Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00219/08.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2015
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
QUEDA DE UMA ÁRVORE ADJACENTE A UMA AVENIDA MUNICIPAL; PRESUNÇÃO DE CULPA; ARTIGO 493º, Nº 1, DO CÓDIGO CIVIL; VALOR DA INDEMNIZAÇÃO PELA IMOBILIZAÇÃO DE UM VEÍCULO LIGEIRO DE MERCADORIAS; ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:1. O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
2. Tendo ficado provado que o acidente com o veículo da autora ocorreu com a queda de uma árvore de grande porte adjacente à faixa de rodagem de uma avenida municipal e não se provando que o modo e a periodicidade média do controlo, vigilância e fiscalização dos serviços municipais nessa via e nas árvores adjacentes, para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever e se era adequada, sistemática e contínua, a circunstância de se terem verificado na altura ventos que atingiram a intensidade máxima instantânea na ordem dos 95 a 105 km/hora, não ilide essa presunção de culpa, a que alude o artigo 493º, nº 1, do Código Civil.
3. Mostra-se justo e equitativo, tendo em vista o disposto no artigo 566º do Código Civil, valor de 35 € (trinta e cinco euros) por dia pela imobilização de um veículo ligeiro de mercadorias. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MNBRS e JPVS
Recorrido 1:A... Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e Município de C...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
MNBRS e marido JPVS, por si e em representação de seus filhos menores, CISR e PJSR vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa comum, na forma sumária, intentada pelos recorrentes contra a A... Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e o Município de C..., para exigir a responsabilidade extracontratual dos recorridos, com vista a obter o pagamento da indemnização e compensação no montante total de €16.983,41, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da queda de uma árvore sobre o veículo da autora, acrescido de juros legais à taxa de 4% a partir da citação até efectivo e integral pagamento.

Invocaram para tanto que deve ser alterada parte da matéria factual dada como provada e que se verificam todos os pressupostos da aludida responsabilidade civil extracontratual do réu Município de C... e que os réus não conseguiram ilidir a presunção de culpa que sobre eles impende no caso concreto.

Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - O facto constante do quesito 2º da Base Instrutória foi incorrectamente julgado, tendo sido apreciados em erro notório os seguintes elementos probatórios:

A - Documento nº 1 junto com a PI (relatório de ocorrência dos Serviços de Protecção Civil), não impugnado pelos Réus, onde se pode ler, na secção destinada a danos nos equipamentos e viaturas, “foi atingida uma viatura de marca Mercedes Classe A que estava estacionada. Terá estado na origem o mau estado da árvore (derivado a estar oca pela parte interior e podre em alguns sítios)”.

B - Também o Doc. nº 3 junto com a PI (declaração de pessoa com experiência em árvores), onde vem referido que a árvore se encontrava podre, mais referindo que a mesma partiu precisamente por estar podre e oca, pois, caso contrário, a mesma seria arrancada pela raiz.

C - Ainda o testemunho de EAC, madeireiro, cujo depoimento se encontra gravado na Cassete 1, lado A, de 0000 a 1800, conforme acta de julgamento do dia 18/05/2010, onde refere ter visto a cepa da árvore (levado pelo A. lá para o efeito) e que esta se encontrava podre e oca. Referindo ainda que a árvore partiu pelo tronco e que isto só acontece com árvores em mau estado de conservação. Referiu ainda que foi a única árvore que caiu naquela avenida e que quando o vento é forte e as árvores saudáveis, ou não caiem ou tombam arrancadas pela raiz, ficando com a raiz parcialmente à mostra, o que não foi o caso da árvore “sub judice” a qual partiu pelo meio do tronco.

2ª - Todos estes elementos de prova foram mal apreciados pela Mmª Juiz do Tribunal “a quo”, os quais, sendo bem apreciados, nos termos preditos, levariam a considerar como provado este facto.

3ª - O facto constante do quesito 13º da BI foi incorrectamente julgado, tendo a Mmª Juiz errado, notoriamente, na apreciação das provas produzidas a este respeito, designadamente, foi notoriamente mal apreciada a informação meteorológica constante nos autos a folhas 111 a 115,
Desde logo porque,

4ª - O teor deste documento não prova que na Avenida Conde Caria, local do sinistro, em V..., o vento tenha soprado com uma intensidade na ordem dos 95 a 105 km/hora.

5ª - Tão pouco que a intensidade dos ventos que se fez sentir no local fosse suficiente e capaz de derrubar árvores em estado normal de conservação.

6ª - Tal não se extrai do documento e mais nenhuma prova, com o rigor exigível, foi produzida donde se pudesse extrair esse facto, pelo que o mesmo teria que ser julgado como não provado.

7ª - Como tal, este facto foi erradamente julgado por ter existido erro na interpretação e apreciação do relatório meteorológico constante de fls 111 a fls 115.

8ª - Da mesma forma, tal relatório não faz prova que tenha sido a situação climatológica a causa de derrube de grande quantidade de árvores e impediu a circulação em várias vias, conforme resposta dada ao quesito 14º (facto provado nº 18).

9ª - Acrescendo ainda que nenhuma prova se fez sobre o estado de conservação das árvores que caíram (em locais distintos do local do sinistro), da forma como caíram, se partiram ou foram arrancadas, etc.

10ª- Prova que inexistiu, também no que respeita à árvore causadora do sinistro.

11ª - Sendo certo que, como referiram todas as testemunhas, na Avenida Conde Caria, a árvore em discussão nos autos foi a única que caiu (partindo pelo meio do tronco).

12ª - Não foi produzida prova que pudesse sustentar uma decisão deste facto como provado, errando a Mmª Juiz na apreciação que efectuou do documento junto a fls 111 a 115.

13ª - Ao contrário do vertido na Sentença, a Ré A... Portugal – Companhia de Seguros, SA não impugnou os factos vertidos na PI a título de culpa e responsabilidade pelo sinistro.

14ª - Pelo contrário, no art. 1º da contestação a A... declarou expressamente que “aceita a responsabilidade civil pelo sinistro dos presentes autos, dentro dos limites da apólice”.

15ª - Reconhecendo, ainda, em 3º da contestação que o montante peticionado para a reparação do veículo é o indicado em 13º e 14º da PI.

16ª - Tanto mais que emitiu e enviou um recibo nesse valor aos Réus para pagamento dos danos cuja responsabilidade assumiu, conforme refere em 4º da contestação, (o mesmo se passando, aliás, com a Ré Câmara que embora tendo contestado a acção, deliberou em 06/03/2008 o pagamento da franquia e efectuou o seu pagamento conforme, doc. nº 1 que se junta só agora por não ter sido possível em data anterior).

17ª - Existe assim notório erro de julgamento no que respeita à factualidade supra referida, constante da Sentença.

18ª - Na Sentença a Mmª Juiz subsume erradamente os factos provados ao direito, violando os artºs 483º e 493º do C. Civil.

19ª - A Mmª Juiz fazendo alusão à existência de inversão do ónus da prova, por aplicação do preceituado no art. 493º do C.Civil, decide, erradamente, como se a mesma não existisse, interpretando e subsumindo erradamente os factos apurados ao Direito. É facto que a Mmª Juiz considerou não provado o quesito 2º da PI (matéria que se sindicou supra).

20ª - O facto da Mmª Juiz não ter considerado provado (como se disse supra em erro) o facto vertido em 2º da BI, não pode significar que o contrário resulte provado, ou seja, daí não se pode inferir que as RR. tenham provado que a árvore em causa estivesse em, pelo menos, normal estado de conservação, tendo agido com a diligência devida.

21ª - Na verdade, as RR., em momento algum, invocam sequer que tal concreta árvore em discussão nos autos, estivesse em normal estado de conservação.

22ª - A Ré A... na sua contestação nada invoca a este respeito e a Ré Câmara Municipal limita-se a invocar, de forma vaga e abstracta que:

- O Município de C... tem o cuidado de através dos seus serviços, controlar, vigiar, e fiscalizar o estado de conservação, o estado fito-sanitário das árvores, designadamente das existentes nas artérias da localidade de V..., procedendo à sua poda, tratamento de doenças que eventualmente detectem, abate dos exemplares decrépitos (artigo 7º da contestação).

- (…) naquele dia e naquela hora e naquele local se fizeram sentir ventos fortes suficientes e capazes para derrubarem árvores em estado normal médio de conservação. (art. 10º da contestação).
- (…) pelo que tal condição climatológica foi causa de derrube de grande quantidade de árvores e impediu a circulação em várias vias. (art. 11º da contestação).

23ª - Factos que deram lugar aos quesitos 12º, 13º 14º da Base Instrutória e aos factos provados sob os nºs 16º, 17º, 18º.

24ª - Contudo, não invocaram nem demonstraram os RR. que aquela concreta árvore ocasionadora do sinistro foi efectivamente vigiada e fiscalizada.

25ª - Nada invocaram e provaram a respeito dos efectivos cuidados que tiveram com a mesma, se foram os adequados, quais os eventuais tratamentos efectuados, datas dessas fiscalizações e eventuais tratamentos, regularidade das mesmas, etc, etc.

26ª - A R. Câmara Municipal não junta nenhum relatório a comprovar o estado da referida árvore, tão pouco, das medidas que tomaram em relação à mesma, de forma a acautelarem que ocorresse a sua queda quando as condições climatéricas fossem mais adversas.

27ª - Nenhuma prova foi efectuada no sentido de que o estado fito-sanitário da árvore em questão fosse normal, e os factos que foram dados como provados, porque vagos e abstractos, não são suficientes para provar o estado efectivo da árvore em questão.

28ª - De notar que a R. Câmara Municipal, não coloca sequer em causa que a referida árvore estivesse oca, veja-se o artigo 6º da Contestação em que esta situação não foi sequer impugnada.

29ª - Como tal, nenhuma prova igualmente existiu de que a concreta árvore que provocou o sinistro se encontrasse saudável e que caiu (partiu pelo tronco) devido, exclusivamente, aos ventos ocorridos.

30ª - Tanto mais que, naquela Avenida, das inúmeras árvores que existem, foi a única que partiu e caiu, como referido por todas as testemunhas.

31ª - A invocação e prova de que aquela concreta árvore estava saudável e que caiu exclusivamente por acção dos ventos, dada a inversão do ónus imposta pelo art. 493º, cabia aos RR.. Não cabia pois aos AA. provar o inverso, como parece querer resultar da sentença a fls 6, no final do penúltimo parágrafo.

32ª - Os RR. não provaram este facto, nem sequer invocaram que a concreta árvore se encontrava em estado normal de conservação, pressuposto para que pudesse existir uma presunção judicial, no sentido de que a causa da queda da árvore foi, exclusivamente, os ventos ocorridos.

33ª - Pelo que, mesmo atenta a matéria de facto considerada provada e assente, sempre se impunha a condenação dos Réus, por não terem logrado ilidir a presunção de culpa vertida no art. 493º do C. Civil, designadamente provando o efectivo estado da concreta árvore em questão e o cuidado que com a mesma tiveram, ou que o sinistro sempre ocorreria existindo o cuidado devido.

34ª - Isto porque, a A. pôs em causa a violação dos deveres de vigilância, segurança e conservação por parte do Município de C... em relação à árvore causadora do sinistro e não na sua generalidade.

35ª - Na Sentença a Mmª Juiz subsume erradamente os factos provados ao direito, violando os artºs 483º e 493º do C. Civil.

36ª - Existiu assim erro notório de julgamento, que se materializou com a sentença proferida.

37ª - Por outro lado, os AA. provaram todos os factos (pressupostos da responsabilidade extracontratual das RR) para que a acção pudesse proceder e serem as RR. condenadas a pagar as quantias peticionadas na PI, designadamente: o facto originador de responsabilidade; a ilicitude e o dano, incumbindo às RR. afastar a presunção de culpa, o que não lograram conseguir.

38ª - Neste sentido, veja-se a jurisprudência fixada no Acórdão do STA de 02/10/2003, processo nº 0135/03, in www.dgsi.pt/jsta. ou ainda, Acórdão do TCA – Norte de 15/10/2009, proferido no âmbito do processo nº 02090/06.3VEPRT, este num caso semelhante ao dos presentes autos, jurisprudência que não foi respeitada.

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II – Matéria de facto.

Invocam os recorrentes erro na apreciação da prova que conduziu a erro nas respostas dadas aos quesitos 2º, 13º e 14º.

Conforme já sustentado em acórdão por nós relatado no processo nº 00802/07.7BEVIS, de 13/09/2013, deste Tribunal Central Administrativo Norte e que ora damos por reproduzido:

Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

(…)»

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 657:

«Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar».

Por outro lado o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

A prova dos autos não impõe respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.

Não se vislumbra, como tal, razão para alterar a matéria de facto, por não ter existido qualquer erro no julgamento da matéria de facto, menos ainda evidente.

Como consta do ponto 1 do sumário constante do referido acórdão: “1- Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”

Em sentido idêntico se pronunciam os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:

- proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012: “1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.

- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013: “2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.

A recorrente defende a alteração da matéria de facto com fundamento nos documentos nºs 1 e 3 juntos com a petição inicial conjugados com o depoimento da testemunha EAC.

Ora o teor de tais documentos foi impugnado pela recorrida A..., tal como resulta do artigo 13º da contestação por si junta aos autos.

O documento nº 1 é uma cópia de um modelo preenchido.

Porém, o próprio modelo preenchido não é formalmente válido como oficial porque apenas contém a rubrica do bombeiro responsável pelo relatório mas não está visado pelo Comandante da C.B., nem está assinalada a sua proveniência.

Acresce que em tal cópia não está atestada a sua conformidade com o original, pelo que o seu valor é apreciado livremente pelo Tribunal (artigos 366º e 387º do Código Civil) e o Tribunal não confiou no teor desse documento, pois que não o citou na fundamentação das respostas aos quesitos, tendo apenas citado o documento da Autoridade Nacional de Protecção Civil, datado de 22-09-2009, referente à queda das árvores no dia do sinistro e o documento do Instituto de Meteorologia, datado de 18-09-2009, que indica os ventos sentidos naquele dia e naquele local.

Sucede que o relatório de ocorrência constituído pelo documento nº 1 junto com a p. i. nem sequer corresponde ao relatório de ocorrência sobre a mesma situação que foi junto aos autos pela Autoridade Nacional de Protecção Civil com ofício de 22-09-2009, sendo que neste último não consta a frase: “Foi atingida uma viatura de marca Mercedes Classe A que estava estacionada. Terá estado na origem o mau estado da árvores (derivado a estar oca pela parte interior e podre em alguns sítios”, frase esta que serviu para preencher uma secção no doc. nº 1 que a ela não dizia respeito pois se destinava a equipamentos e viaturas utilizados na ocorrência pelos próprios bombeiros.

O depoimento da testemunha EAC foi considerado pelo Tribunal a quo como não credível perante as várias contradições referentes ao dia em que se terá deslocado ao local para observar a árvore, contradições que não logrou justificar.

O documento nº 3 é da autoria da referida testemunha, pelo que se o depoimento desta não mereceu um juízo de credibilidade do Tribunal a quo, o teor desse documento assinado por essa testemunha também não pode merecer maior crédito.

Estas razões determinaram a correcta resposta de “não provado” ao quesito 2º.

Quanto ao facto 13 da base instrutória resultou provado porque confirmado pelo teor do documento do Instituto de Meteorologia datado de 18/09/2009, quando expressamente refere “somos de parecer que na Vila de V..., concelho de C..., no dia 25 de Agosto de 2007, pelas 15 horas locais:

A intensidade máxima instantânea do vento tenha atingido valores da ordem dos 95 a 105 km/hora.”

Esta é uma prova científica que não foi contraditada por qualquer outro elemento de prova e foi confirmada pelo depoimento da testemunha VMSC que referiu que a queda da árvore se deveu a um vento forte e que se não fosse esse vento ela não caía sozinha – cassete 1 lado A de 1830 a 2432 rotações.

Quanto ao facto 14 da base instrutória que mereceu a resposta de provado, essa prova resultou de vários documentos, designadamente:

1- Do relatório da ocorrência dos Bombeiros de V..., junto aos autos através do ofício de 22-09-2009 da Autoridade Nacional de Protecção Civil que expressamente refere “As viaturas foram retirar árvores que derivado aos fortes ventos que se fez sentir derrubou várias árvores e impediu várias vias de circulação”.

2- Do quadro anexo ao referido ofício da ANPC que demonstra o conjunto de eventos de quedas de árvores registadas nesse dia e na proximidade de V....

3- Do teor do depoimento da testemunha VMSC, que referiu que até nessa altura, logo a seguir, mais ou menos à volta de 20 minutos, houve logo outra chamada até para a Estrada do Seixo por causa de uma árvore que caiu para a estrada e que naquele dia até foram várias árvores - cassete 1 lado A 1800 a 2432 rotações.

Face a estes elementos probatórios, confirma-se a convicção do Tribunal na resposta negativa ao quesito 2º, na reposta restritiva e explicativa do quesito 13 e na resposta positiva ao quesito 14, matéria factual que não deve ser objecto de qualquer alteração, não se vislumbrando qualquer erro e muito menos evidente, manifesto ou notório, no que à fixação da matéria de facto respeita, em que tivesse incorrido o Tribunal a quo.

A matéria factual dada como provada não deve, pois, ser objecto de qualquer alteração.

Deveremos assim dar como assentes os seguintes factos, fixados na decisão recorrida:

1) No dia 25 de Agosto de 2007, pelas 17:00h, na Avenida Conde Caria, na Localidade e Freguesia de V..., Concelho e Comarca de C..., ocorreu um acidente de viação.

2) Foi interveniente neste acidente, o veículo ligeiro de mercadorias, matricula **-AH-**, propriedade da autora MNBRS.

3) Pelas 17:00h, uma árvore de grande porte adjacente à faixa de rodagem da dita Avenida Conde Caria, abateu-se sobre o veículo da autora MNBRS.

4) O réu Município celebrou com a A... Portugal, Companhia de Seguros, SA, contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 84/09/9..., de responsabilidade civil – documento 1 junto com a contestação da ré A... Portugal e cujo teor se dá aqui por reproduzido.


5) Em 25 de Fevereiro de 2008, a A... Portugal emitiu e enviou à autora recibo pelo valor de € 4.168,41, que a autora nunca apresentou a pagamento mas também não devolveu – documento 2 junto com a contestação da ré A... Portugal.

6) O contrato de seguro celebrado entre o réu Município e a ré A... Portugal, nas suas condições especiais, prevê que ficam excluídos os danos causados por perdas indirectas ou lucros cessantes (cláusula 2ª, alínea e)) – idem.

7) No referido contrato, está prevista uma franquia correspondente a 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 250,00 – idem.

8) Da queda da árvore resultaram os danos no veículo da autora MNBRS, melhor identificados no relatório de peritagem/orçamento, que ascendem a 4.631,57 euros.

9) O veículo AH encontrava-se imobilizado na dita Avenida, e no seu interior encontrava-se a autora, acompanhada pelos seus dois filhos menores, PJSR, ao tempo com 10 anos de idade e CISR, ao tempo com 11 anos de idade.

10) Em consequência de tais danos o veículo AH ficou impossibilitado de circular, encontrando-se imobilizado desde 25/08/2007, data do sinistro, até 01/03/2008, perfazendo o total de 189 dias.

11) A autora usava o veículo AH para as suas deslocações.

12) Não foi fornecido à autora qualquer veículo de substituição.

13) A autora MNBRS e os seus dois filhos menores, sofreram medo e aflição, receio de morte, ansiedade e nervosismo, causados pela queda da árvore.

14) O medo, o nervosismo e o trauma sofridos pela autora e filhos no dia do acidente ainda hoje “renasce” quando necessário imobilizar o veículo debaixo de uma árvore.

15) A autora sofreu o incómodo, mal-estar e perdas de tempo causados pelas vezes que teve de se deslocar à oficina, ao Posto da GNR, às agências das Companhias de Seguros, ao Município de C....


16) O Município de C..., através dos seus serviços, controla, vigia e fiscaliza o estado de conservação, o estado fito-sanitário das árvores, designadamente das existentes nas artérias da localidade de V..., procedendo à sua poda, tratamento de doenças que eventualmente são detectadas, abate dos exemplares decrépitos.

17) Naquele dia, naquela hora e no local do acidente, fizeram-se sentir ventos que atingiram a intensidade máxima instantânea na ordem dos 95 a 105 km/hora, suficientes e capazes de derrubarem árvores em estado normal de conservação.


18) Tal situação climatológica foi a causa de derrube de grande quantidade de árvores e impediu a circulação em várias vias.


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III - Enquadramento jurídico.
As questões a decidir resumem-se a saber: 1ª – se existe presunção de culpa que onere os demandados; 2ª - se os remandados ilidiram ou não essa presunção; 3ª – quais os danos a indemnizar e o valor da indemnização.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967.

Determina o seu art.º 2º, nº1, que “O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Há, no entanto, de ter em atenção o disposto no artigo 6º do mesmo diploma que nos dá neste domínio particular uma definição de ilicitude: é ilícito o acto que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como aquele que viole as regras de ordem técnica e de prudência comum”.

O conceito de ilicitude consagrado neste preceito é, pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).

A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num acto jurídico, nomeadamente um acto administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de acto jurídico. O acto jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa colectiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos actos jurídicos, incluindo portanto os actos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do acto e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respectivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.

No que toca à culpa "Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).

É também jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil, decorrente da propriedade de coisas (por todos, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 (Pleno), recurso n.º 37 510, de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

Este regime radica nas seguintes razões: 1ª - nas regras da experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância; 2ª- na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objectivo de cuidado; 3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa (Antunes Varela, "Das Obrigações Em Geral" volume I, páginas 590-591; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.1996, Apêndices ao D.R., de 23.10.1998, p. 3697).

Assim como é pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350.° n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

A elisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.º 1758/03).

Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que os Autores sofreram.

Tanto basta para que funcione a presunção de culpa do Município de C... conforme supra se sustentou, mas também nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.

Reproduzindo parcialmente o teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0373/10, datado de 22/06/2010, relatado por São Pedro, com o qual se concorda:

O art. 493º, 1, do C. Civil consagra a responsabilidade civil das pessoas com o dever de vigiar coisas ou animais, impondo uma presunção legal de culpa, desde que se prove que o dano foi causado «pela coisa ou animais». Com efeito, diz-nos concretamente o art. 493º, 1 do C. Civil que a pessoa com o encargo de vigiar a coisa «responde pelos danos que a coisa causar…»”.

O recorrente não põe em causa que tenha o dever de vigiar a Estrada e as árvores “implantadas” junto à sua berma. O que põe em causa é a prova dos factos que justificam a presunção, ou como diz a fls. 222: cabia ao autor provar “a base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal e dos danos, que, em nossa opinião não logrou demonstrar”.

Todavia, no caso dos autos tal nexo de causalidade verifica-se de modo muito claro.

O dano foi causado pela queda de árvore na estrada, que o réu tinha o dever de vigiar.

Há, neste caso, um nexo de causalidade adequada evidente entre a queda da árvore na estrada (coisa vigiada) o embate do veículo com a árvore e o dano que este embate provocou no veículo. Na verdade para além da causalidade naturalística (a queda da arvore ser uma condição do dano) é evidente que essa condição só deixaria de poder como tal considerar-se se fosse de todo indiferente para a produção do dano e só se tivesse tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, o que não sucede em geral, uma vez que uma árvore a beira da estrada, pode sempre cair sobre um carro.

Estabelecido esse nexo de causalidade adequada entre a “coisa” e o “dano” (base da presunção) o réu para afastar a responsabilidade civil deveria provar (art. 493º, 1, 2º parte) que (i) não teve culpa ou (ii) que – tendo culpa - o dano se verificaria mesmo que a não tivesse. O “non liquet” sobre qualquer destes aspectos (falta de culpa, ou relevância negativa da causa virtual) é decidido contra o réu.

Dos factos não resulta que o réu tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis na vigilância da estrada e, sobretudo, no estado das árvores que a circundem de modo a evitar que, em casos de chuva intensa e persistente as mesmas não caíssem na faixa de rodagem. Em boa verdade sobre modo como esse dever de vigilância, em concreto, foi exercido nada se provou. Há, nesta medida, um claro “non liquet”.

O réu sustenta ainda a tese, segundo a qual a queda da árvore foi devida a um caso de força maior, imprevisível e, portanto, inevitável. Mas, em boa verdade os factos provados não permitem essa conclusão.

Provou-se, é certo, que estava mau tempo, com chuva intensa e persistente e que o pinheiro foi arrancado pela raiz.

Mas não se alegou que, naquela ocasião e local, todos os pinheiros (ou a maioria deles) tenham sido arrancados pela raiz e, embora tal tenha sido tenha sido alegado não se provou que o pinheiro que caiu estava viçoso “nada fazendo prever a sua queda” (al. b) dos factos não provados).

Ora, mesmo perante o mau estado do tempo (chuva intensa e persistente) fica de pé a possibilidade de aquela concreta árvore não estar nas condições que lhe assegurassem a devida estabilidade e, por isso, não ter resistido ao mau tempo. Daí que, não existam factos provados suficientes para podermos concluir que ocorreu um caso de calamidade impossível de prever e desse modo evitar o dano (força maior).

Ou seja, a matéria de facto dada como assente não permite, de modo algum, considerar provado que “nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Descendo ao caso concreto em análise: o recorrido Município de C... não põe em causa que tenha o dever de vigiar a estrada em causa e as árvores “implantadas” junto à sua berma, mas invoca a verificação de caso de força maior, para ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai.

Não há dúvida de que os danos foram causados pela queda de árvore em cima do veículo automóvel da autora, quando este estava estacionado na Avenida Conde Caria, na localidade e freguesia de V..., concelho e comarca de C....

Também é indubitável que o réu Município de C... tinha o dever de vigiar essa árvore e as demais existentes na Avenida onde se deu o acidente.

Os recorridos provaram que o referido réu, através dos seus serviços, controlava, vigiava e fiscalizava o estado de conservação, o estado fito-sanitário das árvores, designadamente nas artérias da localidade de V..., procedendo à sua poda, tratamento de doenças que eventualmente são detectadas, abate dos exemplares decrépitos.

Mas para se considerar ilidida a presunção necessário se tornava alegar e provar o modo e a respectiva periodicidade média desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detectado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção (neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, o de 27-05-2009).

Reproduzindo parcialmente o teor deste último Acórdão:

Com efeito integrando-se a árvore caída no Parque Florestal de Monsanto, e sendo este património arbóreo da responsabilidade do Município de Lisboa, sobre este impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes. Tal prova não foi, porém, produzida, de modo cabal e suficientemente persuasivo, pelo Réu. Não obstante ter alegado, o Réu não logrou provar que a fiscalização, patrulhamento e manutenção do Parque de Monsanto levado a efeito é executado de modo regular, periódico e adequado. A mera execução de tal actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento no respectivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detectado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção. Por outro lado, a demonstração feita em julgamento que a análise visual aos cepos de duas acácias caídas na zona do acidente não evidenciou doença ou podridão pouco releva para se concluir pela licitude da conduta do Réu desde logo, porque não se provou que a árvore tombada na viatura fosse uma das acácias visualizadas, e, mesmo que o fosse, a análise visual é marcadamente insuficiente para se poder afirmar se a árvore está ou não de boa saúde, pois, para tanto seria necessário proceder a exames laboratoriais específicos, tal como o reconheceu um dos técnicos responsáveis pela manutenção do Parque ouvido em Tribunal.

Assim sendo, face à matéria fáctica demonstrada, é forçoso concluir pela ilicitude da conduta do Réu por omissão do dever de vigilância e fiscalização sistemática, adequada e eficaz das condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário da árvore caída.

Por outro lado, no que tange à culpa, o Réu não logrou ilidir a presunção legal que sobre ele impende, pois, não provou ter cumprido com eficácia o referido dever de fiscalização da árvore em causa, em obediência às regras técnicas e de prudência comum exigíveis naquela situação concreta, nem que a mencionada queda do elemento arbóreo se ficou a dever em exclusivo a circunstâncias anormais e imprevisíveis, a causa alheia e estranha ao controlo do Réu. Na realidade, a exemplo do já decidido no STA, a prova do registo de período de chuva, por vezes intensa, e vento moderado a forte com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração está adstrita (cfr Ac. STA 11/03 de 15.10.2003). Aliás, as condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são, plenamente, normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma actuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso, eventualmente, até o corte pontual do trânsito nas artérias de maior densidade florestal do Parque, face ao comunicado do Serviço Nacional de Protecção Civil, que entrou em alerta amarelo a partir das 14 horas (tendo o acidente ocorrido sete horas depois), e o comunicado da previsibilidade de queda de árvores.

Portanto, a actuação do Réu é ilícita e culposa.”

Não se vê razão para censurar esta ponderação da sentença recorrida, que a argumentação do Réu, a que acima se fez referência, não é suficiente para pôr em causa.

Efectivamente, por um lado, apesar de ser incluído na base instrutória, um quesito (23º) onde se indagava se no dia 6.12.2000 a queda da árvore teve origem em chuvadas e ventos anómalos que assolaram Lisboa, apenas se provou que, nesse dia, na região de Lisboa, ocorreram períodos de chuva, por vezes forte, e o vento tornou-se moderado e forte com rajadas. (cfr. fls. 123 e resposta ao quesito 23, a que corresponde o item 22 dos factos provados).

Ou seja, não se provou uma relação de causalidade entre as condições climatéricas do dia em que ocorreu o acidente – a que o Recorrente faz apelo na sua argumentação – e a queda da árvore que provocou os danos.

E, assim sendo, o Réu não logrou provar que a aludida queda se verificou devido a caso de força maior.

Por outro lado, embora o Réu, ora Recorrente, tenha alegado que, “através dos seus serviços, e agindo no âmbito das suas legais atribuições procedeu à fiscalização de todo o Parque Florestal de Monsanto incluindo os elementos arbóreos sitos no local referenciado nos autos, por forma regular e periódica, não detectando no decurso das mesmas qualquer motivo atinente aos exemplares existentes, que justificassem a sua intervenção ao nível de prevenção ou tratamento”, e tenha sido incluído, na base instrutória, um quesito (19º) com esse exacto conteúdo, apenas se provou que “os serviços da Ré fiscalizam o Parque Florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detectado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção” (resposta ao quesito 19º; 18 dos factos provados).

Não se provou, assim, designadamente, ao invés do invocado na contestação, que a fiscalização do Parque de Monsanto pelos serviços do Réu, fosse efectuada “de forma regular e periódica”.

Como a sentença recorrida considerou e bem, sobre o Réu, em cujo património se integrava a árvore causadora do acidente, “impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes”.

O Autor tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o artº. 493º, nº 1 do Código Civil, conforme é, a este propósito, jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo (v. entre muitos outros, acs. do Pleno de 29.4.98, p. 36463; de 3.10.02, p. 45160; de 20.3.2002, p. 45831).

Para ilidir essa presunção, é insuficiente a simples prova em abstracto, de que “Os serviços do Réu fiscalizam o parque florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes na zona do acidente, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detectado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.

Como a sentença recorrida considerou e bem, “a mera execução de tal actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detectado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção”.

Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, a alegação e consequente possibilidade de prova da inexistência de “faute de service” tem de ser feita a partir de factos que esclareçam o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos serviços do Réu para obviar a eventos danosos como o que ocorreu (v. entre outros acs. do STA de 14.4.05, p. 86/04; de 5.5.04, p. 1203/03; de 12.7.07, p. 321/07), prova que, como a sentença correctamente considerou, não foi feita.”

Reproduzindo parcialmente o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, datado de 14-01-2010, relatado por Pires Esteves:

“(…) um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora, previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências (Acs. do STJ de 9/1/1970-proc. nº62941, de 10/12/85-proc. nº73169, de 26/5/1988-proc. nº75721, de 27/9/1994-Proc. nº85089, de 10/2/2005-proc. nº4B2192 e de 29/11/2005-proc. nº05B3678).

Na hipótese do caso de força maior fica prejudicado qualquer juízo de culpa sobre o potencial lesante, dado que em nada contribuiu para o evento.”

Os factos 16, 17 e 18 não são suficientes pelas supra aludidas razões para ilidirem a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil.

Com efeito, não se alegou e, como tal, não se provou, quais as providências desencadeadas em relação á árvore que caiu no veículo automóvel dos autores para se poder concluir que os seus controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se o Município de C... «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma adequada, sistemática e contínua fiscalização técnica (no sentido de que só a alegação e prova desses requisitos ilide a presunção de culpa em caso de queda de árvore causadora de danos se pronunciam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2009, p. 02090/06.3BEPRT, de 17.12.2003, p. 01499/03, de 15-10-2003, p. 011/03, de 22-10-1998 p. 043616, de 11.01.1994, p. 034034, de 11-01-1994, p. 031468, de 20.02.1990, p. 027844, de 13-02-1997, p. 37290, e de 07.11.1989, p. 027240).

O que tem de comum a situação dos autos com as situações descritas nos acórdãos ora citados, de decisivamente comum, é a circunstância de não ter ficado provado que a entidade demandada procedeu à vigilância e cuidado das árvores no local, de forma sistemática e continuada.

Pelo exposto, impõe-se revogar a decisão da 1ª instância e decidir do mérito da acção, por não terem sido alegados factos suficientes para a elisão da presunção de culpa prevista no artigo 493º nº 1 do Cód. Civil.

Preenchidos que estão, conforme supra se demonstrou, todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual dos recorridos, por força do contrato de seguro celebrado entre os recorridos, ao Município de C... cumpre pagar 10% da indemnização que vier a ser fixada por danos materiais na parte ainda não paga e à recorrida Companhia de Seguros A... o remanescente, porque nada pagou até à data e ainda a totalidade dos danos não patrimoniais.

A última questão a decidir consiste na determinação do valor dos danos.

Nos termos do artigo 562º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil), compreendendo não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – nº 1 do artigo 564º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564º nº 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do artigo 566º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º). Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º).

Analisemos os danos alegados pelos autores/recorrentes:

1. Danos patrimoniais.

Apreciando o pedido de indemnização a título de danos patrimoniais pelas despesas e privação da viatura.

1. 1. As despesas com a reparação da viatura.

Estas despesas orçaram o montante de €4.631,57.

Desse montante, 10% constitui o valor da franquia acordada no contrato de seguro a cargo do Município de C... e que este efectivamente pagou, como resulta do teor do documento nº 1 junto com as alegações de recurso, no montante de €463,16.

O pagamento do remanescente deverá ser suportado pela Companhia de Seguros A..., no montante de €4.168,41.

Dano da paralisação do veículo entre 25/08/2007 e 01/03/2008 (189 dias) – facto 10 dado como provado.

Não ficou provado que o veículo da autora tivesse sofrido qualquer desvalorização pelo que o dano peticionado a tal título não dá lugar a qualquer indemnização.

1. 2. Danos patrimoniais resultantes da privação do uso do veículo.

Resultou provado que os autores estiveram privados do uso do seu veículo pelo período de 189 dias, por este ter ficado sem poder circular, como ficou provado que a autora usava o veículo para as suas deslocações, não lhe tendo sido fornecido qualquer veículo de substituição.

Citando A. Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, pág. 39, “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma fatia dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.

E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem qualquer que fosse a actividade/lucrativa, benemérita ou de simples lazer, a que o veículo estava afecto”. Neste sentido, ver o acórdão de 26/11/2002, in CJ ano 2002, tomo V, pág. 19, que decidiu que “o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso a critérios de equidade. Por conseguinte, mesmo quando se trata de um veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade por danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.”.

No mesmo sentido, na doutrina, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2002, páginas 316 e 317; Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7ª edição revista e ampliada, Livraria Petrony, 2005, pág. 359, na jurisprudência, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2008, processo 07B3557, de 06.5.2008, processo 08A1279, de 16.9.2008, processo 8A2094, de 06.11.2008, processo 08B3402 e de 09.12.2008, 08A3401, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2009, processo 1252/08.3TB.º FUN.L100.

Mas igualmente devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais (BMJ nº 494, pág. 396), onde se defende que “são ressarcíveis, como danos de natureza não patrimonial, os transtornos e incómodos resultantes da privação prolongada do uso de veículo, tais como a necessidade de levantar cedo para ir para o trabalho e o regresso mais tardio a casa.”

O montante diário pedido pelo custo diário de aluguer de um veículo de substituição semelhante ao do autor, fazendo recurso à equidade - nº 3 do art. 566º do Código Civil - é de quantia não inferior a €35,00, pelo que para indemnização deste dano deverá o Município de C... pagar a quantia correspondente a 10% de €6.615,00 (€35,00 x 189 dias), €661,50, devendo o remanescente ser pago pela Companhia de Seguros A... – no montante de €5.953,50, o que corresponde aos montantes peticionados a este título.

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.12.2013, processo 607/10.8TBFLG.G1 foi fixado o valor de 74,28 € por dia para um veículo ligeiro de mercadorias. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 31.01.2013, processo 3793/10.3 TBOER.L1, foi fixado o valor de 30 € por dia pela imobilização de um veículo ligeiro de mercadorias. E no acórdão deste mesmo Tribunal de 21.05.2009, no processo 1252/08.3TBFUN.L1, foi fixado o valor diário de 40,25 € pela imobilização de um quadriciclo.

Neste contexto, mostra-se ajustado o valor de 35 € (trinta e cinco euros) por dia pela imobilização do veículo dos autos, ligeiro de mercadorias.

Aos montantes supra referidos acrescem juros de mora, contados a partir da citação até integral e efectivo pagamento, sendo a taxa legal anual até à data de 4% – art. 559º do Cód. Civil e Portaria nº 291/03, de 08/04.

2. Danos não patrimoniais.

Invocam os autores a seguinte ordem de razões:

Teve a Autora MNBRS de recorrer à boleia de familiares, amigos e vizinhos e à deslocação em transportes públicos para as suas deslocações diárias, no seu dia-a-dia, para levar os filhos à escola, para as deslocações ao Centro de Saúde, farmácias, repartições públicas, entre outros estabelecimentos, todos sitos a cerca de 10 km de distância da residência dos AA., impedindo-a, também, de passear com a sua família, para visitar familiares e amigos, residentes dentro e fora do Concelho de VPA, o que fazia com muita regularidade,

Deslocações essas que até à data do acidente foram sempre efectuadas através do veículo AH, propriedade da Autora MNBRS, veículo com apenas 6 anos de idade, à data do acidente, e sobre o qual deposita enorme confiança em todos os aspectos (comodidade, segurança activa e passiva, conforto, etc.)

Assim, desde 25/08/2007 até 01/03/2008, a A. MNBRS encontrou-se privada do uso do seu veículo, nem lhe foi fornecido qualquer veículo de substituição, apesar de insistentemente solicitado, originando, como tal, a perda temporária dos poderes de fruição sobre o mesmo;

Provocando-lhe um dano consistente no facto de ter perdido a utilidade do meio de transporte necessário à sua vida familiar, pessoal e às suas comodidades e dos demais elementos do agregado familiar, encontrando-se impedida de dispor, no imediato, do meio de locomoção que era o veículo AH.

E, como tal, durante o período supra referido, teve a A. MNBRS de recorrer a meios de transporte alternativos, não podendo, desta forma, exercitar o direito de utilizar aquele bem próprio, impedimento este provocado pro motivo completamente alheio à sua vontade, tal como descrito supra.

Tal dano originado pela privação do uso e fruição do seu veículo deve ser compensado à A. MNBRS com um quantitativo nunca inferior a €2.000,00.”

Estes invocados danos não patrimoniais não resultaram provados, pelo que não dão lugar a qualquer indemnização à autora MNBRS, concretamente à pedida no montante de €2.000,00.

Invocaram ainda os autores:

Sofreram, também a A. MNBRS e, bem assim, os seus dois filhos menores, aqui representados pelos AA. MNBRS e JPVS, enorme medo, aflição, receio de morte, ansiedade e nervosismo, causados pela queda da árvore, uma vez que se encontravam dentro da viatura quando tal facto ocorreu, situação que originou em todos diversas noites de insónias e ansiedade, que perduraram mais de 8 dias.

O medo, o nervosismo e o trauma ainda hoje permanecem na mente da A. e seus filhos, pois, sempre que é necessário imobilizar o veículo debaixo de uma árvore “renasce” a aflição, a ansiedade e o nervosismo, sentidos no dia 25/08/2007, o que tem impedido a A. de conseguir manter imobilizada a sua viatura debaixo de árvores, não só por vontade própria como por solicitação dos seus filhos, alterando-lhe, em consequência, os hábitos diários que até então tinha, causando-lhe, pois, elevados incómodos, transtornos e aborrecimentos a si, aos seus filhos e aos demais elementos do agregado familiar.

Por estes danos de natureza não patrimonial deverão a A. e seus filhos ser compensados com um quantitativo nunca inferior a €1.000,00 para cada, o que perfaz o montante de €3.000,00.

Acresce o incómodo, mal-estar e perdas de tempo causados pelas vezes que a A. MNBRS teve de se deslocar à oficina, ao posto da GNR, às agências da Companhia de Seguros, ao Município de C..., e que devem ser compensados com um quantitativo nunca inferior a €300,00”.

Provou-se apenas que:

A A. MNBRS e os seus dois filhos menores sofreram medo e aflição, receio de morte, ansiedade e nervosismo causados pela queda da árvore.

O medo, o nervosismo e o trauma sofrido pela autora e filhos no dia do acidente ainda hoje “renasce” quando necessário imobilizar o veículo debaixo de uma árvore.

A A. MNBRS sofreu o incómodo, mal-estar e perdas de tempo causados pelas vezes que teve de se deslocar à oficina, ao Posto da GNR, às agências da Companhia de Seguros, ao Município de C....”

Nos termos do preceituado pelo art. 496º nº 1 do C.C. “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

No nº 3 do mesmo artigo estabelece-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.05.2012, no processo n.º 2 3492/07.3TBVFR.P1, de 08/05/2012, relatado por Nuno Cameira, in dgsi.pt pode ler-se “Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo infligido”.

Ou seja, pretende-se aqui arbitrar uma compensação também com base na equidade e tendo em consideração os factores supra elencados.

Assim sendo, entende-se adequada a compensação pelo sofrimento e incómodos suportados pela autora MNBRS no montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) e o sofrimento de cada um dos seus filhos no montante para cada de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros), estes montantes da responsabilidade total da A..., por a franquia os não abranger.

Sobre cada um destes montantes incidem juros de mora vincendos a partir de hoje até efectivo e integral pagamento às taxas legais sucessivamente em vigor – artigo 559º do C.C. e Portaria nº 291/03, de 08/04.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que:

1. Revogam a sentença recorrida.

2. Julgam a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

2.2. Condenam:

a) O Município de C... a pagar à Autora MNBRS a quantia de 661,50 € (seiscentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos a partir da citação até hoje, à taxa legal anual de 4% e dos juros de mora vincendos a partir de hoje até integral e efectivo pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor.

b) A A... PORTUGAL, Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora MNBRS a quantia de 11.622 € (onze mil, seiscentos e vinte e dois euros), acrescida dos juros de mora vencidos a partir da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor.

c) A A... PORTUGAL, Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores CISR e PJSR, nas pessoas de seus pais, MNBRS e marido JPVS, a quantia de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento às taxas legais sucessivamente em vigor.

d) Absolvem os Recorridos do demais peticionado.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.


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Porto, 22.10.2015
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco