Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00378/13.6BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IMPOSTO DE SELO;
TABELA GERAL;
VERBA 17.1.4;
Sumário:
I. A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.

II. O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

III. A verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), sujeita a incidência de imposto de selo as operações financeiras tendo em conta a sua substância económica e desconsiderando a forma jurídica subjacente aos contratos. A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva “utilização do crédito” concedido.

IV. A verba 17.1.4 da T.G.I.S., tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável, é sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

V. É o caso da utilização do crédito que decorre da concessão de crédito por prazo não determinado ou indeterminável, pois que a simples menção de que o mesmo é concedido “… pelo prazo inicial não inferior a 1 ano...” não pode ser tido como fixação de um prazo pelas partes a delimitar o período que decorre entre a utilização e o reembolso.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], S.G.P.S., S.A. (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 06.06.2022, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação de Imposto do Selo, referente ao exercício de 2010, no montante de €197.285,84 e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de €18.368,98, perfazendo o valor global de € 215.654,82, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« IV. CONCLUSÕES
A. A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida e entende que esta padece de erros de julgamento de facto e de direito.
B. Em cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC, a Recorrente impugna a matéria de facto e considera que devem ser aditados os seguintes factos enquanto provados nos autos:
(i) Todos os fundos foram emprestados pela [SCom01...] SGPS às sociedades [SCom02...] e [SCom03...] em 2009, tendo apenas ocorrido reembolso desses fundos em 2010, conforme o seguinte quadro que sintetiza todos os movimentos relevantes (vide quadros transcritos no artigo 17.º das alegações) – cfr. conjunto de documentos constantes do RIT junto aos autos, do artigo 138.º da p.i. (quadros elaborados em conformidade com o Anexo V do documento n.º 2 e Anexo IV do documento n.º 3 da petição inicial), e também por não ser um facto controvertido entre as partes.
(ii) A concessão dos créditos em juízo foi já objecto de uma liquidação adicional no ano de 2009, no montante de € 195.394,66 (cfr. fls. 18 e ss do documento n.º 3 da petição inicial).
C. Na óptica do Tribunal a quo, os empréstimos realizados pela Recorrente às “sociedades-netas” não têm um prazo de utilização determinado ou determinável, não sendo relevante para afastar tal conclusão a estipulação das partes, provada nos autos, de um “prazo inicial não inferior a um ano” (cfr. facto D da sentença). E também não foi determinante, para o Tribunal a quo, para afastar a subsunção à Verba 17.1.4 da TGIS, a prova inequívoca de que os fundos foram transferidos (os empréstimos foram concretizados e utilizados) em anos anteriores, tendo apenas ocorrido em 2010 reembolsos efectuados pelas “sociedades-netas” à Recorrente.
D. Ora, quando as sociedades envolvidas (Recorrente e “sociedades-netas”) celebraram este empréstimo quiseram que se regesse – e tal não é contestado pois o diferendo com a AT reside em saber se um suprimento “indirecto” beneficia da isenção de imposto – pelo regime do contrato de suprimentos previsto no CSC; e, este último exige que o empréstimo não seja restituído antes de decorrido um ano o que traduz o requisito do carácter de permanência previsto no n.º 2 do artigo 243.º do CSC.
E. Em matéria fiscal, de imposto do selo, o n.º 2 do artigo 243.º do CSC tem um espelho, pela negativa, na al. i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS quando esta exige que o empréstimo com características de suprimentos tenha um “prazo inicial não inferior a um ano”. A partir daqui é lícito concluir, portanto, que a referência legal a “empréstimos com características de suprimentos” visa abarcar os empréstimos com carácter de permanência.
F. Neste contexto, estipular-se “um prazo de reembolso superior a um ano” ou um prazo inicial não inferior a 1 ano” simboliza a mesma realidade: estamos perante um empréstimo concedido pelo prazo de um ano e um dia (superior a um ano; ou não inferior a um ano…). A circunstância de o prazo de utilização do crédito concedido à [SCom02...] e à [SCom03...] referir-se a um “prazo inicial não inferior a 1 ano” não desagua, portanto, na conclusão de que estamos perante um contrato sem termo final. Isto é, a estipulação do prazo mínimo (facto D provado na sentença) simboliza precisamente o prazo desse empréstimo, o que afasta, in limine, a aplicação da Verba 17.1.4 da TGIS.
G. As utilizações de crédito efectivas no ano de 2010, relativamente a ambos os empréstimos são nulas (zero!), pelo que a tributação destes empréstimos, mediante a aplicação da Verba 17.1.4 da TGIS constitui um resultado fiscal aberrante e desproporcionado, totalmente contrário ao espírito da tributação em imposto do selo que assenta, desde a entrada em vigor do CIS, no pressuposto económico da utilização do crédito.
H. A Verba 17.1.4 da TGIS tem como âmbito de aplicação aqueles contratos como a conta-corrente, descoberto bancário, ou cash pooling, em que cabe ao mutuário a definição do momento em que utiliza o crédito, fazendo um saque sobre a conta objecto do crédito, bem como do momento em que amortiza a totalidade ou parte dele, reforçando a mesma conta com fundos provenientes da sua actividade.
I. Quando se possibilita o descoberto bancário, a conta-corrente, ou cash pooling, não se sabe quanto e em que medida estes vão ser utilizados, estando apenas sujeitos a um plafond pré-fixado; daí que a medida do imposto do selo que lhes cabe tenha que ser aferida ao dia e sempre a posteriori e não a priori e com um pagamento único de selo, como sucede nas hipóteses das Verbas 17.1.1 a 17.1.3. da TGIS.
J. O que vale por dizer que a natureza “indeterminada” e “indeterminável” do prazo é inerente a estes contratos, que operam por uma volição exercida espontaneamente e disseminada no tempo – consistente no depósito e no saque de verbas sem prazo e montante definido, eventualmente sujeito somente a um tecto de valor na posição de devedor – e não no momento da concessão de crédito e com estipulação de um prazo certo ou de um prazo mínimo (como ocorreu no caso dos autos).
K. A Recorrente não compreende como é que, face à ratio subjacente à verba 17.1.4 da TGIS e, bem assim, à mecânica e axiologia fiscal da tributação de acordo com as verbas 17.1.1. a 17.1.3., se pode querer tributar os créditos concedidos sob exame através daquela primeira verba, uma vez que as formas de concessão de crédito abrangidas nesta verba assentam, precisamente, no pressuposto de que não há prazo previamente acordado pelas partes para a concessão ou o reembolso do crédito e, normalmente, não estão determinados os saques (utilizações) e reembolsos, seja em tempo seja em valor, apenas se impondo a não ultrapassagem de um determinado tecto de montante em dívida.
L. No caso sub judice, nada disso se passa: há uma utilização mínima de um ano para cada tranche de crédito concedido (significa que há um prazo de reembolso de um ano e um dia), devendo cada dessas tranches ser tratada como um contrato de empréstimo e não como um contrato de conta-corrente ou similar, pois é essa a sua realidade contratual e substancial, como resulta dos factos carreados e provados para os autos.
M. Equivoca-se, portanto, o Tribunal a quo ao aventar que os empréstimos em causa são de prazo indeterminado ou indeterminável; sendo a sua inclusão na verba 17.1.2. da TGIS natural e a mais consonante com a letra da lei, a qual se dirige a “crédito de prazo igual ou superior a um ano”. Todavia, essa inclusão teria de ocorrer não em 2010, mas no momento em que os empréstimos foram concedidos e, portanto, utilizados, que foi em 2009 conforme se demonstrou nos autos.
N. A ser como pugna o Tribunal a quo, ao subsumir-se a situação fáctica em contenda na Verba 17.1.4 da TGIS, estar-se-ia a multiplicar o imposto de forma totalmente desproporcionada, iníqua e indevida, contrariando frontalmente a ratio do regime assente numa utilização do crédito que simplesmente não existe em 2010 como resulta dos exemplos dados nas alegações (um empréstimo de 50 milhões pelo prazo máximo de seis anos via uma tributação em IS de €300.000 à luz da verba 17.1.3 da TGIS quando um empréstimo de 30 milhões, à luz da verba 17.1.4, em dívida durante cinco anos via essa tributação mais que a duplicar e a fixar-se em €700.000).
O. A AT não prova qualquer nova utilização de crédito em 2010 – como lhe cabia por força do seu ónus de prova -, mostrando-se disposta à mesma tributação se o mesmo crédito se houvesse mantido em 2011, 2012, 2013, 2014… . No fundo, escudando-se na indeterminação do prazo final que não no prazo mínimo (o qual existe efectivamente), a AT aceita a tributação da mesma utilização 2, 3, 4, 5 ou 20 vezes.
P. A defessa da indeterminação e indeterminabilidade do prazo, logo nos interpela com a seguinte questão: e se as partes tivessem acordado um prazo de reembolso igual ou superior a cinco anos? Ou um prazo de reembolso não inferior a cinco anos? Mesmo tratando-se de um prazo igualmente indeterminado quando ao seu termo e igualmente determinado quanto ao seu mínimo, alguém teria dúvidas quanto à aplicabilidade da verba 17.3? Em ambas as hipóteses, ie., quer na estipulação de um reembolso de um crédito em prazo não inferior a um ano, quer em prazo não inferior a cinco anos, a determinabilidade é a mesma. x
Q. Em qualquer caso, mesmo que o Tribunal a quo sustentasse que a indeterminação do prazo final deveria reverter contra o sujeito passivo e aplicasse a taxa de 0,6%, o resultado ainda assim não repugnaria e estaria em linha com o princípio do IS de que cada utilização de crédito é apenas tributada uma vez.
R. É que, na situação sub judice, se se entender que o prazo de utilização dos créditos não estava previamente determinado (ie., se este Tribunal não aderir àquela que é a interpretação que se tem por correcta da estipulação de um prazo não inferior a um ano), então, tem de se concluir que os empréstimos, ainda assim, têm um prazo de utilização determinável.
S. Como é facto assente nestes autos, as partes quiseram que os empréstimos em contenda se regessem pelo regime do contrato de suprimentos previsto no CSC (assim o contabilizaram, como a própria AT deu nota no RIT – cfr. facto G da sentença na parte transcrita no Capítulo II). T. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 245.ºdo CSC, “Não tendo sido estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil (…)”. Este último preceito prevê que “Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.”.
U. Ora, a conclusão prefigura-se clara: se um Tribunal pode determinar o prazo, então este não é indeterminável
V. Como esta faculdade de determinação do prazo nos termos do artigo 777º do CC pode ser exercida logo após transcorrido um ano desde a vigência do contrato, a interpretação mais lógica que daí decorre é a de que a verba a aplicar é a 17.1.2. (taxa de 0,5%), mas nada impediria a AT, verificada a extensão da maturidade do contrato para lá de cinco anos, de tributar adicionalmente em 0,1% os valores de crédito utilizados, quando essa utilização ultrapassasse esses cinco anos.
W. Por todas estas razões, conclui-se que a AT não provou e não existe em 2010 qualquer facto tributário sobre o qual deva incidir IS, devendo o presente recurso ser julgado totalmente procedente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR ERRADA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL PROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA.»
1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não contra-alegou.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 448 do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são: aferir se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito, por incorreta subsunção da matéria considerada e a considerar como provada aos comandos normativos contidos no Código de Imposto de Selo (CIS), mais concretamente de aferir se a situação sub judice se reconduz à verba n.ºs 17.1.2. ou à verba 17.1.4 (como decidiu o Tribunal a quo), ambas da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração referida será efetuada por apelo à paginação eletrónica dos autos salvo menção expressa em sentido diverso]:
A. A Impugnante é uma sociedade anónima cujo objeto social é a gestão de participações sociais [facto incontrovertido – cfr. ponto II.3.1 do RIT constante do procedimento administrativo]
B. Nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, a Impugnante detinha participações diretas nas seguintes sociedades nas proporções de:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] [facto incontrovertido – resulta da posição da I. expressa na sua PI (art.º 5.º) e consta do Quadro 2 do RIT]
C. A «Amorim Cork Composites SA» detém 100% do capital da «[SCom02...] SA» e 80% do capital da «[SCom03...] SA». [facto incontrovertido – resulta da posição da Impugnante expressa na sua PI e consta da pág. 22 do RIT]
D. A Impugnante concedeu às sociedades «[SCom02...] SA» e «[SCom03...] SA» “empréstimo[s] com características de suprimentos no valor de … pelo prazo inicial não inferior a 1 ano..." [facto incontrovertido que resulta da posição das partes]
E. No exercício de 2010 foram efetuados os seguintes movimentos de capitais no exercício de 2010 e relativamente ao empréstimo à «[SCom02...] SA»:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] [cfr. Anexo 5 e Quadro I do RIT]
F. No exercício de 2010 foram efetuados os seguintes movimentos de capitais no exercício de 2010 e relativamente ao empréstimo à «[SCom03...] SA»:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]G. Com fundamento nos empréstimos anteriormente referidos e respetivos movimentos financeiros, foi promovida liquidação de imposto do selo, assim motivada:
“(…)
III.1.2 — Imposto em Falta - Imposto do Selo -Eur, 197.285,84
III.1.2.1 Operações Financeiras (Verba 17.1.4 da TGIS) - Eur. 197.286,84
A) — Descrição das operações Identificadas
A [SCom01...] SGPS, SA registou nas subcontas da conta 2672, empréstimos de financiamento, que o sujeito passivo considerou reunirem as características de suprimentos, concedidos às seguintes sociedades:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]Nota: Em 01-01-2010 estes valoras encontravam-se contabilizados numa subconta 4113. Com a transição para o SNC estes valores foram transferidos para subcontas da conta 2672
Da análise efetuada aos extratos destas contas, constatámos que os montantes inscritos nas mesmas resultam de saldos transitados do exercido de 2009.
Aquando da Inspeção externa efetuada ao exercício de 2009, foi comprovado que os valores contabilizados nas contas acima indicadas respeitavam a suprimentos, dado que o próprio sujeito passivo no campo da “Descrição movimentos" constante dos documentos de suporte dos movimentos da conta 4113, inscreveu a menção "n/e Sup…”, ou seja, este empréstimo foi classificado como suprimento. Este facto verifica-se também nos documentos de suporte dos movimentos de reembolso destes financiamentos ocorridos no exercido de 2010 onde é inscrito no referida campo "..a_n/Sup".
Na referida inspeção efetuada ao exercício de 2009 foi também solicitado ao sujeito passivo que justificasse, ao abrigo de que norma de isenção não efetuou a liquidação do imposto do selo.
Em resposta a este pedido, a [SCom01...], SGPS, SA forneceu-nos o documento que é enviado á entidade a quem é concedido o financiamento, onde consta o seguinte descritivo " Comunica-se a Vªs Exªs que foi concedido um empréstimo com características de suprimentos no valor de … pelo prazo inicial não inferior a 1 ano...", refere também que esta operação se encontra “... isenta de Imposto do Selo ao abrigo do art.° 7°, n° 1, alínea i), do CIS”.
Do descrito anteriormente, resulta que o contribuinte não definiu uma data especifica para o reembolso destes empréstimos, limitou-se a indicar que o prazo de reembolso dos mesmos não deverá ser inferior a um ano, ou seja, o prazo para a utilização do crédito é indeterminado ou indeterminável.
Verificámos também que estes empréstimos de financiamento não se encontram suportados por contratos escritos, sendo as decisões de conceder estes empréstimos ratificadas por deliberações tomadas nas Atas do Conselho de Administração da [SCom01...] SGPS, SA.
Nas referidas Atas, estas operações são classificadas como empréstimos de médio e longo prazo, ou seja, com um prazo reembolso superior a um ano.
(…)
D) Enquadramento em sede do imposto do selo
(…)
Da leitura da verba 17 da TGIS, constata-se que, 'Sob a epígrafe "operações financeiras" incluem-se no âmbito de incidência do imposto do selo a concessão de crédito. Qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros ou comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em imposto do seio se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras".
Efetivamente, na verba 17.1. estipula-se que o imposto do selo á devido "Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a malquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria curando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato — sobre o respetivo valor, em função do prazo" (sublinhado nosso).
Assim, as operações de financiamento de médio e longo prazo mencionadas na alínea A) do ponta III.1.2.1, correspondem a operações financeiras que, pela utilização de crédito, estão sujeitas a Imposto do Selo, conforme prevê a verba 17.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, por remissão do n.° 1 do art. 1.° do Código do Imposto do Selo (CIS).
O prazo do financiamento, e se o mesmo é determinado ou determinável à data de concessão do crédito assume importância fundamental, quer face ao disposto no artigo 5° do Código do Imposto do Selo quanto ao momento em que se considera constituída a obrigação tributária, quer quanto à taxa de imposto a que a operação está sujeita, como resulta da redação da verba 17.1 da TGIS.
Sendo o prazo, e o seu conhecimento ou não, determinante para o enquadramento de uma operação financeira em sede de Imposto do Selo, quer quanto à determinação do momento da obrigação tributária, quer quanto à taxa aplicável e bem como quanto à verificação ou não de um pressuposto para a isenção, a aferição da operação financeira no que se refere ao seu prazo terá de ser feita no momento em que esta operação ocorre, porque só assim poderá nessa data proceder ao adequado enquadramento.
Através da leitura das atas do Conselho de Administração da [SCom01...], SGPS, SA, onde foram ratificadas as decisões de concessão de empréstimos a estas entidades, bem como das informações prestadas pelo contribuinte, constatámos que, quanto ao prazo, estes empréstimos são considerados de médio e longo prazo, ou seja com prazo de reembolso nunca Inferior a um ano, não existindo qualquer referencia a uma data especifica de reembolso.
Segundo a lei e a melhor doutrina (confira-se a propósito o disposto no artigo 278° do Código Civil, sob a epígrafe Termo), os Termos, enquanto clausulados apostos a contratos, destinam-se a prever um momento certo, futuro e determinado ou determinável (termo certus an e certus quandu), ou certo, futuro e indeterminado (termo certus an e incertus quandu, também designado de termo incerto), a partir do qual se iniciam (termo inicial) ou cessam (termo final) os efeitos de um Negócio Juridico.
Os Negócios Jurídicos estão, no nosso Direito, sujeitos ao princípio geral da liberdade contratual, prevista no artigo 405° do Código Civil, nos termos do qual as partes podem clausular as suas relações por forma a adaptá-las às suas pretensões e necessidades. O Termo surge neste âmbito como um dos elementos acidentais dos Negócios, como cláusulas acessórias típicas que as partes podem apor à totalidade ou apenas a parte dos contratos que celebram.
Se o Termo for certo (certus an e certus guandu) estaremos perante um prazo, estipulado pelas parles, a partir do qual determinado efeito negociai se verificará (prazo inicial), ou deixará de se verificar (prazo final).
Na determinação do seu sentido, as normas fiscais estão sujeitas a um regime especial de interpretação, plasmado, em primeira linha, pela Lei Geral Tributária. (…)
Face ao exposto, e porque in casu as partes se limitaram à estipulação de um prazo nunca inferior a um ano, conclui-se não existir um prazo certo para o reembolso das respetivas utilizações, inviabilizando assim a tributação de acordo com as verbas 17.1.1 a 17.1.3 da referida tabela. É pois, a circunstância de não existir um prazo de utilização certo que é relevante para efeitos de tributação pela verba 17.1.4 da referida tabela.
Do descrito anteriormente, e para efeitos da aplicação das taxas previstas na verba 17.1, e uma vez que o prazo de utilização do crédito é indeterminado ou indeterminável, a obrigação tributaria, conforme o previsto na alínea g) do art.º 5º do CIS, considera-se constituída no ultimo dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar a prevista na verba 17.1.4 da TGIS que, por remissão do n.° 1 do artigo 1° do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em sede de Imposto ao Seio, do "Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30", aplicando-se deste modo taxa de 0,04%.
Importa também referir que, de acordo com o previsto no ponto 28 da Circular 15, de 05/07/2000 — Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, "...O Imposto a que se refere o ponto 17.1.4 da Tabela Geral deve ser calculado tendo em consideração não os saldos contabilísticos mas os saldos-valor diariamente apurados, uma vez que estes refletem com maior rigor a dívida e, consequentemente, o imposto devido.»
(…)
Importa verificar o preenchimento dos pressupostos de isenção previstos na alínea i) do n.º 1 do art.° 7° do CIS, no que se refere ao prazo de financiamento e às relações societárias existentes entre o concedente e utilizadores do crédito, pressupostos estes que constituem condições necessárias e de verificação cumulativa.
Desta forma, para que estas operações possam beneficiar da referida isenção devem verificar cumulativamente as seguintes condições:
a) Quanto ao prazo, devem ser operações financeiras cujo prazo estipulado inicialmente deveria ser superior a um ano e não serem reembolsadas antes de decorrido esse prazo;
b) Quanto às relações societárias entre as sociedades (concedente e utilizador do crédito) esta norma aplica-se apenas a empréstimos com características de suprimentos, pelo que, como atrás se referiu, exigese que o concedente do crédito seja sócio das entidades beneficiárias dos créditos, isto é, que participe diretamente no capital das mesmas.
Das verificações efetuadas constatámos que os empréstimos efetuados a estas sociedades têm previsto um prazo de reembolso superior a um ano.
No entanto, de acordo com o descrito na alínea C) do ponto III.1.2.1, a [SCom01...] SGPS, SA, sociedade concedente dos créditos, não é acionista das sociedades utilizadoras dos mesmos ([SCom02...], SA e [SCom03...], SA), uma vez que não possui qualquer participação direta no capital destas últimas, razão pela qual, os créditos concedidos a estas sociedades, não podem ser considerados como suprimentos.
Do descrito anteriormente, concluímos que, para as operações em causa, não se encontram cumpridos cumulativamente os pressupostos previstos na alínea i) do n° 1 do art.° 7° do CIS, não podendo desta forma beneficiar da referida isenção de imposto do Selo.
(…)”
[cfr. relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo]
H. Nos termos referidos no facto precedente a AT apurou o seguinte montante de imposto em falta:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] [cfr. anexo 5 ao relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo]
I. Na sequência do sancionamento hierárquico da proposta de correções foi emitida a liquidação n.º ...54 no valor de EUR 197.255,84, acrescidos de EUR 16.368,98 de juros compensatórios, totalizando o valor a pagar EUR 215.654,82
[cfr. liquidação que constitui “doc. 1” anexo à petição inicial]
Atendendo à conformação da instância efetuada pelas partes, nomeadamente pedidos e causas de pedir, bem como à fundamentação do ato impugnado, tendo em conta as soluções possíveis de direito, não se provaram outros factos com interesse para a decisão dos presentes autos.
Nomeadamente não se provou que:
J. Por falta de pagamento da liquidação referida no facto «I» tivesse sido instaurado processo de execução fiscal;
K. A Impugnante tivesse prestado garantia com vista a obter a suspensão daquela execução fiscal-
Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos (não impugnada) e do processo administrativo apenso, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
No que tange à matéria de facto levada ao probatório pela negativa, esta circunstância resultou de inexistirem nos autos documentos que suportem tal factualidade, motivos pelos quais de harmonia com as regras previstas no art.º 74.º da LGT foram tais factos dados como não provados.»

2.2. De direito
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Em causa no presente recurso está a decisão do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação de imposto de selo em questão, por entender que os empréstimos concedidos pela sociedade dominante a sociedades indiretamente participadas são subsumíveis à Verba 17.1.4 da TGIS.
Considera a Recorrente que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por incorreto julgamento de facto, a impor o aditamento de dois factos devidamente enunciados nas conclusões das suas alegações, como veremos, e na subsunção da matéria considerada como provada na consideração de que os empréstimos realizados pela Recorrente às “sociedades-netas” não têm um prazo de utilização determinado ou determinável, o que vai contra a estipulação das partes, provada nos autos, de um “prazo inicial não inferior a um ano”, bem como, à prova inequívoca de que os fundos foram transferidos (os empréstimos foram concretizados e utilizados) em anos anteriores, tendo apenas ocorrido em 2010 reembolsos efectuados pelas “sociedades-netas” à Recorrente, o que por si afasta a subsunção à Verba 17.1.4 da TGIS dos empréstimos.
Cumpre apreciar e decidir, não sem antes fazer um parêntesis, sobre o acórdão do STA proferido nos presentes autos de 07.04.2022, que afastou a tese da aqui Impugnante/Recorrente em sede de petição, de que os empréstimos em questão nos presentes autos revestiam a inequívoca natureza de suprimentos e, como tal, recaiam na alçada da isenção a que alude a alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 109.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
Assim firmado nos autos que a presente situação teria que ser analisada à luz da sua tributação em sede de imposto de selo, cumpria ao tribunal de 1ª instância a análise das questões que lhe eram colocadas, o que efectivamente fez e constitui o objecto do presente recurso, quais sejam:
- De que no ano de 2010 a Recorrente não concedeu qualquer empréstimo às empresas tidas por “sociedades-netas”, assente na premissa de que a concessão do crédito (a transferência monetária) ocorreu em anos anteriores e de que no ano de 2010 apenas ocorreram reembolsos dos empréstimos anteriormente concedidos, pelas sociedades mutuárias à Recorrente, afastando o requisito da “utilização”, ou seja, de que as utilizações de crédito efectivas no exercício de 2010, relativamente a ambos os empréstimos são nulas, pelo que o imposto do selo está desprovido de base tributável visto inexistir qualquer utilização de crédito efectiva ao nível das duas “sociedades-netas”;
- De que a circunstância de o prazo de utilização do crédito não ter uma data certa para a sua amortização, mas ter um prazo mínimo para a mesma – neste caso não inferior a um ano e um dia – afasta a aplicação da verba 17.1.4 da TGIS, ao contrário do entendimento da AT, sustenta a Recorrente que não estamos perante créditos a considerar como de prazo indeterminável, pelo que a sua inclusão cabe na verba 17.1.2. da TGIS, a qual se dirige a “crédito de prazo igual ou superior a um ano”.
Sobre tais questões pronunciou-se o tribunal a quo, considerando que (i) «Tem-se por pacífico que o facto tributário previsto na verba 17.1 da TGIS não é a mera celebração do contrato de mútuo, mas sim a execução daquele contrato, isto é, a transferência do montante mutuado para o devedor, pondo-o à sua disposição. Tal interpretação é consentânea com o previsto na alínea g) do art.º 5.º do CIS que prevê que a obrigação tributária se considera constituída “nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;”» e, de que (ii) «A circunstância de os mútuos terem sido concedidos por período superior a um ano não permite concluir que estes se subsumem à previsão da verba 17.1.2 na medida em que podem ter duração superior a 5 anos e aí seriam subsumíveis à verba 17.1.3; A inexistência ab initio de previsão de data de reembolso (ou prazo de reembolso / fixação de um evento certo que o determinasse) implica que quando é celebrado o contrato e transferido o montante mutuado para a disponibilidade do mutuante é desconhecido pelas partes contratantes quando se vencerá a obrigação de restituição daquela importância.».
Cumpre, pois, a este Tribunal ad quem, apreciar e decidir.
2.2.1. Do erro de julgamento de facto
Da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, decorre que os recursos para os Tribunais Centrais tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Estando em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º do CPC impõe ao recorrente, sob pena de rejeição, além do mais, a especificação dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida e, tratando-se de meios probatórios gravados, a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Em cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC (indicação dos factos a aditar e meios de prova em que os mesmos se alicerçam), invoca a Recorrente, que cumpre adicionar ao probatório e retirar as devidas consequências jurídicas de factos por si alegados em sede de petição inicial acompanhados dos respectivos documentos que os comprovam, factos esses omissos da matéria de facto dada como provada, assim descriminados
«(i) Todos os fundos foram emprestados pela [SCom01...] SGPS às sociedades [SCom02...] e [SCom03...] em 2009, tendo apenas ocorrido reembolso desses fundos em 2010, conforme o seguinte quadro que sintetiza todos os movimentos relevantes (vide quadros transcritos no artigo 17.º das alegações) – cfr. conjunto de documentos constantes do RIT junto aos autos, do artigo 138.º da p.i. (quadros elaborados em conformidade com o Anexo V do documento n.º 2 e Anexo IV do documento n.º 3 da petição inicial), e também por não ser um facto controvertido entre as partes.
(ii) A concessão dos créditos em juízo foi já objecto de uma liquidação adicional no ano de 2009, no montante de € 195.394,66 (cfr. fls. 18 e ss do documento n.º 3 da petição inicial).»
O erro de julgamento recai sobre um elemento dos dois componentes que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. O denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, pode resultar de errada apreciação do material probatório que a ocorrer se estende a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão e/ou conduzir a uma desacertada interpretação dessa materialidade.
Como assertivamente se elucida, no acórdão do TCA Sul de 10.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7813/14, “No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.”
Assim, quando a selecção dos factos não é colocada em questão em sede de recurso, mas apenas se coloca a ênfase impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento de direito.
Perscrutadas as alegações, diga-se que o défice instrutório plasmado pelo Recorrente pretende reconduzir para o probatório, factos que na sua concepção da acção atestam uma das razões que aponta para afastar a subsunção dos empréstimos em questão à Verba 17.1.4 da TGIS, qual seja, a de que o empréstimo ocorreu em 2009, sendo que em 2010 apenas ocorreu reembolso desses fundos, pelo que a utilização do crédito tem que se ter por reportada a 2009, situação essa que já foi tributada em sede de Imposto de Selo, no montante de €195.394,66.
Ora, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. E, somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cf. artigo 371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cf. artigo 607º, nº.5, do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; vide Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Se é certo que os factos que pretende ver aditados, estão devidamente suportados nos documentos que juntou com a petição, temos dificuldade em alcançar em que termos a não recondução dos mesmos ao probatório levou o julgador a incorrer em erro na apreciação jurídica que subjaz aos mesmos.
É que, conforme consta do RIT, nomeadamente dos segmentos transcritos no item G. do probatório, tais dados, se bem que implicitamente, estão ali vertidos e foram levados em consideração pela Recorrida, ao afirmar que «(...) resultam de saldos transitados do exercido de 2009.
Aquando da Inspeção externa efetuada ao exercício de 2009, foi comprovado que os valores contabilizados nas contas acima indicadas respeitavam a suprimentos, dado que o próprio sujeito passivo no campo da “Descrição movimentos" constante dos documentos de suporte dos movimentos da conta 4113, inscreveu a menção "n/e Sup…”, ou seja este empréstimo foi classificado como suprimento. Este facto verifica-se também nos documentos de suporte dos movimentos de reembolso destes financiamentos ocorridos no exercido de 2010 onde é inscrito no referida campo "..a_n/Sup".
Na referida inspeção efetuada ao exercício de 2009 foi também solicitado ao sujeito passivo que justificasse, ao abrigo de que norma de isenção não efetuou a liquidação do imposto do selo.
Em resposta a este pedido, a [SCom01...], SGPS, SA forneceu-nos o documento que é enviado á entidade a quem é concedido o financiamento, onde consta o seguinte descritivo " Comunica-se a Vªs Exªs que foi concedido um empréstimo com características de suprimentos no valor de … pelo prazo inicial não inferior a 1 ano...", refere também que esta operação se encontra “... isenta de Imposto do Selo ao abrigo do art.° 7°, n° 1, alínea i), do CIS”.»
E, sobre tal questão, o Tribunal a quo foi perentório em afirmar que «Para concluir pela inexistência de matéria tributável no exercício de 2010 defende a Impugnante que naquele ano não ocorreu qualquer utilização de crédito, na medida em que os mútuos provinham de períodos pretéritos, não tendo havido qualquer reforço das quantias mutuadas, pelo contrário, naquele exercício foram amortizados os empréstimos pelas suas participadas.
Tem-se por pacífico que o facto tributário previsto na verba 17.1 da TGIS não é a mera celebração do contrato de mútuo, mas sim a execução daquele contrato, isto é, a transferência do montante mutuado para o devedor, pondo-o à sua disposição.
Tal interpretação é consentânea com o previsto na alínea g) do art.º 5.º do CIS que prevê que a obrigação tributária se considera constituída “nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;”».
Posto isto, estamos cientes que no julgado foi atentado o estarmos perante um empréstimo cujas consequências em sede de Imposto de Selo foram relevadas pela AT no que concerne ao ano de 2009, e de que o ano de 2010 em apreço foi apurado levando em consideração tão só o saldo credor transitado e os valores reembolsados nesse período. Ou seja, na sentença sob recurso afere-se da utilização do crédito transitado e de que em 2010 apenas ocorreram reembolsos, e partindo dessas duas premissas ali se afastou a tese da Recorrente plasmada na petição.
Assim sendo, não tendo sido colocado em questão pela Recorrente a existência de um saldo em 01.01.2010 proveniente do empréstimo a que aludem os autos, como discorre da matéria de facto dada como provada, nem que o Imposto de Selo calculado em 2010 em função dos reembolsos desse mesmo ano, sejam duplicação do ano de 2009, a matéria de facto que compõem a pretensão da Recorrente nada acrescenta a lide, pelo que podemos afirmar estarmos perante factos não essenciais na justa composição do litígio, qual seja a de aferir da utilização do crédito no ano de 2010, na certeza de que estamos perante uma concessão de empréstimo não isenta de Imposto Selo – vide acórdão do STA de 07.04.2022 proferido no âmbito dos presentes autos.
Posto isto, cumpre tão só a este Tribunal ad quem, aferir do eventual erro na apreciação e valoração da matéria de facto e consequentemente, no julgamento de direito e na solução jurídica preconizada na sentença.

2.2.2. Do erro de julgamento de direito
A Tabela Geral do Imposto do Selo, nos seus primórdios previa a tributação das operações de concessão de crédito, separada em duas verbas distintas, a saber: a) na verba 1 – a abertura de crédito, que era definida como “a obrigação que alguém toma de fornecer a outrem, por meio de escrito particular ou de instrumento público ou ainda por correspondência, fundos, mercadorias ou noutros valores, quer seja para utilizar no País quer no estrangeiro”, e b) na verba 54 – o contrato de mútuo, cujo conceito decorre do artigo 1142.º do Código Civil, em que “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, com entrada em vigor no dia 1 de março de 2000, no seu artigo 1.º viria a ser aprovado «o Código do Imposto do Selo e a Tabela Geral [do Imposto do Selo] anexos, que substituem, respetivamente o Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n.º 12 700, de 20 de Novembro de 2926, e a Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 21916, de 28 de Novembro de 1932, e alterações posteriores.», passando-se a prever numa só verba – 17.1 – a concessão de crédito, precisamente aquela que nos ocupa.
É no domínio das operações financeiras, particularmente no crédito, que se operaram as mais relevantes inovações no novo Código do Imposto do Selo na reforma operada no ano de 2000. (…) o novo Código introduz duas inovações fundamentais relativamente ao anterior: Por um lado o imposto passa a incidir sobre as utilizações de crédito e não sobre a celebração dos contratos que lhes dão origem. Há que distinguir nesta matéria, como em qualquer contrato, entre a celebração e os efeitos que desse contrato resultam. Assim, uma coisa é a celebração do contrato de crédito e outra diferente é a efetiva utilização desse crédito pela pessoa a quem foi concedido. Enquanto no anterior sistema o imposto incidia no momento da celebração do contrato, o novo código manda aplicar o imposto apenas na data da utilização do crédito e à medida dessa utilização, ou seja, já não se tributa a celebração do contrato de crédito, mas a realização dos seus efeitos. Por outro lado, o tempo de duração da relação creditícia passa a ser determinante na determinação do imposto a pagar. Como veremos adiante, o tipo de taxa aplicável depende sempre do período temporal por que o crédito for concedido. (…) O legislador do CIS soube refletir no regime fiscal do crédito em Imposto do Selo a importância do factor tempo, fazendo depender dele o montante da taxa de imposto e, em alguns casos, a própria ocorrência do facto gerador”. (José Maria Fernandes Pires, in “Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo”, 2015, 3ª edição)
E, sobre o assunto Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, in Imposto do Selo Operações Financeira e de Garantia, Almedina, referem “Da norma de incidência retira-se a ideia central de que são tributadas as operações de concessão de crédito, das quais resulte uma utilização de crédito. No atual CIS, ao contrário do regime anterior, a tributação depende da efetiva utilização do crédito por parte da entidade financiada, não havendo tributação sobre a mera colocação de fundos à disposição do financiado.
Assim, se as partes contratarem uma abertura de crédito até certo momento, de modo a que o financiado utilize os fundos à medida das suas necessidades, dessa mera colocação à disposição não surge qualquer tributação em Imposto do Selo. Apenas com a transferência dos fundos para a esfera patrimonial do financiado (a utilização do crédito) é que se completa o facto tributário.
Uma empresa pode contratar com um banco uma linha de crédito, de modo a garantir que, em caso de necessidade, o banco se obriga a fornecer fundos até certo valor. Se a necessidade de financiamento não surgir, deste contrato nunca resultará uma obrigação de liquidação do imposto incidente sobre o crédito”.
Em suma, com a reforma encetada ao Imposto de Selo em 2000, foi introduzida uma alteração à filosofia da tributação do crédito, que passou a recair sobre a sua utilização e já não sobre a celebração do respetivo negócio jurídico de concessão.
E, em jeito de sinopse, destacam-se num primeiro momento dois princípios basilares relativamente à tributação das operações de crédito: (i) a tributação ocorre independentemente de haver documento escrito que titule a operação; (ii) a obrigação de imposto apenas nasce com a efetiva utilização de fundos.
Para tanto, dispõem alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IS, que «A obrigação tributária considera-se constituída nas operações de crédito, no montante em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.».
Temos portanto, que as operações de crédito são tributadas nos termos da verba 17.1 da TGIS, enunciando para o efeito a lei alguns tipos contratuais de concessão de crédito, como a cessão, o factoring, as operações de tesouraria, a abertura de crédito em conta corrente e o descoberto bancário, sendo que a enunciação é meramente exemplificativa, pois mais do que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efetiva utilização do crédito pelo beneficiário, como é o exemplo dos suprimentos que embora sujeitos a IS, beneficiam de isenção nos termos da alínea i), n.º 7.º do CIS (situação que in casu foi afastada – vide Ac. do STA de 07.04.2022, proferido no âmbito dos presentes autos).
E, como ensinam, António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás (in Tributação do Património - IMI - IMT e Imposto do Selo - Anotados e Comentados, Almedina): «g) Nas operações de crédito, a obrigação tributária considera-se constituída no momento em que foram realizadas, sem prejuízo das isenções consignadas no art. 7.º/1, e), g), h) e i). A presente alínea enquadra as operações financeiras previstas nas verbas 17.1 e 17.2 da tabela, quanto à utilização de crédito sob a forma de fundos, pelo que a obrigação tributária se haverá de considerar constituída no momento em que tais operações são contratualizadas.
No que se refere à tributação do crédito, o legislador do CIS aprovado pela Lei 150/99, de 11/9, introduziu uma alteração profunda quanto ao momento da constituição da obrigação tributária em relação à Tabela Geral do Imposto do Selo aprovada pelo Decreto 21912, de 28/11/1932. Com efeito, fez deslocar a produção dos efeitos económicos e da capacidade contributiva dos agentes, do momento da contratualização do crédito, deixando de tributar o negócio jurídico da concessão, para o momento da sua utilização.
Vai nesse mesmo sentido o entendimento da autoridade tributária quando esclarece “O que deve entender-se por “realização” da operação de crédito” [Circular 15/2000, de 5/7.
“O momento da “realização” da operação de crédito, previsto na alínea g) do art. 13.º (atual 5.º) do Código é aquele em que o crédito é utilizado. É que a citada alínea g) refere-se não só às aberturas de crédito, como também aos mútuos, aos empréstimos bancários propriamente ditos e a outras formas de concessão de crédito. Utilizou-se um termo com sentido amplo, de molde a abranger não só os contratos reais, em que a entrega do crédito é elemento essencial do contrato, mas também todas as situações, em que a utilização do crédito é diferida para momento ou momentos posteriores à celebração do contrato. Em termos conclusivos, pode afirmar-se que a operação de crédito se realiza quando o crédito é utilizado.”»
E, mais esclarecem, Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, ob. Cit., que “A determinação (ou não) do prazo da operação de crédito não deverá aferir-se quanto ao contrato de crédito em si, porque este tem, em princípio, sempre um prazo estabelecido. A análise deve ser feita quanto ao período de utilização de crédito, considerando-se que o prazo se encontra determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização e o reembolso.”. [Para efeitos de enquadramento doutrinário do regime legal aplicável recuperamos o por nós discorrido em acórdão de 15 de dezembro de 2022, in processo n.º 37/12.7BEBCR]
Munidos destes ensinamentos, e cientes que os mesmos são aplicáveis, volvemos aos autos.
Prevê a verba 17 da TGIS, sob a epígrafe” Operações financeiras” que:
«17.1 – Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato – sobre o respetivo valor, em função do prazo:
17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fração ......... 0,04%
17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano................................... 0,50%
17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos ............................ 0,60%
17.1.4 – Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 (...) 0,04%»
In casu, como é possível aferir do Relatório de Inspeção Tributária, junto aos presentes autos, e da matéria de facto dada como provada, é de relevar:
a) No início do ano de 2010 a Recorrente detinha um crédito sobre a «[SCom02...] SA» de EUR 39.000.000,00 e sobre a «[SCom03...] SA» de EUR 4.452.882,05 (vide itens E. e F. da matéria dada como provada);
b) Esse crédito advinha da concessão pela Recorrente às sociedades «[SCom02...] SA» e «[SCom03...] SA» “empréstimo[s] com características de suprimentos no valor de (…) pelo prazo inicial não inferior a 1 ano..." (vide item D. da matéria de facto dada como provada);
c) Durante o ano de 2010 a primeira amortizou EUR 3.000.000,00 e a segunda EUR 2.102.882,05 (vide itens E. e F. da matéria dada como provada);
d) No final do ano subsistia em dívida, respetivamente, EUR 36.000.000,00 e EUR 2.350.000,00 (vide itens E. e F. da matéria dada como provada);
e) Com fundamento no empréstimo em a) e b) e movimentos financeiros de 2010 foi promovida a liquidação de imposto de selo impugnada nestes autos.

Segundo argumenta a Recorrente “As utilizações de crédito efectivas no ano de 2010, relativamente a ambos os empréstimos são nulas (zero!), pelo que a tributação destes empréstimos, mediante a aplicação da Verba 17.1.4 da TGIS constitui um resultado fiscal aberrante e desproporcionado, totalmente contrário ao espírito da tributação em imposto do selo que assenta, desde a entrada em vigor do CIS, no pressuposto económico da utilização do crédito.” e, mais defende, se bem interpretamos as suas alegações, que a indeterminabilidade inerente à Verba 17.1.4 da TGIS só tem aplicação aos contratos sob a forma de conta-corrente, descoberto bancário, ou cash pooling, em que cabe ao mutuário a definição do momento em que utiliza o crédito, fazendo um saque sobre a conta objecto do crédito, bem como do momento em que amortiza a totalidade ou parte dele, reforçando a mesma conta com fundos provenientes da sua actividade. [vide conclusões G. a K], sustentando que “Equivoca-se, portanto, o Tribunal a quo ao aventar que os empréstimos em causa são de prazo indeterminado ou indeterminável; sendo a sua inclusão na verba 17.1.2. da TGIS natural e a mais consonante com a letra da lei, a qual se dirige a “crédito de prazo igual ou superior a um ano”. Todavia, essa inclusão teria de ocorrer não em 2010, mas no momento em que os empréstimos foram concedidos e, portanto, utilizados, que foi em 2009 conforme se demonstrou nos autos.” [conclusão M. das alegações].
Na óptica do Tribunal a quo “(...) Do exposto emerge a conclusão que não sendo possível determinar aquando da celebração do mútuo quando seria reembolsada a importância mutuada, o crédito tem duração indeterminada (sem prejuízo de poder ser superior a um ano) e que, durante o ano de 2010, as participadas (indiretas) da Impugnante ainda estavam a utilizar aquele crédito na perspetiva de que perduravam saldos em dívida.
Motivo que levou a AT a considerar os saldos médios em dívida para efeitos de determinação da matéria tributável e como decorre do teor da verba 17.1.4.
Assim se conclui que a liquidação de imposto do selo não enferma dos vícios que lhe são imputados pela Impugnante, com a consequente improcedência das pretensões anulatórias.”.
E, desde já se diga, que bem andou o Tribunal a quo e de que falecem os argumentos da Recorrente.
Desde logo, como decorre do exposto, dúvidas não ocorrem que existe facto tributário, a tese da Recorrente assenta num paradigma que vingava na tributação em sede de Imposto de Selo antes da reforma, como disso demos nota com recurso a vastíssima doutrina sobre a mesma. In casu a tributação faz-se sobre a utilização do crédito e não sobre a concessão, como pretende a Recorrente.
Atenha-se para o efeito ao sumário da nossa autoria, in acórdão deste TCA Norte de 15.12.2022, proferido no âmbito do processo n.º 37/12.7BEBCR, e para cuja leitura remetemos, de que “IV. A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.
V. O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.
VI. A verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), sujeita a incidência de imposto de selo as operações financeiras tendo em conta a sua substância económica e desconsiderando a forma jurídica subjacente aos contratos.”.
E, sufraga o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2018, proferido no âmbito do processo n.º 0800/17, o entendimento sumariado, que aqui transcrevemos por reconduzir –se a uma síntese do todo do quanto supra se expôs, de que: “I - A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.
II - O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.
III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito.
IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.”.
Em rigor, e no limite da aplicação dos normativos legais, o empréstimo, ou a linha de crédito concedido, se nunca for utilizada, não permite a tributação em sede de Imposto de Selo.
E, antes de entrarmos na problemática de estarmos perante um prazo e esse ser determinável ou não, um breve aparte sobre a utilização da expressão “forma de conta corrente”, pois que a Recorrente navega neste conceito numa tentativa de afastar aplicabilidade da Verba 17.1.4 da TGIS in casu.
Desde logo se diga, que o conceito de “forma de conta corrente” que é prevista na verba 17.1 da TGIS, se afasta do conceito de “contrato de conta corrente” a que se reporta o artigo 344º do Código Comercial, assumindo aqui para o que nos importa a forma técnica contabilística de exprimir numericamente o movimento e resultado de qualquer operação ou transação, que por sua vez se traduz num saldo credor ou devedor.
Sobre esta matéria, chamemos a colacção o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.12.2015, proferido no âmbito do processo n.º 06974/13, que quanto a esta matéria nos esclarece que: “(...) a verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.), sujeita a incidência de imposto de selo as operações financeiras tendo em conta a sua substância económica e desconsiderando a forma jurídica subjacente aos contratos, denotando-se uma preocupação crescente com o princípio da igualdade fiscal. O imposto sobre a utilização de crédito previsto na verba 17.1. da T.G.I.S. incide sobre todas as operações de natureza financeira, realizadas por qualquer entidade, e a qualquer título, de que resulte a disponibilização de crédito sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, abrangendo na sua incidência, quer os actos de tomada de fundos disponibilizados em território nacional a entidades aqui não domiciliadas, quer as operações desta natureza realizadas a favor de entidades aqui domiciliadas, ainda que o facto tributário - o saque dos fundos - se deva considerar localizado fora do território nacional.
Já a verba 17.1.4 da T.G.I.S., supra exposta, tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável, é sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. No caso da utilização do crédito acordada por ou com a intermediação de uma instituição financeira não residente em Portugal, o imposto do selo deverá ser pago e constitui encargo da sociedade residente em Portugal no final de cada mês no caso de descoberto bancário ou de concessão de crédito por prazo não determinado ou indeterminável (cfr.artºs.4, 5, 23 e 44, do C.I.S.). Nesta verba, a incidência de imposto deriva do sujeito favorecido com a operação de crédito beneficiar de um aumento de liquidez financeira num momento actual, sendo que a situação passiva colateral - o encargo ou dívida - se encontra disseminada num médio ou longo prazo (variando a taxa de tributação precisamente nessa função "pro rata temporis"), considerando o legislador suficiente para efeitos de tributação esse “súbito enriquecimento aparente” resultante de uma disponibilidade monetária instantânea. (...) (cfr.Carlos Baptista Lobo, As operações financeiras no Imposto do Selo: Enquadramento Constitucional e Fiscal, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º1, Edições Almedina, 2008, pág.73 e seg.; José Fernando Abreu Rebouta, ob.cit., pág.16 e seg.).
(...) [N]ão exige a verba 17.1.4, da T.G.I.S., cuja exegese supra se realizou, a prova da existência de um contrato de conta-corrente, como pressuposto da incidência do tributo.
A conta-corrente comercial é um negócio típico e nominado (cfr. artº.344, do C. Comercial), a qual implica, antes de mais, uma obrigação, assumida pelas partes contratantes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabilística de uma conta-corrente, a qual tem, ínsita, uma função de crédito: consoante o sentido do saldo e até ao encerramento da conta, as partes podem ficar, reciprocamente, na situação de credor e de devedor. Já a conta-corrente bancária constitui uma espécie de conta-corrente comercial que se integra, com outros elementos, num contrato mais vasto de abertura de conta, normalmente celebrado entre o banqueiro e o seu cliente. (cfr. António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. edição, 2014, Almedina, pág.552 e seg.).” (fim de transcrição)
Por outro lado, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr. Acórdãos do TCA Sul, de 02.10.2012, in proc.5320/12, de 12.12.2013, in proc.7073/13, de 27.03.2014, in proc.2912/09 e 10.09.2015, in proc.7066/13).
A par de tudo o quanto já aqui foi dito, pese embora possam se suscitar dúvidas a respeito desta matéria, temos por nós que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato,
não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3., por isso a alusão no mesmo da utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração indeterminada ou indeterminável.
A lei começa, pois, por elencar o crédito sob a forma de conta-corrente e o descoberto bancário como modalidades em que, em princípio, o prazo de utilização é indeterminado ou indeterminável. Dizemos “em princípio” porque a aferição dependerá sempre da análise de cada caso concreto, podendo concluir-se que, não obstante a forma adotada pelas partes, o prazo do crédito se encontra à partida determinado, não sendo por isso tributado nesta verba”. (Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, in ob.cit., sobre a verba 17.1.4 da TGIS) e, vice-versa.
Ora, perante os factos supra elencados, e em conformidade com o julgamento efectuado pela 1ª instância, ultrapassada que se mostra a questão da utilização do crédito enquanto pressuposto da tributação em sede de Imposto de Selo, cumpre tão só aferir da aplicação da Verba 17.1.4 da TGIS, ou seja, da subsunção daqueles reembolsos contabilizados em função do crédito existente a 01.10.2010 por força da celebração do mútuo pela Recorrente para com as “sociedades-netas”, não sendo o respetivo prazo de utilização determinado, nem determinável.
Sendo que AT considerou que relativamente aos movimentos financeiros elencados, que não se encontra definido o seu prazo de restituição, “(...) porque in casu as partes se limitaram à estipulação de um prazo nunca inferior a um ano, conclui-se não existir um prazo certo para o reembolso das respetivas utilizações, inviabilizando assim a tributação de acordo com as verbas 17.1.1 a 17.1.3 da referida tabela. É, pois, a circunstância de não existir um prazo de utilização certo que é relevante para efeitos de tributação pela verba 17.1.4 da referida tabela.” [vide item G. da matéria de facto].
O Tribunal a quo, conclui em consonância que “Fazendo-se apelo à matéria de facto assente, (...). Do exposto emerge a conclusão que não sendo possível determinar aquando da celebração do mútuo quando seria reembolsada a importância mutuada, o crédito tem duração indeterminada (sem prejuízo de poder ser superior a um ano) e que, durante o ano de 2010, as participadas (indiretas) da Impugnante ainda estavam a utilizar aquele crédito na perspetiva de que perduravam saldos em dívida.”.
Enfrentando este Tribunal ad quem a questão, somos de concluir que bem andou a sentença recorrida.
Atentos os movimentos financeiros existentes na contabilidade, entende este Tribunal ad quem que a presente operação de mútuo, tida entre a Recorrente e as “sociedades-netas”, tem enquadramento na verba 17.1.4 da TGIS, por se tratar de uma operação financeira em que apesar de se encontrar determinado ab initio de que o mútuo é concedidos por período superior a um ano, da sua menção não se pode retirar ilacções que a mesma não comporta, temos uma limitação temporal fixada pela positiva “superior a uma ano” mas nada se diz, sobre o concreto momento, respeitada aquela imposição, em que deve ocorrer a utilização e o seu reembolso, por outras palavras, não temos uma limitação temporal que permita balizar o mútuo, assim sendo a conclusão só pode ser de que não se mostra determinado nem determinável o prazo de reembolso do montante mutuado, contrariamente ao proclamado pela Recorrente.
Efectivamente, como decorre do item D. da matéria de facto dada como provada, e não refutada em sede de recurso, “A Impugnante concedeu às sociedades «[SCom02...] SA» e «[SCom03...] SA» “empréstimo[s] com características de suprimentos no valor de … pelo prazo inicial não inferior a 1 ano..." da mesma não escoa a definição de quaisquer marcos temporais para que se concretize a utilização do crédito e consequentemente dos reembolsos, o qual como já fizemos menção poderá mesmo nunca vir a ocorrer, no limite, na medida em que estes podem ocorrer em qualquer data que se situe para além de um ano e, após um ano e um dia dentro de um lapso temporal que decorra entre o momento da utilização do crédito e aqueles que as partes considerarem para o reverter contabilisticamente, pelo que temos para nós que à liquidação da taxa, correspondente as operações financeiras em causa, se aplica a verba prevista para as situação sem prazo determinado ou determinável.
Mais se diga, que a menção em acta de que o mútuo com características de suprimentos pelo “prazo inicial não inferior a um ano” é uma cláusula com natureza de estipulação temporal “condicionante”, que confere aos contraentes, neste caso ao utilizador do crédito uma imposição para o prazo inicial, mas nem esse é objecto de fixação, ou seja ultrapassada essa limitação “mais de um ano”, aquele pode ocorrer em qualquer momento, e quando ao “prazo final” nada foi estipulado, pelo que perante a constatação de que o empréstimo concedido, por via do saldo de crédito existente a 01.01.2010 foi efectivamente utilizado durante o ano de 2010, como releva a contabilidade, o mesmo tem reflexos no âmbito de incidência em sede de Imposto de Selo.
Em regra, a taxa aplicável deverá corresponder ao prazo que medeie entre o momento do saque dos fundos disponibilizados e o momento em que, nos termos do contrato, deva ocorrer o reembolso. No entanto, essa regra só pode ser validamente implementada, em aplicação directa da norma de incidência objectiva, quando seja possível determinar previamente, com rigor, o prazo efectivo de utilização e seja possível fazer corresponder os movimentos financeiros que representem o desembolso e o respectivo reembolso (neste sentido, Luís Magalhães, “O Novo Código do Imposto do Selo. Principais reflexos no crédito”, in Fisco, n.º 88-89, maio-junho de 2008, Ano XI, pág. 22).
Subsistindo uma dificuldade prática no apuramento da duração efectiva da utilização do crédito, é pois, impossível saber qual o prazo em que ocorre a utilização da linha de crédito criada por via do mútuo concedida pela Recorrente, é patente, que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem aqui o seu campo de aplicação, pois dos próprios termos apresentados pela Recorrente, não é possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar à utilização do crédito e o seu reembolso, justificando que o imposto, in casu, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente.
O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. o que, manifestamente, se verifica no caso sub judice, bem andou a sentença que assim considerou
Somos, pois, de concluir pela improcedência do recurso, de confirmar a sentença recorrida, a que acresce a presente fundamentação.
2.3. Conclusões
I. A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.

II. O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

III. A verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), sujeita a incidência de imposto de selo as operações financeiras tendo em conta a sua substância económica e desconsiderando a forma jurídica subjacente aos contratos. A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva “utilização do crédito” concedido.

IV. A verba 17.1.4 da T.G.I.S., tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável, é sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

V. É o caso da utilização do crédito que decorre da concessão de crédito por prazo não determinado ou indeterminável, pois que a simples menção de que o mesmo é concedido “… pelo prazo inicial não inferior a 1 ano...” não pode ser tido como fixação de um prazo pelas partes a delimitar o período que decorre entre a utilização e o reembolso.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 23 de novembro de 2023


Irene Isabel das Neves
Paula Moura
Conceição Soares