Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00506/17.2BECTB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVA PÚBLICA DE DOUTORAMENTO; REPROVAÇÃO; DISCRICIONARIEDADE;
Sumário:1 – A mera admissão da tese a discussão pública não equivale, naturalmente, à sua aprovação, pelo que, ao contrário do suscitado recursivamente, a decisão da admissão da tese e a ulterior reprovação de doutorando, não se mostra contraditória.
A admissão da tese a discussão é um ato meramente preliminar e anterior, por natureza, à própria discussão da tese perante o júri, não equivalendo ao reconhecimento da necessária qualidade científica da tese, com vista à atribuição do grau de Doutor, reconhecimento este, que só poderá ter lugar após a discussão da tese, no pressuposto do candidato merecer aprovação.

2 – A Avaliação de quaisquer provas de carater académico, inserem-se numa atividade inserida na margem de livre apreciação, não sendo sindicável a decisão tomada, salvo se provado erro manifesto ou grosseiro, inobservância de algum aspeto legalmente vinculado, erro nos pressupostos de facto ou desvio de poder.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T.
Recorrido 1:Universidade da Beira Interior
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

T., no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Universidade da Beira Interior, tendente, em síntese, a obter a anulação da Ata de 18 de julho de 2017 relativa à sua prova pública de doutoramento, que determinou a sua reprovação, inconformado com a Sentença proferida em 18 de fevereiro de 2021, que julgou improcedente a presente Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferido em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 23 de março de 2021, as seguintes conclusões:

“1.º- O despacho proferida pelo júri, ao candidato a doutoramento, de reformulação da sua tese, omitiu um conjunto de matérias, que seriam importantes ter sido levadas ao conhecimento do candidato, pelo júri, tendo as mesmas sido objeto do ato de reprovação da sua tese de doutoramento;
2.º- A ausência de sugestões de reformulação da tese do candidato a doutoramento, por parte dos membros do júri, leva o candidato a considerar estar a respeitar, na respetiva tese, um conjunto de critérios (exigência científica e ética, bibliografia, etc.), tendo ocorrido omissão de pronúncia por parte do júri;
3.º- Consta de parecer anexo à ata da prova pública de doutoramento, que um dos fundamentos de reprovação, é o insuficiente domínio dos referenciais teóricos dominantes da área, todavia, não é concretizado ou especificado em que sentido, em que pontos, é insuficiente esse domínio dos referenciais teóricos, não existindo concretização ou especificação de quais referenciais teóricos deveriam ter sido expressos ou dominados pelo candidato;
4.º- Sem uma especificação ou indicação técnica do motivo invocado para reprovação, entramos no domínio da arbitrariedade técnica (para além da aceitável) sem controlo da respetiva licitude;
5.º- A fundamentação exposta pelos membros do júri que decidiram pela reprovação da tese do candidato a doutoramento, torna-se, assim, insuficiente, incompleta e pouco abrangente;
6.º- Ferida de tais defeitos e lacunas, a fundamentação aposta pelo júri, é uma má fundamentação, violando-se o art.º 153.º, n.º 2 do C.P.A.;
7.º- A adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato equivale à falta de fundamentação;
8.º- Não tendo os membros do júri que decidiram pela reprovação, manifestado, como constituía sua obrigação, repita-se, a sugestão de melhorias ou de reformulação da tese ao candidato (nos pontos em que decidiram pela reprovação e não nos pontos sobre que se debruçou o despacho de reformulação) antes da defesa em prova pública, face ao disposto no Regulamento do Grau de Doutor da Universidade da Beira Interior;
9.º- Existe uma «ratio legis» inerente à criação das normais legais e regulamentares aplicáveis a casos equiparados, criadas para obviar a uma certa ligeireza no tratamento do procedimento tendente à obtenção do grau de doutoramento, que, como se sabe, é moroso e a uma atenção para a falta de sentido e de desperdício de 5 anos de trabalho por parte dos candidatos doutorandos.
Requer-se nestes termos e nos melhores de Direito que a V. Exa. aprouver, a procedência do presente recurso e, bem assim, a revogação da decisão de reprovação da tese de doutoramento, tomada pelo júri do concurso em questão, voltando o procedimento em causa ao momento prévio à defesa da prova pública de doutoramento, com o que será feita a habitual Justiça.

A aqui Recorrida/Universidade não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 22 de junho de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 5 de julho de 2021, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no sentido de dever ser negado provimento ao presente Recurso.
* * *

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, que se consubstanciam, no essencial, na necessidade de verificar se a sentença recorrida enfermará de erro de julgamento por falta de fundamentação, uma vez que, como refere, “A fundamentação exposta pelos membros do júri que decidiram pela reprovação da tese do candidato a doutoramento, torna-se, assim, insuficiente, incompleta e pouco abrangente”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como Provada:

A. O Autor é aluno de doutoramento em “Educação” e, como doutorando, inscreveu-se no curso de Doutoramento em Educação, no ano de 2012, na Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior – facto não controvertido;
B. No âmbito do curso de doutoramento, cumpriu com pleno aproveitamento, a parte escolar do curso – facto não controvertido.
C. Em 29.03.2016, o aqui Autor subscreveu requerimento de “admissão a provas académicas”, requerendo a realização de provas de doutoramento, tendo para efeito apresentada tese intitulada “Metodologias de ensino e aprendizagem da natação na adaptação ao meio aquático – Um estudo comparativo em piscinas municipais do distrito de Aveiro”, realizada sob a orientação da Doutora E. e coorientação da Doutora M. – cfr. fls. 2 a 4 do PA; e CD no verso de fls. 3.
D. Em 28.03.2016, a Doutora E. emitiu documento intitulado de “parecer do(a) orientador(a)”, na qualidade de orientadora científica do aqui Autor, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“(…) declara que o trabalho ora entregue, redigido em língua portuguesa, se encontra apto para ser presente a provas públicas” – cfr. fls. 4 do PA.
E. Após proposta de constituição do júri das provas requeridas pelo Autor, realizada pelo Conselho Científico da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, em reunião de 21.09.2016, por despacho do Vice-Reitor da Universidade da Beira Interior, datado de 11.10.2016, foi nomeado o júri para as provas de doutoramento no ramo de Educação, requeridas pelo aqui Autor, com a seguinte composição:
Presidente: Doutor P., Vice-Reitor da Universidade da Beira Interior;
Vogais: - Doutora E., professora coordenadora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu,
- Doutora M., professora associada da Universidade da Beira Interior,
- Doutora F., professora auxiliar da Universidade Católica Portuguesa de Braga,
- Doutora E., professora auxiliar da Universidade da Beira Interior,
- Doutor A., professor adjunto da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu,
- Doutora S., Professora adjunta da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu – cfr. fls. 11 a 13 do PA.
F. Em reunião de 18.11.2016, o júri das provas de doutoramento no ramo de educação requeridas pelo Autor, depois de analisada a tese de doutoramento, apresentada pelo candidato, conforme ata n.º 1, a fls. 29 do PA, deliberou:
“(…) recomendar a sua reformulação, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S., exarando em conformidade o respetivo despacho, e acordou que independentemente da intervenção na apreciação da tese por todos os membros, seriam arguentes da tese a Doutora F. e o Doutor A. e ainda que, a apreciação do mérito da tese terá por base os critérios constantes em anexo. Por fim o Júri delegou no Presidente a marcação das provas” – cfr. fls. 29 a 31 do PA que se dá por integralmente reproduzidas.
G. Consta no despacho referido no ponto anterior, o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“O Júri nomeado nos termos do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 115/2013, por despacho do Vice- Reitor, Doutor P., de 11 de Outubro de 2016, para as provas de doutoramento no ramo de educação, requeridas por T., cujo tema é “Metodologia de ensino e aprendizagem da natação na adotação ao meio aquático – Um estudo comparativo em piscinas municipais do distrito de Aveiro”, após reunião por teleconferência, declara por maioria dos membros do júri presentes, mandar reformular a tese apresentada pelo candidato, conforme pareceres em anexo” – cfr. fls. 31 do PA.
H. Em 18.11.2016, as Doutoras M. e E. emitiram o parecer com teor constante a fls 32 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, anexo à ata e despacho referidos nos pontos F) e G).
I. Em 18.11.2016, a Doutora F. emitiu parecer com teor constante a fls 33 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, anexo à ata e despacho referidos nos pontos F) e G).
J. Em 18.11.2016, o Doutor A. emitiu parecer com teor constante a fls 34 a 37 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, anexo à ata e despacho referidos no ponto F) e G).
K. Em 18.11.2016, a Doutora F. emitiu parecer com teor constante a fls 38 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, anexo à ata e despacho referidos nos pontos F) e G).
L. Por ofício datado de 28.11.2016, com a referência 1860/SCAA, foi o Autor notificado que o Júri das provas de doutoramento deliberou, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Despacho n.º 52/2008, de 15 de Dezembro, recomendar a reformulação da tese, com os fundamentos conforme pareceres em anexo ao despacho do júri e que dispunha de um prazo de 120 dias improrrogável, durante o qual podia proceder à reformulação da tese ou declarar que a pretende manter tal como a apresentou – cfr. fls. 39 do PA.
M. Nessa sequência, em 15.05.2017, o aqui Autor apresentou requerimento de admissão a provas académicas, fazendo consignar a expressão “após reformulação”, mediante o qual requereu a realização de prova de doutoramento, juntando exemplar(es) da tese subordinada ao tema “metodologias de ensino e aprendizagem da natação na adaptação ao meio aquático – um estudo comparativo em piscinas municipais no distrito de Aveiro” – cfr. fls. 49, 49-A e verso (CD) cujo teor que são por integralmente reproduzidas.
N. Por ofícios datados de 19.05.2017, dirigidos pelo Vice-Reitor da Universidade da Beira Interior aos restantes membros do júri, foram remetidos em anexo a documentação entregue pelo Autor após a sua reformulação – cfr. fls. 50 a 55 do PA.
O. Em 18.07.2017, teve lugar as provas de doutoramento, mediante apreciação e discussão da tese apresentada pelo Autor intitulada “metodologias de ensino e aprendizagem da natação na adotação ao meio aquático – um estudo comparativo em piscinas municipais do distrito de Aveiro”, perante o júri identificado em E) – facto não controvertido.
P. Em 18.07.2017, sob a presidência do Doutor M., reuniu o júri das provas de doutoramento (terceiro ciclo de estudos) no ramo de Educação, requeridas pelo aqui Autor, constituído conforme consta do despacho referido em E), que deliberou por maioria, atribuir, a classificação de “recusado” ao aqui Autor, com os votos contra da Doutora E. e da Doutora S., constando da ata n.º 2 o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“(…) Estiveram presentes todos os elementos do Júri
As provas de doutoramento, de acordo com os números dois e seguintes do artigo decimo oitavo do despacho numero cinquenta e dois, barra dois mil e oito, de quinze de dezembro que regulamenta o grau de Doutor na Universidade da Beira Interior, nos termos do disposto artigo trigésimo oitavo, do decreto-lei numero cento e quinze barra dois mil e treze de sete de agosto, decorreram na Sala dos Atos da Reitoria da Universidade da Beira Interior, e consistiram na apreciação e discussão da tese, apresentada pelo candidato e intitulada "Metodologias de ensino e aprendizagem da natação na adaptação ao meio aquático - Um estudo comparativo em piscinas municipais do distrito de Aveiro”. Foram arguentes da tese a Doutora F. e o Doutor A., tendo ainda nos restantes membros do júri.
Concluído o ato público das provas, de acordo com o estipulado nos números seis e sete do artigo trigésima quarto e artigo trigésimo sexto do decreto-lei numero cento e quinze barra dois mil e treze, de sete de agosto e artigo décimo nono, do regulamento do grau de doutor da Universidade da Beira Interior, o Júri reuniu de imediato para proceder à apreciação do mérito da tese de acordo com os critérios aprovados na primeira reunião e qualificação final do ciclo de estudos do candidato, através de votação nominal fundamentada que a seguir se explícita:
Tendo em consideração a tese apresentada, pese embora, as melhorias efetuadas ficam muito aquém do que seria esperado, a título de exemplo regista-se urna visão bibliográfica deficiente e que não cumpre os requisitos formais de um trabalho académico. A acrescentar as debilidades da tese, na sua defesa pública constata-se que o candidato utilizou texto não devidamente referenciado o que aumenta a falta de rigor científico e de investigação. O candidato não conseguiu demonstrar a contribuição inovadora e original da tese para o progresso do conhecimento. Assim, pelas deficiências científicas que foram demonstradas, quer na tese quer durante a discussão, e pela forma como não conseguiu responder satisfatoriamente a maioria das questões que lhe foram colocadas, o júri deliberou por maioria, atribuir, face aos regulamentos da Universidade a classificação de '‘recusado”, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S..
Em anexo a presente ata da qual fazem parte integrante encontra-se a fundamentação do voto pelos membros do júri”. cfr. fls. 65 do PA.
Q. Em anexo à referida ata n.º 2 consta documento intitulado de parecer, subscrito por M., A., F. e E., com o teor constante de fls. 66 do PA que se dão por integralmente reproduzidas.
R. Em anexo à referida ata n.º 2 consta documento intitulado de parecer, subscrito por Doutora E. e Doutora S., com o teor constante a fls 67 do PA que se dão por integralmente reproduzidas.
S. O Autor apresentou, no dia 13 de Outubro de 2017 (via correio eletrónico e dia 16 os originais por via postal), recurso hierárquico dirigido ao Conselho Científico da Faculdade de Educação da Universidade da Beira Interior, da deliberação de reprovação da prova pública de doutoramento e da Ata de 18-07-2017 – cfr. fls. 90 a 93 do PA.”

IV – Do Direito

Atento o invocado e a matéria dada como provada, importa agora fazer o correspondente enquadramento “de direito”, verificando os vícios suscitados, sendo que a argumentação aduzida no recurso, retoma, no essencial, tudo quanto havia sido suscitado em 1ª instância.
Entende predominantemente o Recorrente que a decisão tomada pelo Júri que o reprovou nas provas de Doutoramento, não possui suficiente fundamentação que a torne num ato compreensível e aceitável.
Discorreu-se no discurso fundamentador da Sentença Recorrida, nomeadamente, e no que aqui releva, o seguinte:

“(…)
No caso concreto, o teor da ata que suporta o ato impugnado é o seguinte: «… Tendo em consideração a tese apresentada, pese embora, as melhorias efetuadas ficam muito aquém do que seria esperado, a título de exemplo regista-se uma visão bibliográfica deficiente e que não cumpre os requisitos formais de um trabalho académico. A acrescentar as debilidades da tese, na sua defesa pública constata-se que o candidato utilizou texto não devidamente referenciado o que aumenta a falta de rigor científico e de investigação. O candidato não conseguiu demonstrar a contribuição inovadora e original da tese para o progresso do conhecimento. Assim, pelas deficiências científicas que foram demonstradas, quer na tese quer durante a discussão, e pela forma como não conseguiu responder satisfatoriamente a maioria das questões que lhe foram colocadas, o júri deliberou por maioria, atribuir, face aos regulamentos da Universidade a classificação de '‘recusado”, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S.”
Dos elementos disponíveis e em anexo à referida ata, mostra-se que o Parecer coletivo subscrito pelos membros do júri que deliberaram “reprovar” o aqui Autor (…), no âmbito da sua discricionariedade técnica, evidencia que a aqui “não corrigiu, na segunda versão da tese entregue e correspondente a reformulação, um conjunto significativo das recomendações feitas pelo júri. No geral, o trabalho não cumpre as exigências científicas e éticas de uma tese académica, não tendo as lacunas detetadas sido superadas na defesa oral, onde o candidato não demonstrou ultrapassar o nível do senso comum, não manifestando as competências necessárias para lhe ser atribuído o grau de Doutor peia Universidade da Beira Interior”.
Ora, não se pode olvidar que nos presentes autos, que, em reunião de 18.11.2016, o júri das provas de doutoramento no ramo de educação requeridas pelo Autor, depois de analisada a tese de doutoramento, apresentada pelo candidato deliberou “(…) recomendar a sua reformulação, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S.”. Nessa sequência foram lavrados os pareceres dos Doutores M., E., F. e A., nas quais se formulam sugestões de melhoria e de aperfeiçoamento que, bastando ler o seu teor, não eram de mero pormenor, mas estruturais, ao nível do conteúdo e de organização da tese - vide factos assentes de G) a K).
(…)
Em suma, dos pareceres dos membros do júri que foram identificadas debilidades nos documentos apresentados pelo Autor, aquando da análise, tendo sido sugeridas concretas alterações, de envergadura considerável, bastando atender à extensão das sugestões realizadas, com vista a conferir-lhe robustez que, ainda que não fossem impeditivas da sua admissibilidade, sempre careceriam de melhoria, discussão e aprofundamento, o que, fruto da avaliação que cabe ao júri, aparentemente não permitiu superar as críticas iniciais.
(…)
Em suma, analisando o conteúdo transcrito, quer da ata quer do parecer (factos assentes em P) e Q), verifica-se que o ato em crise é claro e explícito. Com efeito, resulta da simples leitura do mesmo que se esclarecem patente e cabalmente as razões que determinaram o sentido da decisão, se o Autor concorda ou discorda dessa formulação já releva apenas para a substância do ato. Por outro lado, não se pode pretender que se esmiúce ao pormenor quase atómico as razões de ser da decisão em causa para se considerar a decisão fundamentada, sob pena de impor à Administração um dever de fundamentar a própria fundamentação.
(…)
Com efeito, do confronto do teor da ata n.º 1 (e respectivos anexos), bem como os pareceres a ele anexos, e do teor da ata n.º 2 com as justificações e sentidos de voto dos membros do referido júri vertidas em parecer coletivo, consegue-se com suficiência captar, o percurso desenvolvido pelo órgão no seu processo decisório. É que o júri do concurso, concorde-se ou não com os motivos e fundamentos apresentados pelo mesmo, explicitou e concretizou os motivos que estiveram na base da decisão, evidenciando-se da petição inicial que o Autor percecionou corretamente os fundamentos e as razões pelos quais o Autor foi “Reprovado”.
Se bem interpretamos a petição inicial, afigura-se mesmo que o Autor não coloca verdadeiramente em causa esta asserção, ou pelo menos não alega que dos elementos documentais disponíveis não resulta a forma como foi justificada a decisão adotada, até porque defende que os referidos fundamentos deveriam ter sido previamente comunicados à elaboração do relatório de aceitação da tese e no próprio momento de elaboração e subscrição do relatório de apreciação da tese, o que pressupõe que logrou captá-los.
Ora, falece integralmente de razão o Autor porquanto essa alegação não se coloca em termo de fundamentação, visto que o Autor olvida completamente que a fundamentação é contextual e expressa e é por referência ao ato impugnado que se atesta a verificação da exigência de fundamentação (e não, no caso, por confronto com o despacho de convite à reformulação da tese).
O que o Autor parecer invocar – e já não se situa ao nível da fundamentação – é que os referidos fundamentos de reprovação deveriam ter sido dados a conhecer previamente ou pelo menos que não podem ser mobilizados fundamentos na deliberação impugnada que não foram dados a conhecer no despacho (e respectivos anexos) que convidou(ram) o Autor a reformular a tese inicialmente apresentada.
Vejamos também com pormenor esta alegação, e que reitera-se nada tem que ver com o vício de fundamentação.
Em causa está a afirmação constante da ata que se regista na tese apresentada uma “visão bibliográfica deficiente”, que alegadamente não consta na ata n.º 1 e pareceres que explicitaram os termos em que o Autor podia reformular a tese apresentada na sua versão originária.
Em primeiro lugar, cabe assinalar que nem sequer se considera válida a asserção de que no despacho de reformulação da tese não se tenha referido à necessidade de apetrechar o trabalho ao nível de bibliografia em determinados pontos.
(…)
Assim, estando aqui em causa a apreciação da alegação do Autor que a referência à visão bibliografia deficiente não constava nos referidos pareceres – e não estando em causa a correção da substância da (in) suficiência da biografia - há assim de constatar que é inegável que já nos ditos pareceres se referia, em determinados pontos, à necessidade do reforço da literatura invocada, pelo que nenhuma invocação verdadeiramente novel neste patamar se encontra no ato escrutínio.
(…)
Diz o Autor também que as referências ao incumprimento dos requisitos formais de um trabalho académico e à falta de contribuição inovadora e original da tese não constavam do despacho de reformulação.
(…)
Em todo o caso, o júri é constituído por um conjunto de personalidades que são escolhidas individualmente para realizar uma determinada avaliação e que constituem um órgão exclusivamente destinado a esse fim, chamando-se cada elemento do júri a emitir um juízo “científico” ou “técnico” que se converte em decisão administrativa final. Acresce que, no caso dos autos, existem inclusivamente fatores ou parâmetros que apenas no momento da apreciação e discussão da tese se podem apreender (como seja as respostas dadas em sede de provas públicas), pelo que é nesse momento que se procede à avaliação final e holística de todo o trabalho.
Mesmo a conclusão que o júri que chegou “falta de contribuição inovadora e original da tese”, naturalmente que é uma das situações típicas em que se aceita um “espaço de decisão” ou uma “liberdade ou prerrogativa de apreciação” administrativa perante as indeterminações legais, sendo que essa “discricionariedade de avaliação” assenta e implica, no quadro legal vigente, uma confiança na experiência dos professores, na sua competência para efetuar a avaliação e de o fazer de forma imparcial, num contexto de autonomia científica e de independência, sendo natural que a referida conclusão definitiva tenha lugar essencialmente no momento da discussão e apreciação final da tese.
Aduz ainda o Autor que um dos fundamentos foi precisamente o “insuficiente domínio dos referenciais teóricos dominantes da área”, sendo que não são especificados os pontos em que é insuficiente esse domínio.
É inegável que a referida expressão surge no parecer subscrito precisamente pela orientadora do Autor (Doutora E.) e pela Doutora S., que, recorde-se, votaram contra a reprovação do aqui Autor.
(…)
Perante a factualidade disponível nos autos e os considerandos de enquadramento supra tecidos temos que, efetivamente, terá de considerar-se que a deliberação do júri ora objeto de impugnação nos autos se mostra fundamentada à luz das exigências que em concreto a lei prevê nos normativos em referência, na medida em que é possível, com suficiência, captar, perceber ou entender o percurso desenvolvido pelo órgão no seu processo decisório, órgão esse que cumpriu o que lhe era imposto por lei, já que a decisão do júri foi tomada por maioria simples dos votos dos seus membros, ficou consignada em ata, com indicação do sentido dos votos individualmente expressos e dos respectivos fundamentos, não colocando em crise o Autor eventual vício de violação de lei por erro nos pressupostos nem sequer erro grosseiro na apreciação.
Importa ainda abordar algumas considerações deixadas pelo Autor.
Defende o Autor que a tese estava em condições totais de ser defendida em prova pública final, porquanto, a não ser assim, teria existido oposição por parte da sua orientadora.
Tal alegação não tem qualquer suporte ou substanciação jurídica capaz de invalidar a decisão. Resulta da factualidade provada que a sua orientadora Doutora E. emitiu documento intitulado de “parecer do(a) orientador(a)”, na qualidade de orientadora científica do aqui Autor, no qual declarou que o trabalho se encontrava apto para ser presente a provas públicas; posteriormente votou contra a deliberação de convite à reformulação da tese apresentada; e igualmente viria a opor-se à deliberação de reprovação do Autor – cfr. factos assentes em D), F) e P).
Todavia, do ponto de vista legal, é inegável que a tarefa avaliativa está atribuída ao júri nomeado, enquanto órgão composto pelas individualidades constantes no ponto E) dos factos assentes, e não a um qualquer membro singular do mesmo, como seja a orientadora. Tratando-se de um órgão colegial a vontade do órgão colegial não se confunde com a vontade individual das pessoas concretas que o constituem, podendo, como foi caso, as deliberações do júri serem tiradas por maioria – cfr. artigo 17.º, n.º 8, do Regulamento. Pese embora a eventual opinião pessoal da orientadora do Autor – e sem descuidar o próprio teor do parecer que subscreve (com expressões como “dificuldades apresentadas pelo candidato na defesa pública da tese no sentido de esclarecer domínios com maior fragilidade nomeadamente o não cumprimento cabal das regras da APA (já identificado aquando do pedido de reformulação), bem como o insuficiente domínio dos referenciais teóricos dominantes da área em estudo para fundamentação dos resultados obtidos”), daí não resulta qualquer invalidade do ato em escrutínio (dado que procedimentalmente a deliberação foi obtida por maioria, o que é válido), e muito menos indicia a presença de erro grosseiro da avaliação realizada (pelos demais membros do júri).
Ademais, invoca o Autor que antes da prova pública de doutoramento não lhe foi comunicado, pela orientadora, pelo presidente do júri ou pela comissão científica da Faculdade, que não tinha corrigido suficientemente um conjunto significativo de recomendações que lhe foram dirigidas.
A questão que se coloca é se tal era exigido. O Autor diz que sim, embora não invoque qualquer dispositivo legal ou principiológico que o impusesse. Já se discorreu sobre o regime legal do funcionamento do júri, constante dos artigos 17.º e 18.º do Regulamento, resultando bastante claro que na primeira reunião o júri pode recomendar fundamentalmente ao candidato à sua reformulação, para o que concede um prazo improrrogável de 120 dias, durante o qual o pode proceder à reformulação da tese ou declarar que a pretende manter tal coo a apresentada.
No caso dos autos, ficou apreendido que por ofício datado de 28.11.2016, com a referência 1860/SCAA, foi o Autor notificado que o Júri das provas de doutoramento deliberou, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Despacho n.º 52/2008, de 15 de Dezembro, recomendar a reformulação da tese, com os fundamentos conforme pareceres em anexo ao despacho do júri e que dispunha de um prazo de 120 dias improrrogável, durante o qual podia proceder à reformulação da tese ou declarar que a pretende manter tal como a apresentou.
Contudo, o artigo 17.º, n.º 3, do Regulamento é clarividente ao estatuir que recebida a tese reformulada (ou então feita a declaração que a pretende manter tal como a apresentação) procede-se à marcação das provas públicas de discussão da tese.
Aliás, prevê-se mesmo que as provas públicas de defesa decorram até ao 60.º dia a contar da “data da entrega da tese reformulada”.
Por isso mesmo, não foi preterida nenhuma norma, dado que não se exige do ponto de vista legal e regulamentar que entre o momento da formulação do convite à reformulação e da marcação ocorra uma antecâmara da apreciação da tese reformulada, com nova reapreciação técnica, com vista a aferir da integral satisfação das sugestões de alteração preteritamente dirigidas ao Autor e/ou a proceder a exaustiva avaliação da tese reformulada. Aliás, o que bem se compreende dado que se está diante de prova académicas que pressupõem autonomia e responsabilidade na investigação desenvolvida pelo candidato, já titular de grau académico prévio.
A alegação em torno de que a tese foi aceite com vista a ser submetida da discussão pública e depois viria a ser reprovada não tem por consequência qualquer invalidade do ato em crise nos autos.
Uma eventual fase prévia de aceitação da discussão da tese não poderá condicionar as provas públicas, não existindo qualquer vinculação dos membros do Júri, aquando da decisão final, ao despacho de admissão anterior e eventualmente proferido; nem sequer preclude a possibilidade de o júri fazer uma avaliação própria no momento da apreciação e discussão da tese, com total liberdade quanto ao mérito e qualidade científica do trabalho que lhe é apresentado, tanto que um dos aspetos a considerar será a consistência das respostas dadas pelo candidato na própria defesa pública.
(…)
Em suma, o juízo do júri resultou de uma apreciação eminentemente técnica, de todos os elementos que constituem as provas de doutoramento, atentos os seus conhecimentos na área, e que vieram a determinar fundamentadamente a “reprovação” do aqui Autor. Além do mais o Autor não identifica qualquer fator de onde se possa concluir que afinal tal apreciação, de cariz técnico, assentou em erro manifesto.
Diz ainda o Autor que a própria comissão científica do programa de doutoramento deverá dar a conhecer ao doutorando um parecer sucinto acerca do trabalho, o qual pode conter sugestões de alteração e melhoria, o que não foi feito, contrariando a “Regulamentação aplicável”.
Ora, embora o Autor não explicite a concreta norma que considera violada e que imponha a referida elaboração de sugestões de alteração e melhoria pela comissão científica, resulta dos preceitos regulamentares que cabe ao júri recomendar fundamentadamente ao candidato a sua reformulação (cfr. artigo 17.º, n.º 1 do Regulamento), o que como vimos teve lugar.
Ademais, não se desconhece que nos termos do artigo 12.º, n.º 5, do Regulamento, deve o orientador acompanhar a evolução dos trabalhos da tese devendo realizar reuniões formais com o orientando com a periodicidade de pelo menos uma vez por mês e das quais devem ser elaborados parecer síntese que serão do conhecimento do candidato, sendo que o Autor não alega que o orientador (que até votou contra a reprovação) não o acompanhou nos termos legal e regulamente previsto [v.g. incumprindo obrigações que lhe incumbem (como o da referida norma)], sendo que a causa de pedir que sustenta os pedidos que vêm formulados pelo Autor nem sequer se reconduzem à atuação da orientadora do Autor como contrária aos procedimentos devidos e assim responsável pela impossibilidade de concluir o seu doutoramento em termos devidos (matéria não alegada).
Também por esta via improcede a presente ação. (…)”

Refira-se desde já que se não vislumbram razões de censura relativamente à Sentença Recorrida.

Efetivamente, refira-se que resulta da prova disponível que a decisão proferida e objeto de impugnação na presente Ação, explicita de forma adequada e suficiente as razões que suportam o decidido, permitindo a um destinatário normal apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido, não se descortinando qualquer erro manifesto ou grosseiro na decisão tomada que justificasse a sua anulação, o que não invalida que o Recorrente possa não concordar com a mesma, o que não equivale à sua falta de fundamentação.

O facto do Recorrente não concordar com a sua “reprovação”, o que é legitimo e se compreende, só por si não permite concluir que as decisões proferidas maioritariamente pelo júri, não contenham uma fundamentação suficiente e adequada, a qual se mostra, como se disse já, percetível para um destinatário comum.

Em sede recursiva o Autor aqui Recorrente limita-se a retomar toda a argumentação que havia esgrimido em 1ª Instância, designadamente a ausência de sugestões de reformulação da tese de doutoramento que apresentou, mais entendendo que o júri deveria ter assinalado e concretizado o invocado insuficiente domínio dos referenciais teóricos dominantes da área, pois que os jurados que decidiram pela reprovação, não terão concretizado sugestões de melhorias ou de reformulação da tese ao candidato antes da defesa em prova pública, face ao disposto no Regulamento do Grau de Doutor da Universidade da Beira Interior.

Não se reconhece que assim seja, tanto mais que a mera admissão da tese a discussão pública não equivale, naturalmente, à sua aprovação, como pretenderia o Recorrente, ao sugerir que a decisão da admissão da tese e a sua ulterior reprovação seriam decisões contraditórias.
Com efeito, a admissão da tese a discussão e a sua aprovação, a final, são atos de natureza diversa que não deverão ser confundidos.

A admissão da tese a discussão é um ato meramente preliminar e anterior, por natureza, à própria discussão da tese perante o júri, não equivalendo ao reconhecimento da necessária qualidade científica da tese, com vista à atribuição do grau de Doutor, reconhecimento este, que só poderá ter lugar após a discussão da tese, no pressuposto do candidato merecer aprovação.

Em qualquer caso, a recusa de aprovação mostra-se fundamentada, nos seguintes termos:
«… Tendo em consideração a tese apresentada, pese embora, as melhorias efetuadas ficam muito aquém do que seria esperado, a título de exemplo regista-se uma visão bibliográfica deficiente e que não cumpre os requisitos formais de um trabalho académico. A acrescentar as debilidades da tese, a sua defesa pública constata-se que o candidato utilizou texto não devidamente referenciado o que aumenta a falta de rigor científico e de investigação. O candidato não conseguiu demonstrar a contribuição inovadora e original da tese para o progresso do conhecimento. Assim, pelas deficiências científicas que foram demonstradas, quer na tese quer durante a discussão, e pela forma como não conseguiu responder satisfatoriamente a maioria das questões que lhe foram colocadas, o júri deliberou por maioria, atribuir, face aos regulamentos da Universidade a classificação de “recusado”, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S.”,

Mais foi referido em ata pelo júri que que o candidato “não corrigiu, na segunda versão da tese entregue e correspondente a reformulação, um conjunto significativo das recomendações feitas pelo júri. No geral, o trabalho não cumpre as exigências científicas e éticas de uma tese académica, não tendo as lacunas detetadas sido superadas na defesa oral, onde o candidato não demonstrou ultrapassar o nível do senso comum, não manifestando as competências necessárias para lhe ser atribuído o grau de Doutor peia Universidade da Beira Interior”.

Assim, sem surpresa se afirma na Sentença Recorrida que “não se pode olvidar que nos presentes autos, que, em reunião de 18.11.2016, o júri das provas de doutoramento no ramo de educação requeridas pelo Autor, depois de analisada a tese de doutoramento, apresentada pelo candidato deliberou “(…) recomendar a sua reformulação, com o voto contra da Doutora E. e da Doutora S.”. Nessa sequência foram lavrados os pareceres dos Doutores M., E., F. e A., nas quais se formulam sugestões de melhoria e de aperfeiçoamento que, bastando ler o seu teor, não eram de mero pormenor, mas estruturais, ao nível do conteúdo e de organização da tese - vide factos assentes de G) a K).”
É assim manifesto que o Recorrente só se pode queixar e si próprio, ao não ter reformulado a sua tese de doutoramento em função das sugestões que lhe foram feitas, o que determinou a previsibilidade do resultado final da correspondente avaliação.

Em bom rigor, e como evidenciou o Ministério Público no seu Parecer, “a questão nem é de fundamentação, porque ela existe, a questão, como acaba a querer o Recorrente, é, antes, de discordância do juízo negativo levado a cabo pelo júri que não vislumbrou mérito no trabalho apresentado e na prestação de prova oral.”
Acrescem as imputadas insuficiências bibliográficas, as quais, em bom rigor, nem sequer careceriam de ser evidenciadas corretivamente, uma vez que obedecem a regras próprias que qualquer mestrando e por maioria de razão, qualquer doutorando, tem obrigação de conhecer e aplicar.

Não é despiciente ainda reafirmar que qualquer prova de doutoramento deverá denotar uma significativa vertente inovatória, o que, de acordo com o júri terá inexistido e correspondentemente terá penalizado a avaliação feita a final.
Como se aludiu já, não se vislumbra pois qualquer contradição entre a preliminar admissão da tese e a posterior reprovação, pois que estamos a falar de realidades distintas, sendo que mal se compreenderia que a primeira determinasse automaticamente a não reprovação final, o que tornaria inútil a defesa oral da tese, como afirmado e sumariado no Acórdão deste TCAN de 16/01/2015, proferido no Procº nº 1262/09.3BEBRG, com o mesmo relator do presente Acórdão.
Como aí se sumariou, aqui aplicado mutatis mutandis, por se reportar a provas de agregação “Se é certo que a admissão às provas de agregação é precedida de uma apreciação preliminar de caracter eliminatório, o que é facto é que essa apreciação não poderá condicionar as provas públicas que se sucederão, não existindo qualquer vinculação dos membros do Júri, aquando da decisão final, ao despacho de admissão anteriormente proferido.
(…)
Não vislumbra qualquer contradição entre o ato da admissão às provas de agregação e a reprovação final do candidato, após a realização das provas públicas, uma vez que ambas as avaliações assentam em pressupostos diversos.
Entende-se que relativamente a quaisquer provas de carater académico, estamos em presença de uma atividade inserida na margem de livre apreciação, não sendo sindicável a decisão tomada, salvo se provado erro manifesto ou grosseiro, inobservância de algum aspeto legalmente vinculado, erro nos pressupostos de facto ou desvio de poder.
É do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo.”

Na realidade, é entendimento generalizado, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, que relativamente a quaisquer provas de carater académico, estamos em presença de uma atividade inserida na margem de livre apreciação, não sendo sindicável a decisão tomada, salvo se provado erro manifesto ou grosseiro, o que não foi o caso – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Março de 1991 e do Tribunal Central Administrativo – Norte, de 8 de Novembro de 2007.
O referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Março de 1991, conclui que “as deliberações dos júris de exames, de concurso ou de avaliação de conhecimentos pedagógicos ou científicos, situam-se na chamada zona de liberdade administrativa de decisão e não são passíveis, por isso, de controlo contencioso, salvo em caso de erro grosseiro de apreciação, inobservância de algum aspeto legalmente vinculado, erro nos pressupostos de facto ou desvio de poder”.

Já no Acórdão de 02.10.2008, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Proc.º n.º 01208/06 (Relativo também a provas de agregação) refere-se que “I - A atividade de avaliação técnico-científica, desenvolvida pelo júri, insere-se na margem de “livre apreciação” ou “prerrogativa de avaliação” dos júris dos concursos, e é, por isso, jurisdicionalmente insindicável, restringindo-se os poderes de controlo do Tribunal à legalidade externa do ato, ao erro grosseiro ou manifesto ou à utilização de critério desajustado.

No mesmo sentido, refere-se no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-11-2007, Proc.º n.º 00085/04.0BEBRB (concurso de provas públicas para professor coordenador) que “A apreciação das condições legalmente exigidas, no que concerne à prova consistente na dissertação, insere-se no âmbito da chamada “discricionariedade técnica”, estando, nessa medida, subtraída ao controlo judicial, a menos que essa apreciação envolvesse erros manifestos ou grosseiros.”

Em face do que precede, importa concluir que os entendimentos proferidos pelo júri do controvertido Doutoramento, com base nos quais foi adotada a decisão aqui recorrida, produziu um juízo classificativo maioritário, balizado por critérios de tecnicidade, no âmbito da sua discricionariedade técnica, e que vieram a determinar fundamentadamente a “reprovação” do aqui Recorrente.

A apreciação e o juízo do júri resultou necessariamente de uma apreciação eminentemente técnica, quer da tese, quer da sua defesa oral, levada a cabo por um júri cientificamente habilitado, tendo ficado por provar a existência de quaisquer indícios suscetíveis de determinar a sua anulação.

Não se detetaram pois na decisão académica objeto de impugnação e por igual razão na decisão de 1ª instância que a confirmou, quaisquer contradições nem imprecisões, sendo ambas claras e inteligíveis, traduzindo a primeira um juízo técnico fundamentado, não se detetando qualquer erro manifesto na sua formulação.

Acresce ao referido que o próprio Recorrente não identifica qualquer fator de onde se possa concluir que afinal tal apreciação, de cariz técnico, assentou em erro manifesto.
Efetivamente, tal como decidido no tribunal a quo, é patente que os pareceres e atas que suportaram a decisão controvertida, descrevem de forma suficientemente clara as razões pelas quais o Recorrente foi “Reprovado”, sendo que resulta claro que o mesmo percecionou perfeita e cabalmente, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Recorrida aquando da tomada da decisão controvertida.
É incontornável e resulta da factualidade dada como provada que “Por ofício datado de 28.11.2016, com a referência 1860/SCAA, foi o Autor notificado que o Júri das provas de doutoramento deliberou, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Despacho n.º 52/2008, de 15 de Dezembro, recomendar a reformulação da tese, com os fundamentos conforme pareceres em anexo ao despacho do júri e que dispunha de um prazo de 120 dias improrrogável, durante o qual podia proceder à reformulação da tese ou declarar que a pretende manter tal como a apresentou”, sendo que em 15.05.2017, o aqui Recorrente apresentou requerimento de admissão a provas académicas, com a referencia: “após reformulação”.

Em conclusão e em face do que precede, importa reafirmar que os entendimentos proferidos pelo júri do Doutoramento foram adotados por forma a ser obtido um juízo classificativo, balizado por critérios de tecnicidade, no âmbito da sua discricionariedade técnica, e que vieram a determinar fundamentadamente a “reprovação” do aqui Recorrente, não contendo contradições nem imprecisões, sendo suficientemente claro e inteligível, traduzindo um juízo técnico fundamentado, não se detetando qualquer erro manifesto na sua formulação.
Assim, não merece censura o entendimento adotado em 1ª Instância, nomeadamente, ao não considerar verificada a imputada contradição entre a admissão da Tese e a posterior reprovação do Doutorando, uma vez que, como se disse, ambos os atos têm natureza e pressupostos diversos, o mesmo se verificando relativamente aos restantes vícios invocados.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional interposto, mantendo-se a Sentença Recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 8 de outubro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães