autónoma, com subida diferida, e não está demonstrado que já tenha ocorrido a penhora e venda.
III - O direito à tutela judicial efetiva impõe que seja reconhecido ao interessado o direito de solicitar a intervenção do Tribunal mediante requerimento dirigido ao juiz do processo de execução fiscal para que determine a subida ao tribunal da reclamação de atos do órgão de execução fiscal.
IV – No entanto, esse requerimento deve ser autonomamente apresentado, pois o Juiz do processo de reclamação tem os seus poderes de congnição limitados ao concreto ato objeto da reclamação.
V – Se o Recorrente não concretiza os motivos pelos quais sustenta que se mostram violados os artigos 20º, nº 4 da CRP e 6º da DEDH não é possível emitir pronuncia sobre esta questão.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte negar provimento ao recurso, mantendo a sentença na parte recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 7 de dezembro de 2023

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio– 1ª Adjunta
Cláudia Almeida – 2ª Adjunta