Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00042/13.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2017
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO
TAXA DE ESTABELECIMENTO DE ACESSOS A INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O ónus da prova do direito de liquidar taxa referente a estabelecimento de acessos a instalações industriais cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
II - Não estando demonstrada a impossibilidade de medir a área do pavimento dessas instalações industriais com rigor, o não apuramento da dimensão exacta do mesmo será valorado contra quem incumbia a prova da dimensão do pavimento, enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar.
III - A legitimação da actuação da administração tributária segundo juízos de elevada probabilidade resulta da violação pelo sujeito passivo de alguns dos seus deveres legais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Infraestruturas de Portugal, S.A.
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Infraestruturas de Portugal, S.A. interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 08/02/2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J..., NIF 1…, empresário, residente na Estrada Nacional 311, freguesia de Beça, Boticas, contra a liquidação da taxa devida pela regularização de acesso industrial à EN 311 ao Km …+000D.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
a) Por meio da sentença recorrida, o Tribunal a quo anulou a liquidação em causa, não sem que tenha expressamente julgado improcedente o pedido de qualificação do ato como imposto e não como taxa.
b) Não tendo o Tribunal recorrido aderido à tese do Impugnante, e qualificado o pagamento cobrado como uma taxa, legitimando desta forma o ato praticado, apenas poderia em face do pedido formulado - ter ordenado a correção dos valores e nunca, por excesso de pronúncia, proceder à anulação do ato, decisão esta que não encontra fundamento no pedido formulado.
c) Dispõe o artigo 615 n.° 1 do CPC que a sentença será nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e ainda quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
d) É este claramente o caso dos presentes autos: o Impugnante pede (i) que seja anulado o processo de execução, e (ii) que seja refeita a liquidação com base nos valores que vierem a apurar-se numa correta determinação da área tributável. Perante o pedido assim formulado, não podia o Julgador ter determinado a anulação da liquidação em causa. A sentença assim proferida é nula, nulidade esta que deverá ser declarada.
e) Não se pode aceitar o vertido no ponto 3 dos factos provados. Conjugados os elementos de fls 20 a 22 do processo instrutor com os documentos juntos pelo impugnante como 2/5, 3/5 e 4/5, bem assim como as afirmações do impugnante, resulta que a área do prédio é de 20.114 m2 (6,227 m2 + 7.287 m2 + 6.600 m2). O ponto 3 terá de ser alterado para 20.114 m2
f) No facto n.° 5, refere-se que a área sobrante de 11.764,71 m2 corresponde maioritariamente a área não utilizada para a atividade industrial. Esta afirmação não é um facto, mas sim uma conclusão jurídica a extrair de um qualquer outro facto, que não vem sequer enunciado, pelo que terá inelutavelmente de ser retirada dos factos elencados como provados. O ponto 5 deverá terminar em área pavimentada.
g) Haverá a acrescentar um ponto 6, do qual conste que nesse prédio em concreto funciona a parte comercial e de armazenamento da sociedade G..., Lda. um ponto 7 que refira que o prédio serve para depósito de materiais de construção e um ponto 8, que aluda à informação constante da certidão matricial do artigo 1333, ou seja que a área afeta a armazéns e atividade industrial é de 6.600m2.
h) Esta alteração da matéria de facto determina por si só a alteração da decisão final proferida, na medida em que resulta desde logo demonstrada que, sendo a área do prédio de 20.114 m2 e, pelo menos de 13.873,04 m2, dos quais necessariamente 6.600m2 estão afetos à atividade industrial, bem andou a entidade impugnante que liquidou a taxa correspondente ao estabelecimento do acesso proveniente da EN 311.
i) Resulta da certidão matricial do artigo 1333 que a atividade ai desenvolvida é industrial; por outro lado é o próprio impugnante que admite que há áreas afetas à atividade industrial e que no prédio, para além desta atividade, desenvolve uma atividade comercial, de armazenamento e depósito de materiais. Perante estes factos, não há qualquer dúvida quanto à qualificação da atividade desenvolvida como atividade industrial, nos termos e para os efeitos a que se refere o DL 13/71.
j) O conceito de “instalações industriais” adotado pelo legislador no Decreto-Lei 13/71 de 23 de janeiro não tem como critério a natureza da atividade económica desenvolvida no edifício, mas sim a dimensão física do empreendimento e o fluxo rodoviário que o mesmo é suscetível de potenciar junto da via rodoviária.
k) Em consequência, na noção de instalações industriais estão abrangidas instalações cuja atividade aí exercida - que tanto pode ser de transformação, como de comércio ou de serviços - se aproveitam da estrada nacional para obterem rendimento (garagens, armazéns, restaurantes, hotéis e congéneres, matadouros e recintos de espetáculos) ou outra vantagem (igrejas de quartéis de bombeiros), ainda que não se dediquem à transformação de matéria-prima em outros produtos.
l) A integração deste conceito terá de ser realizada com recurso ao disposto na alínea e), do n° 1, do artigo 8° do Decreto-Lei 13/71 de 23 de janeiro.
m) Independentemente de estarmos perante uma indústria, comércio ou serviços, está sujeita ao pagamento de taxa, nos termos da alínea g), do n°1, do artigo 15° do Decreto-Lei 13/71 de 23 de janeiro na redação dada pelo Decreto-Lei 25/2004, de 24 de janeiro aquela atividade que, por integrar o conceito de instalações industriais previsto na legislação de proteção às estradas nacionais, pode beneficiar, querendo, do benefício gerado pelo estabelecimento de um acesso a uma estrada nacional.
n) Face ao agora exposto, ao abrigo do artigo 15°, n° 1, alínea g) do Decreto-Lei 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei 25/2004, de 24 de janeiro, não se pode aceitar que não tenha sido demonstrado em tribunal que o estabelecimento do Impugnante seja considerado uma instalação industrial.
o) Sendo o Impugnante proprietário de um prédio com três artigos contíguos: artigo 6118 (rústico), 6466 (rústico) e 1333 (urbano) (cfr. fls 20 a 22 do PA), os quais no seu total possuem a área de 20.114 m2, resulta demonstrado que o prédio tinha uma área superiora 13630,53 m2. A diferença, em relação à área do prédio demonstrada por documentos, é de cerca de 10%, a qual se enquadra no erro de medição dispensado de harmonização expressamente previsto no artigo 28.º A do Código de Registo Predial.
p) O Tribunal apenas considerou a área respeitante a dois dos três artigos identificados nos documentos 20 a 22 do PA, coincidentes com os documentos 2/5 a 4/5 juntos pelo Impugnante, desprezando o artigo que se encontra a sul relativamente à EN 311 e que também faz parte integrante da atividade.
q) No levantamento topográfico apresentado (cfr. fls 27 do PA), o Impugnante só considerou o artigo urbano n° 1333 com 6600 m2 e o artigo rústico n° 6466 com a área de 7.287 m2 que perfaz um total de 13.887,00 m2, área esta que se aproxima da do levantamento topográfico (13873,04 m2). Ainda que o levantamento seja válido, o mesmo só se refere à área dos dois prédios que foram levantados, não relevando, por si só, para a contabilização a área afeta à atividade industrial. Para esta área concorrem sempre e sem qualquer dúvida, todos os artigos que o próprio impugnante refere integrarem a propriedade onde a empresa desenvolve a sua atividade, nele se incluindo o prédio relativo ao artigo 6118, com 6.227 m2 (cfr. fls 20 do PA e doc 2/5 junto com a petição inicial).
r) Na área a considerar para cálculo da taxa nos termos do artigo 15°, n°1, alínea g) do Decreto-Lei 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei 25/2004, de 24 de janeiro, ou seja, pavimento das instalações servidas pela estrada” considera-se, por um lado, a área de construção da edificação, ou seja, a área correspondente à superfície total edificada (somando todos os pisos acima e abaixo da cota da soleira), medida pelo perímetro exterior de paredes ou outros elementos separadores da edificação, incluindo varandas, terraços, etc., e por outro lado, a área sem construção de edificação, desde que nela seja exercida uma atividade económica de natureza comercial, industrial ou de prestação de serviços, ou seja, toda a área necessária e usada para atividade, indissociável uma da outra para efeitos da sua atividade.
s) Para efeitos de licenciamento rodoviário, relevam todas as instalações que possa servir-se do acesso à estrada nacional para daí obterem rendimento (garagens, armazéns, restaurantes, hotéis e congéneres, matadouros e recintos de espetáculos) ou outra vantagem (igrejas de quartéis de bombeiros).
t) Aquele entendimento (consagrado no Decreto-Lei 13/71, de 23 de janeiro) sai ainda reforçado no novo Estatuto das Estradas Nacionais quando se estabelece que o critério do cálculo da taxa incide sobre os metros quadrados de área coberta e descoberta, onde se desenvolva a atividade, incluindo zonas de estacionamento (cfr: i) alínea g) do artigo 4° da Portaria n°357/2015 de 14 de outubro).
u) O que releva é a área onde se desenvolve a atividade, sendo indiferente se é constituída por edifícios (área coberta) ou mesmo área descoberta (pátios/logradouros).
v) Assim, no âmbito das normas de proteção às estradas nacionais o conceito de instalação industrial está diretamente relacionado com a grandeza da obra marginal à estrada no que diz respeito à (i) suscetibilidade de afetar a circulação e segurança rodoviária (reduz o nível do serviço rodoviário), bem como dos (ii) benefícios que tal localização proporciona à atividade ali desenvolvida.
w) Trata-se pois de um conceito que tem de ser interpretado com base no seu objeto. Veja-se no caso concreto o elenco das atividades enumeradas na alínea e), do n° 1, do artigo 8° do Decreto - Lei 13/71, de 23 de janeiro, o qual, além de atender, (i) à grandeza física da instalação, vista no seu conjunto (edifício e equipamentos), tem em conta o facto (ii) da possibilidade de se aceder diretamente a uma estrada nacional representar uma mais-valia para a atividade em si (edifício e equipamentos destinados ao rendimento) e, simultaneamente, (iii) uma redução do nível do serviço rodoviário com a entrada e saída de veículos próprios ou de fornecedores.
Termos em que se requer seja o presente recurso julgado procedente por provado e, por via disso, declarada a nulidade da sentença proferida; sem prescindir, julgadas procedentes as alegações e conclusões produzidas e, em consequência alterada a matéria de facto dada como provada e declarado válido o ato de liquidação impugnado, improcedente a impugnação deduzida pelo aqui recorrido.
Assim se fazendo inteira e sã justiça.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1º. A decisão do Tribunal a quo não enferma de qualquer nulidade.
2º. Nas suas doutas alegações a Recorrente procura atacar a decisão partindo de um raciocínio completamente avesso e incôndito, numa lógica de expor conceitos que retiradas do contexto pretendem semear a confusão no processo, sem qualquer sustentação.
3º. O tribunal fez uma apreciação dos factos justa e ajustada ao caso.
4º. A prova produzida indica que não existe área afecta à actividade industrial e servida pela estrada.
5º. Na realidade nem logrou a Recorrente afirmar, qual a área que efectivamente pretende taxar.
6º. Qual a área pavimentada das instalações servidas pela estrada.
7º. Soma de uma forma cega, os metros quadrados de certidões matriciais, sem cuidar de saber se as mesmas correspondem à verdade.
8º. Na realidade o comportamento processual na instrução do processo administrativo de determinação da taxa, está repleto de ilegalidades, recorrendo a imagens de programas informáticos, que não foram para tal criados nem licenciados.
9º. O Recorrido desde sempre, já no processo administrativo, alertou para as incongruências da determinação da taxa.
10º. O Tribunal a quo analisou os documentos juntos aos autos e concluiu, que não podia dar cobertura à actuação da recorrente.
11º. O estado de direito em geral e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não se podem satisfazer com uma actuação, aparentemente legal, mas que no seu cerne está completamente oca, desapossada de legalidade e bom senso,
12º. O tribunal a quo não podia fazer tabula rasa da actuação da recorrida.
13º. Continua a recorrente a referir conceitos gerais, sem os integrar ao caso concreto.
14º. Na conjugação de toda a prova produzida em sede do processo que decorreu na primeira instância e de acordo com a prova constante nos autos tal como se expos, não poderia ser outra a decisão do Tribunal a quo;
Negando provimento ao Recurso e mantendo na integra a Decisão tal como foi proferida, V. Ex.ªs farão, como sempre, a melhor e mais inteira, JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, se incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e, consequentemente, de direito quanto à verificação dos pressupostos para liquidar o tributo previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23/01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24/01.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados:
1. O A. foi notificado para proceder ao pagamento de 39.835,07 € relativo à “Liquidação de taxa devida pela regularização de acesso industrial à EN 311 Km …+000 D” conforme doc 1 da PI, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque:
“(…)
Na sequência da N. notificação de 11 setembro de 2012, veio V. exa. apresentar planta topográfica refutando o projeto de liquidação da taxa devida pela legalização de acesso à estrada EN 311 ao Km …+000, lado direito.
Sucede porém que, analisada a planta, verifica-se que V. exa. não teve em conta a área ocupada pelo depósito dos materiais e afeta à atividade industrial, bem como a área afeta ao estacionamento
Face ao exposto, deverão V. Exas. proceder ao pagamento da taxa calculada nos termos do disposto na alínea g), do n.º 1, do artigo 15º do Decreto-Lei nº13/71, de 23 de Janeiro, como se segue:
DL n.º 25/2004, de 24 de JaneiroÁrea (m2)Taxa (€)Total (€)
Alínea g), do n.º 1, do Art.º 15º - estabelecimento de acessos a instalações industriais17.471,52 m22,28 €/m239.875,07 €
TOTAL39.875,07 €

(…)”
2. Para a determinação da taxa, no que à área do estabelecimento da Impugnante concerne, a EP socorreu-se das imagens do Google maps – art.º 3 da PI, não impugnado; doc 2 deste articulado e fls. 7 a 9 do PA;
3. A área total do prédio é de 13.873,04 m2 – doc 6 da PI e, também, fundamentação infra;
4. A área coberta é de 2.108,33 m2, correspondendo 237,25 m2 a escritório e a restante área coberta a armazéns, ou seja 1.871,08 m2 – doc 6 da PI e, também, fundamentação infra;
5. A área sobrante, ou seja 11.764,71 m2 (13873,04 m2 – 2.108,33 m2) corresponde maioritariamente a área não pavimentada e não utilizada para a actividade industrial – doc 6 da PI e, também, fundamentação infra.
Com relevância para a decisão não se provou que o estabelecimento do Impugnante seja uma instalação industrial – Inexiste nos autos, designadamente no PA, elementos que nos permitam concluir o inverso; cfr. fundamentaç(ão)

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. – Art.º74.º, n.º 1 da LGT.
Neste caso cabe à EP demonstrar que o estabelecimento em causa tem a área de 17.471 m2 e que se trata de instalação industrial para poder liquidar a taxa respectiva, que, de acordo com o diploma e norma invocados na nota de liquidação (Decreto-Lei 13/71 de 23 de Janeiro e al. g) do n.º 1 do art.º 15 do DL 25/2004, de 24/1) seria devida pelo Impugnante.
Por outro lado, não se aceita que a EP exija ao Impugnante a demonstração de que a sua medição por intermédio do Google maps está incorrecta, descredibilizando aquela que el e apresenta (cfr. fls. 26 do PA e art.º 4.º da contestação), e invertendo o ónus da prova do facto tributário.
Assim, e apesar de efectivamente o doc 6 da PI não conter escala (tal como avisa a EP na contestação), há uma fundada dúvida sobre a existência de facto tributário e da área relevante à aplicação da taxa. Ou seja, do lado da EP temos a medição da área através do Google maps; do lado do Impugnante temos a demonstração da área através de levantamento topográfico, a que falta a escala. Concluímos que nos merece maior credibilidade o levantamento topográfico que indica explicitamente a área do estabelecimento como um todo e das suas partes componentes.
Mesmo assim, “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado” (art.º 100.º, n.º 1 do CPPT) ou seja, em caso de dúvida sobre o acto tributário impõe-se o princípio in dubio contra fiscum, a cuja observância e respeito se mostram obrigados quer a administração fiscal, quer o tribunal. (neste sentido Cfr. Alberto Xavier, in «Conceito e Natureza do Acto Tributário», Almedina, 1972, pág. 160/161, dissertando sobre o dever de investigação que incumbe à administração fiscal sempre em vista da procura da verdade material: Este é o verdadeiro fundamento teórico da regra in dubio contra fiscum, que é uma regra de decisão sobre o facto incerto e que portanto respeita à aplicação e não à interpretação do direito).”
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2. O Direito

Embora o tribunal “a quo” tenha julgado improcedente o pedido de qualificação como imposto, entendendo estarmos perante uma taxa no âmbito do artigo 15.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23/01, na sentença recorrida anulou-se a liquidação em causa, por verificação de erro nos pressupostos de facto, na medida em que não se demonstrou que o estabelecimento do Recorrido fosse uma instalação industrial nem que tivesse a área de 17.471 m2 (relevante para o cálculo do valor da taxa em apreço).
Sustenta a Recorrente que, não tendo o Tribunal recorrido dado provimento ao pedido de qualificação do acto como imposto, e qualificando o pagamento cobrado como uma taxa, legitimando desta forma o acto praticado, apenas poderia - em face do pedido formulado - ter ordenado a correcção dos valores e nunca, por excesso de pronúncia, proceder à anulação do acto, decisão esta que, tal qual foi proferida, não encontra fundamento no pedido formulado.
Defende a Recorrente verificar-se uma condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, dado que o impugnante pede (i) que seja anulado o processo de execução - o que o Tribunal a quo já decidiu, indeferindo a pretensão-, e (ii) que seja refeita a liquidação com base nos valores que vierem a apurar-se numa correcta determinação da área tributável. Perante o pedido assim formulado, não podia o Julgador ter determinado a anulação da liquidação em causa.
Concluiu que a sentença assim proferida é nula, solicitando, em consequência, a sua substituição por uma outra que, antes de mais, conheça do objecto do pedido, designadamente da (des)necessidade de ser ordenada a determinação da área tributável.
Segundo o preceituado no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC (actual artigo 615.º) é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2, do mesmo diploma (actual artigo 608.º), o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37.
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no último segmento da norma.
No caso sub judice, o Impugnante, ora Recorrido, baseou a petição inicial que originou a presente impugnação judicial, além do mais, na ilegalidade da taxa aplicada por falta de fundamento técnico credível, uma vez que o terreno taxado não tem actividade e instalações industriais, pelo que não está enquadrado na alínea g) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23/01.
Na sentença objecto deste recurso, o Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão de procedência na existência de erro nos pressupostos de facto, consubstanciado no facto da Recorrente não ter demonstrado “(…) que o estabelecimento do impugnante seja uma instalação industrial para que possa aplicar-se o artigo 15.º, n.º 1 alínea g) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23/01 (…)”.
Na verdade, a petição de impugnação apresentada deve ser lida como um todo, não devendo limitar-se, como o efectua a Recorrente, somente ao pedido. A causa de pedir é complexa, assentando na inexistência de fundamento legal para a cobrança do tributo em apreço, sendo a taxa ilegal e, portanto, não devida, bem como no erro dos valores referentes à área considerados para calcular o tributo e, também, na afirmação de não se tratar de uma taxa, mas sim de um imposto (que é inconstitucional).
Como se observa do ponto 7 das conclusões da petição (capítulo IV), somente se o tribunal não entendesse estarmos perante um imposto inconstitucional e considerasse tratar-se de um terreno com actividade ou instalações industriais, deveria a liquidação da taxa a cobrar ser alterada, contemplando valores correctos em relação à área tributável (no pressuposto de estes resultarem apurados, obviamente).
Assim sendo, o Tribunal “a quo” não excedeu a análise da causa de pedir formulada pelo impugnante, uma vez que partiu da falta de fundamentação técnica da taxa aplicada para justificar a sua ilegalidade, dado não ter ficado demonstrado que o terreno taxado fosse uma instalação industrial. Não estando verificado, na óptica espelhada na sentença recorrida, este pressuposto da norma de incidência, não seria possível determinar o recálculo da taxa baseada em outros valores de área do terreno (o erro a este respeito é um plus), na medida em que falha, desde logo, a demonstração de que o estabelecimento do Impugnante seja uma instalação industrial, afectando globalmente o acto de liquidação, que, por isso, não se poderia manter na ordem jurídica.
Nesta conformidade, não se verifica a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, devendo o recurso improceder nesta parte.

A Recorrente insurge-se, ainda, contra a decisão da matéria de facto, afirmando que o Tribunal recorrido deu por assentes factos que não resultam demonstrados e, por outro lado, omitiu outros que foram provados. Assinalando que foi, também, incluída, na matéria dada como assente, temática que constitui antes uma conclusão jurídica e não factualidade demonstrada ou demonstrável.
Vejamos a sua alegação em concreto:
Na sua petição inicial, o Impugnante refere que cerca de 3.000m2 (artigo 20) estão afectos à actividade industrial e (artigo 27) que as instalações que funcionam no prédio são de natureza essencialmente comercial.
Mais refere (artigo 28) que nesse prédio em concreto funciona a parte comercial e de armazenamento da sociedade G..., L.da e (artigo 30) que o prédio serve para depósito de materiais de construção.
Por último, (artigo 48) admite que a área pavimentada e afecta às instalações industriais é de 6600m2, facto este que é ainda confessado pelo impugnante a fls. 18 do processo instrutor.
Todas estas afirmações do impugnante terão de ser levadas à matéria assente.
Acresce que, na certidão matricial do artigo 1333, que o Impugnante juntou, vem referido que o prédio em causa, com 6.600 m2 está afecto a armazém e actividade industrial. E da certidão matricial respeitante ao artigo matricial 6118, que a área é de 6.227 m2. E a certidão matricial relativa ao artigo 6.466, refere que a área é de 7.287 m2.
Também este facto, provado por documento - cfr. fls. 20,21 e 22 do PA -, tem de ser incluído na matéria provada.
De onde que, não se pode aceitar o vertido no ponto 3 dos factos provados. Conjugados os elementos de fls. 20 a 22 do processo instrutor com os documentos juntos pelo Impugnante como 2/5, 3/5 e 4/5, resulta que a área do prédio é de 20.114 m2 (6.227 m2 + 7.287 m2 + 6.600 m2).
Por último de referir que no facto n.° 5, se refere que a área sobrante de 11.764,71 m2 corresponde maioritariamente a área não utilizada para a actividade industrial. Esta afirmação nunca poderia representar um facto, mas sim uma conclusão jurídica a extrair de um qualquer outro facto, que não vem sequer enunciado, pelo que terá inelutavelmente de ser retirado dos factos elencados como provados.
Concluindo, aceita-se o ponto 1, 2 e 4. O ponto 3 terá de ser alterado para 20.114 m2 e o ponto 5 deverá terminar em área pavimentada.
Haverá a acrescentar um ponto 6, do qual conste que nesse prédio em concreto funciona a parte comercial e de armazenamento da sociedade G..., L.da; um ponto 7 que refira que o prédio serve para depósito de materiais de construção e, por último, um ponto 8, que aluda à informação constante da certidão matricial do artigo 1333, ou seja que a área afecta a armazéns e actividade industrial é de 6.600m2.
A alteração da matéria de facto, em conformidade com o supra exposto, e sem mais considerandos, determinaria por si só a alteração da decisão final proferida, na medida em que resultaria desde logo demonstrada que, sendo a área do prédio de 20.114 m2 e, pelo menos de 13.873,04 m2, dos quais necessariamente 6.600m2 estão afectos à actividade industrial, bem andou a entidade impugnante que liquidou a taxa correspondente ao estabelecimento do acesso proveniente da EN 311.
Nesta conformidade, a Recorrente assaca erro de julgamento aos pontos 3 e 5 da decisão da matéria de facto que têm o seguinte teor:
“3. A área total do prédio é de 13.873,04 m2 – doc 6 da PI e, também, fundamentação infra; (…)
5. A área sobrante, ou seja 11.764,71 m2 (13873,04 m2 – 2.108,33 m2) corresponde maioritariamente a área não pavimentada e não utilizada para a actividade industrial – doc 6 da PI e, também, fundamentação infra.”
Ou seja, o tribunal recorrido julgou provado que a área total do prédio em causa é inferior à área que foi considerada para efeitos de cálculo do tributo em análise – cfr. pontos 1 e 3 da decisão da matéria de facto.
Desde logo, a matéria invocada nos artigos 20.º, 27.º, 28.º e 48.º da petição inicial não pode, sem mais, ser levada à factualidade assente, conforme solicitado, porque a contestação apresentada, considerada no seu todo, é incompatível com tal admissão. Diz-se que o impugnante admite que a área pavimentada e afecta às instalações industriais é de 6600m2, mas na contestação a Recorrente impugnou tal factualidade, afirmando que o impugnante não contabilizou toda a área passível de avaliação e de incidência da taxa, acrescentando que o levantamento topográfico apresentado pelo impugnante não possui qualquer legenda nem permite sabe qual a escala que foi utilizada. Continua dizendo que da implantação das construções e pelas definições dos limites, facilmente se percebe que foi omitida uma considerável área a sul do prédio, que tem que ser contabilizada na base de incidência. Refere-se, também, que no cálculo da medição não pode ser esquecida toda a área ocupada com o depósito de materiais e afecta à actividade industrial e ainda aquela (área) afecta ao estacionamento, porquanto as mesmas integram a área das instalações servidas pela estrada – cfr. integralmente a contestação e especificamente os artigos 2.º, 3.º, 5.º e 8.º.
De todo o modo, como bem defende a Recorrente a propósito do ponto 5 do probatório, afirmar-se que 3000m2 estão afectos à actividade industrial ou que a área pavimentada e afecta às instalações industriais é de 6600m2, ou que as instalações que funcionam no prédio são de natureza essencialmente comercial, encerra claramente matéria de cariz conclusivo, que pressupunha a invocação de factos simples que permitissem retirar ilações de facto e de direito (o que não sucedeu in casu).
Nestes termos, não só esta matéria não pode ser aditada à decisão da matéria de facto, como o ponto 5 in fine tem que ser eliminado da mesma - não utilizada para a actividade industrial.
Não obstante, a Recorrente insiste na ideia de que o vertido no ponto 3 do probatório não pode manter-se, remetendo para três certidões matriciais, relativas a três prédios, cuja área, juntos, perfaz 20.114 m2 (6.227 m2 + 7.287 m2 + 6.600 m2), a que corresponderá o prédio em análise.
Antes de mais, vejamos a motivação para considerar que a área total do prédio é de 13.873,04 m2. Existe uma remissão para o documento n.º 6 junto com a petição inicial (consubstanciado numa cópia parcial do levantamento topográfico do prédio em apreço) e para a fundamentação constante da sentença recorrida.
Aí podemos ler a seguinte motivação para considerar provada a área constante do ponto 3: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. – Art.º74.º, n.º 1 da LGT.
Neste caso cabe à EP demonstrar que o estabelecimento em causa tem a área de 17.471 m2 e que se trata de instalação industrial para poder liquidar a taxa respectiva, que, de acordo com o diploma e norma invocados na nota de liquidação (Decreto-Lei 13/71 de 23 de Janeiro e al. g) do n.º 1 do art.º 15 do DL 25/2004, de 24/1) seria devida pelo Impugnante.
Por outro lado, não se aceita que a EP exija ao Impugnante a demonstração de que a sua medição por intermédio do Google maps está incorrecta, descredibilizando aquela que ele apresenta (cfr. fls. 26 do PA e art.º 4.º da contestação), e invertendo o ónus da prova do facto tributário.
Assim, e apesar de efectivamente o doc 6 da PI não conter escala (tal como avisa a EP na contestação), há uma fundada dúvida sobre a existência de facto tributário e da área relevante à aplicação da taxa. Ou seja, do lado da EP temos a medição da área através do Google maps; do lado do Impugnante temos a demonstração da área através de levantamento topográfico, a que falta a escala. Concluímos que nos merece maior credibilidade o levantamento topográfico que indica explicitamente a área do estabelecimento como um todo e das suas partes componentes. (…)”
Embora o Meritíssimo Juiz “a quo” se refira à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário prevista no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, acaba por manifestar a sua convicção, afirmando que lhe merece maior credibilidade o levantamento topográfico.
Ora, do nosso ponto de vista, os elementos carreados para os autos e a prova produzida não permitem, com a segurança e certeza exigíveis, determinar qual a área total do prédio em apreço e, consequentemente, qual a área que deve ser considerada para efeitos de cálculo do tributo previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23/01.
Efectivamente, nenhum dos elementos probatórios se nos afigura minimamente fiável, atento o rigor exigido no caso concreto. A Recorrente obteve o valor de área, que serviu de base ao cálculo do tributo, socorrendo-se das imagens do Google maps, o que não se mostra questionado no presente recurso – cfr. ponto 2 do probatório. O Recorrido tentou demonstrar nos autos, juntando as certidões matriciais e uma cópia de levantamento topográfico, que tal área assim obtida se mostra desfasada da realidade. Contudo, a soma das áreas dos prédios declaradas para efeitos de registo na matriz perfaz 20.114 m2 (6.227 m2 + 7.287 m2 + 6.600 m2), enquanto o levantamento topográfico (sem indicação de escala), apresenta uma área de 13.873,04 m2.
Esta matéria exige elevado nível de rigor, que não é compatível nem com medição de imagens na aplicação informática Google maps, nem com a informação constante das certidões matriciais (por assente em simples declaração do interessado no registo matricial), nem com um levantamento topográfico incompleto (ao qual faltam elementos essenciais determinantes da sua validade).
Por todos estes motivos, o ponto 3 do probatório deverá ser eliminado, mas também todos os elementos probatórios disponíveis, em concatenação, não permitem formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que a área total do prédio é, afinal, 20.114m2, não podendo atender-se a este fundamento do recurso.
Atento o exposto, restará concluir que não se logrou provar a área do prédio. Por outro lado, assente na mesma lógica, resulta inelutável não poder manter-se o ponto 4 do probatório, na medida em que a sua fixação fundou-se na análise do mesmo elemento probatório (o documento n.º 6 junto com a petição inicial).
Estabilizada esta matéria factual, forçoso é, agora, considerar irrelevantes os factos que se pretendem aditar à decisão da matéria de facto (cfr. pontos 6, 7 e 8 mencionados pela Recorrente), que, poderiam, eventualmente, ter interesse para a decisão da causa se estivesse provada a área do prédio sub judice. Sendo a matéria não provada um facto que precede os que se queriam aditar, abster-nos-emos de tomar posição concreta e especificada acerca de cada um deles.
A Recorrente coloca igualmente em causa o facto não provado – que o estabelecimento do impugnante seja uma instalação industrial.
No entanto, mais uma vez, sendo objecto dos presentes autos a errónea quantificação do facto tributário, no caso concreto a real dimensão do prédio sobre que incidiria o tributo, e impondo-se acrescentar aos factos não provados que a área apurada para efeitos de determinação do tributo seja de 17.471,52m2, deixa de ter a mesma pertinência a discussão acerca da natureza da actividade desenvolvida pelo Recorrido no prédio em análise.
Concluindo, adita-se à decisão da matéria de facto da sentença recorrida, com eliminação dos pontos 3, 4, e 5 do probatório, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o seguinte “facto não provado”:
“A área para efeitos de cálculo do tributo é 17.471,52m2.”

No pressuposto que este tribunal iria proceder à alteração da matéria de facto nos termos solicitados pela Recorrente, esta defendeu na conclusão h) das suas alegações que tal determinaria, por si só, a alteração da decisão final proferida, na medida em que resultaria desde logo demonstrado que, sendo a área do prédio de 20.114 m2 e, pelo menos de 13.873,04 m2, dos quais necessariamente 6.600m2 estão afectos à actividade industrial, bem andou ao liquidar a taxa correspondente ao estabelecimento do acesso proveniente da EN 311.
Contudo, como vimos, as alterações que foram efectuadas à decisão da matéria de facto não seguiram a linha pugnada pela Recorrente, pelo que, como veremos, o acto de liquidação em crise não pode manter-se, conforme foi já entendimento no tribunal recorrido.
O escrutínio judicial deverá centrar-se na questão de verificar se a Administração (Recorrente) fez prova plena dos pressupostos da pretensão processual e se existe correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.
A lei fiscal prevê em numerosos casos a possibilidade de a Administração proceder à tributação segundo avaliações que têm necessariamente de ser reconduzidas, não à certeza para além de toda a dúvida razoável da sentença judicial, mas a uma actuação segundo juízos de probabilidade que terá necessariamente de ser elevada. A legitimação deste comportamento administrativo resulta da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais – cfr. J. L. Saldanha Sanches, in “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 340/342, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa.
De forma muito clara, o impugnante, ao longo do procedimento administrativo, bem como neste processo judicial, sempre se insurgiu contra a área que foi considerada para calcular o tributo em causa. Nesta sede, como já ficou definido, tal área do prédio não resultou provada.
A este respeito não podemos deixar de aludir a normas com relevância sobre a repartição do ónus da prova e às quais a sentença recorrida se refere:
“Artigo 100.º - CPPT
Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos
1. Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
2. Em caso da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
3. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”.
“Artigo 74.º - LGT
Ónus da prova
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2- Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.
3- Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
Produzida a respectiva prova, e sempre que dela resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
Na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.
E, na verdade, é o que se passa na situação em análise, pois que a regra contida naquele n.º 1 do artigo 100.º do CPPT mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74.º, n.º 1 da LGT (idêntica à regra prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Portanto, aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova à Administração, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto.
Comentando o antigo artigo do Código de Processo Tributário (CPT) – 121.º, escrevem Alfredo de Sousa e José Paixão in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4ª Edição, págs. 275 e seguintes:
“(…) afigura-se-nos irrecusável, por o mesmo exprimir um princípio estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, que a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
É a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio in dubio pro fisco que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal (CIRS e CIRC).
O preceito em anotação, todavia, carece de aprofundado esforço interpretativo, a fim de se aferir do seu correcto alcance.
A prova produzida de que há-de resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário há-de ser, não só a prova aduzida pelas partes, como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar.
Com efeito, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerarem úteis ao apuramento da verdade. (…)
A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se fundada, se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. (…)
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida”.
Ora, apresenta-se-nos evidente que o ónus da prova, no caso concreto, do facto constitutivo do direito da Recorrente recai sobre si, pois foi a EP- Estradas de Portugal, S.A., entretanto, Infraestruturas de Portugal, S.A., que invocou o direito de liquidar uma taxa pelo estabelecimento de acessos a instalações industriais – cfr. o citado artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Dando de barato que a Recorrente provou a existência do facto tributário, a existência das instalações industriais no prédio em causa, não provou, contudo, a área a considerar para cálculo da taxa nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, ou seja, de pavimento das instalações servidas pela estrada. Relembra-se que a Recorrente apoiou o apuramento dessa área em imagens de uma aplicação informática que não se destina ao levantamento rigoroso da área dos prédios – o Google maps.
Sem o cumprimento do ónus pela Recorrente de indicação rigorosa de meios probatórios, pois a ela lhe cabia realizar um levantamento topográfico válido e idóneo do prédio, resultou inevitável o aditamento do facto não provado: a área do prédio; dado que, da instrução, ficamos sem saber, exactamente, quais as suas medidas para efeito de cálculo de eventual taxa devida.
Verificamos, assim, que a Recorrente não fez prova dos pressupostos da pretensão processual, não existindo total correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.
Efectivamente, observada a norma constante da alínea g) do n.º 1 artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, chamada à colação pela Recorrente e constituindo o suporte jurídico da liquidação da taxa impugnada – “Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes: (…) g) Pelo estabelecimento de acessos a instalações industriais e por cada metro quadrado de pavimento dessas instalações servidas pela estrada- €(…).” – verifica-se a relevância fulcral do facto “área” contido na norma.
Conforme se extrai dos factos provados e não provados, não conseguiu a Recorrente demonstrar a área de pavimento das instalações industriais servidas pela EN311 conforme lhe competia. Faltando, assim, um dos pressupostos de facto que justifiquem a liquidação. Na verdade, o valor da liquidação é o produto da multiplicação da área de pavimento das instalações industriais e do valor do m2. Ora, não bastaria à Recorrente aferir o valor por aproximação, mas antes calculá-lo com certeza, o que não foi feito, conforme resulta da instrução do procedimento e do ponto 2 do probatório, razão pela qual se deu como não provada a matéria aditada aos factos não provados, por não resultar apurado o real valor da área a considerar do prédio.
Ora, as regras do ónus da prova ganham relevância quando o juiz é colocado perante um “non liquet” nas questões de facto, caso em que terá de decidir contra quem cabe a respectiva prova. Assim, o non liquet tem que ser valorado contra aquele a quem incumbia a prova da dimensão do pavimento das instalações industriais (enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar), in casu, à Recorrente.
Nesta conformidade, na situação em crise, o acto de liquidação não envolve um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos, nem havia necessidade de recurso a indícios, presunções ou cálculo por aproximação, pois tal pressupunha a ausência de colaboração do contribuinte, que não se mostra minimamente evidenciada nos autos.
Não está demonstrado ser impossível medir a área do pavimento das instalações industriais com rigor; logo, não se apresenta legitimada uma actuação segundo juízos de elevada probabilidade.
Mesmo dando de barato a existência de instalações industriais no prédio, o exposto é suficiente para impor a manutenção do julgamento efectuado pelo tribunal a quo, com a presente fundamentação, dado que a falta de prova de um dos pressupostos constitutivos do direito de liquidar determina a anulação total do acto impugnado; sendo de negar provimento ao presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - O ónus da prova do direito de liquidar taxa referente a estabelecimento de acessos a instalações industriais cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
II - Não estando demonstrada a impossibilidade de medir a área do pavimento dessas instalações industriais com rigor, o não apuramento da dimensão exacta do mesmo será valorado contra quem incumbia a prova da dimensão do pavimento, enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar.
III - A legitimação da actuação da administração tributária segundo juízos de elevada probabilidade resulta da violação pelo sujeito passivo de alguns dos seus deveres legais.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 21 de Dezembro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro