Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00293/07.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC;
CORRECÇÕES TÉCNICAS;
Sumário:
I – O artigo 685-Bº do CPC antigo (640º da actual), aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, impondo-lhe inclusivamente, no caso da prova verbal gravada (com é o caso), indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a). sob pena de rejeição do recurso nessa parte.

II – Não há erro de julgamento de direito da sentença que confirmar um acto impugnando quando se provou um facto alegado pela impugnante, mas insuficiente para, por si só, impor a conclusão de que o acto impugnado relevou de erro nos pressupostos de facto.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

- [SCom01...], LDA NIPC ...77, com sede na Rua ..., freguesia ..., ... ..., interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 12 de Março de 2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial por si movida contra a liquidação adicional consequente a correcções técnicas da matéria colectável, dos IRCs de 2002 e de 2003 e respectivos juros compensatórios, no valor de 70.002,07 €.

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:
«IX) CONCLUSÕES:
Iª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente contra as liquidações adicionais de IRC que foram praticadas com referência aos exercícios de 2002 e 2003 no montante global de € 70.002,07.
2ª) Salvo o muito, devido e merecido respeito, a recorrente não pode aceitar a sobredita sentença.
3ª) Desde logo, vem impugnar a decisão de facto, por entender que existiu erro na apreciação da prova produzida, com pontos de facto incorrectamente julgados que impunham decisão diversa da recorrida.
4ª) Por outro lado, é convicção da recorrente que, atentas as normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, a decisão deveria ter sido no sentido da procedência total da impugnação.
5ª) As liquidações de imposto impugnadas resultaram de correcções meramente aritméticas (DOC. N° 2 da PI).
6ª) Tais correcções derivaram de movimentos bancários que a administração fiscal presumiu reportarem-se a vendas omissas (DOC. N° 2 da PI).
7ª) A administração tributária tentou identificar esses fluxos financeiros com a actividade da recorrente (DOC. N° 2 da PI).
8ª) Nos casos em que foi possível estabelecer correspondência entre esses movimentos e fornecedores da recorrente entendeu a administração fiscal que se tratavam (SIC) de compras (DOC. N° 2 da PI).
9ª) Nas situações em que não foi possível estabelecer essa correspondência a administração fiscal entendeu que se tratava de vendas omissas na contabilidade da recorrente (DOC. N° 2 da PI).
10ª) De fora deste raciocínio ficaram os movimentos de montantes inferiores a € 250 que foram considerados como englobados nos custos (DOC. N° 2 da PI).
11a) Conforme resulta da documentária que a recorrente juntou com a PI, os movimentos bancários que o Fisco considera corresponderem a vendas omissas/ não contabilizadas nem declaradas, são custos, efectivos e reais, referentes a pagamentos a fornecedores de pneus novos, usados e recauchutados (DOC. N° 3 da PI).
12a) Tais documentos permitem estabelecer a correspondência entre os fornecimentos e os respectivos pagamentos (DOC. N° 3 da PI).
13ª) Os pagamentos a fornecedores eram efectuados tanto em numerário como através de cheques.
14ª) Parte dos cheques levantados, e em causa nestes autos, destinava-se a possibilitar os referidos pagamentos em numerário.
15ª) Do verso dos cheques constam os nomes e os números das contas que permitiram à recorrente, tal como aconteceu com o Fisco, relacionar os movimentos bancários com os pagamentos a fornecedores (DOC. N° 3 da PI).
16ª) O percurso seguido pela recorrente foi idêntico ao que foi utilizado pelo Fisco, apenas com uma diferença: a investigação efectuada pela recorrente foi mais prolongada e, por isso, permitiu obter muitos mais dados relevantes.
17ª) O DOC. N° 3 da impugnação judicial, constituído por mais de 60 folhas, descrimina e identifica o destino dos cheques emitidos com a descrição da data do levantamento, o n° do cheque, o valor em causa, à ordem de quem foram passados, a conta onde foram depositados, os nomes dos beneficiários («AA», «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «HH», «II», «JJ», «KK», «LL», «MM» e «NN»), o tipo de fornecimentos (pneus novos, usados e recauchutados, carcaças de pneus de camião, transportes de pneus, jantes e reparações de jantes, entre outros) as empresas a que se reportam ([SCom02...]..., [SCom03...], [SCom04...]..., [SCom05...]..., [SCom06...], [SCom07...], [SCom08...]..., [SCom09...], [SCom10...] e [SCom11...]) e as respectivas localizações (..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...).
18ª) Apenas restaram por identificar poucos movimentos e de valores não significativos (DOC. N° 3 da PI).
19ª) Essa aparente impossibilidade de identificar certos movimentos bancários com pagamentos a fornecedores é fácil de explicar e de compreender: as fotocópias em causa não são suficientemente legíveis, pelo que não permitem obter os esclarecimentos que derivaram das fotocópias em bom estado.
20ª) Seguindo o mesmo critério que foi utilizado pelo Fisco pode-se concluir que afinal tais vendas omissas não se verificaram.
21ª) Assim, fica explicada a inexistência de facto tributário.
22ª) O lucro tributável foi erroneamente quantificado e consequentemente os valores de imposto apurados também estão errados.
23ª) Se a acção de inspecção tributária tivesse ido um bocadinho mais fundo teria obtido conclusões opostas às que constam do respectivo Relatório.
24ª) As liquidações de imposto impugnadas são ilegais por enfermarem do vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto - Art. 99° do CPPT.
25ª) Na realidade, as operações a montante foram tratadas pela administração fiscal como se fossem operações a jusante.
26ª) As compras (custos) foram erroneamente tratadas como vendas (proveitos) - este erro é absolutamente decisivo e está suficientemente demonstrado.
27ª) Aliás, esta factualidade foi dada como provada na Sentença: «Do verso dos cheques constam os nomes e os números das contas que permitiram à impugnante, relacionar os movimentos bancários referentes à conta existente no Banco 1... com os pagamentos a fornecedores, cfr. doc. de fls. 80 a 141 dos autos. Apenas restaram por identificar poucos movimentos e de valores não significativos - cfr. prova testemunhal. A aparente impossibilidade sentida por parte da administração fiscal de identificar certos movimentos bancários com pagamentos a fornecedores tem explicação no facto de as fotocópias dos cheques em causa não serem suficientemente legíveis - cfr. prova testemunhal.» - Fls. 177 e 178.
28ª) Sendo ilegais as liquidações de imposto são, do mesmo passo, ilegais as liquidações dos correspondes juros compensatórios.
29ª) As notificações para pagamento foram efectuadas respectivamente em 01.03.2007 e 05.03.2007, por cartas registadas, ambas recebidas em 13 de Março de 2007 - cfr. doc. de fls. 44 do PA apenso aos autos.
30ª) O prazo para pagamento voluntário terminou em 09.04.2007 e 11.04.2007 respectivamente, ambas foram regularizadas, por pagamento, em 03.04.2007 - cfr. doc. de fls. 41 do PA apenso aos autos.
31ª) Assim, a recorrente tem direito a ser reembolsada de tudo quanto pagou, bem como tem direito aos correspondentes juros indemnizatórios.
32ª) A sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.
33ª) Quanto ao erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida por dar como provada a posição do Fisco, nos termos da qual os fluxos bancários em causa nestes autos supostamente corresponderiam a vendas omissas, porque ficou abundantemente demonstrado que esses movimentos bancários se reportaram ao pagamento de custos.
34ª) Quanto ao erro de julgamento na aplicação do direito por não retirar da factualidade vertida nos artigos 38° a 40° da sentença as conclusões óbvias que se impunham, designadamente a inexistência de facto tributário e o erro quanto aos pressupostos de facto que motivaram as liquidações e que as torna ilegais por enfermarem do vício de violação de lei - art. 99° do CPPT.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação das liquidações impugnadas, o reembolso das quantias entregues e o pagamento dos competentes juros indemnizatórios, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.

Notificada, a AT não respondeu à alegação

o Digno Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, de se transcreve o essencial:
«(…)
Em nosso entender não assiste qualquer razão ao recorrente, concordando o Ministério Público com toda a argumentação desenvolvida na douta sentença em apreço.
A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais que a fundamentam não sendo passível de censura.
A mesma não apresenta os vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações. Correcta é/ está a sentença recorrida.
O MP concorda com o teor de toda a fundamentação desenvolvida na sentença impugnada e discorda em absoluto da argumentação apresentada nas alegações de recurso do recorrente.
Na verdade,
Em causa estão as liquidações adicionais de IRC e de Juros Compensatórios de 2002 e 2003.
A recorrente não foi capaz de demonstrar a materialidade das operações comerciais que realizou.
A contabilidade da empresa deixava muito a deseja, não reflectindo a realidade de todas as operações comerciais que eram feitas.
A lei só confere direito á dedução do IVA mencionado nas facturas passadas nos termos legais se os serviços facturados foram na realidade prestados.
Entendemos ser adequada e legal a correcção ao lucro tributável feito pela AT.
As liquidações de IRC impugnadas devem ser mantidas nos seus precisos termos.
3. Razão pela qual o MP entende, sem necessidade de outros ou mais considerandos, que deve ser negado provimento ao presente recurso interposto, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.
II
Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Neste pressuposto, as questões que a recorrente suscita são, por ordem lógica, as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida incorre em erro no julgamento de facto ao dar como provado os pressupostos de facto dos actos impugnados, pois se a AT tivesse conferido exaustivamente os movimentos bancários em que baseou as correcções teria chegado a conclusão oposta àquela a que chegou, designadamente que o levantamento dos cheques não revela omissões de vendas (proveitos), mas custos, pois a quase totalidade dos cheques levantados o foi para pagamento a fornecedores em numerário?

2ª Questão
A sentença erra de qualquer modo no julgamento de direito pois em face dos factos provados, mormente os contidos nos artigos 38º a 40º, impunha-se concluir serem, as liquidações impugnadas, anuláveis, por erro nos pressupostos de facto das correcções aritméticas em que assentaram?

3ª Questão
Uma vez que, notificada, a recorrente pagou as liquidações impugnadas, incluindo as de juros compensatórios em 3/4/2007, a mesma tem direito ao reembolso de tudo o que pagou e a juros indemnizatórios?

III – Apreciação do Recurso
Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados e a respectiva fundamentação:
«III - DOS FACTOS.
A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa (resultantes do relatório de inspecção, da prova documental e testemunhal):

Iº) A ora impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., em relação aos exercícios de 2002. 2003 e 2004, desencadeada a partir do Processo de Inquérito n.° ...3/05.9 I AAMT, no âmbito do qual o sócio «OO» acusa o outro sócio de utilizar a empresa para efectuar o pagamento de despesas relacionadas com a construção das casas dos filhos.

2°) Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço n.° ...68.

3º) Decorreu entre 30 de Outubro de 2006 e 13 de Dezembro de 2006.

4º) A impugnante é um sujeito passivo de IVA.

5º) Estava tributada pelo regime geral de IRC pelo Serviço de Finanças ....

6º) A sede da impugnante é no lugar de ..., .... 

7º) A actividade da impugnante consiste no comércio de pneus e prestações de serviços conexos.

8º) Para o efeito, a impugnante dispõe de dois estabelecimentos: Um no lugar do ... e outro na Praceta ....

9º) A actividade desenvolvida em ambos os locais é idêntica.

10°) O estabelecimento do ... é orientado por «OO», sócio e gerente da impugnante.

11°) O estabelecimento da Praceta ... é orientado por «PP», sócio e gerente da impugnante.

12°) «OO» e «PP» são os únicos, e em partes iguais, sócios e gerentes da impugnante.

13°) As compras eram processadas, exclusivamente, através do estabelecimento do ....

14°) As vendas eram praticadas em ambos os estabelecimentos.

15°) «PP» cuidava da cobrança de créditos junto dos clientes e dos trabalhos de manutenção das máquinas.

16°) «OO» cuidava do remanescente da actividade.

17°) Os sócios da sociedade impugnante eram titulares de uma conta bancária com o n.°...63 do Banco 1....

18º) No dia 30 de Outubro de 2006, o sócio «OO» foi ouvido em auto de declarações pelos inspectores tributários responsáveis pela acção de fiscalização.

19°) Confessou nesse auto que a referida conta bancária tinha sido constituída com o acordo dos dois e que os depósitos nela efectuados provinham de vendas da empresa que não eram declarados para efeitos fiscais.

20°) No dia 2 de Novembro de 2006, o sócio «PP» foi ouvido em auto de declarações pelos mesmos inspectores tributários e confirmou a titularidade da referida conta bancária no Banco 1... c o facto de os depósitos nela efectuados serem provenientes das vendas da empresa que não eram declarados à administração tributária.

21°) A administração fiscal apurou que tinham sido efectuados depósitos nesta conta bancária nos montantes de 196.105,60 euros em 2002, 260.399,04 euros em 2003 e 17.432, 05 euros em 2004.

22°) Quase lodos os cheques depositados na referida conta tinham sido emitidos ao portador.

23°) Ao sócio «PP» e à empregada da impugnante «QQ» foram pagos cheques no total de 169.080,00 euros.

24°) As vendas da empresa foram corrigidas nesses valores.
25°) A administração fiscal considerou como custos o valor dos cheques que foram emitidos a fornecedores que exerciam uma actividade relacionada com a venda ou a recauchutagem de pneus, designadamente, para «RR», «SS» e «FF».

26°) Esses montantes ascenderam a 74.344,44 euros em 2002 e a 108.572,27 euros cm 2003.

27°) Foram aceites como custos todos os cheques de valor inferior a 250,00 euros, que foram de 19.683.03 euros no ano dc 2002, 19.517,63 euros em 2003 e 3.896,15 euros cm 2004.

28°) Foram considerados como custos com pessoal as gratificações efectuadas aos dois filhos do sócio «PP» no valor de 30.000,00 euros.

29°) Por serem considerados proveitos nos lermos do artigo 20° do Código do IRC. foram efectuadas correcções a efectuar às vendas, no valor de 169.105,60 euros referentes ao ano de 2002 e 260.399,04 no ano de 2003.

30°) As correcções efectuadas encontram-se nos quadros de fls.31 do PA apenso aos autos.

31") A ora impugnante foi notificada, para exercer o direito de audição nos termos dos artigos 60° da Lei Geral Tributária e 60° do RCPIT, através do ofício .....27/0506 de 27.12.206.

32°) Não exerceu esse direito.

33°) Foi efectuada a liquidação na importância de 25.553,38 euros e respectivos Juros Compensatórios no valor de 3.252,82 euros, referente ao ano de 2002 e a liquidação na importância de 40.369,87 euros e respectivos Juros Compensatórios no valor de 4.078,82 euros, referente ao ano de 2003- cfr. docs. de fls.41 a 54 do PA apenso aos autos.

34°) As notificações para pagamento foram efectuadas respectivamente em 01.03.2007 e 05.03.2007, por cartas registadas, ambas recebidas em 13 de Março de 2007 - cfr. doc. de fls. 44 do PA apenso aos autos.

35°) A impugnante não apresentou qualquer reclamação graciosa sobre as referidas liquidações.

36°) O prazo para pagamento voluntário terminou em 09.04.2007 e 11.04.2007 respectivamente, ambas foram regularizadas, por pagamento, em 03.04.2007 - cfr. doc. de fls. 41 do PA apenso aos autos.

37°) A presente impugnação foi deduzida no dia 7 de Maio de 2007.

38°) Do verso dos cheques constam os nomes c os números das contas que permitiram à impugnante, relacionar os movimentos bancários referentes à conta existente no Banco 1... com os pagamentos a fornecedores - cfr. doc. de fls.80 a 141 dos autos.

39°) Apenas restaram por identificar poucos movimentos e de valores não significativos - cfr. prova testemunhal.

40°) A aparente impossibilidade sentida por parte da administração fiscal de identificar certos movimentos bancários com pagamentos a fornecedores tem explicação no facto de as fotocópias dos cheques em causa não serem suficientemente legíveis - cfr. prova testemunhal.

B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Antes de mais cumpre alterar a decisão em matéria de facto, nos termos do artigo 685º-B nº 1 do CPC aplicável.
Na verdade, os artigos 38º a 40º não contêm factos individuas e concretos, sindicáveis em termos de juízo de prova. Designadamente o artigo 38º refere-se a uma pluralidade de cheques e fornecedores, que não identifica, o artigo 39º não concretiza os movimentos e valores a que se refere e o 40º consiste num juízo de facto sem a menção dos factos concretos seu objecto.
Assim sendo, este Tribunal de Apelação decide alterar a decisão em matéria de facto da sentença recorrida erradicando dela os artigos 38º a 40º da discriminação dos factos provados.

Voltemos às questões já enunciadas.
1ª Questão
A sentença recorrida incorre em erro no julgamento de facto ao dar como provado os pressupostos de facto dos actos impugnados, pois se a AT tivesse conferido exaustivamente os movimentos bancários em que baseou as correcções teria chegado a conclusão oposta àquela a que chegou, isto é que o levantamento dos cheques não revela omissões de vendas (proveitos), mas custos, pois a quase totalidade dos cheques levantados o foi para pagamento a fornecedores em numerário?

Como tem sido uniformemente julgado neste Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, impondo-lhe inclusivamente, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Percorridas as alegações e as conclusões do recurso verifica-se que o Recorrente não procede, nem numas nem noutras, à especificação dos factos concretos (e atendíveis segundo o artigo 5º do CPC) indevidamente julgados provados e ou que deviam ter siso julgados provados e o não foram nem os meios de prova dos quais decorreria em seu entender, por força da lógica ou da experiência comum, haver erro manifesto da Juiz a qua no sentido de terem ficado provados, em vez de não provados. A recorrente apenas transcreve longamente depoimentos de três testemunhas, enuncia a sua discordância quanto à desvalorização dos mesmos pela Mª Juiz a qua, mas não destaca expressamente as passagens desses depoimentos e nem identifica os documentos constantes dos autos que em seu entender obrigariam a concluir pela prova de quaisquer factos concretos.
Assim sendo, isto é, porque o Recorrente não cumpre com ónus decorrente do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 640º d CPC, o recurso vai rejeitado na parte concernente à presente questão, que, portanto, não será apreciada.

2ª Questão
A sentença erra de qualquer modo no julgamento de direito pois em face dos factos provados, mormente os contidos nos artigos 38º a 40º, impunha-se concluir serem, as liquidações impugnadas, anuláveis, por erro nos pressupostos de facto das correcções aritméticas em que assentaram?

Segundo julgamos entender, a Recorrente sustenta que uma vez que se provou que “do verso dos cheques constam os nomes e os números das contas que permitiram à impugnante, relacionar os movimentos bancários referentes à conta existente no Banco 1... com os pagamentos a fornecedores” - cfr. doc. de fls.80 a 141 dos autos, então as liquidações impugnadas relevaram do erro de facto de que os cheques foram depositados como meio para se pagar a fornecedores em dinheiro, pelo que não podiam ser relevados como recitas mas sim como custos.
As proposições genéricas e conclusivas integrantes dos artigos 38º a 40º da discriminação dos factos provados não deviam integrá-la, pelos motivos que acima expusemos, pelo que não relevam para a discussão do recurso enquanto factos que não são.
Assim, esta questão está prejudicada em tudo o que relevava dos putativos factos provados 38º a 40º.
Que dizer, ainda assim, em face dos factos privados que remanescem?
Corresponde ao id quod plerumque accidit que um cheque seja um meio de pagamento ao tomador.
Por outro lado, não resulta da discriminação dos factos provados que, como alega a Recorrente, parte dos cheques tenham sido depositados para possibilitar pagamentos em numerário.
Também não se pode esquecer que ficou provado que os sócios confirmaram, em declarações, no procedimento, que a conta onde estes cheques foram movimentados se destinava a ocultar vendas, não pagamentos, a fornecedores, que aos sócios e à empregada «QQ» foram pagos cheques no valor de 169 080 €.
Por fim, deve lembrar-se que a administração fiscal considerou como custos o valor de todos os cheques que foram emitidos a fornecedores que exerciam uma actividade relacionada com a venda ou a recauchutagem de pneus e todos os movimentos inferiores a 250 €.
Tundo visto, concluímos que dos factos provados não resulta, só por si, erro nos pressupostos das correcções efectuadas pela AT, pelo que não é indigitável à sentença recorrida o erro de direito alegado.


III – Conclusão:
Do exposto decorre a improcedência do recurso, saindo prejudicada a 3ª questão acima enunciada.


IV – Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o total decaimento (artigo 527º do CPC).

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente.
Custas do recurso e da acção pela Recorrida.

Porto, 23 de Novembro de 2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Maria Celeste Gomes de Oliveira